Foram 2 os responsáveis por minhas raízes, folhas, flores e frutos: meu pai Plácido nascido em 1917, no Alto Rio Doce, MG e Drummond, nascido em 1902, em Itabira, MG
Conheci o casal de jornalistas Glória e Wanderley Garcia, Da Janela Cultural, na FLITI, e logo passei a admirá-los. Leem obras literárias e viajam para os locais onde os personagens das obras estiveram, refazendo sua trajetória, buscando informações etc. Fizeram isso, por exemplo, com Geraldo Viramundo, protagonista de O Grande Mentecapto, de Fernando Sabino. Aí me contaram que estavam seguindo para participar da Semana Drummondiana, em Itabira. Adorei que fossem pisar o solo de meu pai lírico Carlos Drummond de Andrade.
Foto de arquivo pessoal: mesa “Viramundo volta a Minas, com o Bernardo Sabino (que coordena o Instituto Fernando Sabino) como mediador.
“A Semana Drummondiana vem sendo realizada desde 1998 e acontece sempre em outubro, mês em que se celebra o aniversário do poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade e o Dia Nacional da Poesia — ambos no dia 31.
O evento é dedicado ao estudo da obra drummondiana e tem por objetivo difundir e fomentar a busca por novas práticas literárias e artísticas. Dessa forma, conta com debates, exposição, feira de livros, mesas redondas, palestras, seminários e workshops, shows, teatro, dentre outras atividades. Durante a Semana Drummondiana, escritores, jornalistas, pesquisadores, artistas, estudiosos e admiradores do poeta são convidados para integrar a programação.”- https://fccda.com.br/novo/semana-drummondiana/
CREPÚSCULO – sentido próprio: claridade no céu entre a noite e o nascer do Sol ou entre seu ocaso e a noite, devido à dispersão da luz solar na atmosfera e em suas impurezas. sentido figurado: o tempo de duração dessa claridade, antes de se firmar o dia ou a noite.
CREPÚSCULOS A jovem Denise cursava a Universidade Federal com muito esforço, trabalhando durante o dia e estudando à noite. Já no último ano do curso havia ido visitar seus avós no interior mineiro e manifestado vontade de conhecer Tiradentes, a cidade com a qual sonhava sempre. O padrinho de batismo tinha automóvel, incomum por ali. Pediu que a levassem até a cidade. Denise vivenciou cenas de seus sonhos. Era uma nesga de felicidade antes intocável: casas coloniais, cavalos e cavaleiros pelas ruas, quitandas vendidas em vidros e potes, nas janelas das casas, decoradas com toalhinhas de chitão. Artesanato criado pela população local, móveis rústicos de mãos artísticas, muito crochê, muito bordado, muito fuxico, muita costura familiar… tantas belezas! Ao caminhar por aquelas ladeiras, encontrava janelas que refletiam o céu, jardins de dálias e margaridas, tabuletas com inscrições na entrada das casas. Entrar e sair das 5 igrejas de mil e setecentos era como estivesse na porta dos céus. Denise passara um dia inteirinho bebendo saberes e sabores em Tiradentes. As décadas foram passando, a aposentadoria chegava. Ao receber seu último salário, presenteou-se com uma visita de dois dias à cidade de seus sonhos, para onde não mais voltara. -Não vai não, Denise. Vai pensando que tudo ainda é daquele jeito de antes… e não é mais – advertia-lhe a tia-avó. Não vale a pena voltar a lugares que se amou muito anteriormente “Minas não há mais”, lembra? Teimosa, foi. Ao chegar, deixou sua maleta na pousada e conversou com o rapazinho de origem humilde que a administrava. -A senhora quer saber de uma coisa… quando tá ruim no resto do país, dólar alto, juros altos, aqui tá bom. Em vez dos turistas de posse viajarem pro exterior, vêm pra cá. Aí a gente ganha com isso, a economia dessa cidade é só o turismo. -Mas você acha que as outras pessoas não têm direito a conhecer tudo isso também? -É bom assim porque seleciona a clientela, né. -Soube que as pessoas não têm cinema aqui, nem teatro e sofrem com muitas mazelas, tiveram que ir viver na periferia da cidade até. -É, mas pra muita gente foi melhor, os alugueis aqui ficaram muito caros, só os ateliês e os restaurantes mais chiques aguentam pagar. A população da cidade é pequena, não consegue comprar o que é vendido aqui não. -A mão-de-obra foi aproveitada nos hotéis e nas pousadas, fazem quitandas, doces, artesanato pra vender dentro delas, por exemplo? -Aqui tem falta de mão-de-obra, tem que contratar de fora. Mas se alguém quiser ir ao cinema e gozar de outras coisas vai a São João Del Rei, uai. -Mas são moradores daqui, têm o prefeito e a administração daqui para isso, não é mesmo? -Só sei que melhorou muito pra nós, muito mais turistas, muito mais dinheiro… -Mas e a população? Tem aprendido, tem se informado sobre o valor histórico da cidade, pois só se pode defender aquilo que se conhece. Ou só o comércio é que melhorou? Tantas pousadas e hotéis como os das grandes capitais com academia de ginástica, sauna, alta gastronomia etc. -É pra atender a quem pode pagar, uai. -Entendi. Denise deveria ter escutado sua tia-avó. “Minas não há mais”– como escreveu Drummond.
