Horas e horas

CRONOS CRUEL

Piano, menina
Allegro, mocinha
Vivace, mulher
Adágio, senhora.
Rápida maternidade
célere maturidade.
veloz velhice
Marcha, cadência, prumo
caminhada, aclives, declives
respiração acelerada
respiração controlada
respiração difícil
Cronos cruel,
cruzas num átimo,
toda uma existência.

Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo- Marcelo Lehninger regente

Canal: jorge coli

HOJE

Hoje já é ontem
quando ouvia de ti palavras envoltas em papel de seda.
Hoje já é ontem
quando bebia de teus lábios, insubstituíveis, um tom de vinho rosé.
Hoje já é ontem
quando aquela música francesa era carícia em meu pescoço.
Hoje já é ontem
quando te encontrar pelas madrugadas caladas era ensurdecedor.
Hoje já é ontem
quando não sou mais a mão arrojada a apertar teclas de telefone a te buscar.
Hoje já é ontem
porque não consigo mais ser menina como antes.
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Foto do CALENDÁRIO FLORAL, Poços de Caldas, MG

CLEPSIDRA

Tua água escorre sobre meu corpo
Com as marcas de existir
São marcas de pele, carne, ossos e dores.
Meu corpo, que antes me entregaste belo e fresco,
ora resulta ocre e rugoso.
Meu tronco, que antes o fizeste rijo e aveludado,
ora resulta sem o brilho vivaz das primeiras idades.
Minha pele, antes rósea e fina,
ora fazes dela um outro matiz e uma outra textura.
Convivo com meu corpo
Convivo com meus sentimentos
Convivo com minhas marcas
Há muitos anos.
Sei o porquê de cada uma.
Os outros é que não.

RELÓGIO ANACRÔNICO

Como se fosse possível,
badaladas de um marcador de anos
irrompem em mim, sem aviso ou possibilidade de defesa.
Bate as horas
Bate as meias-horas
Bate os minutos
Bate os segundos.
Meu coração é todo corda.
Fujo dele
Tampo os ouvidos
Prendo a respiração
Grito mais alto que suas badaladas
Mas é tudo em vão.
As badaladas fora do tempo
insistem em acordar meus sentidos
já há tanto, sonolentos,
já há tanto, adormecidos,
já há tanto, amarelecidos.
Quase mortos.
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Fotos de camélias do RECANTO JAPONÊS, em Poços de Caldas, MG, maio de 2016.

INVERNOS

Quantos invernos cumprirão uma existência?
Quantos dias de chuva e de bonança comporão uma existência?
Quantas luas serão suficientes para um grito de êxtase e felicidade?
Quantas raivas, dúvidas, indecisões e tropeços antecederão um beijo?
Quantas falsas interpretações dos sinais emitidos pelos ventos,
quantas incorretas leituras de sinais de fumaça,
quantas incompreensíveis decodificações de letras e números
quantas indecifráveis frases serão culpadas
por improváveis leituras de estrelas?

CHEGANDO AO FIM

Nada importam cascas e capa
Nada importam tecidos e chapéus
Nada importam apupos e rapapés
Essencial é a alegria
Essencial é a simplicidade
Essencial é a cumplicidade.
Essencial é a bondade.
Os bolsos seguirão sem moedas
As mãos seguirão sem anéis
Os ombros seguirão sem afagos
As pernas seguirão sem apoios.
As últimas estações
não podem ser vias sacras.
As últimas estações devem ser leves, francas e ternas.
Se a vida é um sopro,
há que se encontrar
quem a assopre com ternura.
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PROFUNDAMENTE

Manuel Bandeira

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.
Texto extraído do livro “Antologia Poética – Manuel Bandeira“, Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 2001, pag. 81.

Post dedicado ao prazer de ver, de sentir, de motivar-se e de amar. 

Poesias: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
Imagens retiradas da Internet
1º Vídeo: Canal jorge coli
2º Vídeo: Canal LUBOR
3º Vídeo: Canal Moacir Simpatia
4º Vídeo: Canal Carlos Daniel Reichel

Gorjeio de passarinho

GORJEIOS
Manoel de Barros

Gorjeio é mais bonito do que canto porque nele se
inclui a sedução.
É quando a pássara está namorada que ela gorjeia.
Ela se enfeita e bota novos meneios na voz.
Seria como perfumar-se a moça para ver o namorado.
É por isso que as árvores ficam loucas se estão gorjeadas.
É por isso que as árvores deliram.
Sob o efeito da sedução da pássara as árvores deliram.
E se orgulham de terem sido escolhidas para o concerto.
As flores dessas árvores depois nascerão mais perfumadas.

Manoel de Barros, em “Ensaios Fotográficos”. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000.

ONTEM AO LUAR

Ontem ao luar, nós dois em plena solidão
Tu me perguntaste
O que era a dor de uma paixão
Nada respondi, calmo assim fiquei
Mas fitando o azul
Do azul do céu a lua azul
Eu te mostrei, mostrando a ti os olhos meus
Correr sem ti uma nívea lágrima
E assim te respondi
Fiquei a sorrir por ter o prazer
De ver a lágrima dos olhos a sofrer

A dor da paixão, não tem explicação
Como definir o que só sei sentir
É mister sofrer, para se saber
O que no peito o coração não quer dizer
Pergunta ao luar, travesso e tão taful
De noite a chorar na onda toda azul
Pergunta ao luar, do mar a canção
Qual o mistério que há na dor de uma paixão?

