Amor virtual

Versão quarentena

Do Geraldo Cunha: https://divagacoesgcc.wordpress.com/2020/06/27/serie-elos-amor-virtual/

CONVERSA COM ELE
A máquina escreve o que gostaria de lhe dizer nos ouvidos,
em um de cada vez,
um mote
um tema
um verso
uma estrofe
um poema.
A máquina escreve como se falasse de minhas tormentas e dúvidas
o que não poderia gritar pelas noites vazias de ti
em meu teclado
em meu leito
em mim.

[…] ”Lembrei de quantos pacientes parecem ter na cabeça uma narrativa condicional quanto à forma como o amor acontece. Lembrei dos textos de Freud sobre a psicologia da vida amorosa e de como produzimos condições, negativas e positivas, para a escolha de nosso objeto de amor. Entre elas é comum encontrar uma espécie de horror à própria ideia de que devemos agir ativamente para nos propiciarmos situações nas quais a contingência do amor pode acontecer. Aqui a palavra-chave costuma ser: “natural”…. – Natural como sempre foi, amigos de amigos em turmas e festas ou baladas e barzinhos. Um exame mais apurado costuma mostrar que este natural indica apenas a retenção de condições nas quais outros amores aconteceram, em outras épocas da vida as quais, por exemplo, os amigos não estavam casados, as baladas tocavam rock progressivo e inexistiam aplicativos.
Apesar do aumento exponencial deste tipo de tecnologia na aproximação entre casais, há ainda efeitos residuais da primeira geração de usuários deste tipo de rede social. No seu agora clássico “Tinderellas” [1], Lígia Figueiredo e Rosane de Souza, detectaram três estilos de uso destes aplicativos:
1- O curioso, que conversa muito, mas fala pouco de si, demora para se envolver, tal qual um antropólogo que está pesquisando uma outra cultura.
2- O recreativo, que está em busca de diversão, que forma certos códigos e procedimentos para conectar-se a alguém ajustado para a ocasião.
3- O racional, que está olhando para a tarefa em busca de uma escolha de longo prazo, com forte intimidade e investimento de parte a parte.
Descobrindo-se com mais clareza o que cada um quer (seu estilo de uso), esclarecendo-se as condições e escolha (o tipo de apego) e estabelecendo-se com maior transparência do que se compõe o outro, seus traços e qualidades “dinheirais, sexuais e intelectuais”, nada poderia escapar ao procedimento. Bastaria se dar o trabalho de repeti-lo até encontrar o match, crush e seguir viagem. Mas não é isso que está acontecendo. A quantidade de sequelados pelos desencontros digitais, dos cansados de tanta oferta enganosa, dos que simplesmente não suportam a situação tal qual ela se apresenta ainda é muito grande.[…] Isso ajudaria a entender porque tantas pessoas têm ódio mortal dos aplicativos, como se eles vendessem uma falsa promessa, que na verdade estaria mais na nossa interpretação e uso sobre o que eles oferecem, ou seja, como método de encontro eles trazem este efeito iatrogênico de nos fazer acreditar que saber mais e mais rápido é melhor. Talvez sejam as mesmas pessoas que antes amaldiçoavam o amor romântico antes mesmo de ler seu manual de uso (Goethe, Balzac, Flaubert, Stendhal, Tolstoi, Clarice Lispector, Ana Cristina César, Hilda Hist e todos os outros). Isso nos leva a formulação de tipos e enquadramentos muito rápidos sobre o outro, sobre nós naquela situação. Isso aumenta a pressão urgente para decidir e não “perder mais tempo”. […] Em síntese, o amor digital não tem que ver com contrato, não tem que ver com livre escolha de mercadorias, não tem que ver com gostos semelhantes, nem com “tipos” ou “traços” humanos que se completam. Ele depende de nossa capacidade, cada vez mais rara, de suportar não saber e de agir em conformidade com o seu desejo, assim mesmo.”
(Christian Dunker, psicanalista, em Blog do Dunker)

Pertinência: Li ” AMOR VIRTUAL” – o último poema do Geraldo Cunha, escrito a 4 mãos, em seu blog Divagações & Pensamentos – e comentei que esse realmente parece ser um tema a ser escrito por muitas mãos, nos últimos tempos.

Artigo do Christian Dunker, na íntegra:

O que é preciso saber para que o seu crush seja o verdadeiro amor digital

https://blogdodunker.blogosfera.uol.com.br/2020/06/26/o-que-e-preciso-saber-para-que-o-seu-crush-seja-o-verdadeiro-amor-digital/

Leia aqui no blog:

Virtualmente

Virtualmente

Plataformas

Plataformas

Poesia: Odonir Oliveira

Imagens retiradas da Internet

Vídeos:

1- Canal Mario Valladares

2- Canal Gal Costa – Tema

São Pedro, as chaves e as bandeirinhas

CHAVES DE SÃO PEDRO

Faz frio no Rio
faz frio e faz lua
no rio
tenho vestidinho de chita
chapéu de palha e trancinhas
artificiais
Faz frio na noite do Rio
uma fogueira canta e ilumina sonhos
vozes entoam cantos juninos
Faz frio no Rio
faz lua
fazemos bandeirinhas nos céus reais

Faz frio em minha alma
sem lua no céu
sem vestidinho de chita
sem fitas
sem sonhos
sem ilusões
sem planos
reais
Faz frio no Campo das Vertentes
ainda faço bandeirinhas coloridas
reais

Versos que conversam (em intertextualidade) com os do poema ”Profundamente”, de Manuel Bandeira

São Pedro era um galileu, pescador das margens do Lago de Tiberíades. Segundo Mateus, Jesus disse a Simão “Tu és Pedro e sobre esta pedra construirei a minha Igreja” (16,18)

Alfredo Volpi, nasceu em 1896, na Toscana, Itália e veio ainda bebê para o Brasil, vivendo no bairro do Cambuci, em São Paulo. Encantado com as festas juninas de Itanhaém, começa a pintar o que o destacaria de tantos outros pintores: as bandeirinhas. Em 1940, Volpi ganhou o concurso do IPHAN, o que lhe deu maior visibilidade nacional. Treze anos mais tarde levou o Prêmio de Melhor Pintor Nacional da Bienal Internacional de São Paulo ao lado de Di Cavalcanti. Em 1958, foi a vez de receber o consagrado Prêmio Guggenheim. No Brasil, Alfredo também fez sucesso e em 1962 e 1966 foi eleito o melhor pintor do país pelos críticos de arte do Rio de Janeiro. Teve uma única filha, mas adotou vários outros. Faleceu em S. Paulo, em 1988.

