As tardes

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NA TARDE

beira ao desconhecido a sombra
beira ao lume a faísca, o fogo
beira ao toque o real, a carne-músculo
beira à labareda o incêndio, a chama
beira à loucura a picada riscada
beira ao ancoradouro o barco de flores do campo

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ARDE A TARDE

esteve sempre ali
esteve sempre silente
com mãos vivas e pele quente
esteve sempre ali
esteve sempre no verde
com pernas maduras e pés ardentes
esteve sempre ali
com grutas incandescentes e acalentadoras
esteve sempre ali
esteve sempre no verde
nunca musa, esfinge, vestal
esteve sempre ali

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A TARDE É REAL

gosta de um corpo
gosta de um rosto
gosta de um sorriso
gosta de uma pele
gosta de um lastro
gosta da história
gosta das raízes
gosta da árvore-mãe
gosta dos galhos-irmãos
gosta das sementes-frutos
gosta do percurso
gosta das veredas
gosta da tarde às tardes
todas as tardes

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Poemas: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Qiyu Liu

Obs: Carpe diem,  fugere urbem, locus amoenus, inutilia truncat.

 

 

Estrela da vida inteira? Bandeira

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BANDEIRA

estrela
mastro
flâmula
melodioso
saboroso
feio-lindo
amanteamado  dentrofora
ideário semovente
lírica de sopapos
lírica de afagos
lírica de ensaios
poeta-músico
mestre da cultura
um clássico
coloquial
universal
 
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Porquinho-da-Índia
 
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…
 
– O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.
 
(Em, Estrela da Vida Inteira, p. 100)
 
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CONVERSAS DE PÉS DE PÁGINAS, DE RODAPÉS
 
Leio Bandeira desde menina, menina-menina mesmo. Adoro percorrê-lo em verso, prosa, ensaios, traduções. Bandeira, como todo escritor e humano, viveu suas contradições, suas negativas, suas aceitações posteriores, seu amor no casamento, sua ou suas amantes. É interessante perceber lendo, e lendo sua obra completa, o quanto evoluiu – sem critério de juízo de valor estético aqui – mas como revolveu o que disse e pensava. Ficamos com um SER HUMANO da maior grandeza nas mãos. E isso é fabuloso. Conhecia grego e latim muito bem. Escreveu poemas parnasianos e depois negou-os, quando entendeu os modernismos todos eclodindo, dando a eles sua preferência. Chegou até a escrever para uma coletânea de poemas parnasianos e simbolistas e uma introdução interessante. Escreveu poemas concretos. Cultivou a cultura brasileira em todos os seus caminhos.
A tuberculose que o acometera, e cedo, alterara de certa forma suas idas ao mar, à vida boêmia. Desfrutava, então, do convívio com os amigos escritores e intelectuais em geral. Acolheu Chico Buarque, filho de Sérgio Buarque, cedo, quando o rapaz ainda iniciava sua lírica popular.
Nascido em Recife, em 19 de abril de 1886, faleceu em 13 de outubro de 1968, em Botafogo, RJ, onde viveu quase toda a sua vida. E eu me lembro exatamente do dia de sua morte. Lembro-me de seu impacto sobre mim, garota, leitora de sua poesia.
 
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1917
 
Epígrafe
 
Sou bem-nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.
 
Veio o mau gênio da vida,
Rompeu em meu coração,
Levou tudo de vencida,
Rugia e como um furacão,
 
Turbou, partiu, abateu,
Queimou sem razão nem dó –
Ah, que dor!
                       Magoado e só,
– Só! – meu coração ardeu.
 
Ardeu em gritos dementes
Na sua paixão sombria…
E dessas horas ardentes
Ficou esta cinza fria.
– Esta pouca cinza fria …
 
(Em, Estrela da Vida Inteira, p.3)
 
20150611-114139
 

Auto-Retrato

Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.

 
(Em, Estrela da Vida Inteira, p.295)
 
1922
 
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Poética
 
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
 
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
 
(Em, Estrela da Vida Inteira, p. 98)
 
 
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1947
Neologismo
 
Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo
Teadoro, Teodora.