Se tu desejas saber o que é o amor
E sentir o seu calor
O amaríssimo travor do seu dulçor

Sobe um monte à beira-mar ao luar
Ouve a onda sobre a areia lacrimar

Ouve o silêncio
A falar na solidão
De um calado coração
A penar a derramar os prantos seus

Ouve o choro perenal
A dor silente universal
E a dor maior
Que é a dor de Deus

Se tu queres mais
Saber a fonte dos meus ais
Põe o ouvido aqui na rósea flor do coração
Ouve a inquietação da merencória pulsação
Busca saber qual a razão
Por que ele vive assim tão triste a suspirar
A palpitar desesperação
A teimar de amar um insensível coração
Que a ninguém dirá no peito ingrato em que ele está
Mas que ao sepulcro fatalmente o levará.

(Composição de Pedro de Alcântara e Catulo da Paixão Cearense)

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GORJEIO DE MITOS

Não sei se sou Hermes, Gaia, Prometeu ou Febo
Não sei de sou Diana, Dionisio, Afrodite ou Perséfone
Não sei se sou Fênix, Deméter, Atena ou Éros
Sei que não sou o duplo
Sei que sou o uno
Sei que gorjeios me atingem como lanças
Encontro-me, por isso, completamente lancetada.
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Carlos Quevedo- New Artwork: PONTIFEX

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GORJEIO DE BOCA

Pede boca um olhar
Pede boca um aceno
Pede boca um sinal de Fogo.
Pede boca uma  aceitação
Pede boca um sorriso, uma gargalhada
Pede boca uma afirmação, uma confirmação.
Pede boca um gorjeio de canarinho da terra.
Pede boca um gorjeio de sabiá.
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AS AVES QUE AQUI GORJEIAM

Bebo vozes de pássaro canoro incomum
lavo a terra das mãos com água de bica de bambu,
aro versos sob o sol e a lua,
enxerto vida com verdes, azuis, amarelos, vermelhos,
na tela cinematográfica de minha imaginação
Criar mel mais que abelhas e armazená-lo
Criar perfume mais que rosas e envelopá-lo
Criar mãos mais que o possível e aveludá-las ao porvir.
PÁSSAROS IRREPREENSÍVEIS
que dançam
que leves
que saltam
que seguem
que brincam
que brindam.
Que soltam-se
que seguem-se
que envolvem-se
que vão
que vêm
em vão
em vai-e-vém
Levitam nos ares
nos portos
nos dorsos
nas rotas.
No porto.
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(Envio da prima Angélica que todas as tardes recebe a visita dos mais de 300 passarinhos para lanchar em seu quintal).

Post dedicado aos poetas e cancionistas brasileiros que conseguem expressar mais do que apenas seus sentimentos particulares, mas também os de todos tornando-se, assim, “universais”.

Poesias: Odonir Oliveira

Vídeos:

1- Canal Mundo dos Poemas

2- Canal Observatório Natural

3- Canal Leonardo Thurler

4- Canal antuycuyen

5- Canal Odonir Oliveira

Lendo mãos que sentem

CERTAS MÃOS

Vejo daqui dedos grossos
vejo daqui mão carnuda
vejo daqui ao sol, à luz, ao mar
um sorriso de mãos que fotografam minh’alma
vejo dessa estrada um “sim, sim, sim” sonoramente repetido e sempre
vejo daqui um cenário que se acresce de suas mãos, de seus olhos, de suas músicas
vejo daqui um sentido outro com meus olhos de sempre
Gosto de enxergar minha terra, meu berço, com olhos de antes nunca,
porque mãos povoam minhas manhãs, minhas tardes, minhas noites.
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LINHAS DAS MÃOS

Linha da vida
Linha do coração
Linha do sucesso
Linhas longas
Linhas interrompidas
Linhas contínuas
Fora de linha
Alinhados
Desalinhados
Linhas finas
Linhas grossas
Linhas paralelas
Linhas cruzadas
Alinhavos de linhas
Costuras de linhas
Linhas em eme de mudança, motivo, morada.
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MÃOS ENTRELAÇADAS

Ah, meu amor, que vontade de te enviar um pombo
com meus versos desenrolando-se ao vento, pelos céus.
Ah, meu amor, que ouves assim de longe meus murmúrios e ais
repletos de lágrimas com sabor de porvir.
Ah, amor meu, que sentencias com som e imagem minha tarde a findar.
Ah, amor que, sensível, pintas telas nas nuvens de meus olhos fechados.
Ah, meu moreno, que semeias letras, silabas e palavras em meus dedos
como se fossem os perfumes de ti.
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MÃOS QUE TATEIAM

Tocar minha infância carioca com os dedos
Roçar os verdes e azuis e amarelos de mim
Deixar o sol lembrar, ali mesmo, quantas vezes ri, andei de bicicleta, dancei.
Namorar o banco da praça antes tão linda
Olhar admirada as mesmas velhas árvores antes tão mais lindas ainda
Ficar frente a frente com as matinés de outros domingos de mim.
Caminhar na manhã desse domingo, com esperança em mãos cheias de alegrias
porque amar é muito mais essencial que aquilo que nomeiam de amor.
Amar você colore e perfuma até o meu passado.
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MÃOS DO DESTINO

Que traçado é este, destino, que insistes em me fazer trilhar?
Por que me fizeste acreditar na leitura de minha mão?
Como conseguiste aspergir de morenice essas minhas noites de luar?
Quando estaria mais perto a estrela que me sorria e tão alto luzia ?
Que rota é essa de ramais tortuosos que me estendes sem termo ou chegada?
Responde, destino, que não suporto mais ter que desvendar-te !
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Dedicatória: Post dedicado ao encanto que certas pessoas provocam em outras tantas. 

