Viagens na bagagem IV

GRÃO DE GENTE

As águas me lavam as ignorâncias
as pedras esfregam meu diminuto elemento no cosmos
o céu me eleva ao curto instante em que me encontro.
Sou um isto apenas.
Sou uma mulher como tantas
Sou uma mulher que bebe leite das pedras
Estou humana
Estou simples
Estou verde ainda.

OUVE A ÁGUA

Ouve
Espera
Ouve
Ouve fora
Ouve dentro
Ouve o silêncio
Ouve o murmúrio
Ouve o soluço
Ouve a súplica
Ouve
Para e ouve
A água de dentro de você.

EM CASCATA

Que água é essa
que escorre,
atropela,
carrega,
dissolve
dilui
molha e
suaviza?

Que água é essa
que ensurdece a razão
lubrifica o espírito
entontece o corpo e
asperge a devoção?

Que água é essa
que sonoriza histórias
colore cenas
entorpece sentidos e
emoldura beirais?

Que água é essa
que devassa as palavras
desmata as distâncias
deflora as margens e
irrompe em murmúrios?

Que água é essa?
exibida
exuberante
medonha
terrível
quedando
pelos caminhos?

Que água é essa?!

ANDANDO SOBRE AS ÁGUAS

Qual no episódio bíblico
caminha sobre as águas,
à revelia da fé em Deus
o desapego dos homens.
Sequestrando vida
sugando o sumo
esgotando o futuro
esmolando misericórdia.
Do milagre antigo,
não se precisa agora
caminhar sobre as águas.
Requisita-se apego
Implora-se atenção
Solicita-se empenho
Exige-se intervenção.
Milagres mudam de direção
Milagres eternizam-se
entre homens,
na natureza,
por signos, símbolos,
por ações humanas
conscientes
consistentes
protetoras
defensoras.
Milagres eternos.

COLEÇÃO DE PEDRAS

caminho olhando o chão
caminho sentindo os céus
caminho recolhendo pedras
pedras que encontro
pedras que escolho
pedras que me sustentam
sou edificação de cores várias
entorno minhas pedras rudes
acaricio cada uma
encantada com sua textura
agradecida por sua cor
extasiada com sua forma
tenho-as de minhas veredas
tenho-as de meu chão
tenho-as de minhas idas e vindas
sou pedra e mulher

POENTE

sente,
silente,
nascente,
quente,
morrente,
dormente,
potente
docemente
febrilmente
sente
o poente.

ODE

Ó céu,
que rebelde,
assumes todas as dores da terra
retorces a auréola da luz primeira
tornando-a última,
como se com isso
punisses todos os homens
por erros culpas desvios.

Ó céu,
que punes a claridade do dia
enrubescendo-a em sua moldura
escancarando-a com carrancas soturnas
para poder dela por fim se livrar.

Ó céu,
que queres,
se quanto mais duro te tornas
mais doce e lírico
te esbanjas
aos que te contemplam?

Que desejas, ó céu,
com fascinante beleza,
que por minutos,
liquida-nos,
arrebata-nos
como num golpe fatal.

Na parede de um pequeno restaurante de Sobradinho, MG

A série Viagens na bagagem nasceu de uma demanda de grupos do Facebook para se compartilhar fotos de viagens – visto que em tempos de pandemia isso se tornara impossível. Como sempre conecto o que escrevo a uma imagem, a uma canção, resolvi dar voz e vez ao que vi e vivenciei em viagens nas minhas criações, e com tudo isso, portanto.

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal – São Tomé das Letras e Sobradinho

Vídeo: Canal Caetano Veloso

“Essa gente”

Fui consumir ”vitamina D”, à base de Chico. Aí, o vento ventava, os passarinhos e as maritacas cantavam, era um coro de flautas medievais … Bebi tudinho então.

BEBO

Bebo olhos de lentes
Bebo focos de luzes de manhãs tardias
De tardes já sem sol
De noites em flashes artificiais
Bebo sons de fardos fatos e fotos
Bebo retinas de nesgas de luz morrente
Bebo uma fissura mínima de acontecimentos
Bebo cores nuances tons
toantes
soantes
penetrantes.