É que tenho percebido que minha imagem pode trazer danos à audiência.
E que a “audiência” da TV pode trazer danos para mim.
Sei que a TV foi maravilhosa para nossas gerações, especialmente a minha.
Tenho total reconhecimento. Amo a TV.
Amei existir e fazer parte dela. Mas era outra TV.
Outro jeito de se fazer. A gente cantava, e pronto.
Não tinham os componentes e as fórmulas que vingaram nos tempos atuais.
Ficou bem complicado agora, com interatividade e o voyerismo invasivo, científico, dos talk shows…
E sei que os programas das TVs vivem na corda-bamba, lutando desesperadamente por audiência.
Muito da TV, hoje, se constrói em função do que vem e do que causa nas Redes Sociais.
E isso é Orwelliano, diabólico.
Não quero constranger o público, também, já que hoje em dia as pessoas são todas muito bonitas nas redes sociais, nas mídias.
Esta é a época de Ouro da humanidade, em que os seres humanos são todos simplesmente maravilhosos e todos muito virtuosos, com seus milhões de seguidores.
Todo mundo faz a sua lição de casa, bonitinhos, com seus sorrisos e mensagens agregadoras, ou estudadamente “chocantes”, provocativas. Vale tudo desde que sejam de alguma forma eficientes para angariar seguidores. É a Nova Verdade!
Diga-me quantos te seguem, e te direi Quem És.
Sinto um constrangimento em existir, ainda.
Sei que já passou o tempo de eu estar enterrado num passado de lembranças, e não incomodar mais.
Só que eu, Guilherme Arantes, insisto em não morrer ( seria o ideal ), e estou nascendo hoje para o futuro e insisto em dizer pra mim mesmo: eu existo. Dane-se o incomodo que causar.
Anos atrás, fui fazer o Fausto Silva e a Anne Lottermann me perguntou se eu sentia saudades da cabeleira , da minha juventude.
Sei que foi uma pergunta inocente e burrinha, coitadinha, porque eu lhe respondi na lata.
Fiquei surpreso com a pergunta “na lata”.
As pessoas na TV têm que ser lindas. Isso é inquestionável.
Respondi que eu não sinto saudades porque o meu conteúdo cerebral de hoje, o meu carisma até para responder …. não dá para comparar com o conteúdo “ralinho”, o carisma fraquinho que eu tinha no tempo dos cabelões, que aliás, hoje data de mais de 40 anos, a provável idade dela.
Não quero mais televisão porque quando é para ser entrevistado, a pergunta já vem pautada para “causar”, e as falas na TV são sempre tóxicas, trazem aborrecimentos e perdas pessoais.
Tenho visto colegas entrarem nessa roubada de ” debates”, de temas, de “pautas”, cujo único propósito é colocar o artista frente a frente com o paredão de fuzilamento da polarização,
Até aí, vai quem quer.
Aí, quando é para cantar, aí as produções querem os “hits” mais comportadinhos e digestivos, que garantam a audiência através dos “grandes sucessos”, que não tragam questionamento novo algum.
Republicação do post de 26/3/2018 – UM ENCONTRO MARCADO COM FERNANDO
Professor é aquele que mesmo em momentos de diversão, deleite, encontra ali um vínculo, um link a ser feito também com seu ofício de ensinar.