Poesias: Odonir Oliveira
Fotos de  arquivo pessoal: RJ
1º Vídeo: Canal Gustavo Pires
2º Vídeo: Canal antuycuyen
3º Vídeo: Renan Lopes

Correspondências de amor

TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Álvaro de Campos, 21/10/1935

OLHARES

Nada é igual a antes
quando o mato e as árvores eram apenas espécies verdes.
Nada é igual a antes
quando as baladas eram só para se ouvir
Nada é igual a antes
quando um verso era simplesmente um verso.
Nada é igual a antes
quando os homens eram comuns, semelhantes e até iguais.

ENCONTROS

Ama-se o amor
Ama-se a busca do outro em si mesmo
Ama-se um acordo de pensamento que batiza encontros
Ama-se um gesto, um riso, um toque, um olhar
Ama-se um jeito, um comportamento, uma capacidade
Ama-se  um cheiro, uma seiva, uma pele.

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CORRESPONDÊNCIAS

O tempo trouxe a lente da maturidade
O tempo trouxe exigências outras que não as anteriores
O tempo trouxe uma seleção maior que a natural
O tempo trouxe correio de cartas raras, selos raros, entregas raras.
Há no tempo uma busca da correspondência singular, antes inexistente.

SAUDADES INTERNAS

Saudade de beber vinho no mesmo copo e sempre.
Saudade de dançar samba sem parar, de rodopiar e de rir muito com isso.
Saudade de falar dos maiores problemas nacionais em cadeiras duras de botecos
Saudade de companheirismo, cumplicidade, parceria
Saudade de grandes brigas teóricas, históricas e poéticas.
Saudade de colo canhoto, de mãos ásperas, de barbas por fazer.
Saudade de poder chorar sem pejo, de blasfemar sem penitência e de solfejar o nada.
Saudade de correspondência interna.

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CARTAS DE AMOR EXPLÍCITO

Tocam a campainha, batem palmas, ressoam trombetas.
Insistem.
É o mensageiro de vozes de mitos, o que entrega sentimentos.
Vem sempre no mesmo horário, qual rito de anunciação
Tinge a soleira da porta de um púrpura inconfundível
Emissário de rimas, versos, estrofes, poemas
Um perfume de amor transpassa o envelope grande.
“Não há aqui destinatário desse amor.
Devolva-se.”

CAIXA DE CARTAS

Envelopes abertos
folhas amassadas, muito lidas
imagens eclipsadas por dores e mágoas
lágrimas derramadas, esperas incontáveis
palavras doces, versos doces, músicas doces.
Encantos envoltos em laço de fita.
Cartas de amor não podem ser ridículas.
Cartas de amor são touceiras.

Post dedicado àqueles que ainda conseguem amar, sofrer e alegrar-se com um sentimento chamado AMOR. 

Poesias: Odonir Oliveira

Imagens retiradas da Internet

Telas:

  1. A saudade,  Almeida Júnior (1899)
  2. Arrufos, Belmiro de Almeida (1887)

Clubinho da leitura, viver é sonhar

O Clubinho da Leitura “Plácido José de Oliveira”, em Barbacena, pinta dias cinzentos com muitas cores. Encanta com cantos de vozes ternas e tenras o espaço inóspito de nosso cotidiano. Encena, com gestos e passos angelicais, as mais belas histórias de vida recriadas com varinha de condão.

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SONHOS

Sendo assim menina falante, galante qual minhas meninas,
também eu, sonho como elas.
Sendo assim aventureira e valente como meus meninos,
também eu, sonho como eles
Sendo assim livre, criativa e desafiadora como todos eles,
também eu, me permito ser feliz como eles.

JOGRAL DE POESIAS – NOSSA LEITURA MELHOROU MUUUUITO

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LEITURA DE POESIAS COM FUNDO MUSICAL DE VIOLÃO- AGORA EU. AGORA VOCÊ

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VAMOS CANTAR E TOCAR OS INSTRUMENTOS QUE TEMOS – AGORA EU.

DEPOIS TROCA.

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AQUARELANDO NOSSAS HISTÓRIAS – NOVIDADES COLORIDAS

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NARRATIVA ORAL SEM APRESENTAÇÃO DE ILUSTRAÇÕES- IMAGINAR FAZ VOAR

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A PROMESSA DO GIRINO

Quero contar uma história

Que é muito emocionante

Um Girino bem pretinho

E uma Lagarta falante.

Eles se apaixonaram.

Vejam só que interessante.

[…]

CONTAÇÃO DA HISTÓRIA

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ESCOLHA LIVRE DAS PERSONAGENS- DRAMATIZAÇÃO DA HISTÓRIA

A Lagarta apaixonada

Falou ao seu grande amor:

– Nunca mudes, viu querido

Eu te peço, por favor

– Eu prometo, disse ele

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Mas com o coração de dor

Novamente se encontraram

Muito havia já mudado

Dois bracinhos no Girino

Por ela já notados

– Eu não queria esses braços-

disse ele magoado.