BENDITAS ALMAS

Benditas as conversas de passarinhos
Benditos os que ouvem os passarinhos
Benditos os que permanecem imóveis frente a passarinhos
Benditos aqueles que têm colorido nas mãos,
qual seus companheirinhos,
salpicando-lhes alimento
em horas combinadas do dia.
Benditos os que veem bicos, asas, penas e voos
como mais que bicos, asas, penas e voos.
Benditos os escolhidos pelos passarinhos
para serem seus semelhantes,
quase iguais.

SILÊNCIOS EXTERNOS

tudo em meio a bem-te-vis
sinfonias que dialogam
cores que saltitam
frente a frente
olho, reparo, vejo
quieta sinto
quieta penso
quieta apaixonada estou
quieta apaixonada fico
olhos fechados
perfumes ao redor
alecrim, tomilho, rosas
flores de laranjeiras, de romãs, de pitangas
frente a frente
sinto
estou
fico

SOMBREADOS

agora aqui
agora ali
agora daqui
para aí
fica aí
olha daí

sombreados são mágicos
fascinantes
imaginários

sombras de nuvens na terra
sombras de plantas no chão
sombras de gente nas paredes
sombras de passos nas calçadas

sombreados são embriagadores
encantadores
voláteis
etéreos

Tive a honra de assistir ao espetáculo ”Ópera do Malandro”, no Teatro Tereza Rachel, em uma de suas primeiras apresentações. Recordo que, curiosamente, sentaram ao meu lado Ney Matogrosso e Fafá de Belém – a quem ela assim chamava ”Neyzinho, Neyzinho”- lembrei disso agora.

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal – meu quintal, abril de 2020

Vídeos: Canal RWR

Antigos sempre

Envelheceram? Aí mesmo é que eu gosto.
Gosto porque têm lastro, histórias.
Gosto de tudo o que é antigo, de flores, de móveis, de lugares e, principalmente, de GENTE ANTIGA
.

AQUELA FIGUEIRA

Na vereda
encontrei aquela figueira.
Fiquei ali.
Copa magnífica.
Dos verdes, todos.
De denso, o tronco.
De lastro, histórias
De expressão, singular.
Estáticas, ambas.
Incomum.
Raízes para sempre em mim.

LADO A LADO

gramínea nativa
purificando
enfeitando
decorando
alimentando
o ar que respiro
as matas em que piso
as casas que me acolhem
as estradas que me recebem

Não se dobra sozinha
Menos ainda em feixes

ar
terra
força
berço
união

Beleza !

PERIGO, PERIGO !

uma árvore floresceu !
uma árvore frutificou !
uma árvore cumpriu seu ciclo !
uma árvore abriu-se em seiva !
uma árvore copulou,
seu gineceu e seu androceu,
apenas,
sob o sol !
uma árvore aqui
uma árvore ali
uma árvore embonitou-se
para seus pássaros beijarem
o que é de seu !
Perigo, perigo
Isso é um perigo !

ÁRVORES NO CAMINHO

Amanhecer gente,
amanhecendo árvore
de raízes firmes, tronco envelhecido
sem flores
sem frutos
sem sementes.
Pouso de maritacas
pernoite de canarinhos amarelos
cenário-porto de borboletas.
Amanhecer gente,
amanhecendo céu azul
sol ardente
vento sonoro.
Amanhecer árvore.

DA ANTIGUIDADE

Tenho um medo jamais sentido
Cavalos engalanados de ódio e vestes
batem seus cascos em meu peito
antes, forte
agora, de cristal.

Tenho um medo que gela meu espírito
completamente.
Tenho um medo visível, palpável, incombatível
Tenho um medo da violência velada, hipócrita
da violência real.

ROSAS FORMOSAS

O que aprendi com as rosas
Aprendi que coloridas, lindas
se transformam
mudam de cor
outros botões surgem, outras belezas aparecem
outras cores se misturam
ora se despetalam
ora se embotoam
o ciclo da vida é esse
somos rosas amarelas
bonitas, formosas, em botão
depois despetalamos
ficamos metade
ficamos assim
uma parte apenas.
Isso foi o que aprendi com as rosas
a beleza é efêmera
a beleza é passageira
Mas, quem não admira
Quem não se enamora da beleza?
Rosas formosas são rosas de mim
rosas em botão
assim.