 
(Em, Estrela da Vida Inteira, p. 176)
Declaração de amor
 
Juiz de Fora! Juiz de Fora!
Guardo entre as minhas recordações
Mais amoráveis, mais repousantes
Tuas manhãs!
 
Um fundo de chácara na Rua Direita
Coberto de Trapuerabas
Uma velha jabuticabeira cansada de doçura
Tuas três horas da tarde…
 
Tuas noites de cineminha namorisqueiro…
Teu lindo parque senhorial mais segundo reinado do
que a própria Quinta da Boa Vista…
Teus bondes sem pressa dando voltas vadias…
 
Juiz de Fora! Juiz de Fora!
Tu tão de dentro deste Brasil!
Tão docemente provinciana…
Primeiro sorriso de Minas Gerais!
 
(in, Estrela da Vida Inteira, p. 137)

Teresa

A primeira vez que vi Teresa 
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

 
(Em, Estrela da Vida Inteira, p. 107)
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Poemeto irônico
 
O que tu chamas tua paixão,
É tão-somente curiosidade.
E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade…
 
Curiosidade sentimental
Do seu aroma, da sua pele.
Sonhas um ventre de alvura tal,
Que escuro o linho fique ao pé dele.
 
Dentre os perfumes sutis que vêm
Das suas charpas, dos seus vestidos,
Isolar tentas o odor que tem
A trama rara dos seus tecidos.
 
Encanto a encanto, toda a prevês.
Afagos longos, carinhos sábios,
Carícias lentas, de uma maciez
Que se diriam feitas por lábios…
 
Tu te perguntas, curioso, quais
Serão os seus gestos, balbuciamento,
Quando descerdes nas espirais
Deslumbradoras do esquecimento…
 
E acima disso, busca saber
Os seus instintos, suas tendências…
Espiar-lhe na alma por conhecer
O que há sincero nas aparências.
 
E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade…
O que tu chamas tua paixão,
É tão-somente curiosidade.
 
(Em, Estrela da Vida Inteira, p. 20)
 
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Desligamento do poeta

A arte completa,
a vida completa,
o poeta recolhe seus dons,
o arsenal de sons e signos,
o sentimento de seu pensamento.

Imobiliza-se,
infinitamente cala-se,
cápsula em si mesma contida.

Fica sendo o não rir
de longos dentes,
o não ver
de cristais acerados,
o não estar
nem ter aparência.
O absoluto do não ser.

Não há invocá-lo acenar-lhe pedir-lhe.

Passa ao estranho domínio
de deus ou pasárgada-segunda.

Onde não aflora a pergunta
nem o tema da
nem a hipótese do.

Sua poesia pousa no tempo.
Cada verso, com sua música
e sua paixão, livre de dono,
respira em flor, expande-se
na luz amorosa.

A circulação do poema
sem poeta: forma autônoma
de toda circunstância,
magia em si, prima letra
escrita no ar, sem intermédio,
faiscando,
na ausência definitiva
do corpo desintegrado.

Agora Manuel Bandeira é pura
poesia, profundamente.

Carlos Drummond de Andrade , em  As impurezas do branco, 1973.

Texto e poema “Bandeira”: Odonir Oliveira

Poemas de Manuel Bandeira: Estrela da Vida Inteira, 12ª ed. José Olympio, RJ

Imagens da Internet

1º Vídeo: Canal Kelly Rufino

2º Vídeo: Canal Ver-O-Poema

Estiveste

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ESTIVESTE I

Vieste
da garupa de um alazão de aço
paraste
desceste
com tua marcante capa preta
com teu inconfundível escudo nas mãos
imprimiste tua marca
no chão, no ar, no portal
querubins e serafins te reconheceram
querubins e serafins entregaram tua imagem
querubins e serafins carregaram tua mensagem
sempre souberam nos longes
tu estiveste
tu viste
tu voltaste.
 