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Por três vezes a lagarta

Perdoou o seu amado

Mas sua pérola negra

Já tinha muito mudado

A Lagarta então foi embora

Com o coração despedaçado

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E até hoje o pobre sapo

Tá na lagoa a esperar

Que o seu lindo Arco-Íris

Volte a lhe procurar

Mal sabe o pobrezinho

Que ela foi o seu jantar

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VAMOS FAZER MÚSICA, Odonir ?

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Lagarta, girino, borboleta e sapo, todos cantaram e dançaram alegremente.

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FILOSOFANDO

Eu pergunto: Mas por que não deu certo o Amor deles, se vocês mesmos me disseram que eles estavam apaixonados?

João Vítor esclarece: Porque ele não podia mentir pra ela que não iria mudar. Aí ela não gostou, né.

Ana Clara complementa: Mas ela também virou borboleta, ela também mudou.

Pergunto de novo: Por que eles não falaram que poderiam mudar, então?

Responde Rafael: Acho que o girino quis agradar a lagarta e não contou porque estava apaixonado por ela.

Responde Gustavo: Porque nem eles sabiam que eles iam mudar, né, Odonir. 

SABEDORIA INFANTIL NOTA DEZ- concluo.

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Post dedicado à Heloísa Cerri Ramos, uma professora de Português pra se admirar sempre. Colega de talento e dedicação enormes a seu ofício, muito me ensinou pelos ramais e caminhos da profissão. E que diz ser fã do Clubinho.

Texto e poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Roberto em meus amores

Roberto Carlos atravessa décadas da música popular brasileira. Com isso torna as suas canções nossas companheiras de vida, como os vizinhos que sempre nos conheceram.

Conversando com amigos por esses dias, cada um relatou que muitas músicas cantadas por ele perpassaram suas vidas de forma inesquecível.

Alguém me disse, recentemente, que era “ignorante” para entender poesias. E as músicas de R. Carlos? Ah, delas eu gosto.

Roberto é assim, popular, simples, direto aos sentimentos, semelhante a qualquer um, naquilo que canta. Dessa forma, muita gente se identifica com suas canções.

Há quem lhe cobre posicionamentos políticos, sociais, entre outros. Seguramente os possui, mas não deseja expressá-los por motivos que só ele conhece. Como muita gente também o faz. Até nisso ele é bastante comum: um homem comum.

Com influência de compositores da velha guarda carioca com seus boleros, sambas e canções de amor, Roberto Carlos deu fluidez aos seus estados emocionais como ninguém o fez, e por tanto tempo, em nosso cancioneiro.

Jovens o rejeitam, acham-no sentimental demais, nada contemporâneo. Suspeito que quem ama, de verdade, sofre, sente dor, insegurança, ciúme, sufoca mágoas, perdoa, esquece e depois tudo isso de novo etc. etc. Por isso, Roberto Carlos cala fundo nosso coração.

Quem me conhece sabe que sempre gostei demais das canções de Roberto Carlos.

ANINHADA NO COLO DE ROBERTO

Enrolada nessa manta, com Roberto me encantando,
ouço você sorrindo
vejo você indo, vindo, falando
bebo desse vinho e escrevo dois três pensamentos
A agulha da vitrolinha retoma, retoma
como se fosse um disco arranhado,
em trilha preciosa,
em fundo musical de filme de amor.
Encanta-me, Roberto, encanta-me.
O vinho traz meu deus grego aos ouvidos.

SORRISO DE ESTRELA

É quando no desespero de mim,
que encontro a ti
sorrindo repetidas vezes
com passos ouvidos
em reflexos mínimos
em espaços imprevisíveis
em momentos inesperados.
É quando miro estrelas
que encontro
teu lume no delas
tua silhueta na delas
teu dorso incomum no brilho delas.
É quando escurece
que estrelas em ramalhetes
te trazem a mim,
e em ti permaneço
pousada no céu.

AFIRMAÇÕES

Beijo-te a boca porque neste dossel estás
Beijo-te a boca porque numa sóbria embriaguez pousas em mim
Beijo-te a boca porque és onírico, fugaz e tépido.
Abro-te meus cofres para descobrires registros tênues
Abro-te meus cofres para beberes sólidos, líquidos e gasosos
Abro-te meus cofres para não indagares sequer um suspiro meu.
Encontro-te pelas manhãs nas curvas de mim
Encontro-me pelas tardes no lirismo de meus versos
Encontro-te pelas noites apenas para estares.
 

DOSES DE LIRISMO

Escorrendo versos pelas ruas, vielas e praças
Beijam-se os amantes em excitação.
Romantismo em boleros, sambas-canção
Enovelando apaixonados corpos e vozes
sussurros em ouvidos últimos.
Ensaio de dança confessional
em dois a dois.
Doses de lirismo pelos ouvidos
pela boca
na pele eriçada
no corpo intumescido.
Doses de lirismo em aspersão no ar.

Odonir- Niterói

PALAVRAS DE TUDO

Minha vida é feita de páginas.
Sem ler não concretizo voos
Sem ler não amanheço nem anoiteço,
e se entardeço
é porque sou em mim mesma um feixe de páginas
qual bambu
em touceiras
de difícil esfacelamento, destruição ou perda .
Quando de palavras me guarneço,
é com elas que me acasamato do mundo,
me resguardo das dores simples,
me afogo nas mais complexas,
irremediáveis e etéreas.
Palavras alimentam meu corpo,
atiçam meus desejos mais incompreensíveis,
sensorializam meu cotidiano mínimo,
transformando-o em rasantes sobre oceanos.