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Nelson Cavaquinho – Tema

2- Canal Arnaldo Antunes

Poesia concreta

Homenagem a João Gilberto

NINHOS

ga
rim
pan
do

gra
ve
tos

PE-SA-DOS

l
e
v
e
s

pl
umas
p… e …n … a… s

oikós
domus
toca
covil
refúgio

ruivo
rubro
cordis
core

pro
criação
ninhada.

EM FLORAÇÃO

a flor-botão
a flor-ação
em formação
a flor
ação
a formação
a floração

se verde for
verde em flor
cor em flor
dia-tarde
tarde-noite
noite-dia
flor
ação
floração

FORA CLORONARO
(BOLSOGRAMA 3), Augusto de Campos, 09 de abril de 2020 (Inédito)

A poesia concreta

A poesia concreta (ou poema concreto) tem início com o movimento de vanguarda concretista no século XX. O concretismo foi um movimento artístico e cultural que surgiu na Europa.

No Brasil, ele despontou em meados da década de 1950, mais precisamente em São Paulo na “Exposição Nacional de Arte Concreta”, ocorrida no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1956.

No país, o concretismo foi fundado por Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos (ou “irmãos Campos”), grupo chamado de “Noigandres”. Mais tarde eles produziram a revista literária que levava o nome do grupo.

O Manifesto da Poesia Concreta foi publicado em 1956 pelos poetas paulistas apresentando algumas características da nova estrutura poética vanguardista:

A poesia concreta começa por assumir uma responsabilidade total perante a linguagem: aceitando o pressuposto do idioma histórico como núcleo indispensável de comunicação, recusa-se a absorver as palavras com meros veículos indiferentes, sem vida sem personalidade sem história – túmulos-tabu com que a convenção insiste em sepultar a ideia. O poeta concreto não volta a face às palavras, não lhes lança olhares oblíquos: vai direto ao seu centro, para viver e vivificar a sua facticidade.”

“Poesia concreta: produto de uma evolução crítica de formas, dando por encerrado o ciclo histórico do verso (unidade rítmico-formal), a poesia concreta começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente estrutural, espaço qualificado: estrutura espácio-temporal, em vez de desenvolvimento meramente temporístico-temporal, em vez de desenvolvimento meramente temporístico-linear. daí a importância da déia de ideograma, desde o seu sentido geral de sintaxe espacial ou visual, até o seu sentido específico”

As principais características da poesia concreta são racionalismo, eliminação da poesia intimista, desaparecimento do eu-lírico, supressão do verso e da estrofe, poesia visual, experimentalismo poético, uso da linguagem verbal e não-verbal, efeitos gráficos, sonoros e semânticos, aspectos geométricos.

Arnaldo Antunes, poeta e músico tem construído e reconstruído poemas concretos em sua trajetória literária e artística.

Augusto de Campos, 2019
Mostra sobre vida e obra de Haroldo de Campos, na Casa das Rosas, SP, 2017

Leia uma aula elaborada por mim, sobre o poema CHUVA, de Arnaldo Antunes, para a Revista Escola:

A CHUVA
Arnaldo Antunes

A chuva derrubou as pontes. A chuva transbordou os rios.
A chuva molhou os transeuntes. A chuva encharcou as
praças. A chuva enferrujou as máquinas. A chuva enfureceu
as marés. A chuva e seu cheiro de terra. A chuva com sua
cabeleira. A chuva esburacou as pedras. A chuva alagou a
favela. A chuva de canivetes. A chuva enxugou a sede. A
chuva anoiteceu de tarde. A chuva e seu brilho prateado. A
chuva de retas paralelas sobre a terra curva. A chuva
destroçou os guarda-chuvas. A chuva durou muitos dias. A
chuva apagou o incêndio. A chuva caiu. A chuva
derramou-se. A chuva murmurou meu nome. A chuva ligou o
pára-brisa. A chuva acendeu os faróis. A chuva tocou a
sirene. A chuva com a sua crina. A chuva encheu a piscina.
A chuva com as gotas grossas. A chuva de pingos pretos.
A chuva açoitando as plantas. A chuva senhora da lama. A
chuva sem pena. A chuva apenas. A chuva empenou os
móveis. A chuva amarelou os livros. A chuva corroeu as
cercas. A chuva e seu baque seco. A chuva e seu ruído de
vidro. A chuva inchou o brejo. A chuva pingou pelo teto. A
chuva multiplicando insetos. A chuva sobre os varais. A
chuva derrubando raios. A chuva acabou a luz. A chuva
molhou os cigarros. A chuva mijou no telhado. A chuva
regou o gramado. A chuva arrepiou os poros. A chuva fez
muitas poças. A chuva secou ao sol.

Vai chover poesia 

Use o concretismo de Arnaldo Antunes para iniciar uma viagem pela linguagem poética 

Sá para imaginar um poema sem versos? Até 1956, quando surgiu a poesia concreta, poucas pessoas ousavam pensar assim. Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos deram destaque a aspectos visuais e sonoros e o papel principal do texto passou a ser da palavra. A seguir, você conhece as sugestões de Odonir Araújo de Oliveira, professora de Língua Portuguesa e Literatura e assessora pedagógica em São Paulo, para trabalhar o poema de Arnaldo Antunes em sala de aula. As ideias servem para todas as séries. Aprofunde as atividades de acordo com a resposta da turma. “Para explorar a linguagem poética é fundamental estimular as descobertas, mostrando que é possível ter inúmeras impressões”, ensina Odonir.

Inicie com a leitura frase a frase para que os estudantes percebam o ritmo, as rimas e a estrutura. Estimule-os a dar explicações que justifiquem o modo como o autor construiu o texto. Em seguida peça que leiam novamente, deste vez prestando atenção à sonoridade: a repetição da palavra chuva e o efeito causado pelo som /ch/. Afinal, o que o poeta quer dizer? 

Forma trabalhada, é hora de explorar o conteúdo. Promova uma discussão sobre as prosopopéias (personificações das ações e características atribuídas à chuva) e as metáforas. No texto, a chuva passa a agir como ser humano? Todas as descobertas podem ir para um grande painel, em que os alunos retratarão com desenhos, colagens ou pinturas as diversas situações imaginadas pelo poeta. O resultado será uma visão global daquilo que o texto sugere. Nesta fase, inclua o colega de Arte para uma aula sobre grafite, expressão artística típica das grandes cidades (leia uma sugestão sobre o tema no Site do Professor). 

Para turmas mais avançadas é possível também explorar a estrutura sintática. Compare as frases em que a palavra chuva aparece como sujeito agente, orações em que o verbo está elíptico (“A chuva sobre os varais”) e frases nominais (“A chuva apenas”, “A chuva de canivetes”). Questione sobre as diferenças e o efeito que cada uma confere aos versos. Peça que listem todas as estruturas que aparecem no poema e os exemplos que correspondem a cada uma delas. 

Toda essa discussão vai abrir espaço para desenvolver uma série de atividades. Peça uma pesquisa sobre o concretismo. Vale trazer outros poemas e letras de músicas de Arnaldo Antunes para cantar e declamar na sala de aula. Sugira que todos criem as próprias poesias.

Na Revista Escola: http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/chuva-634351.shtml

Publicada também no GGN:Arnaldo Antunes: crônicas viáveis”

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Poemas de Augusto de Campos de sua página no Facebook

https://www.facebook.com/Augusto-de-Campos-1029726673869633/

Vídeos:

1 e 3 – Canal Arnaldo Antunes

2- Canal Wagner Lima

Fado tropical

A DOR PROFUNDA

Quando um fado toca
toca fundo
toca manhãs de infância
nas ondas de um rádio companheiro
toca uma veia lusitana mourisca
toca um destino desenhado
de sobrenome
de saga
de sanha.
Quando um fado toca
abre gavetas
revolve caixas de fotografias
Quando um fado toca
entorna o sentir
no copo do vinho cúmplice.