1953
1950
1954
Início dos anos de 1960

PERTINÊNCIA: Aproveito todas as chances de aprender. Convivi com artistas plásticos, diariamente, em minha casa no Farol de Itapuã, em 1979. Depois aprendi muito com meus colegas professores de Educação Artística – todos pintores também – e era sempre sua mais atenta aluna. Por exemplo, acompanhei com a Ana Maria Nogueira, arte-educadora de grande valor, a forma como trabalhava Volpi com as estudantes do magistério, ensinando-as a apreciar, analisar e a recriar suas obras. E crianças, até as bem pequenas, adoram as telas de Alfredo Volpi e as recriam com enorme PRAZER. Prazer estético é isso. Encantam-me a ”inocência, a ingenuidade”, o jeito concretista, entretanto, naif, desse artista.

Sobre o mesmo tema, leia aqui no blog:

13 de junho, Dia de Santo Antonio

13 de junho, Dia de Santo Antonio

São João baiano

São João baiano

“E que teve seu começo numa festa de São João”

“E que teve seu começo numa festa de São João”

Santo Antonio, pastor da minha infância

Santo Antonio, pastor da minha infância

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Imagens retiradas da Internet

Vídeos:

1- Canal Almir Satter – Tema

2- Canal Estadão

João e Antônio

“Miguilim olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessôas. Via os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de um distância. E tonteava. Aqui, ali, meu Deus, tanta coisa, tudo… O senhor tinha retirado dele os óculos, e Miguilim ainda apontava, falava, contava tudo como era, como tinha visto. Mãe estava assim assustada; mas o senhor dizia que aquilo era do modo mesmo, só que Miguilim também carecia de usar óculos (…) O doutor entendeu e achou graça. Tirou os óculos, pôs na cara de Miguilim. E Miguilim olhou para todos, com tanta força. Saiu lá fora. Olhou os matos escuros de cima do morro, aqui em casa, a cerca de feijão-bravo e são-caetano; o céu, o curral, o quintal; os olhos redondos e os vidros altos da manhã. Olhou mais longe, o gado pastando perto do brejo, florido de são-josés, como um algodão. O verde dos buritis, na primeira vereda. O Mutum era bonito! Agora ele sabia.”
.
– João Guimarães Rosa, da novela “Campo Geral”, em “Manuelzão e Miguilim”/ no livro ‘Corpo de Baile’. Rio de janeiro: Nova fronteira, 2001, p. 149-152.

SEJA OS OLHOS MEUS

Me empresta os teus olhos?
Me empresta.
Aí por onde andas não estou
Aí por onde te maravilhas não estou
Embebe-me do teu olhar
Olhamos parecido
Somos fruto das mesmas árvores
Pois então
Me empresta os teus olhos?
Me empresta.
Gostas do amanhecer
Saboreias o perfume do entardecer
Navegas por rios que tanto eu desejaria
Me empresta os teus olhos?
Me empresta.
Quando tuas retinas fotografam águas
Tuas retinas me fotografam a alma
Quando viajas pelas estradas
Nelas meus olhos te acompanham
Quando segues em canoas
Remo junto contigo na força das águas.
Quando entornas imagens de teu país por meus olhos
Semeias lirismo em minhas mãos.
Me empresta teus olhos?
Me empresta.

João Guimarães Rosa nasceu em 27 de junho de 1908, em Cordisburgo, MG

DEDICATÓRIA: Ao meu amigo, Mauro Almeida, médico de família e nascido em Mutum, MG

Leia também aqui no blog:

O sertão é dentro da gente”

“O sertão é dentro da gente”

Guimarães Rosa, mire e veja

Guimarães Rosa, mire e veja

”A colheita é comum, mas o capinar é sozinho”

“A colheita é comum, mas o capinar é sozinho”, G. Rosa

‘Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”

“Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura” G. Rosa

”O senhor sabe o que é silêncio é a gente demais”

“O senhor sabe o que silêncio é? É a gente mesmo, demais”, G. Rosa

Na terceira margem do rio: a de dentro

(N)A terceira margem do rio: a de dentro

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal (1ª foto retirada da Internet)

Vídeo: Canal Antônio Carlos Jobim

Navegantes de ilusões

CÉU DE INFÂNCIA

Era sol quente
era tela vermelha
era entardecer de pote de rubro entornado
era frescor de contar estrelas
era deitar na calçada, na grama, no banco da pracinha
era fechar os olhos e ainda ver
era fechar os olhos e ainda sentir
era fechar os olhos …

Ainda é .

CÉU MESMO

Nas areias de Itapuã
namorava os céus
interrogava a lua sobre presente e futuro

No Farol de Itapuã
ansiava saber se os mesmos céus cobriam a pauliceia
confidenciava em cantigas de amigo às nuvens
segredos de dores e amores

O céu mesmo me acolhia
O céu mesmo me abraçava comovido.

MEDO

Elas tinham medos
medo de se dar
medo de sofrer
medo de rejeição
medo de solidão.
Ofertavam-se por medo.
Ofertavam-se por umas rimas, umas melodias, umas palavras doces.
Ofertavam-se
Entregavam-se às ilusões.

ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU

Tempos há de nebulosidades
Tempos há em que não se vê nada no céu , nem na terra
Tenta-se iluminar os caminhos
Tenta-se encontrar as rotas
Tenta-se prever os destinos.
Tudo é opacidade.