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ESTIVESTE II
 
flutuaste por nuvens eternas
flutuaste por pastos etéreos
apascentaste o gado novo
acalentaste em teu úmido útero
as sementes desse porvir
acalentaste em teu corpo tépido
o soro procriador
foste até lá
a tê-lo em si
uma vez
duas vezes
três vezes
nos portões ocres
entregaste tua pele a tatuar-se
ao anjo de ti
depois mais tantas e tantas outras vezes
montaste em nuvens agalopadas
enviando sinais
 
tu estiveste
tu viste
tu voltaste.
angeolos
 
 Poesias: Odonir Oliveira
 
Fotos de arquivo pessoal
 
Vídeo: Canal Odonir Oliveira

Essa Barbacena, cidade mineira

BEBO

Bebo olhos de lentes
Bebo focos de luzes de manhãs tardias
De tardes já sem sol
De noites em flashes artificiais
Bebo sons de fardos fatos e fotos
Bebo retinas de nesgas de luz morrente
Bebo uma fissura mínima de acontecimentos
Bebo cores nuances tons
toantes
soantes
penetrantes.
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ESSA BARBACENA
Barba
-acena
Sobe
Desce
Venta
Queima sol
Olha rosas
Olha
Rua Quinze
Olha Escola de Cadetes
Olha a Cabana da Mantiqueira
Olha as pedras
Tropeça
Levanta
Cai
Levanta
Olha mais
Olha isso aquilo, olha
Que Visconde de Barbacena que nada.
Que cidade de loucos que nada
Que gente boa de tudo!
Ah, Barbacena!
Acena
traz teus filhos todos de volta
Que a gente muda esse negócio de política
leite com leite
Vota de novo
Muito bem
E reconstrói esse país.
Eh, Minas,
Eh, Minas !

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TECELÕES

São fios tênues
são mãos que sentem fios delgados
são olhos que gozam a cada vez
são jovens, homens, mulheres
tantos
tecem
traçam
torcem
trançam
tantas
tantos
tomam
tramam
tecidos tantos
anos anos e anos.
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SILÊNCIOS

Tilintam as noites de ser
Badalam os órgãos de ter
Retinam os sussurros
Uivam os guinchos de sangue
Trombeteiam anjos com anúncios
Clamam plangentes por contornos internos.
Presságios de sons, tons
Presságios de sinos, hinos
avisos anúncios apelos ressoam
Trinados
brados
recados.
Novenas
nascimentos
batismos
enlaces
mortes.
Não, mas por que não ouço mais
os sinos da minha aldeia?

 

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SÃO JOSÉ OPERÁRIO

– Vamos, vamos, menina, que já-já começa a novena!
Tia Ziza, mãos dadas
compasso de passos crentes
em seu Deus único e salvador.
– São José Operário
Veja que lindo ali em cima. Veja!
Entra-se em silêncio
Ajoelha-se
Sinal da cruz
Em dó, ré mi, fá
Sol lá fora
Tarde declinando as horas
De janeiros vividos
Sabidos
Entornados
De ângelus a reginas rainhas
Novenas às dezenas
Badalar de sinos eternos
Retornos de vozes dores súplicas perdões.
Tia Ziza
virgem
solteira
entregue ao seu Deus e a suas peregrinações
por todos,
por um, por dois, por mil…
– Deixa Deus com seu mundo!
Reza diária repetida, herdada de vô Zé,
sábio matuto mineiro,
de filosofia e metafísica maiores
que as de um Pessoa qualquer.
Vinde, entranhas, vinde,
que as busco inteiras e me entrego,
também eu, a  vossa  consumição.
Vinde!
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TIRADENTES

“Entrega
delata
Fala
Aponta
Trai”
Então,
puna
fira
corte
retalhe
desfibre
salgue
pendure.
Exiba
Impeça.
Liberdade, Plácido,
Liberdade ainda que tardia.
Aqui
Junto de ti.
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AQUI JAZEM