MARES NAVEGADOS

o mar é esse
o mar envolve
o mar sussurra
o mar canta
o mar embriaga
o mar é esse
dos descobrimentos
das especiarias
das tempestades
das tormentas
dos paraísos
o mar é esse
das naus tantas
dos perigos tantos
dos medos e pavores
o mar é esse
Portugal avozinho
Portugal vizinho
veias de sangue eterno
veias de lutas em par
a ir e voltar
como as ondas desse mar

QUERO UM PAÍS NAÇÃO

Quero rios admiráveis
brasileiros amáveis
de dentes completos
com cultura acessível
beijos amistosos
abraços sinceros
sonhos realizáveis
desejos coletivos
alegrias sociais
barrigas cheias de letras
barrigas cheias de eletricidade
barrigas cheias de água potável
barrigas cheias de ruas saneadas e saudáveis
barrigas cheias de pensamentos e reflexões.
Quero gente dançando e reivindicando
Quero caminhadas e blocos de ritmos, em consagração
Quero jovens plenos de conhecimento e decisão
Quero irmãos vivendo com mais merecimento e menos sofrimento
Quero mais paz nas ruas, no campo, na lua.
Quero olhar o céu como quem já se vai
deixando um país nação
mais intenso a todos
os que nele ficarão.

EM OUTROS MARES

risca rabisca desenha esculpe
massa maleável
cores frescas
mapas de fácil navegação
mares arquetípicos
com sal na pele
mares doces
ondas frescas
praia dourada
mares de retornos fáceis
sem acidentes
com cartas náuticas favoráveis
navegação sob controle
viver é preciso
navegar é preciso
mar azul

MEU BRASIL

seis da tarde no meu quintal
bebo cheiro de mato
cheiro cor de lua quase cheia
toco nas bananeiras parceiras
molho o abacateiro faceiro
namoro os pés de mexerica
acarinho a ameixeira
as flores sorriem pedindo beijos molhados
o céu quase escurece envergonhado
ouço risos de celebração na vizinhança
ouço música popular na vizinhança
vejo gente domingueira que se abraçou
observo a criançada de bicicleta zunindo na rua
a passarada se engraçou cúmplice do crepúsculo
meu quintal
minha ruazinha
minha cidade
são o meu BRASIL
quem quiser dizer que não
se esborrache no chão

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

Canal Thekel49C

Canal 8236427346

Canal Pekos

Encantamentos

Soneto XVI – Bodas de Turmalina

O tempo de vida é graça e preciosidade
E uma dádiva ao lado de quem se ama…
Dom recebido pra alcançar a eternidade
Felicidade que o próprio amor proclama

Dezesseis anos esculpidos na turmalina
Esta pedra preciosa de inestimável valor
Mas, incomparável a ti, minha linda Nina
Profusão incomensurável de pleno amor

Amor cujo tempo transforma em virtude
Equilíbrio sólido entre mente e coração
Amor que nos inunda desde a juventude

Amo-te Nina minha mais bela inspiração
Hei de te amar pra além de toda finitude
Amar-te-ei com toda minha alma e razão

Bodas de Turmalina- 16 anos de matrimônio… Nina, nos versos e rimas mais um soneto para eternizar nosso amor…” Estevam Matiazzi- 24 de abril de 2020

Parabéns ao casal. Acho encantadores os amores explícitos, com assinatura. Saúde e parceria a vocês dois.

Aqui: https://wordpress.com/read/blogs/128402272/posts/3421

Vídeo: Canal Youngblood d

Viagens na bagagem III

DIA DA CRIAÇÃO 

O chão a terra o céu
elementos primeiros
elementos sólidos
alimentos físicos.

A palavra a voz a vez
elementos seguintes
elementos consoantes
alimentos constantes.