CÉU DE LUA

A cidade olha o chão
A cidade olha a gravidade que a prende à terra
A cidade encobre os céus
A cidade não bebe os goles de luar
A cidade não vê
Mas a lua confeita a cidade.

DE NÉCTARES, DORES E FLORES

[…]

Como num passe de mágica, como aquele das badaladas da meia-noite do conto de fadas,
perdeu-se o sapatinho de cristal.
Acabou-se o encantamento.
Sem saber bem como, nem por quem, uma ação esterilizadora ocorreu.
Sem aviso prévio, sem anuência, sem acordo ou negociação anterior.
Ocorreu.

Como se fosse proibido
religiosamente
socialmente
culturalmente
contemplar-se as flores amarelas do vizinho.
São minhas, corto-as quando desejar,
arranco-as quando quiser,
faço como acho que deve ser feito-
teria dito ele.
Ficou com aquele sentimento nas mãos.
Sem entender por quê e como, o inusitado da contemplação
poderia oferecer tamanhos perigos, tamanhas ameaças, tantos silêncios.
O quadro sintomático era claro:
tristeza resultado de processo de apaixonamento,
que costuma demorar um tempo para ser superado,
demandando repouso e espera,
não em dose única,
posto que é chama e arde.
Mas outras flores amarelas virão ainda para serem contempladas
e espera-se que vizinhos não resolvam podá-las a bel-prazer, como ora aconteceu.
Como tratamento, repouso e espera.

DEMOCRACIA

Bandeiras flamulando
Gente nas ruas
Papeis picados, santinhos, faixas
Músicas pelas ruas.
Votar pela primeira vez.
Participar da Nação
Encontrar caminhos, buscar soluções, acreditar nas mudanças.
Votar pela primeira vez.
Voto do rico igual ao do pobre
Ilusão de justiça
Ilusão de solidariedade
Ilusão de igualdade.
Por quê?

Leia também aqui no blog:

Nada além de uma ilusão … Não.

Nada além de uma ilusão… Não.

De néctares, águas e veredas

De néctares, águas e veredas

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Em Diálogo

2- Canal Sandy & Junior

3- 4 Canal Biscoito Fino

5- Canal MARISAMONTE

6- Canal GalCostaVEVO

7- Canal Songs4You

Gil

Gilberto Passos Gil Moreira, 78 anos hoje

GIL

é domingos
no parque
é astronauta
lunik nove
é favela
refavela
é fazenda
refazendo
refazendo amores
dores
tempos
crises-crimes
haiti
ai de ti
ai de nós
drão de nós
no palco sua alma cheira a talco
parabolicamará de gentes nós
pela Internet
menino internetinho
secretariando as culturas
ministeriando as culturas
eu tô te esperando na janela
de pele negra
de sangue brasileiro
dançando negritude
ok, ok, ok
é flora
e andar com fé
não costuma faiá
punk da periferia
valeu
tá valendo
Viva !

Leia também aqui no blog: Flora em prosa e verso

Flora em prosa e verso

Poesia: Odonir Oliveira

Vídeos: Canal Gilberto Gil

Memórias sentimentais

Jardim do Globo – Foto do Facebook Bárbaras Cenas
As tigelinhas, o porta-copos, os copos de 1940

PAI, MÃE: CANTEIROS DE IMAGENS ETERNAS
Minha mãe era o feijão; meu pai, o sonho. Conheceram-se no final da década de 1930, em Barbacena, MG. Muito tímido, muito resoluta.
Namoravam com. Com a irmã mais velha junto, no Jardim do Globo. Tia Ziza era distraída, muito pia, e tola – fácil de ser enganada pela vida toda – explicava minha mãe. Mas nesses assuntos de vigiar a irmã, uma ano mais nova apenas, era diligente. Cuidava. Braço dado só depois de noiva, uai. Na semana do casamento, meu pai adoeceu – nunca soubemos do quê, ninguém contava. Adiaram. Casaram-se em outubro de 1940. Vieram de BH os parentes de minha mãe, os de estirpe francesa – como narrava dona Itália. Trouxeram presentes, louças e utensílios de servir; o enxoval, minha mãe, minha tia e minha avó o costuraram e bordaram.
Ambos virgens, no dia seguinte ao casamento, partiram para o RJ, para uma casinha que meu pai alugara, muito pobre, muito simples, num lugar chamado de ”Vinidinha” por eles, na Rua Tomás Gonzaga (imagine se o mineirinho Plácido não se encantou com o nome da rua, imagine).
Meu pai, formado pela Escola Agrotécnica ”Diaulas Abreu”, fora selecionado para uma vaga de trabalho no Instituto ”Nacional” de Óleos (regulamentado depois, apenas em 1958). Imagine dois matutos vivendo na capital do Brasil, com 23 e 21 anos, em 1940, imagine. O medo de tudo, da malandragem carioca, dos batedores de carteira no bonde, na cafajestada dos de terno branco que se jogavam embaixo das saias das moças novinhas – mesmo de aliança na mão esquerda – pra amarrarem um cadarço do sapatinho de verniz. Que medo nos mineirinhos de Barbacena, que medo. Sozinhos, sem parentes, sem ninguém.
Reserva e cuidado sempre pautaram minha mãe. Já meu pai logo se engajou nas causas trabalhistas, falava bem, articulado, escrevia bem. Nas conversas, nas voltas à cidade natal, enfiava uma narrativa sem fim, contando das modernidades, da viagem de trem, das belezas do mar, da capital do Brasil e muito mais. Minha mãe, até certa altura metendo a viola no saco, mandava a letra, que gostava dos provérbios do pai dela e os sabia decoradinhos ”Posso vender meu peixe, Plácido”. Ele ria e arrematava ”Fala, Duia, fala”. Nenhum dos dois falava mais como mineiros, usavam o português da capital.
Sempre afirmava que minha mãe não contava os fatos, dramatizava, fazia caras e bocas, as vozes das personagens envolvidas, às vezes até com sotaque francês certas palavras de origem francesa, abat-jour, maillot, garage, restaurant. Era teatro puro.
Ao final, vinha por trás, agarrava a cabeça dela, como a forçar-lhe um beijo e dizia ”Essa velha nunca me deu um beijo”. Ela dava as suas respostas de sempre.
E como meu pai apreciava quiabo, dizia preferir com baba, senão não seria quiabo de mineiro. Minha mãe preferia sem baba. ”E quem sai aos seus não degenera” – sentenciaria o meu avô. (Nesse momento, há aqui um bem-te-vi que canta por mais de 10 minutos, quase dentro da sala. É meu pai, bem sei que é.)