Conheci pessoalmente Fernando Sabino numa noite de novembro de 1991. Fui assistir a uma mesa-redonda da qual ele participava, em São Paulo. Ao final, ficamos conversando, autografou seu último livro que eu havia levado e foi mineiramente o contador de “causos”, que eu previa.
Contei a ele o trabalho que estava desenvolvendo com meus alunos do Colégio Galileu Galilei, nas sextas séries. Conforme eu lhe contava, seus olhos ficavam cada vez mais atentos. Pediu que lhe mandasse alguma coisa deles pra ele ler. Dando-me seu endereço e telefone em Ipanema, no Rio. Enviei as cartas dos meninos e meninas; nelas eles contavam do que mais haviam gostado no livro lido, faziam perguntas e mais algumas meninices tantas. Fernando respondeu uma por uma e mandou para o colégio.
Então vamos fazer de um limão vários jarros de limonada, por que não?
LEITURAS INICIAIS
Iniciamos com o texto “Menino”. Lemos as frases e pedi que marcassem apenas aquelas que seus pais diziam para eles. Foi muito bacana. Houve quem marcasse poucas e quem tivesse assinalado muitas. Rimos, e concluíram que uns eram bem mais “levados” do que outros. Coisas que a infância vai perfumando, como poesia.
MENINO
Menino, vem pra dentro, olha o sereno! Vai lavar essa mão. Já escovou os dentes? Toma a benção a seu pai. Já pra cama!
Onde aprendeu isso menino? – coisa mais feia. Toma modos. Hoje você fica sem sobremesa. Onde é que você estava? Agora chega, menino, tenha santa paciência.
De quem você gosta mais, do papai ou da mamãe? Isso, assim que eu gosto: menino educado, obediente. Está vendo? É só a gente falar. Desce daí, menino! Me prega cada susto…para com isso! Joga isso fora. Uma boa surra dava jeito nisso. Que é que você andou arranjando? Quem te ensinou esses modos? Passe pra dentro. Isso não é gente para ficar andando com você.
Avise seu pai que o jantar tá na mesa. Você prometeu, tem de cumprir. Que é que você vai ser quando crescer? Não, chega: você já repetiu duas vezes. Por que você está quieto aí? Alguma coisa está tramando…não anda descalço, já disse! – vai calçar o sapato. Já tomou remédio? Tem de comer tudo, você tá virando um palito. Quantas vezes já te disse para não mexer aqui? Esse barulho, menino! – teu pai tá dormindo. Para com essa correria dentro de casa, vai brincar lá fora. Você vai acabar caindo daí. Pede licença a seu pai primeiro. Isso é maneira de responder à sua irmã? Se não fizer, fica de castigo. Segura o garfo direito. Põe a camisa pra dentro da calça. Fica perguntando, tudo você quer saber! Isso é conversa de gente grande. Depois eu te dou. Depois eu deixo. Depois eu te levo. Depois eu conto. Agora não, depois!
Deixa seu pai descansar – ele está cansado, trabalhou o dia todo. Você precisa ser muito bonzinho com ele, meu filho. Ele gosta tanto de você. Tudo que ele faz é para seu bem. Olha aí, vestiu essa roupa agorinha mesmo, já está toda suja. Fez seus deveres? Você vai chegar atrasado. Chora não filhinho, mamãe está aqui com você. Nosso Senhor não vai deixar doer mais.
Quando você for grande, você também vai poder. Já disse que não, e não, e não! Ah, é assim? – pois você vai ver só quando seu pai chegar. Não fale de boca cheia. Junta a comida no meio do prato. Por causa disso é preciso gritar? Seja homem. Você ainda é muito pequeno pra saber essas coisas. Mamãe tem muito orgulho de você. Cale essa boca! Você precisa cortar esse cabelo.
Sorvete não pode, você tá resfriado. Não sei como você tem coragem de fazer assim com sua mãe. Se você comer agora, depois não janta. Assim você se machuca. Deixa de fita. Um menino desse tamanho, que é que os outros hão de dizer? Você queria que fizessem o mesmo com você? Continua assim que eu te dou umas palmadas. Pensa que a gente tem dinheiro pra jogar fora? Toma juízo menino!