A luz a cor a pele
do gosto do molho do dorso
encantamentos de elementos
encantamentos em tempos
encantamentos em espaços.
Passos

vozes internas em cores
vozes internas em versos

NAS NUVENS

sentada a seu lado
atravessamos tantas vezes
a ponte
encontramos as pontes
os elos
soltamos as correntes
refletimos em silêncio
eu rompendo os silêncios
você na direção
concordando
balançando a cabeça
repetindo os pontos do itinerário
todas as vezes
eu fingindo ser a primeira vez
olhando o céu e o mar
contemplando o céu e o mar
reduzindo a velocidade
diminuindo o ritmo
aproveitando as cores
sorvendo a bruma
o nascer do sol
o recolher do sol
as explicações engenheiras
as memórias da ponte
céus bordados de nuvens

CÉU E TERRA

olhar o céu
olhar a terra
homem que constrói
homem que cria
homem que transforma
olhar o céu
olhar a terra
naves noves fora nadas
noites noves fora nadas
dias noves fora nadas
olhar o céu
olhar a terra
a construção bizantina
a acrópole helênica
a torre renascentista
olhar o céu
olhar a terra
encanto do homem
fascínio pelo homem
deslumbramento com os criadores
olhar o céu
olhar a terra
varre o tufão
varre o maremoto
varre o vulcão
varre a guerra

arrebatamento com o criador

BUSCAS

Sigo na direção
é sim é não.
Transformação.
Janelas abertas
vento pelos ouvidos
esperas na pele
torneios entre razão e emoção.
Uma canção
Duelos constantes
é sim e não.
Rotas sinuosas
casas de menina
cores de menina.
Encontro de mulher.

ROAD MOVIE II

Meu “Paris, Texas”
em verde-amarelo
é “Central do Brasil”;
No meu “Easy Rider”
tem montanhas e pedras
é “Bye, Bye, Brasil”.

Meu momento pérola na concha
é “Cinema, Aspirina e Urubus”.
Minha descoberta eu lírico
é “On the road” com Kerouac
Meu ensaio político com veias abertas de latinidade
é “Diários de Motocicleta”.

Minha libertação feminina
é “Thelma e Louise”
Minha liberação em intensidade
é “E sua mãe também“.
Buscas encontros procuras entregas
Nas estradas…

Minha “Pequena Miss Sunshine”
na pureza, no reconhecimento da particularidade.
No meu amor por vinhos,
Sideway“.
No meu amor por meu amor
Uma estrada.

AGRADECIMENTO

Aprendi a agradecer ao sol por ter se aberto em dia
Aprendi a agradecer à lua por coroar a noite
Aprendi a agradecer aos campos por me trazerem esse cheiro de mato
Aprendi a agradecer aos poetas por me perfumarem de versos

“O poeta é como o príncipe das nuvens. As suas asas de gigante não o deixam caminhar.” – Charles Baudelaire

Saudades demais do mano Odecio. Demais mesmo.

A série Viagens na bagagem nasceu de uma demanda de grupos do Facebook para se compartilhar fotos de viagens – visto que em tempos de pandemia isso se tornara impossível. Como sempre conecto o que escrevo a uma imagem, a uma canção, resolvi dar voz e vez ao que vi e vivenciei em viagens nas minhas criações, e com tudo isso, portanto.

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Musica&Poesia

2- Canal Odonir Oliveira

Prelúdios

MÃE, EU SOU VOCÊ ?

“Quem quer ser outra deixa de ser uma, mãe?”
“Quem quer ser outra é sempre outra e uma, filha.”

Aquela mulher era uma onça.
Parindo cinco filhotes de parto natural
Amamentando-lhes bocas por toda sua vida
Lavando, passando, cozinhando, costurando
Mãe mais que mulher?
Mulher bem maior que apenas mãe.

Dos ditos, sempre bem ditos, a sabedoria herdada do pai-avô por ventos mineiros.
Com olhar arqueólogo de almas, um chiste, uma picardia.
Ferro nos braços, nas pernas, no peito.
Coração de manteiga derretida e esconderijo de sentimentos.
Onça, minha onça mineira, eu também sou você, mãe?

Sou?