MERGULHO

Sentada, a luz de Narciso me suga
Interpreto o mais e o menos
Mergulho no líquido
Mergulho no sólido
E é etéreo e gasoso.
De pé, caminho sobre tábuas
de mandamentos pagãos.
Tudo em frente, tudo ali
E é etéreo e gasoso.
Mergulho entregue
Sem nadadeiras
Sem asas
Nem redes de proteção.
Mergulho no risco de Narciso, então.

 

ÀS ESTRELAS, OS PORQUÊS

Não sei o que dizer
quando ela quer saber do meu amor.
Não sei se digo que a amo.
Não sei se digo que não sei se é amor.
Não sei se sei, antes de ter o que lhe dizer.
Sei um pouco do que sinto
E tudo o que sinto é pouco
Perto do pouco que vivi com ela.
Não sei o que dizer com palavras de sentido claro e único
porque o que sinto por ela não é claro e único também.
Assim prefiro imagens repletas de polissemias a cada linha
porque garantem que ela, por si mesma,
terá que desocultá-las.
Não sei ser mais claro do que tenho tentado ser
porque também eu sou incomum, estrangeiro, invulgar.

CONVERSA COM ESTRELAS

Só, somente assim ser.
Acalanto de sossegos ninando aspirações.
Respostas ternas para enigmas ocultados.
Confissões em cantos únicos
súplicas, apelos, inquietações.
Aquiescendo dores inconfessáveis
segredos indizíveis
amores inexplicáveis.
Oráculos de almas em conflito.
Estrelas,
dos mistérios
à luz.

HOMEM NU

Há em ti um medo insofismável de ser
Há em ti um esconderijo de tempos espaços externos e iluminados
Há em ti um entranhar-se em ti, como caverna de um Platão inédito
Há em ti espaços impenetráveis até por ti mesmo.
Há em ti um tom fúnebre de vazio existencial
Há em ti um carpe diem funesto e não libertador
Há em ti enigmas segredos secularmente indecifráveis
Há em ti um fugere urbem que se pretende equacionador
Há em ti uma rebelião dos valores estamentais sociais religiosos
Há em ti um sagrado íntimo trancado em celas-cárceres-degredos
Há em ti um código de valores herdado e mantido a ferrolhos
Há em ti um reflexo que não é o de ti
mas o de um outro que a ti intentas impor.

DESEJOS DE LOUCOS

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vinho nos ouvidos
poemas mastigados
mãos de rubro
melodias de sangue
versos de espasmos
traços de medos
riscos de cedos
medos de tardes
desejos de sê-lo
desejos de vê-lo
desejos de tê-lo.

Post dedicado ao Kaká, ao Ri, à Marta, à Iana, ao Dinho, irmãos de fé há décadas, hoje morando em Brasília.

Sobre Roberto Carlos, leia aqui no blog: ‘‘Roberto & Roberto”

Roberto & Roberto

Poesias: Odonir Oliveira

Coração em pedaços

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CORAÇÃO ESPATIFADO

Tenho meu coração em frangalhos hoje
Tenho meu peito carregado como a explodir
Tenho meu país em sangue a gangrenar
Tenho uma vontade enorme de deitar em seus braços e chorar
Compulsivamente. Convulsivamente.
De lhe pedir que negue que o que vejo é o real.
Tenho uma vontade imensa de buscar compreensão para o quê, sozinha, não consigo.
Sou pesar, ódio, reação e medo.
Nunca estive tão só em meu país !

BANCO DE DADOS

Dizem-me “Prefiro essa você, que cuida de rosas, que cuida de crianças”
Digo-lhes “Não me interessa qual seja sua preferência em mim”
Somos um misto de tudo que nos cresceu.
Somos soma de nossas influências.
Somos sumo de vivências, experiências, constâncias, caminhadas.
Somos seres complexos.
Não há seres simples.
Todos têm suas complexidades. Sejam quais forem.
Sou cidadã brasileira.
Apaixonada por meu povo brasileiro.

CHÃO DE BARRO

Pisando barro
marca o ritmo
bate os pés
engrossa a voz como num lamento
arrasta botas na poeira
É sulco, é seiva, é semente.
Conhece as luas, as horas, os ventos, a semeadura
Como ninguém.
Sertão dentro e fora
Sertão por todos os lados.
Sertão genuíno.
Sertão dolorido.
Sertão empedernido.
Sertão brasileiro !

DEMOCRACIA

Bandeiras flamulando
Gente nas ruas
Papeis picados, santinhos, faixas
Músicas pelas ruas.
Votar pela primeira vez.
Participar da Nação
Encontrar caminhos, buscar soluções, acreditar nas mudanças.
Votar pela primeira vez.
Voto do rico igual ao do pobre
Ilusão de justiça
Ilusão de solidariedade
Ilusão de igualdade.
Por quê?