Olhaí o quiabo com lombo, sem baba

1- Lava inteiro e deixa secá no pano.
2- Pica miúdo, sem molhá
3- Refoga cebola picadinha.
4- Coloca o quiabo.
5- Mexe um pouco ou salteia apenas (no ar)
6- Já frito, coloca o lombo já cozido – ou frango desfiado, ou carne moída- quarqué desses.
7- Põe cadim de água ferveno e companha.
8- Careceno mais um cadim, põe.
9-Espera secá, intão é que tá bão.
10- Aí apreceia com angu bem molim, arroz e feijão.

TERRA DE MINAS

Que bondade tem o garoto mineiro que ajuda a carregar embrulhos, mesmo sem precisão…
Que prosaico é aquele “cê bobo” ao final das frases coloquiais …
Que vontade é essa de ficar sentado na praça a tocar causos e prosas até o entardecer…
Que permissivo é esse tom de confidência de quem jamais nos viu antes …
Que adocicado é esse olhar de matutagem espalhado pelas calçadas …
Que coisa caseira é essa que me enternece de água os olhos …
Talvez seja encontro de sangue mineiro com sangue mineiro.
Talvez seja um ponto de vista repleto de montanhas .
Talvez seja essa vontade de encontrar o que uma vez se perdeu em mim.

CIDADE

Respirando o mesmo ar,
ouvindo o mesmo apito de trens
vendo escurecer as mesmas subidas e descidas
um desencontro de séculos.

Descaminhos de aço e flores.
Descaminhos de álcool e aromas
Descaminhos de dez caminhos sinuosos

Amanheceu
Entardeceu
Anoiteceu

Beija-flores e bem-te-vis
cumprimentaram maritacas e melros
Sanhaços beliscaram uns frescos sumos.
Recolheram-se no cedro em frente.
Encontros, desencontros, impedimentos, desmandos.

Sinas e sanhas, sagas e desdouros.
Mesmo ar
Mesmo céu
Mesmos trens …

A lápis: Inácio Antonio da Cunha: Tio avô do cirurgião Pedro Inácio de Alvarenga – cabeça da Inconfidência Mineira e meu tris- avô, razão do nome de meu pai José Ignácio e de meu avô Antonio Ignácio”escrito por meu tio Moisés, irmão caçula de minha mãe. Assim, confirmo aquilo em que sempre acreditei ”tenho o sangue dos inconfidentes”.
Foto do Facebook de Ângela Passos – filha do seu Mário Passos

MEMÓRIAS DA PELE
A menina corre ao Armarinho do seu Mário Passos para ver novidades. Fica no fim da minha doce rua, a Av. Nossa Senhora das Graças.
São 3 portas, uma entrada de garagem e uma última que vende objetos finos, novidade aberta depois: sapatos, bolsas, bijuterias. Encantos.
Três portas com tudo. Felicidade de olhos, mãos, pele.
Encontram-se presentes para aniversários, gravuras, decalques, cromos, tudo de papelaria, tudo de armarinho, tudo em tecidos e plásticos.
Tudo é tão pouco hoje.
Tudo era tanto nos anos sessenta.
Não havia dinheiro para aquelas felicidades de menina,
com cinco filhos para vestir, sete bocas para alimentar. Tantos sonhos a semear, tantos desejos a se buscar pelo estudo, pelo trabalho, com determinação e coragem.
O armarinho do seu Mário Passos era um parque de diversões, como uma grande biblioteca, o paraíso na minha vida. Talvez na vida de muitos na FNM, em Xerém.

Av. Nossa Senhora das Graças, 2016

Documento de criação do INSTITUTO DE ÓLEOS (sua regulamentação), em 1958

https://www.diariodasleis.com.br/legislacao/federal/89963-cria-no-instituto-de-uleos-do-ministurio-da-agricultura-o-centro-de-cooperauuo-tucnica-e-du-outras-providuncias.html

Poesias e textos: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal TV Cultura

2- Canal Antonio Aury de Macêdo Torquato

3- Canal João Mauricio

4- Canal Odonir Oliveira

Loucura

ULISSES

O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). – 25.

Psiquiatra do Hospital das Clínicas, em SP, interpreta o “Hospício Brasil”

[…]

A coluna buscou o auxílio de um psiquiatra do Hospital das Clínicas, doutor Paulo Sallet, para ajudar na interpretação do “Hospício Brasil”. Sallet, 55, tem doutorado em “psicose” e trabalha há 26 anos na área. Abaixo, o resumo da conversa com ele:

Síndrome de Hubris:

“Hubris é uma expressão tomada de obras dos pensadores gregos Sócrates e Platão, que designa um tipo de alteração comportamental que pode levar personagens investidas de poder à insanidade. “A especulação a respeito da conduta desses personagens virou tema de interesse acadêmico a partir de um artigo intitulado ‘Síndrome de Hubris: um transtorno de personalidade adquirido? Um estudo de presidentes norte-americanos e primeiro-ministros britânicos nos últimos 100 anos’ (David Owen* & Jonathan Davidson/2009), publicado no jornal científico inglês “Brain2009).