JARDIM
 
Aro a terra
afofo a terra
sujo as unhas
marco os dedos
firo as mãos
mãos que sentem
faço jardins de amores-perfeitos
faço jardineiras de palmeirinhas
subo-desço escadas à sacada
cidade grande
faço jardins de amores-perfeitos
sou terra preta adubada
estou semeando
estou nas estações
estou aguardando as tardes
estou aguardando noites
estou jardim

ENCANTAMENTO

Aro a terra
afofo a terra
sujo as unhas
marco os dedos
firo as mãos
mãos que sentem
cidade- mato pequena vivenda
faço jardins de rosas
sei de seus tempos de floração
faço canteiros de ervas aromáticas
recolho flores
fascino-me com as azaleias
colho frutos em galhos
enfeito-me com as buganvílias
faço jardins de encantamentos
sou terra vermelha
sou escolha de presente
sou estação de florações
sou eu as tardes
sou eu as noites
Sou jardim
Sou encantamento

SEMEAR

Entrego à terra todas as minhas sementes
de flores frutos e dores.
Aguardo os tempos
recolho as ervas daninhas
rego galhos novos e folhas
adubo de lágrimas e risos a terra-mãe.
Aguardo tempos
aguardo luas
aguardo estações
aguardo anos.
Tempo,
anjo algoz de minhas esperas

FRUTO DO MEU VENTRE

Noutras eras, eras
Eras um metatarso apenas
Eras uma íris semovente
Eras um lábio inferior
Eras um antebraço avulso
Eras um lóbulo sem par
Eras um mamilo improdutivo
Eras um ventre desempareado
Eras uma meia face de esperas
Eras um acordo tácito de solidão
Eras uma palma vez ou outra estendida
Eras um feixe de antessalas
Eras um sopro de noites sem luas
Eras um estrato de si em uma
Eras um compêndio de interrogações.
Eras canteiro a semear
porta a se abrir
porto a ancorar.
Deu-se a polinização
Deu-se ao beija-flor
Deu-se ao sol com lua, lua com sol
Encontraram-se e geraram um par
Depois o segundo.
A infinitude ensandeceu o corpo
A completude fez-se espírito.
Dois.
Três.
Quatro
Agora cinco.
Células de si mesmos.
Até sempre.

COLHER

Deu-se a polinização
Encantou-se a terra com a água
o ar trouxe o beija-flor
depois o bem-te-vi
depois a cotovia.
romeus e julietas dos espíritos
acudiram afrodites cupidos
anjos e delírios
bacos e dionisos
arlequins, colombinas, pierrôs
otelos e desdêmonas
socorreram
aspergindo pólens e pólens e pólens.
De esperas gritos e contemplações
de gineceus e androceus,
Tempo,
suserano vassalo.

FILHOS DA MÃE

Agradeço pelo seu choro ao nascer
Agradeço por sua boca nos meus seios
Agradeço por seu sorriso
Agradeço por reconhecerem meu cheiro e me abrirem gengivas sem dentes
Agradeço por me fazerem sofrer por seus padecimentos físicos e emocionais
Agradeço por me darem rumo
Agradeço por me darem sentido
Agradeço por me darem continuação
Agradeço por serem luz, alegria e AMOR.

POSTOS DE ABASTECIMENTO

Há instantes em que nos sugam até o espírito
Há fases em que nos vampirizam todas as emoções suaves
Há momentos de tamanha crueldade e desprezo a nos anular
Há voltas que destilam revoltas em corações esmigalhados
Há vazios perfurantes de facas sangrentas sobre nossa voz
Há que se abastecer os dias e as noites
Há que se beber do vinho tinto dos sorrisos
Há que se saber ler a si mesmo sem as leituras alheias
Há que se manter de pé mesmo após as rasteiras vis
Há que se abastecer de vida

”Quem sai aos seus não degenera” – ditado repetido diariamente por minha mãe

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos: Canal Musica&Poesia


Escolas vivas, 2020

OBSESSÃO

Sou obsessiva.
Sou obsessiva sim.
Tenho ideia fixa de justiça
Tenho ideia fixa de comprometimento.
Tenho ideia fixa de educação
Tenho ideia fixa de doação e entrega.
Não tenho receio de dor.
Não tenho medo de envolvimento.
Não tenho pavor de amor.
Minha obsessão por ensinar
seja a miúdos, maduros, graúdos
passa pelo ato de amar.
Não restrinjam minhas ações.
Não desprezem minhas veredas.
Não me imponham o silêncio covarde.
Não me limitem os braços e as pernas.
Não me amordacem o verbo.
Defendo meus aprendizes
como felina parida.
Não mexam com eles.
Não os ignorem
Não os maltratem.
Não os desprezem.
Somos raízes, mas também somos sementes.