corpos vivos
corpos mortos
corpos uns
corpos outros
um pai uma mãe
um avô uma avó
um tio uma tia
uma família
uma ninhada, um rebanho
constelação
de corpos.
uma colina, uma pedra fria
o mármore, o granito
o começo do fim
o pó
a pedra
a flor
no jardim.
Aqui jazem meus ossos
minha raiz.
CIDADE
Respirando o mesmo ar,
ouvindo o mesmo apito de trens
vendo escurecer as mesmas subidas e descidas
um desencontro de séculos.
Descaminhos de aço e flores.
Descaminhos de álcool e aromas
Descaminhos de dez caminhos sinuosos
Amanheceu
Entardeceu
Anoiteceu
Beija-flores e bem-te-vis
cumprimentaram maritacas e melros
Sanhaços beliscaram uns frescos sumos.
Recolheram-se no cedro em frente.
Encontros, desencontros, impedimentos, desmandos.
Sinas e sanhas, sagas e desdouros.
Mesmo ar
Mesmo céu
Mesmos trens …

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Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos: Canal Odonir Oliveira

 

 

Ortônimo ou heterônimos?

QUEM SOU

Já me conhece?
Sou mulher
tenho mais de seis décadas de estrada
já vivi o amanhecer e o anoitecer
de milhares de formas
já me vi sozinha
sozinha demais
acompanhada demais.

Sou mulher
gosto de ter perfume feminino
aroma de fêmea
gênio particular.

Sou mulher
nasci em dez de setembro
sou carioca, com estirpe mineira
Sou mulher
não tenho o que esconder
não tenho como nem por que
me encolher
me camuflar
me disfarçar.

Sou mulher
sem cabotinismos
tenho nome próprio
nasci e o recebi de meus pais
com ele morrerei
sem acrescentar nada, nem ninguém.

Sou mulher
de lavar, passar, cozinhar, costurar, ensinar
de parir, amamentar, cuidar, acarinhar
de acariciar, embevecer, fascinar, encantar
de dar e receber, ao mesmo tempo
Não tenho heterônimos

Sou mulher com ortônimo
em quaisquer circunstâncias.

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HETERÔNIMOS

Quer me conhecer?

Sou assim como me vê.

Tenho corpo de mulher de mais de sessenta anos
Tenho espírito de mulher de mais de sessenta anos
Tenho valores de mulher de mais de sessenta anos
Sou contemporânea ao meu tempo de caminhada
Sou contemporânea a minhas dores, flores e amores
Quase nem sei rimar, como homens o fazem
Quase nem sei ser guerreira, como homens o fazem
Sou sensível em prosa e verso
Sou abstrata e reflexiva desde menina
Trato os textos com camadas de interpretações
os orais e os escritos
os meus e os de outros.

Sou magoada facilmente
Sou sensível
Sou poeta.
Esses talvez sejam meus heterônimos
heterônimos internos.

Se perguntam
se Odonir é homem ou mulher
desde a minha infância
mostro-lhes.

Sou mulher
Sou mulher ortônimo.

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Poemas: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal – 2017
Vídeo: Canal George Spanoudis

“Délicatesse”

Lindeza
Coisa linda
É mais que uma ideia louca
Ver-te ao alcance da boca
Eu nem posso acreditar
 
Coisa linda
Minha humanidade cresce
Quando o mundo te oferece e enfim te dás
Tens lugar, promessa de felicidade, festa da vontade
Nítido farol, sinal novo sob o sol, vida mais real
 
Coisa linda
Lua, lua, lua, lua
Sol, palavra, dança nua
Pluma, tela, pétala
 
Coisa linda
Desejar-te desde sempre
Ter-te agora, um dia é sempre
Uma alegria pra sempre
Coisa mais linda
Coisa mais bonita é você,
Assim,
Justinho você
Eu juro,eu não sei porque você
Você é mais bonita que a flor,
Quem dera,
A primavera da flor
Tivesse todo esse aroma de beleza que é o amor
Perfumando a natureza,
Numa forma de mulher
Porque tão linda assim não existe a flor
Nem mesmo a cor não existe
E o amor
Nem mesmo o amor existe
Porque tão linda assim não existe
A flor
Nem mesmo a cor não existe
E o amor,
Nem mesmo o amor existe
Você é Linda
Fonte de mel
Nos olhos de gueixa
Kabuki, máscara
Choque entre o azul
E o cacho de acácias
 
Luz das acácias
Você é mãe do sol
A sua coisa é toda tão certa
Beleza esperta
Você me deixa a rua deserta
Quando atravessa
E não olha pra trás
 
Linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz
Você é linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
 
Você é forte
Dentes e músculos
Peitos e lábios
Você é forte
Letras e músicas
Todas as músicas
Que ainda hei de ouvir
 
No Abaeté
Areias e estrelas
Não são mais belas
Do que você
Mulher das estrelas
Mina de estrelas
Diga o que você quer!
 