“Basicamente, o conceito se aplica a pessoas com traços narcisistas acentuados que, na vivência do poder, tendem a intensificar esse comportamento ou a reeditá-lo de uma maneira ainda mais expressiva. “Esses traços podem se manifestar na forma de arrogância, onipotência, menosprezo, preocupação excessiva consigo e falta de empatia. “Na Grécia antiga, a Hubris está representada no mito de Ajax. Sujeito forte e poderoso, o herói dispensou a proteção que a deusa Athenas prometeu a ele nas guerras. Ainda sugeriu a ela que fosse cuidar de outros guerreiros. “Indignada, Athenas infligiu nele uma espécie de loucura que o levou a identificar seus amigos como inimigos. Obnubilou a consciência de Ajax que, confundindo seus aliados com um rebanho de ovelhas, trucidou os animais convencido de se tratar do exército inimigo.

Perto de Deus

“A obsessão em estar sempre com a razão e com a verdade leva o sujeito investido da Hubris a instilar o ódio em todos que não reconhecem seu estatuto divino, e a se tornar sectário, desagregador, provocador, enfim, tudo o que um líder não deve ser.

“Tomando-se por um messias, esse ser acredita estar acima da opinião de técnicos, da experiência e do conhecimento.

Esquizotipia

“Nos últimos 50 anos, a psicologia tem chamado de ‘esquiva ao dano’ (harm avoidance) a forma como cada um de nós fica mais ou menos temeroso diante de riscos. Essa maneira de responder ao perigo iminente varia de acordo com características culturais e genéticas herdadas

“Como seres humanos, desenvolvemos traços adaptativos à evolução da espécie, como agressividade e a desconfiança. “Em certos indivíduos, porém, a expressão desses traços pode chegar a um nível de estruturação perturbador ou mesmo francamente psicótico. “Socialmente, é intolerável que uma pessoa promova ataques a outras por motivos que só ela enxerga, ou sem um ‘inimigo’ que justifique aquela ação.

“Entre as características da esquizotipia, está uma tendência à persecutoriedade.

Paranoia

“É um pensamento recorrente que se alimenta das supostas más intenções dos outros. O combustível da paranoia é a desconfiança, que leva à agressão. “Apesar de a desconfiança ser considerada um traço evolutivo do ser humano, ela pode se transformar em um transtorno mental, uma paranoia, caso ultrapasse determinado ponto. O alarme é a irracionalidade. O mais grave é não enxergá-la. Exemplo prático: Há uma escalada nos números de casos e óbitos em uma pandemia, e o governante sugere que se invadam hospitais para checar se de fato a ocupação dos leitos está no limite. “A verdade do paranoide não vai além de seus desejos pessoais, é aquela que contempla seu egocentrismo.

Apoio ao mito

“Muitas histórias observadas por ocasião dos movimentos nazistas e fascistas na Europa apresentavam personalidades apagadas, que não viam sentido na própria existência. Não estudavam, não produziam, não se consideravam relevantes. Até que apareceu um personagem que lhes deu um uniforme, uma insígnia, pôs uma arma em sua mão e lhes disse: “Você é o cara”. “Natural que esse ‘cara’ se aferre à imagem de quem lhe deu vida. Seu maior medo é voltar à insignificância. Exemplo prático: a moça com traços sociopáticos que lidera um movimento de agressão ao STF e se reinventa como “presa política”. Pessoalmente, ela pode até não querer matar ninguém. Porém, em uma atitude típica, manda recados como “vou ter esmurrar”; “eu sei onde você mora”; “vou pegar sua filha na porta da escola”. De alguma forma, ela se sente autorizada a postar essas mensagens nas redes sociais. Alguma autoridade deu abertura para isso.

Os auxiliares

“O fenômeno se repete com auxiliares que servem à divindade. Muito leais, eles se ocupam basicamente de prestar devoção a ela, não importando o nível de constrangimento público a que venham se submeter. A responsabilidade do cargo e a alegada técnica para exercê-lo são relegadas a segundo plano. “Acometido da síndrome de Hubris, o governante pode, a qualquer momento, confundir esses auxiliares com o exército inimigo e descartá-los, atacá-los e até mesmo aniquilá-los.

Direita e esquerda

“Política (com p minúsculo) é um vasto campo para o exercício da paranoia. Em um universo caracterizado pela hostilidade, a competição e a intriga, tudo cheira a desconfiança. “O surgimento eventual de lideranças radicais pode levar o eleitor a cair na armadilha da polarização, que leva a insensatez. Exemplo prático: se alguém sugere a flexibilidade paulatina da quarentena, é fascista. Se alerta para os riscos de escalada da pandemia, é comunista. “Um grita daqui, outro de lá, promovem-se ruidosos panelaços, para nada. No centro de tudo, impera a paranoia de um personagem narcisista, temeroso da segurança de seu clã, que só ouve o que lhe interessa e não percebe a aproximação da ruína.

Nêmesis

“Nas tragédias gregas, os deuses afrontados pelo sujeito investido da Hibris o obrigam a pagar o preço da prepotência. É a Nêmesis. Representa a volta do herói invencível aos limites transgredidos. Esse retorno, no caso de Ajax, causou tanta humilhação que o levou a se matar. Isso corresponderia, na transposição para a nossa realidade, ao suicídio político da figura mitificada.

* David Owen escreveu uma série de livros tratando do assunto e capitaneou um comitê de investigação com o intuito de incluir a síndrome como diagnóstico oficial nas classificações internacionais de doenças – a CID 11 e o DSM 5 (Diagnostic and Statistical Mental Disorder)

FONTE: https://noticias.uol.com.br/colunas/paulo-sampaio/2020/06/24/psiquiatra-do-hospital-das-clinicas-em-sp-interpreta-o-hospicio-brasil.htm

Vídeo: Canal Renato Teixeira

Da reflexão à ação

CADA PARTE

em parte
cada parte
é todo
depende de onde parte
a parte do todo
todo todo acolhe partes
se partes, chegam
se partes, chegas
no todo
partes são o todo
só há todo somado de partes

um todo sozinho
não tem parte
uma parte sozinha
não faz todo
todo e partes
toldo de partes
feixe de sonhos
força de lutas
remanso de encantos
enquanto parte
enquanto todo

REFLEXÕES NA PANDEMIA

Terão servido tantos dias de ”silêncios”?
Cada um pode estar repetindo tudo igualzinho apenas.

