CALADA, FICAVA A SUA AVÓ !
–Ah, Doni, num vou querer viver muito mais não. Tá tudo muito diferente do meu tempo, num consigo aceitar mais nada disso. Ainda bem que daqui a pouco já vou embora mesmo – vó Natália nos anos de 1980.
Quando assisto a cenas inaceitáveis, aparece minha avó acendendo seu farol de valores e sinalizações. Talvez ainda mais fortes que os de minha mãe. (Quero fazer aqui um “anacoluto narrativo” oficial. Não considero mães seres perfeitos, sagrados etc. dos quais ninguém possa falar nada. Todas temos nossas imperfeições, pequenas crueldades, recalques, erros ao educar filhos etc. Somos seres humanos. Pra mim o resto é cegueira. Mães erram sim. E nós as amamos apesar de qualquer imperfeição).
Ouvi muitas vezes filhas de amigas, jovens de 20 e poucos anos se submetendo a procedimentos estéticos, a torturantes sessões de depilações completas, a escovas definitivas nos cabelos, também a processos de bronzeamentos naturais ou artificiais drásticos, e quando sondava delas as razões, rodavam, rodavam e chegavam a critérios alheios “todo mundo faz”, “hoje é assim”, ”nenhum homem hoje fica, namora uma mulher que não faça isso”. Sempre punha uma pimenta ou outra na argumentação, mas por considerar as mães, amigas, etc. acabava deixando por isso mesmo. Sentia pena daquela submissão ao consumo, aos padrões femininos vigentes, aos valores estéticos exigidos pelos machos, não por HOMENS.
A patrulha, e depois trincheira bélica, em relação ao controle de peso, quase nunca teve a ver com a saúde, as boas condições de bem-estar etc. mas com a obediência a leis externas a si mesmas. Quando passaram a ser questionadas sobre isso, se camuflavam naquele clichê aviltante “Quero estar bem comigo, quero ter alta autoestima, não é pra ser aceita e elogiada não, é pra mim mesma, quero entrar nas roupas que compro, mais gorda nada cai bem” etc. Sentia pena daquela submissão.
Certa vez me contaram que o namorado de uma garota de 20 anos fez observações sobre os pelinhos superficiais que ela tinha sobre os lábios, apontando-os e inquirindo-a se ela tinha consciência daquela cor mais escura sobre seus lábios. Senti pena dessa situação.
Homens sempre se sentiram atraídos pelos cheiros, odores, atrativos femininos. (Reza a lenda que o contrário também é verdadeiro). Durante anos constatei moças e mulheres disfarçando todos os seus odores (já cheguei a ler terríveis relatos de estudantes da Faculdade de Medicina da USP, publicados há uns 4 anos na mídia, nos quais futuros médicOs abominavam o ”cheiro de peixe” das mulheres e que, como ginecologistas, teriam que enfrentar). Senti muita pena desses seres humanos.
Convivi por muito tempo com mulheres QUE SE MEDEM, SE COMPARAM COM OUTRAS, sejam artistas da TV, cantoras, colegas de trabalho … sempre pela APARÊNCIA das outras. Não têm segurança daquilo que gostam, do que são, dos seus desejos e aspirações. Ao saírem às compras, por exemplo, carecem de uma amiga, de uma filha para aprovarem o que vão comprar. Nunca vão sozinhas. Necessitam se encaixar em grupos, bandos, manadas, desprezando quase sempre sua INDIVIDUALIDADE. Mulheres colorem seus cabelos insistentemente, querendo aparentar menos idade, mas as mãos as entregam – como se fossem alertas de conscientização de sua existência real. A voz também, por mais melosa que a mulher se proponha a ser, a rouquidão vem, os tons diferentes vêm … Sinto pena dessa situação.
Anos atrás, o marido de uma prima, em conversa a 3, registrou “Ainda bem que a gente namorou, casou e está junto há tantos anos, né V. Assim acompanhamos nossas perdas, deficiências, limitações etc. Porque se fosse pra arranjar outro par agora, como fulano, beltrano e sicrano ia ficar difícil’‘ e riu. Refleti sobre essa fala, visto que ambos estão na faixa dos 50 anos.
Em épocas de tanta conscientização de mulheres, direitos, reivindicações, onde estacionam essas posturas que se definem pelos outros e não por si mesmas? Contudo, sem cabotinismos, por favor. Não me venham desfilar discursos clichê, palavras de ordem e repetir comportamentos mais do que carcomidos, mas maquiados com cosméticos de ilusões!
Observo casais que jamais discutem seus relacionamentos, o sexual então, nem pensar. Há um medo incrustado nas mulheres de perderem o macho que as sustém, sem ele, serão julgadas incompetentes, mal-amadas, velhas, feias e daí pra baixo na escalada da incensada autoestima heteronormativa. Sinto pena dessa situação mascarada nas mulheres.
HOJE, as MULHERES se mantém sozinhas, criam filhos sozinhas, estudam, caminham e AINDA SE SUBMETEM a machos que se acham os bons, aqueles que as salvarão, aqueles que lhes darão a ”FELI(X)-CIDADE”? Acorda, mulher!
Amor, companheirismo, ombro amigo, colo, intimidade, tudo isso SÓ SE CONSEGUE COM CONFIANÇA. De ambas as partes.
Tenho pena de constatar que em 2021 haja homens e mulheres que se nomeiem assim, e não sejam HOMENS e MULHERES.
Texto: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
Vídeo: Canal Instituto Piano Brasileiro