COM LICENÇA POÉTICA
Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Post dedicado à primeira mulher que ocupou a Presidência da República no Brasil: DILMA ROUSSEF

Trilhos, trilhas, trens

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RETROVISOR

Não sei. Não me pergunte.
Não entendo de imagens pelo retrovisor.
Sei que tenho uma relação sensorial com trens.
O apito me provoca fagulhas
O cheiro de lenha queimada, do diesel, da água, de gente
provocam reações sem nomeação em mim.
O trilhar pelos ferros, o sacudir, o ir-se … êxtase.
Tudo ali é braço é mão é toque é sabor é aroma.
 Trens, trilhos, trilhas, tralhas são minha pele.
Canal: Odonir Oliveira
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PAISAGEM

Bebe terra vermelha
Sorve vento quente pela janela
Namora o lago o rio as bananeiras as árvores
Namora o eterno rumo percorrido.
Chora o encontro de trem ar água vento e trilhos.
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Canal lilianroisenberg
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BRASÃO

Há um cavaleiro de nome Patrick Dollinger
Sabe o nome da moça
Conhece seu de fora e o de dentro
Enxerga sua particular afeição por ele
Observa a moça de longe
Tem belo casaco vermelho com seu nome bordado no peito
Assopra no ar toadas, pelas noites, para que cheguem ao amanhecer aos ouvidos da moça
Tem nobreza africana, olhar de índio e sorriso de sertão.
Fidalgo, percorre trilhos dias e dias em direção à moça.
Ela sabe e espera.
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O PASSAGEIRO

Cecília viu de longe um vulto sentado no banco da estação
Jamais o esqueceu.
Era branco, era negro, era moreno, era loiro,
como era ele, Cecília?
Não sabe descrever. Sabe que era ele.
Lembra que trazia nas mãos um livro.
Fixou-se no livro. Eram poemas. Eram versos. Eram sonho.
Cecília permanece acreditando que ficará frente a frente com o vulto.
Cecília, deixe disso. É pura imaginação. É ilusão.
Não. Não é ilusão.
Devora poemas dia e noite na esperança de que através deles possa reencontrá-lo
como um código, como uma pista, como uma senha.
Cecília e o vulto, par constante.
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ESCOLHAS

Entre muitos, escolher um
Entre muitos, roçar os dedos em um
Entre muitos, sentir um doce quente prazer de  estar em
Entre muitos, seduzir-se por sinais, por identidades, por trilhos
Entre muitos, desejar o especial, o fogo em extinção, a fumaça diáfana.
Entre muitos, deixar-se ocupar pela voz do maquinista etéreo de si mesma.
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BILHETERIAS

Surgem nas manhãs nubladas entre rostos adormecidos
as bilheterias diárias …
nelas se compram ingressos
nelas se compram passagens por rumos mesmos e para outros
nelas nos abalroamos por um destino
nelas entregamos nossas esperanças de partidas alvissareiras
nelas bebemos sonhos de encontros ansiados
nelas estão começos de doces futuros
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COMPANHEIROS DE VIAGEM

Nos dias de lúgubre cenário, há sempre quem nos faça companhia.
Há rostos, mãos, vozes, risos e ouvidos a nos velar as falas.
No banco, ao lado, na entrada, na saída, no percurso,
há sempre alguém sentado anonimamente.
Como querubins e serafins, colorem de humanidade nosso trajeto
São asas farfalhantes e desconhecidas que nos impulsionam ao desembarque.
Trocam-se confidências, revelam-se segredos, pedem-se conselhos
Depois, cada um desce do trem na estação pretendida
E a viagem continua.
Há sempre um companheiro na nossa viagem.
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TRILHOS

Andar nos trilhos
Trilhar caminhos
Dormentes acordando sentidos
encruzilhadas eternas
apitos que cortam uma noite que não termina
vozes segredadas entre dentes
vozes felizes por conquistas perseguidas ferrenhamente
idas vindas voltas encontros desencontros separações
bancos nas estações, repletos de ouvidos secretos e bocas atormentadas
Trens fazem anúncios sempre.
Canal Eva Ewunia
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DEDICATÓRIA

Dedico esse post aos ferroviários: muitos morreram sem ver a malha ferroviária reativada no Brasil; muitos dedicaram-se por décadas ao trabalho com trens e ainda aos amantes de trens que preservam a história ferroviária em nosso país, através de museus, exposições e viagens em pequenos percursos, como a ABPF, Associação Brasileira de Preservação Ferroviária.

http://www.abpf.org.br/

Poemas de Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
3º Vídeo: Canal lilianroisenberg
4º Vídeo: Canal Eva Ewunia

Mãe, ” braba feito onça ” !

Sou um tantinho avessa a datas comemorativas, comercialmente estabelecidas. Entretanto, celebrar é comigo.

Gosto de celebrar nascimentos, amizades, aniversários, inaugurações e inícios especiais.

O Dia das Mães é uma dessas datas que gosto de celebrar, até muito antes de me tornar mãe.

Sempre quis ser mãe. Mãe de filho homem, inclusive. Nunca compartilhei de certas maneirices femininas com as quais convivia. Depois mudei meu ponto de vista e amo minha filha primeira e meu filho depois.

A vida me ensinou que a gente vai parindo filhos a vida inteira: os de sangue, os adotivos, os alunos, os amiguinhos, os sobrinhos, os netos … É um parir constante que implica  CUIDAR, ACONCHEGAR, COMPREENDER, DOAR-SE, ACOLHER, AMAR.

Compreendo que haja mulheres que prefiram não ser mães. Entretanto, ficarão sem partilhar o DIVINO PRAZER DA MATERNIDADE. É um caminho na aprendizagem de se ser mais HUMANO.