Você é linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz
Você é linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
 
Gosto de ver
Você no seu ritmo
Dona do carnaval
Gosto de ter
Sentir seu estilo
Ir no seu íntimo
Nunca me faça mal!
 
Linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
Você é linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz

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Composições: Caetano Veloso

Foto de arquivo pessoal

Vídeo: Canal 特になし

Vídeo: Canal Phil Watson

Vídeo: Canal pmadnix

Conto

O poeta e os outros poemas

Conto

Conto com as rimas escondidas
Conto as palavras perdidas
Conto todos os versos
Não conto com reversos

Conto comigo, contigo
Não contando de mim
Sem que conte alguma coisa

Conto com o mundo
Sem esperança no que conto
Conto portas, janelas,
Casas, ruas, vielas
Conto pessoas, crianças
Abandonos e esperanças
Conto nuvens e pingos de chuva
Conto se vens, se não vens,
Se chegas se partes, se choras
Se és, se não és se namoras?

Conto com o tudo que de mim não conto…

Alberto Cuddel
29/04/2014
09:02

Ver o post original

Um caso de simples engenharia

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Style: "Neutral"

ENGENHEIROS

Aprisionado em suas correntes, Rogério seguiria a carreira da engenharia. Apoiado pela mãe que o desejava engenheiro, doutor, e casado com uma engenheira, doutora. Bom em números, contas e cálculos, Rogério sofreu com as matérias nos primeiros anos da faculdade, os famigerados Cálculo I e II, os complexos caminhos da Resistência dos Materiais… Não podia repetir semestres, perder notas, ir mal nas provas finais, todas as pressões ali, materializando a engenharia do futuro, do seu futuro.

Para pagar seus estudos, começou a dar aulas de eletrônica, à noite, num curso colegial técnico. Assim, eram aulas sobre circuitos elétricos às noites, matérias de suas disciplinas de engenharia aos dias, estradas, idas e voltas. A sensibilidade aprisionada, o gosto por belezas estéticas soterrado pela busca incessante de um futuro promissor que nem dele brotara, mas da mãe, da sociedade, de outras determinantes sem variáveis. Cálculo integral e certeiro na edificação de plataformas super valorizadas e mais. Seguia Rogério, de olhar doce, muito delicado com todos, amante dos Beatles e dos Rolling Stones.

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O irmão, um pouco mais novo, era o preferido das mulheres. Bonito, grandão, 3 centímetros a menos que 2 metros. Também cursando engenharia. Também seguindo os ditames maternos, porém mais alegre, cheio de amigos, bebedor de cerveja, o engraçado, o extrovertido, o belíssimo jogador de basquete. Paulo fascinava a todas pelo seu ar malandro doce, tinha músculo de abraçador e era doce, fixado em mamas, grandes mamas, tinha mais garotas que o irmão mais velho.

Deu-se um encontro interessante certa noite, numa mostra na galeria de artes da cidade praiana. Paulo conheceu Sílvia que expunha seus trabalhos ali. Agradou-se na vernissage, primeiro, de suas coxas grossas e de suas mamas grandes. Devorou-a com os olhos e saboreou seu corpo de cima, de onde estava. Sílvia não mediria mais que 1 metro e 60. De cima ainda mais, foi até o mezzanino e de lá passou a aspirá-la como flor. Acompanhou todos os seus movimentos, todas as suas explicações aos interessados pelas obras, algumas figurativas, outras bastante geométricas, outras ainda, construtivistas. Sílvia era eclética e gostava de experimentações. Paulo percebeu isso ao proceder a leitura de seu estilo. Teria algumas questões a lhe fazer, encantara-se, por exemplo, com a matemática das telas, o espaço geométrico exposto, a desconcertante eliminação da lógica, a falta de proporcionalidade, enfim, queria ouvir sua voz, beber suas palavras. E só para ele.44fcff5c231b1c7bda60f3d7f7d8b5ca-artsy-photos-shadows