Ganhou agora mesmo e já acabou de quebrar. Que é que você vai querer no dia de seus anos? Agora não, depois, tenho mais o que fazer. Não fica triste não, depois mamãe te dá outro. Você teve saudades de mim? Vou contar só mais uma, tá na hora de dormir. Vem que a mamãe te leva pra caminha. Mamãe te ama, viu! Dá um beijo aqui. Dorme com Deus meu filho!
Pedi que fizessem o mesmo com seus pais. Agora seriam eles a reconhecer as frases mais usadas com o filho. E pedi que os pais lhe dessem outro título (Na verdade, fora sugestão de uma aluna. “Odonir, esse título do Fernando Sabino e muito bobo; você já ensinou a não dar título bobinho pros nossos textos, né”). Queria que as meninas e os meninos fortalecessem o conceito e a arte de se dar títulos, ideia central, certa inovação a despertar interesse em quem vai ler etc. Essa interação com a família é de suma importância, posto que integra a família com a escola, ensina o que se ensina por lá, ou até mesmo propicia aos pais se lembrarem do quão meninos já foram. Tudo alegria.
Faz muitos anos, entretanto me recordo de alguns títulos – talvez pela criatividade dos pais – “The mamas and the papas“, “Mãe é tudo igual”, “Criança é graça”, ” A arte de ser pai de aluno de uma professora crítica”. Cada um leu o “seu” e aí deram outros. Foram votados os mais interessantes etc.
“SEMEANDO INFÂNCIA”
Nas próximas aulas, propus que narrassem a aventura ou o fato mais antigo de suas infâncias, aquele de que se lembrassem. Sentados em grupos de 4, começaram a lembrar e ir contando aos parceiros. Eu caminhava pelos grupos, aqui-ali mediando os relatos orais, orientando datação, localização, envolvidos na trama, desfecho etc. Depois eles próprios haviam aprendido e faziam uns com os outros. Votaram no mais interessante, mais arriscado, mais terrível de cada grupo. Depois foram à frente da classe narrar as aventuras vividas. Foi muito interessante notar quantos adjetivos, quanta expressividade havia ali naqueles relatos. Relatos orais na escola, língua oral, devolver o discurso para os meninos – fundamentais a quem aprende e a quem ensina.
Ah, narrei o meu também. Professores devem se juntar aos alunos, sendo com eles também um aprendiz. Lembrei meu aniversário de 5 anos, com bolo de roda- gigante, bonequinhas vestidas nas cadeirinhas e docinhos de moranguinhos, deliciosos, tudo feito por minha mãe lá em Xerém, RJ. Eles adoraram.
PRODUÇÃO DE TEXTO
Pedi que agora escrevessem a sua aventura. Leram para os parceiros do grupo. Aproveitei e fiz rodízio entre os integrantes. É muito importante diversificar. A convivência de alunos com mais dificuldade de escrita e outros com bastante facilidade– sendo mediadores, os ajudando- ensina a tolerância, a solidariedade e estimula a competência– creio eu.
Produziram. Na hora em que foram ler, um menino fez a observação régia “Seu texto quando você contou era bem mais legal que agora que você leu”. Refleti com eles os porquês dessa observação. Fui encaminhando a discussão para que percebessem a distância que havia- tradicionalmente- entre a norma culta falada e a escrita e que podiam conhecer ambas e usá-las como desejassem, quando preferissem ou fosse necessário etc. A famosa adequação da linguagem à situação de uso.
NOTA DE CONTEXTUALIZAÇÃO
Cumpre lembrar que esses meninos e meninas não tinham mais de 12 anos. Idade em que se é bastante criança ainda, mas se nega isso ao extremo. Meninos só gostam de meninos, reproduzem comportamentos masculinos clichê, difundidos há décadas, e meninas também reproduzem as feminices todas. Há um confronto enorme de ideias, de sentimentos entre eles, chegando até a algum tipo de violência – física ou velada. A crueldade se espalha como perfume. Prefiro tirar deles o perfume. Sempre. Portanto, é preciso ensinar-lhes a lidar com sentimentos como ódio, raiva, agressão – naturais – mas transformando-os. E arte, criatividade é o “canal”, porque tem como matéria-prima os afetos, as sensações.