Há mulheres que não tendo filhos seus de útero adotam outros. Há mulheres que além dos seus de útero adotam mais outros. Portanto, entendo, depois de décadas de vida, que …

É MUITO BOM SER MÃE.

(Imagem de tela do pintor italiano Pino Daeni retirada da internet)

 

FILHOS DA MÃE

Agradeço pelo seu choro ao nascer
Agradeço por sua boca nos meus seios
Agradeço por seu sorriso
Agradeço por reconhecerem meu cheiro e me abrirem gengivas sem dentes
Agradeço por me fazerem sofrer por seus padecimentos físicos e emocionais
Agradeço por me darem rumo
Agradeço por me darem sentido
Agradeço por me darem continuação
Agradeço por serem luz, alegria e AMOR.

(Imagem de tela do pintor italiano Pino Daeni retirada da internet)

 

MÃE, EU SOU VOCÊ ?

“Quem quer ser outra deixa de ser uma, mãe?”
“Quem quer ser outra é sempre outra e uma, filha.”
 
Aquela mulher era uma onça.
Parindo cinco filhotes de parto natural
Amamentando-lhes bocas por toda sua vida
Lavando, passando, cozinhando, costurando
Mãe mais que mulher?
Mulher bem maior que apenas mãe.
 
Dos ditos, sempre bem ditos, a sabedoria herdada do pai-avô por ventos mineiros.
Com olhar arqueólogo de almas, um chiste, uma picardia.
Ferro nos braços, nas pernas, no peito.
Coração de manteiga derretida e esconderijo de sentimentos.
Onça, minha onça mineira, eu também sou você, mãe?
 
Sou?

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GAROTO DAS MEIAS VERMELHAS

Carlos Heitor Cony

Ele era um garoto triste. Procurava estudar muito.
Na hora do recreio ficava afastado dos colegas, como se estivesse procurando alguma coisa.
Todos os outros meninos zombavam dele, por causa das suas meias vermelhas.
Um dia, o cercaram e lhe perguntaram porque ele só usava meias vermelhas.
Ele falou, com simplicidade:
“no ano passado, quando fiz aniversário, minha mãe me levou ao circo”.
Colocou em mim essas meias vermelhas.
Eu reclamei. Comecei a chorar.
Disse que todo mundo iria rir de mim, por causa das meias vermelhas.
Mas ela disse que tinha um motivo muito forte para me colocar as meias vermelhas.
Disse que se eu me perdesse, bastaria ela olhar para o chão e quando visse um menino
de meias vermelhas, saberia que o filho era dela.”

“Ora”, disseram os garotos. “mas você não está num circo.
Por que não tira essas meias vermelhas e as joga fora?”
O menino das meias vermelhas olhou para os próprios pés,
talvez para disfarçar o olhar lacrimoso e explicou:
” É que a minha mãe abandonou a nossa casa e foi embora”.
Por isso eu continuo usando essas meias vermelhas.
“Quando ela passar por mim, em qualquer lugar em que eu esteja,
ela vai me encontrar e me levará com ela.”

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The Essences by Carlos-Quevedo on DeviantArt

Para Sempre

Carlos Drummond de Andrade

Por que Deus permite
que as Mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba.

Veludo escondido
na pele enrugada,
Água pura, ar puro,
Puro pensamento.

Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígios.

Mãe, na sua graça,
é Eternidade.

Por que Deus se lembra
– mistério profundo –
de tirá-la um dia?

Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca!
Mãe ficará sempre
junto de seu filho!
E ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Poemas: Odonir Oliveira

Dedico esse post à minha mãe Itália, às minhas avós Natália e Jovercina Inácia, a meus filhos, em especial, por terem me tornado mãe, e a seus pais também Ricardo e Roberto (in memoriam).

Nada além de uma ilusão… Não.

Marc Chagall, The Promenade

Ilusão: [Do latim illuusione] S. f. 1. Engano dos sentidos ou da mente, que faz que se tome uma coisa por outra, que se interprete erroneamente um fato ou uma sensação, falsa aparência 2. Sonho, devaneio, quimera 3. Coisa efêmera, passageira. 4. Logro, burla, engano.

(Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Aurélio Buarque de Holanda)

Muitos confundem ilusão com utopia, sonho e até com esperança. Mas viver sem ilusões é passar uma vida sem sonhos, sem perspectivas, sem desejos.

É ingênuo continuarmos com ilusões de fraternidade entre as pessoas, de amor entre os casais, de mais igualdade entre os homens, sejam eles de religião, orientação sexual ou classe social diferentes?

Ilusão parece ser o sentido puro que as crianças atribuem àquilo em que querem acreditar, por isso o defendem com todas as forças e tentam nos fazer acreditar também.

Os povos antigos tinham suas lendas para explicar o que não conseguiam apenas com o racional. E projetavam suas ilusões de conquistas e sonhos.

As questões da política mundial têm nos feito sucumbir às nossas ilusões primeiras, às vezes querendo torná- las derrotas e nos sinalizando que sonhar não é possível mais. “Não se vive de ilusões”.

O que seria então ter ilusões?

Vale a pena se ter ilusões?

Que teogonia é essa que nos demove do provável moto contínuo de nossas vidas que é ainda ter ilusões?

Os sonhos tornaram-se impossíveis?