Ao final da abertura da mostra, aproximou-se e parou na frente dela. Aquele homem forte, enorme, quase uma ameaça à sua integridade física, mexeu com ela. Foram terminar aquele seminário sobre arte no bar do hotel, onde Sílvia se hospedara. E de lá, no quarto. Tocou em suas coxas com o desejo de um marchand, analisou a textura de suas mamas como o mais crítico dos críticos da arte assimétrica. Tudo volúpia, tudo prazer, tudo visão, tato, olfato, audição, paladar. Nenhum quadro dela seria tão eficiente para aquele prazer estético.

Encontraram-se algumas vezes mais. Ela montou uma pequena galeria ali na cidade, devido à boa repercussão de sua mostra, e Paulo viajou com seu time de basquete para uma temporada no norte e nordeste do país. Ela ficou com seus quadros.

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Um mês depois,  sábado à tarde, foi Rogério que esteve na galeria. Com toda a sua gentileza, todo o seu tato, encantou Sílvia. Foram dançar.  Apenas dançaram, beijos e identidades descobertas e as primeiras senhas de contato. Ela parecia desejar mais do que o corpo físico de Rogério. Ele investigou os desejos dela, mas sensivelmente reconheceu, a tempo, a dança de sedução dos passarinhos nas flores e voejou ao redor.

A engenharia de cada encontro era formidável. Férias de verão, cidade praieira repleta de atrações e novidades. Cada noite uma viagem, uma rota, um rumo. Encantava-o ouvi-la naqueles tamancos de couro cru, naqueles saiões coloridos, os cabelos até os ombros, meio revoltos e leves,  brincos enormes, olhos risonhos e indagadores. É a nossa continuidade. Era bom estar ali com ela. Era e foi. Muito bom.12079534_907556242669252_7999612828949703280_n

Ao encontrar-se de novo com o irmão, recém-chegado do campeonato de basquete com o time da universidade, contou-lhe sobre Sílvia. Paulo disse que a conhecera. Sabendo da viagem que fariam para o carnaval que se aproximava, apenas lamentou  Puxa, cara, podia ser eu, hem. 

A história da engenharia desses encontros se construiu durante temporadas inteiras. Havia ali um admiração recíproca que sustentava o produto de cada um. Ela, com sua arte e ele com sua engenharia. Muitas e muitas vezes ela o fortaleceu, homem frágil completamente influenciado pela mãe.

Durante uma certa temporada,  a senhora mãe dos engenheiros, com seu jeitinho, arranjara uma namorada, uma engenheira química, para Rogério. Aconteceu então uma conversa definitiva entre Sílvia e ela. Sílvia lhe dissera Você gosta dele, faça-o feliz. Concretize seu amor, que você vem adiando há muito tempo. Isso não o manterá preso a você. Ame-o. Caso contrário, voltarei a vê-lo, como agora, e não apenas como amigos. A moça, de família portuguesa como a da mãe de Rogério, agradeceu a conversa e foi-se. Concretizou seu encontro físico com ele.

Não ficaram juntos. A geometria não era aquela, a química não deu liga, o aquecimento do cuprum não segurou a liga.

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Rogério e Sílvia ainda mantiveram por alguns anos sua engenharia azeitada, sem cálculos, sem medições, apenas naquela continuidade, com suas senhas de contato descobertas e deliciadas continuadamente.

Texto: Odonir Oliveira
Fotos: Misha Gordin

Fotografia conceitual de Misha Gordin

“Aponto a minha objetiva para fora, em direção ao mundo que me rodeia, ou aponto-a para dentro, para mim mesmo? Devo fotografar a realidade existente ou criar o meu próprio mundo, verossímil ainda que inexistente?”

1º Vídeo: Canal Alexandre Ribeiro
2º e 3º Vídeos: Canal beegees