Quem se ”enclausurava” antes nas orações, continua apenas orando? É bom, mas e a pandemia, o mudou em quê?

Há aquele que nunca – ou quase nunca – tinha ouvidos para ouvir os amigos num encontro, ao telefone, ou com um afago amigo, continua pulando os problemas alheios, encurtando conversas, querendo desligar logo, como sempre? Mas e a pandemia, o mudou em quê?

Outros, os que não elogiam fatos e feitos alheios, estão sempre pontuando detalhes, criticando ”amistosamente” atitudes, se comparando, dizendo o famoso ”eu também”, ou ”comigo também foi igualzinho”, sem compaixão e ”misoginamente”, continuam iguais? Mas e a pandemia, os mudou em quê?

E aquelas mulheres? Refletiram sobre sua superficialidade, sua grande importância atribuída ao exterior de cada uma, à competição com as outras mulheres? Continuam iguais eram antes, mas e a pandemia, as mudou em quê?

E os homens, de olhar fálico e objetivo sempre, substituindo valores por belas imagens, belos cenários, belos carros, belos bens de consumo, belas mulheres? E a pandemia, os mudou em quê?

E os que guardam diferenças e distâncias sociais, ”não frequento lá não, tem muita mistura”, porque se consideram OS ESCOLHIDOS, OS MELHORES, OS DIFERENCIADOS, mudaram em algo sua visão política, social e até cristã – os que se dizem cristãos – alteraram seu consumo, sua visão em relação ao meio ambiente? Mas e a pandemia, os mudou em quê?

Não pretendo ser a palmatória do mundo, nem ”dar bengala a cego” – que clichê terrível esse, não? – mas reflito diuturnamente sobre meus atos e omissões desde garota, aprendi, aprendo e me questiono sempre sobre OS ACONTECIDOS (até sobre os mais simples e triviais). Acredito que a REFLEXÃO SEJA UM EXERCÍCIO. Só se aprende fazendo. A mãe de uns amigos dos anos setenta em SP me dizia, nos meus 20 e poucos anos, que eu ‘‘pensava muito, era muito amadurecida e que assim também iria apodrecer logo”. Hoje observo suas filhas e penso que REFLETIR TERIA LHES FEITO MUITO BEM também.

Mas e a pandemia? E o ”novo normal”?
Pois é.

Canteiros de pensamentos: Enquanto molho meus canteiros, minhas árvores frutíferas, minhas flores, por cerca de 60 minutos, reflito bastante, faço sinapses, aprendo e apreendo a vida – e tudo com perfume de manjericão, alecrim, tomilho, lavanda, gerânios, rosas. Quase uma defumação com incensos naturais mesmo, facilitando aspersão de sentimentos, de sentidos. É bom.

Poesias e texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Susana Cardoso

2 e 3 – Canal Gilberto Gil

“E que teve seu começo numa festa de São João”

AGRO NEGÓCIO DE VERDADE

Na manhã seguinte foi. Parecia querer resolver de uma vez aquilo. Entrou na cozinha da casa grande, mas não queria ninguém ali. Nem era dali. Ela era da senzala. Seu negócio, seu agro negócio era o lavrador de café, suado, vermelho da testa à ponta do queixo. Era ele que ela queria.

Era uma mulher de mais de 30 anos, cheia de graças e segredos. Ninguém ali a tivera nem para aquelas conversinhas de cerca-lourenço tão costumeiras por lá. Tinha a marra característica de quem sabe escolher. Era do campo. Quero isso, quero esse, faça assim, faça aqui, que aqui é bom. Pois é, Vilma era desse jeito.

Saíra da cidadezinha para estudar na universidade federal. Assim quis e continuou estudando … mas aquele gosto de terra e suor não saía de sua boca. Era prazer maiúsculo aquele negócio. Agro negócio – pensava sempre. Vou lá, vou voltar lá. Vai ser lá.

De lembranças da universidade na cidade do interior – nem tão pequena assim – havia uns três caras que lhe amansaram desejos, mas também lhe deixaram carências. Carências de quê? De terra molhada, de sujeira nas unhas, de cheiro de chuva e de pegada. Homem pra ela, que crescera por meio dos matos, tinha de ter pegada. E ela também tinha, que era broto do chão.

Josué fora nascido e criado na vereda, na estrada do sem culpa nenhuma, no ensinamento do sertão, sem conceber nem conceder o pecado original. Bebia pinga e ria. E depois levitava o diabo do homem. Sestroso, manhoso, marrento. Como Vilma.

Naquela noite de cavalgada, eram muitos os peões ali. Paramentados como para um culto cristão, eram poucos os de raiz, flores e frutos. Josué era. Espalhava um perfume de maracujá, ou seria um sabor de jabuticaba? Bom mesmo era ver aquela boca vermelha dele, pendurada no rosto, quase sem sorrir. Vilma tomou as rédeas e seguiu.

Cavalgadas contam sempre com encerramentos religiosos, sagrados. Mas nem sempre. Às vezes, profaníssimos.

Josué rezou suas orações, benzeu-se, beijou a medalhinha e entregou-se à volúpia daquele negócio com Vilma.

Agro negócio de verdade!

(Texto publicado, originalmente, em 2015, na Carta Capital e no GGN)

LÁ PRAS BANDAS DO SERTÃO MINEIRO

O carro de som passou tocando as músicas que viriam com a dupla, naquele show de sábado à noite. O pessoal da cidadezinha mineira agradou daquilo, prestou atenção na hora e se animou a ir. Era festa de São João, quer coisa melhor, sô.