Foram feitas várias edições. E foi porque eu corrigi, com caneta vermelha? NÃO. Os leitores, o público leitor ao qual se destinavam aqueles textos é que deveria opinar. Passaram a fazer as críticas por escrito, em bilhetinhos, que eram presos por clips e entregues ao escritor. “Acho que tem muitas palavras repetidas”. “O final ficou sem graça.” “O título já conta tudo.” ” Tem muita troca de letras.” “Gostei, achei bem interessante. ” “Melhore a pontuação, tá faltando vírgula demais aí” etc.
Por fim, pedi que reescrevessem os textos e os ilustrassem com desenhos, colagens, o que fosse pertinente às aventuras vividas.
Ah, virou livro, né. Lindos livros até com grãos de feijão e de arroz, simulando uma narrativa ligada a um prato de sopa puxado pela toalha da mesa e derrubado na cabeça da menina; outro narrou o dia em que se perdeu na CEASA; outro a neve de onde havia morado e o frio sentido. Tantas narrativas da infância.
Lemos Drummond, então.
Lembrança do mundo antigo
Clara passeava no jardim com as crianças. O céu era verde sobre o gramado, a água era dourada sob as pontes, outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados, o guarda-civil sorria, passavam bicicletas, a menina pisou a relva para pegar um pássaro, o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era tranqüilo em redor de Clara. As crianças olhavam para o céu: não era proibido. A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo. Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos. Clara tinha medo de perder o bonde das 11 horas, esperava cartas que custavam a chegar, nem sempre podia usar vestido novo. Mas passeava [no jardim, pela manhã!!! Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!
APERFEIÇOANDO LEITURAS
Começamos a ler crônicas. Usando a Coleção Pra Gostar de Ler, v. 1,2,3,4. No início de cada um dos volumes lidos há um tipo de biografia: fotobiografia, auto biografia, biografia …
Depois das biografias e de terem aprendido muito sobre FERNANDO SABINO, propus a leitura de O menino no espelho, então.
Pareciam íntimos do autor. Sabiam que era botafoguense roxo, tocava bateria, o nome de todas as suas obras, que fora nadador campeão, quase profissional, que morava em Ipanema e que era “amigo da Odonir”. Facilitava, é ou não é?
Foram lendo capítulo a capítulo, de várias maneiras. Havia dias em que fazíamos leitura compartilhada em classe, outras vezes dramatizavam o capítulo lido em casa. Ilustravam os capítulos, reescreviam alguns finais etc. A obra traz histórias quase independentes umas das outras, com o fio condutor do personagem Fernando e seu duplo Odnanref. Chegaram a fazer seus auto-retratos, atribuindo a eles seus nomes ao contrário também. O meu, por exemplo, ficou Rinodo. Só alegria. Poesia inoculada em todos.
Digo alegria porque CRIAR é mágico. O professor que levanta cedo e não se sente autor, criador do seu trabalho está condenado a ser um ” dador de aulas”, triste dele. É preciso ENCANTAR-SE para também ENCANTAR – penso eu.
O HAPPENING
Telefonei do colégio para contar ao “meu amigo” Fernando o trabalho. Mas mal comecei a falar, ele me disse que estaria dali a 2 semanas em São Paulo – iria assistir a um show da filha Verônica Sabino – e queria conhecer “minhas meninas e meus meninos”. Não precisava me preocupar com nada, com passagem hospedagem porque ele estaria indo de qualquer maneira para o show. Adorei. Contei às crianças. Preparamos um happening para abraçá-lo – ora, ora.
Fizeram muitos cartazes – sob a forma de placas – que iriam carregar nas mãos com tudo aquilo que sabiam dele, desde ser botafoguense, ser mineiro, nadador, até baterista. Pintamos faixas com os nomes dos personagens e mensagens deles para o autor. Uns meninos se caracterizaram como os personagens do livro. Havia uma bateria num palquinho e a banda dos alunos do colegial a postos.
Pais e funcionários do Colégio Galileu Galilei presentes .
A CHEGADA
O motorista o trouxe, e eu fui buscá-lo na entrada que tinha uma escadaria da portaria até o pátio. Ele me beijou e logo foi dizendo “Olha, eu sei que essa criançada é muito tímida. Pega um mais desinibido, e ele me faz uma pergunta. Dali eu emendo e vou falando solto. Não gosto desse negócio de palestra não. E eles são pequenos, né. Pode ser?”