Até para o amor e a paz ?

PAZ

Mundo, mundo, mundo
você é muito maior que meu leito
minha mesa
minha casa
meu homem .
Não posso esquecer
a rua,
a cidade,
o país.
Meu mundo é muito maior do que uma rima.

Rob Gonsalves : https://www.facebook.com/RobGonsalves.Official/

Marc Chagall, Paris Through the Window

MULHER DE SAIA FLORIDA

No jongo era a maioral
Na catira, a sensacional
No frevo, a irracional
No batuque, a principal
Na roda de crioula, a sensual
Invencível, irascível, inimaginável
Era fogo que arde
Era palavra rascante
Era indomável.
Na hora do laço, da doma, da rodada
era mansa, domesticada, dócil, comum.
Uma ilusão.
A  fantasia era para o atacado .
No varejo, era gata mansinha
Mansinha, por um pires de leite.

Rob Gonsalves : https://www.facebook.com/RobGonsalves.Official/

HOMEM DE PALHA

Como uma vela
era manobrado com facilidade por ventos quentes
Como uma biruta
era moldado com facilidade por ventos novos
Como uma pipa
era conduzido com facilidade por ventos de ocasião
Como paina
era assoprado com facilidade por bocas de pimenta
Porque de palha
cedia ao rumo que lhe impusessem.
Um dia pegou fogo.
Não era mais um homem, então.

Marc Chagall, Música

MEDO

Elas tinham medos
medo de se dar
medo de sofrer
medo de rejeição
medo de solidão.
Ofertavam-se por medo.
Ofertavam-se por umas rimas, umas melodias, umas palavras doces.
Ofertavam-se
Entregavam-se às ilusões.

Rob Gonsalves : https://www.facebook.com/RobGonsalves.Official/

 “Quem sabe a vida é não sonhar”

Tigran Tsitoghdzyan: www.ttigran.com

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Marc Chagall, Sobre a cidade

DOAÇÃO

Doar rimas
Doar versos, estrofes, emoções
Doar filhos paridos à luz do dia e da noite.
Doar horas, minutos, segundos
Doar sorrisos, risos, gargalhadas
Doar sol, lua e estrelas
Doar  cor, flor, sabor
Doar não é dar.

” Certa vez vivia um povo no leito de um grande rio cristalino. A correnteza deslizava silenciosamente sobre todos eles, jovens e velhos, ricos e pobres, bons e maus. E a correnteza seguia seu caminho, alheia a tudo que não fosse sua própria essência de cristal.

Todas aquelas criaturas se agarravam como podiam aos ramos e às pedras do leito do rio, porque sua vida consistia em se agarrar e porque todas elas, desde o berço, tinham aprendido a resistir à correnteza. Mas por fim uma das criaturas disse: “Estou farta de me agarrar. Mesmo que meus olhos não vejam o que há pela frente, confio que a correnteza saiba para onde vai. Vou me soltar e deixar que ela me leve pra onde quiser. Se eu continuar aqui, imobilizada, morrerei de tédio!”

As outras criaturas riram e exclamaram: “Tola! Se você se soltar, essa correnteza que você venera a lançará, aos trambolhões e feita em pedaços, contra as pedras. Ela a matará mais depressa que o tédio.” Mas ela não lhes deu ouvido. Inspirou profundamente e se soltou. A correnteza lançou-a com violência contra as pedras, mas a criatura, embora machucada, estava decidida a não se agarrar novamente. E então a correnteza a trouxe à tona e ela não mais sofreu nem se lastimou.

As criaturas que viviam rio abaixo e não a conheciam exclamaram: “Vejam, um milagre! Uma criatura igual a nós, e no entanto voa nas águas! Olhem, é o Messias que veio nos salvar!” E a que eu tinha sido arrastada pela correnteza respondeu: “Não sou mais Messias do que vocês. O rio gosta de nos fazer voar, com a condição de que ousemos nos soltar. Nossa verdadeira missão na vida é esta viagem, esta aventura”.

As outras continuaram gritando, cada vez mais alto: “O Salvador! O Salvador”, mas ainda agarradas às pedras. E quando levantaram os olhos, ela tinha desaparecido. Ficaram sozinhas, criando lendas sobre um Salvador.”

ILUSÃO

Dizes que sou feliz. Não mentes. Dizes
Tudo que sentes. A infelicidade
Parece às vezes com a felicidade
E os infelizes mostram ser felizes !
 
Assim, em Tebas – a tumbal cidade,
A múmia de um herói do tempo de ísis,
Ostenta ainda as mesmas cicatrizes
Que eternizaram sua heroicidade !
 
Quem vê o herói, inda com o braço altivo,
Diz que ele não morreu, diz que ele é vivo,
E, persuadido fica do que diz …
 
Bem como tu, que nessa crença infinda
Feliz me viste no Passado, e ainda
Te persuades de que sou feliz !
Augusto dos Anjos , Eu e outras poesias.

Esse post é dedicado à minha amiga Martha Gracio, de São Paulo, que ouve, entende e acende o farol alto de sua torre sobre meus mares revoltos.

Poesias: Odonir Oliveira
Imagens retiradas da Internet
1º Vídeo: Canal cubebossanova
2º Vídeo: Canal Nelson Motta
3º Vídeo: Canal Choro e Poesia
4º Vídeo: Canal maufbr
5º Vídeo: Canal reginamonteforte1