O cavaleiro moreno de pele lisa, sem pelos, apeou do cavalo, pediu a margosa no butiquim e garrou desejo de ir. Deu um vorteio pela praça, reparou numa casa mais antiga, mas fechada. Paixonou com ela, com a casa. Tinha um ímã nela, ficou garrado na casa. Subiu no cavalo, galopou pros altos e ficou de lá, com a garrafa de pinga, o bichão amarrado na árvore e a vontade de ver aquelas janela tudo aberta.

Aguardou mais de hora, só dali, bebeno e olhano, bebeno e olhano, assuntano. Aí foi que deu magia, porque alguém abriu as janela tudo uai, mas de súbito. Nem deu pra ver quem era, ou fosse efeito da margosa o encantado daquilo. Vai sabê – ruminou o moreno.

Tomou finura com coragem e foi no cavalo lá pra pertin da casa das janela azul. Fosse ver uma moça bonita, quem sabe – convidava ela pra dançar no coreto, depois do show da noite de sábado. Fosse ver. Foi.

O traçado estava destino – num soslaio refugo do pensamento – olhou na horinha e a moça endereçada surgiu rindo, olhou prazenteira e ele lhe acenou. Falou nada, deixou que ela entendesse.

No sábado se imantaram foi é muito. Depois de tudo acabado, do show, do povo se indo, inda dançou com ela, na friagem do coreto, encharcado de pinga e cerveja. Dançaram no coreto, até não poder mais.

Eita, que aquela casa tinha muita lindeza dentro, sô.

CABEÇA, TRONCO E MEMBROS

Sangrou, chorou, morreu.
Renasceu, sofreu, morreu.
Gozou, sorriu, rezou, morreu.
Pariu, amamentou, morreu.
Criou, sofreu, chorou, morreu.
Dormiu, sonhou, chorou, morreu.
Trabalhou, amargou, acabou, morreu.
Renasceu, coloriu, entregou, morreu.

Escutou, aconselhou, partiu, viveu.

GORJEIO DE BOCA

Pede boca um olhar
Pede boca um aceno
Pede boca um sinal de Fogo.
Pede boca uma aceitação
Pede boca um sorriso, uma gargalhada
Pede boca uma afirmação, uma confirmação.
Pede boca um gorjeio de canarinho da terra.
Pede boca um gorjeio de sabiá.

CHOVENDO

Primeiro, sons de gotas
Depois, cheiro de água na terra
Agora, na sacada,
vendo a precipitação dos pingos.
entorno meu rosto por eles
para que me lavem dores,
para que me limpem do sangue,
para que me purifiquem com o prazer.
Nesse mesmo céu
há pouco havia estrelas.
Agora, entreguei a ele o meu coração.

INVERNOS

Quantos invernos cumprirão uma existência?
Quantos dias de chuva e de bonança comporão uma existência?
Quantas luas serão suficientes para um grito de êxtase e felicidade?
Quantas raivas, dúvidas, indecisões e tropeços antecederão um beijo?
Quantas falsas interpretações dos sinais emitidos pelos ventos,
quantas incorretas leituras de sinais de fumaça,
quantas incompreensíveis decodificações de letras e números
quantas indecifráveis frases serão culpadas
por improváveis leituras de estrelas?

Leia também aqui no blog: ”São João baianohttps://poesiasdemaosquesentem.wordpress.com/2018/06/23/sao-joao-baiano/

Poesias e textos: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Kleiton & Kledir – Tema

2- Canal REDE TRISCHE

2- Canal Oxxxu

Capitolina, Capitu, capitus

ENAMOREM-SE, MENINOS !

Moços e moças, enamorem-se.
A existência sem enamoramentos é parca
A caminhada sem paixões é ínfima
A trajetória sem amores é cinzenta
Estar na vida sem doar-se e dar-se ao amor é medíocre e vão.

Enamorem-se até os últimos momentos de suas existências.
É o enamorar-se que nos torna mais humanos e doces com nossos semelhantes
Abençoado é aquele que ama e se deixa amar .
Moços e moças, enamorem-se.

Você leu DOM CASMURRO? Mas leu mesmo, na íntegra – não nas citações/ recortes, pela Internet – leu, depois de adulto, maduro, vivido, leu? Não, então leia. O bruxo Machado de Assis, o negro epilético, filho de ex-escrava tem muito a nos ensinar. É cada dia mais atual, ou como preferem os da ”língua da matriz”, ou os da ”língua do online”; ”up to date’‘, sua leitura ”foi atualizada com sucesso”.

LAÇOS

a moça, o moço
a flor, o ícaro
terra e céus
ícaro pousa suas asas em terra
flor voa nas nuvens de ícaro
brincam, rodam, dançam
embaraçam-se nos laços
fluem nas nuvens
desenham nas nuvens
pousam em terra
enlaçam-se
acreditam em seus laços
riem, dançam
amam
a moça, o ícaro
céus e terras
enlace

Essa edição da minissérie foi feita por um jovem, aluno (segundo a descrição no Youtube), para exibir em sua escola, completamente coerente com a trama de Machado de Assis. Prova que quando um (tema) um escritor é um CLÁSSICO, UNIVERSAL, ele estará sempre vivo, lido, interpretado, à luz do seu tempo e do tempo de quem o lê.

DOM CASMURRO – Capítulo 33
O PENTEADO

Capitu deu-me as costas, voltando-se para o espelhinho. Peguei-lhe dos cabelos, colhi-os todos e entrei a alisá-los com o pente, desde a testa até as últimas pontas, que lhe desciam à cintura. Em pé não dava jeito: não esquecestes que ela era um nadinha mais alta que eu, mas ainda que fosse da mesma altura. Pedi-lhe que sentasse.
– Senta aí, é melhor.