Nada disse, aliás, acho que falei que seria assim.
Quando entrou no pátio, a banda tocou o hino do Botafogo. As crianças, mais de 100, o aplaudiram, levantaram os cartazes. Juro, pensei que ele fosse ter um problema de saúde ali, tamanha a sua emoção. Ia andando no palco, lendo os cartazes, gesticulando, ouvindo o hino, aplaudindo os meninos. Um ESPETÁCULO INENARRÁVEL aqui, podem crer. Tanto que me lembro tão bem dele até hoje.
Contou muitas situações vividas por ele, a mudança do nome para Fernando Sabino, sugerida por Mário de Andrade, sua relação com a natação, (narrada em O Encontro Marcado) com sua infância e que as histórias do livro eram todas verdadeiras, mostrando, inclusive, o canivetinho vermelho – que dá nome a um dos capítulos da obra. Autografou todos os livros das crianças e um para minha filha também.
Depois me pediu para levar TODOS OS CARTAZES para o Rio. Queria tê-los com ele para nunca mais esquecer aquele dia em São Paulo. Adoramos.
Terminou tocando bateria, um solo de jazz, que disse adorar. Mas já sabíamos.
AVALIAÇÃO E RESGATE
A auto avaliação dos alunos foi excelente. Muitos passaram a GOSTAR DE LER ali, dessacralizando um autor, tornando-o de carne e osso. Assim eles próprios dali pra frente poderiam ser escritores também. Publicados ou não.
Também leram quase a obra completa de F. Sabino, nos anos seguintes.
Na verdade, alguns estão por aí hoje escrevendo, e muito bem. Vez ou outra encontro com algum na “nuvem”.
Apresentei esse trabalho em alguns Congressos de Educação com o título de “Um encontro com Fernando”. Na oportunidade havia vídeo, fotos e muitos dos trabalhos realizados pelos alunos – que ficaram com o Colégio, todavia.
Trabalhos de meus alunos são sagrados, não me desfaço deles. Até porque há quem possa se inspirar neles para seguir seus próprios ramais e caminhos, não é mesmo?
1- O filme O menino no espelho é de 2014 . Uma sugestão é depois de lida a obra, assistirem ao filme e compararem a linguagem de Fernando Sabino à do filme, por exemplo.
2 – Fernando Sabino morreu em 2004. Encontrei ex-alunos, na época, que lamentavam sua morte como a de alguém de sua família. E era.
“No fim tudo dá certo, e se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim”, Fernando Sabino, em “No fim dá certo”, crônicas, Record, 1998
Nos anos 40,no Rio, o caminhão do ”mata-mosquito” parava nas ruas e os agentes iam de casa em casa higienizando-as, cantinho por cantinho, com seu vapor. O menino de 4 anos constata que a irmãzinha de 2 estava sem calcinha, sentada no peniquinho na hora em que o ”mata-mosquito” chegou. Deu seu jeito. A mãe acompanhava o homem pela casa, mostrando cantos, seguindo seus passos. Ao final, fecha a porta e procura pela menininha. Pergunta pela irmãzinha, ao que o garotinho responde ”Guardei ela, mãe, guardei ela no armário, porque ela tava sem caça, mãe”. E foi com peniquinho e tudo que a mãe a salvou do guarda-roupa. E ela nem chorou lá dentro, devia estar achando que era brincadeirinha do irmão mais velho. Já a mãe ficou apavorada.
No ano de 2023, crianças pequenas fazem fila na frente do teatro, aguardam assistir ao espetáculo que se iniciará em poucos minutos. Trazem pais, mães, avós, tios pelas mãos.
O pequenino T. de quase 4 anos, descobre uma saída para aquela loooonga espera na entrada. Faz da rampa recém instalada um pula-pula, barulhento, desafiador, uma delícia só. Cada salto uma alegria, uma alternativa para aquela espera. Vestido como um homenzinho, calça de sarja azul-marinho, blusa de malha listrada em azul-marinho e branco, sapatos mocassim azul-marinho.
