Imagens da Internet
Vídeo: Canal Paola Sch
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Vídeo: Canal Paola Sch
NA TARDE
ARDE A TARDE
A TARDE É REAL
Poemas: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
Vídeo: Canal Qiyu Liu
Obs: Carpe diem, fugere urbem, locus amoenus, inutilia truncat.
BANDEIRA
Auto-Retrato
Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.
Teresa
A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
Desligamento do poeta
A arte completa,
a vida completa,
o poeta recolhe seus dons,
o arsenal de sons e signos,
o sentimento de seu pensamento.
Imobiliza-se,
infinitamente cala-se,
cápsula em si mesma contida.
Fica sendo o não rir
de longos dentes,
o não ver
de cristais acerados,
o não estar
nem ter aparência.
O absoluto do não ser.
Não há invocá-lo acenar-lhe pedir-lhe.
Passa ao estranho domínio
de deus ou pasárgada-segunda.
Onde não aflora a pergunta
nem o tema da
nem a hipótese do.
Sua poesia pousa no tempo.
Cada verso, com sua música
e sua paixão, livre de dono,
respira em flor, expande-se
na luz amorosa.
A circulação do poema
sem poeta: forma autônoma
de toda circunstância,
magia em si, prima letra
escrita no ar, sem intermédio,
faiscando,
na ausência definitiva
do corpo desintegrado.
Agora Manuel Bandeira é pura
poesia, profundamente.
Carlos Drummond de Andrade , em As impurezas do branco, 1973.
Texto e poema “Bandeira”: Odonir Oliveira
Poemas de Manuel Bandeira: Estrela da Vida Inteira, 12ª ed. José Olympio, RJ
Imagens da Internet
1º Vídeo: Canal Kelly Rufino
2º Vídeo: Canal Ver-O-Poema
ESTIVESTE I
BEBO
TECELÕES
SILÊNCIOS
SÃO JOSÉ OPERÁRIO
TIRADENTES
AQUI JAZEM
Poesias: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
Vídeos: Canal Odonir Oliveira
Sobre Barbacena veja também:
https://poesiasdemaosquesentem.wordpress.com/2017/01/08/barbacena-ela-viveu-ali/
QUEM SOU
Já me conhece?
Sou mulher
tenho mais de seis décadas de estrada
já vivi o amanhecer e o anoitecer
de milhares de formas
já me vi sozinha
sozinha demais
acompanhada demais.
Sou mulher
gosto de ter perfume feminino
aroma de fêmea
gênio particular.
Sou mulher
nasci em dez de setembro
sou carioca, com estirpe mineira
Sou mulher
não tenho o que esconder
não tenho como nem por que
me encolher
me camuflar
me disfarçar.
Sou mulher
sem cabotinismos
tenho nome próprio
nasci e o recebi de meus pais
com ele morrerei
sem acrescentar nada, nem ninguém.
Sou mulher
de lavar, passar, cozinhar, costurar, ensinar
de parir, amamentar, cuidar, acarinhar
de acariciar, embevecer, fascinar, encantar
de dar e receber, ao mesmo tempo
Não tenho heterônimos
Sou mulher com ortônimo
em quaisquer circunstâncias.
HETERÔNIMOS
Sou assim como me vê.
Tenho corpo de mulher de mais de sessenta anos
Tenho espírito de mulher de mais de sessenta anos
Tenho valores de mulher de mais de sessenta anos
Sou contemporânea ao meu tempo de caminhada
Sou contemporânea a minhas dores, flores e amores
Quase nem sei rimar, como homens o fazem
Quase nem sei ser guerreira, como homens o fazem
Sou sensível em prosa e verso
Sou abstrata e reflexiva desde menina
Trato os textos com camadas de interpretações
os orais e os escritos
os meus e os de outros.
Sou magoada facilmente
Sou sensível
Sou poeta.
Esses talvez sejam meus heterônimos
heterônimos internos.
Se perguntam
se Odonir é homem ou mulher
desde a minha infância
mostro-lhes.
Sou mulher
Sou mulher ortônimo.
Composições: Caetano Veloso
Foto de arquivo pessoal
Vídeo: Canal 特になし
Vídeo: Canal Phil Watson
Vídeo: Canal pmadnix
ENGENHEIROS
Aprisionado em suas correntes, Rogério seguiria a carreira da engenharia. Apoiado pela mãe que o desejava engenheiro, doutor, e casado com uma engenheira, doutora. Bom em números, contas e cálculos, Rogério sofreu com as matérias nos primeiros anos da faculdade, os famigerados Cálculo I e II, os complexos caminhos da Resistência dos Materiais… Não podia repetir semestres, perder notas, ir mal nas provas finais, todas as pressões ali, materializando a engenharia do futuro, do seu futuro.
Para pagar seus estudos, começou a dar aulas de eletrônica, à noite, num curso colegial técnico. Assim, eram aulas sobre circuitos elétricos às noites, matérias de suas disciplinas de engenharia aos dias, estradas, idas e voltas. A sensibilidade aprisionada, o gosto por belezas estéticas soterrado pela busca incessante de um futuro promissor que nem dele brotara, mas da mãe, da sociedade, de outras determinantes sem variáveis. Cálculo integral e certeiro na edificação de plataformas super valorizadas e mais. Seguia Rogério, de olhar doce, muito delicado com todos, amante dos Beatles e dos Rolling Stones.