Sentou-se. “Vamos ver o grande cabeleireiro”, disse-me rindo. Continuei a alisar os cabelos, com muito cuidado, e dividi-os em duas porções iguais, para compor as duas tranças. Não as fiz logo, nem assim depressa, como podem supor os cabeleireiros de ofício, mas devagar, devagarinho, saboreando pelo tato aqueles fios grossos, que eram parte dela. O trabalho era atrapalhado, às vezes por descaso, outras de propósito para desfazer o feito e refazê-lo. Os dedos roçavam na nuca da pequena ou nas espáduas vestidas de chita, e a sensação era um deleite. Mas, enfim, os cabelos iam acabando, por mais que eu os quisesse intermináveis. Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os de Aurora, porque não conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me apresentaram depois; mas, desejei penteá-los por todos os séculos dos séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito por um número inominável de vezes. Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa… Uma ninfa! Todo eu estou mitológico. Ainda há pouco, falando dos seus olhos de ressaca, cheguei a escrever Tétis, risquei Tétis, risquemos ninfa; digamos somente uma criatura amada, palavra que envolve todas as potências cristãs e pagãs. Enfim, acabei as duas tranças. Onde estava a fita para atar-lhes as pontas? Em cima da mesa, um triste pedaço de fita enxovalhada. Juntei as pontas das tranças, uni-as por um laço, retoquei a obra alargando aqui, achatando ali, até que exclamei:
– Pronto!
– Estará bom?
– Veja no espelho.

Em vez de ir ao espelho, que pensais que fez Capitu? Não vos esqueçais que estava sentada, de costas para mim. Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mãos e ampará-la; o espaldar da cadeira era baixo. Inclinei-me depois sobre ela, rosto a rosto, mas trocados, os olhos de uma na linha da boca do outro. Pedi-lhe que levantasse a cabeça, podia ficar tonta, machucar o pescoço. Cheguei a dizer-lhe que estava feia; mas nem esta razão a moveu.
– Levanta, Capitu!
Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e…
Grande foi a sensação do beijo; Capitu ergueu-se, rápida, eu recuei até à parede com uma espécie de vertigem, sem fala, os olhos escuros. Quando me clarearam, vi que Capitu tinha os seus no chão. Não me atrevi a dizer nada; ainda que quisesse, faltava-me língua. Preso, atordoado, não achava gesto nem ímpeto que me descolasse da parede e me atirasse a ela com mil palavras cálidas e mimosas… Não mofes dos meus quinze anos, leitor precoce. Com dezessete, Des Grieux (e mais era Des Grieux) não pensava ainda na diferença dos sexos.

Aurora – segundo a Mitologia Grega, Aurora era a deusa da manhã, que tinha a incumbência de abrir para o Sol as portas do Oriente.
Tétis – existem duas Tétis referidas pela Mitologia Grega. Uma, cuja transcrição literal seria Tethys, é filha de Ouranos e Gaia, e casada com o Oceano, do qual teve mais de três mil filhos, que são todos os rios do mundo. A segunda Thetys é uma das nereidas, filha de Nereu, o Velho do Mar, e de Dóris. É uma divindade marinha e imortal, a mais célebre de todas as nereidas. Possuía o dom da transformação. É certo que Machado de Assis se refere a esta última, pela coincidência da nereida com Capitu, de quem se fala neste trecho: os “olhos de ressaca”, isto é, olhos que lembram o movimento violento das ondas quando se lançam contra qualquer obstáculo; e o poder de transformação de Capitu, dissimulada e astuciosa.
Des Grieux – personagem do romance Manon Lescaut, do abade Prévost. Machado de Assis refere-se ao fato de que Des Grieux, que cedo foi destinado a pertencer à Ordem de Malta, viveu para os estudos em seus anos de adolescência. Só depois de abandonar a escola de Amiens é que conheceu Manon Lescaut, que acaba perturbando definitivamente sua vida, graças a uma paixão vulcânica que supera todo os princípios morais e os interesses da família e da carreira.

CUMPLICIDADES

amor
é fogo
que arde
cedo
beija-abraça
acompanha
vibra
cúmplice-parceiro
saudável
saudoso
doente
dolorido
forte-enfraquecido
amor
é fogo
que arde
tarde
enraizado
florido-frutificado
adocicado-irado
tratado
perto-longe
dentro-fora
nas veias
na saliva
no gozo
no grito
no rito
infinito
amor
é fogo
que arde

DOSES DE LIRISMO

Escorrendo versos pelas ruas, vielas e praças
Beijam-se os amantes em excitação.
Romantismo em boleros, sambas-canção
Enovelando apaixonados corpos e vozes
sussurros em ouvidos últimos.
Ensaio de dança confessional
em dois a dois.
Doses de lirismo pelos ouvidos
pela boca
na pele eriçada
no corpo intumescido.
Doses de lirismo em aspersão no ar.

DOM CASMURRO PARA JOVENS

Durante anos e anos de magistério, propus a leitura de Dom Casmurro, de Machado de Assis a meus alunos e as releituras da obra. Cada leitor a lê com a sua ”chave de leitura”. Meus alunos o faziam com música, teatro, debates, compondo letras de música, debatendo, argumentando, escrevendo outros finais, dançando … para isso era preciso ler, e bem lidinho, Dom Casmurro.

Depois de me aposentar das salas de aula, participei de encontros com vestibulandos da rede pública de ensino para discutir as obras elencadas para a FUVEST, UNICAMP. Escolhia sempre Dom Casmurro e os desafiava, a partir do tema amoroso, das canções, de suas argumentações sobre a obra, em rodas de leitura – era muito bom. As canções de Raul Seixas sempre apareciam também.

Muitos concentram-se apenas na história de amor de Bentinho, Capitu, Escobar, Sancha – o que já seria um tratado sobre as relações amorosas, e atualíssimo -, mas há bem mais do que isso na obra. As análises psicológicas das personagens, o contexto histórico-social, o diálogo com o leitor, o tema recorrente em suas obras essência x aparência, sagrado x profano, o conceito de Obra Aberta, desenvolvido quase 100 anos depois por Umberto Eco … tantas modernidades. Como escreveu Drummond, E como ficou chato ser moderno. Agora serei eterno”.

Poesias e texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Luiza Lopes-Silva

2- Canal Anselmo Neto

3- Canal Pensadores de Birosca

4- Canal Caetano Veloso