Meninas olham de ladinho aqueles saltos ariscos, barulhentos, atrativos e, sobretudo, como uma boa ideia para aquela espera. Mas, pais, mães, avós, tios as trazem algemadas a eles na fila. Uma delas, a M. de 5 anos – seduzida pela ousada ação inventada por T. – vai também pular sobre a rampa. Está vestida com conjunto de calça comprida e agasalho cor-de-rosa, porém advertida por mãe bem jovem de que “veste roupa clara e vai se sujar, não deve sentar na rampa“, portanto, como T.
T. do alto de seus quase 4 anos encontra pauzinhos, galhos de árvore no chão, começa a bater um no outro- como baquetas de bateria- oferece a ela. Ela acena que não quer. Ele continua seu pula-pula na rampa e repete algumas vezes, com sua vozinha quase de bebê “Ela não quer, ela não quer“. Olha para ela, gosta que o siga na brincadeira.
As outras meninas apenas acompanham, rabo-de-olho, a deliciosa brincadeira dos 2. Estão na fila, de pé, de mãos e pés atados a pais, mães, avós, tios.
Crianças são uma enciclopédia bastante completa e complexa. Deve-se saber lê-la e aprender com ela.
Um orgulho de Minas… segue o mineiro em busca de seu espírito, em busca de seu corpo perseguido pelo aço de suas conquistas.
Vai, mineiro. Segue o rumo Busca o rumo Encontra o rumo
Ruma Chega Olha Conhece Desfruta
Aquiesce seu coração com o acalanto das montanhas e o brilho das estrelas, nelas, junto delas, o alcance de suas mãos.
Seu Antonio Carlos é guia da Igreja Nossa Senhora do Carmo, em Sabará, MG. Contou-me que seu pai trabalhou por décadas na Belgo-Mineira, era filho de negra e índio, aprendeu a falar francês fluentemente e lhe ensinou tudo da história de Minas. E eu lhe agradeci.
Esse é o post de número 2000, desde dezembro de 2015 quando iniciei esse blog.
DOIS MIL Escrevo quase todos os dias; publico quase todos os dias. E ainda que haja leitores diários que não são blogueiros, mas apenas leitores, e que por isso não apareçam nos comentários, os índices me apontam de que países me leem, horários, posts mais lidos etc. Creio que vejam relevância no que leem, portanto. Enquanto se escreve surge a oportunidade de se elaborar ideias, refletir sobre fatos… para isso a forma como se escreve deve ser clara, precisa, apurada, mesmo a metafórica em textos subjetivos. Muitas vezes certos conteúdos servem de antecipação a momentos na vida de quem os está lendo, assim deve-se ser verdadeiro e não cabotino, evitar seguir modismos, textos curtos, engraçadinhos, atendendo a um possível público alvo. Escrever não pode ser isso. A meu ver essa motivação para a escrita é mercadológica, visa a vender ou a se vender. Aqui já publiquei muita coisa; é como se eu escrevesse para um jornal, diariamente. Gosto do exercício da escrita, de forma oposta à dos exercícios físicos. E desde menina. Não faço exercícios na sequência “dessa minha academia” para ser vista, notada, elogiada. Escrevo porque sinto falta. Talvez a mesma falta que os praticantes de exercícios físicos sintam, talvez. Dessa forma, aos que me leem desde 2015, sem perder o interesse por textos mais longos e reflexivos e aos que passaram a me ler anos depois, saibam que gosto de suas visitas, gosto de sua companhia. Sigamos.
Porque é Florbela Espanca uma poeta com quem tanto me identifico, são dela os versos a adocicar esse meu texto em prosa.
SOBRE ESSE BLOG
O que escrevo é sempre repleto de sentimentalidades. Não sou ourives ou escultora para limar a matéria. As palavras são derramadas, como também é o meu discurso diário.
Enquanto escrevo, ouço músicas, por isso as publico também, para que se saiba qual foi a trilha sonora daquele momento.
Há diversas categorias, com alguns dos meus “ângulos” que, na verdade, são muitos mais do que os que estão ali, como em qualquer um de nós – acredito eu.
Todos são bem-vindos ao universo da poesia. Peguem suas digitais e deixem um comentário nas postagens, então. Eles serão como as minhas palavras – plumas – que espalho pelos ares.
O GRITO DAS CIGARRAS Aquela vontade insuportável insustentável insuperável de gritar de fazer chegar de mandar dizer de pedir para contarem. Ah, gritar pelas ruas nas madrugadas peregrinas, um assobio ensurdecedor de cigarra.