O irmão, um pouco mais novo, era o preferido das mulheres. Bonito, grandão, 3 centímetros a menos que 2 metros. Também cursando engenharia. Também seguindo os ditames maternos, porém mais alegre, cheio de amigos, bebedor de cerveja, o engraçado, o extrovertido, o belíssimo jogador de basquete. Paulo fascinava a todas pelo seu ar malandro doce, tinha músculo de abraçador e era doce, fixado em mamas, grandes mamas, tinha mais garotas que o irmão mais velho.
Deu-se um encontro interessante certa noite, numa mostra na galeria de artes da cidade praiana. Paulo conheceu Sílvia que expunha seus trabalhos ali. Agradou-se na vernissage, primeiro, de suas coxas grossas e de suas mamas grandes. Devorou-a com os olhos e saboreou seu corpo de cima, de onde estava. Sílvia não mediria mais que 1 metro e 60. De cima ainda mais, foi até o mezzanino e de lá passou a aspirá-la como flor. Acompanhou todos os seus movimentos, todas as suas explicações aos interessados pelas obras, algumas figurativas, outras bastante geométricas, outras ainda, construtivistas. Sílvia era eclética e gostava de experimentações. Paulo percebeu isso ao proceder a leitura de seu estilo. Teria algumas questões a lhe fazer, encantara-se, por exemplo, com a matemática das telas, o espaço geométrico exposto, a desconcertante eliminação da lógica, a falta de proporcionalidade, enfim, queria ouvir sua voz, beber suas palavras. E só para ele.
Ao final da abertura da mostra, aproximou-se e parou na frente dela. Aquele homem forte, enorme, quase uma ameaça à sua integridade física, mexeu com ela. Foram terminar aquele seminário sobre arte no bar do hotel, onde Sílvia se hospedara. E de lá, no quarto. Tocou em suas coxas com o desejo de um marchand, analisou a textura de suas mamas como o mais crítico dos críticos da arte assimétrica. Tudo volúpia, tudo prazer, tudo visão, tato, olfato, audição, paladar. Nenhum quadro dela seria tão eficiente para aquele prazer estético.
Encontraram-se algumas vezes mais. Ela montou uma pequena galeria ali na cidade, devido à boa repercussão de sua mostra, e Paulo viajou com seu time de basquete para uma temporada no norte e nordeste do país. Ela ficou com seus quadros.
Um mês depois, sábado à tarde, foi Rogério que esteve na galeria. Com toda a sua gentileza, todo o seu tato, encantou Sílvia. Foram dançar. Apenas dançaram, beijos e identidades descobertas e as primeiras senhas de contato. Ela parecia desejar mais do que o corpo físico de Rogério. Ele investigou os desejos dela, mas sensivelmente reconheceu, a tempo, a dança de sedução dos passarinhos nas flores e voejou ao redor.
A engenharia de cada encontro era formidável. Férias de verão, cidade praieira repleta de atrações e novidades. Cada noite uma viagem, uma rota, um rumo. Encantava-o ouvi-la naqueles tamancos de couro cru, naqueles saiões coloridos, os cabelos até os ombros, meio revoltos e leves, brincos enormes, olhos risonhos e indagadores. É a nossa continuidade. Era bom estar ali com ela. Era e foi. Muito bom.
Ao encontrar-se de novo com o irmão, recém-chegado do campeonato de basquete com o time da universidade, contou-lhe sobre Sílvia. Paulo disse que a conhecera. Sabendo da viagem que fariam para o carnaval que se aproximava, apenas lamentou Puxa, cara, podia ser eu, hem.
A história da engenharia desses encontros se construiu durante temporadas inteiras. Havia ali um admiração recíproca que sustentava o produto de cada um. Ela, com sua arte e ele com sua engenharia. Muitas e muitas vezes ela o fortaleceu, homem frágil completamente influenciado pela mãe.
Durante uma certa temporada, a senhora mãe dos engenheiros, com seu jeitinho, arranjara uma namorada, uma engenheira química, para Rogério. Aconteceu então uma conversa definitiva entre Sílvia e ela. Sílvia lhe dissera Você gosta dele, faça-o feliz. Concretize seu amor, que você vem adiando há muito tempo. Isso não o manterá preso a você. Ame-o. Caso contrário, voltarei a vê-lo, como agora, e não apenas como amigos. A moça, de família portuguesa como a da mãe de Rogério, agradeceu a conversa e foi-se. Concretizou seu encontro físico com ele.
Não ficaram juntos. A geometria não era aquela, a química não deu liga, o aquecimento do cuprum não segurou a liga.
Rogério e Sílvia ainda mantiveram por alguns anos sua engenharia azeitada, sem cálculos, sem medições, apenas naquela continuidade, com suas senhas de contato descobertas e deliciadas continuadamente.
Fotografia conceitual de Misha Gordin
“Aponto a minha objetiva para fora, em direção ao mundo que me rodeia, ou aponto-a para dentro, para mim mesmo? Devo fotografar a realidade existente ou criar o meu próprio mundo, verossímil ainda que inexistente?”