PROFESSORES SEMPRE

Quem é professor e professora
tem um vício diferente daqueles das demais pessoas
está no respirar a carência de ensinar
a saciação de, em se dando, aprazeirar-se
ser e estar ensinando
mesmo a si mesmo
mesmo sem salas de aulas
mesmo em ágoras não ágoras …

Para sempre.

CONTEMPORANEIDADE

Tenho lido, desde o começo do isolamento social, queixas nas redes sociais em relação à falta de escolas abertas. São pais de crianças pequenas, adolescentes e professores que manifestam suas experiências. Mas é preciso refletir sobre isso.

Muitos pais sempre entenderam ESCOLA como depósito de crianças, alívio para poderem trabalhar, local seguro para deixarem seus filhos e até ambientes necessários a fim de poderem preservar seu próprio espaço, sua vida pessoal, sem as crianças. É preciso então refletir sobre esses CONCEITOS. Propõe-se que reflitam sobre o que seja CONVIVÊNCIA SOCIAL, RESPEITO A REGRAS SOCIAIS, COMPARTILHAMENTO DE APRENDIZAGENS, EXPERIÊNCIAS COLETIVAS e muito mais. Qualquer adulto estaria habilitado a exercer a função de EDUCADOR em um ambiente escolar? O que é preciso se SABER para tanto? Os pais estão preparados para isso e aquilo?

Já os adolescentes de ensino fundamental e médio sempre valorizaram demais O SOCIAL NAS ESCOLAS – ainda que já se utilizassem exageradamente das tecnologias e das redes sociais. Tenho lido que estão detestando as aulas através das ferramentas tecnológicas. Não compreendem, tornam-se distraídos, evitam ao máximo as aulas etc. Parece-me que sentem enormemente a falta de seus amigos de escola, de professores e até de ir e voltar de lá. É preciso então refletir sobre esses CONCEITOS. O que é INTERAÇÃO SOCIAL? A gente aprende apenas com as máquinas? É importante discutir com outras pessoas um CONTEÚDO, um FILME, um FATO POLÍTICO, SOCIAL/HISTÓRICO e ouvir sua opinião, seus ARGUMENTOS sobre aquilo? Piaget, Vygotsky e outros sempre apontaram que o CONHECIMENTO se dá na relação entre o SUJEITO DA APRENDIZAGEM, o AMBIENTE – interação social – e o PRÓPRIO CONTEÚDO. (Vi durante mais 30 anos de salas de aulas, alunos afirmarem que seus colegas sabiam explicar melhor certos CONTEÚDOS que determinados professores. Há uma questão de linguagem/afetividade etc. que ajuda a entender isso.)

Professores, meus companheiros de luta, vêm enfrentando grandes problemas para elaborar aulas atraentes, visuais, que façam com que seus alunos se sintam participantes, interajam, cumpram as tarefas propostas etc. Sentem-se, de certa forma, vigiados por pais, colegas, coordenadores, diretores, sem poderem exercer sua FUNÇÃO DE ENSINAR da mesma forma a que estavam acostumados. Há também a queixa da DEMANDA EXAUSTIVA de muito mais horas e dias de trabalho envolvidos – principalmente por aqueles que LECIONAM EM VÁRIAS ESCOLAS – com requisitos diferentes, demandas da clientela, cobranças sobre vestibulares, perda de qualidade, perda do ano letivo etc. É preciso então refletir sobre esses CONCEITOS.

Colegas, parem um pouco e pensem se as demandas tecnológicas são as que realmente estão incomodando mais? Se forem elas, com o TEMPO tudo vai se resolvendo, irão aprendendo e cabe às ESCOLAS darem aos mestres o SUPORTE necessário a isso. Não aceitem escravizar-se também, imponham limites. Caso seja mais que isso, pensem em como as AULAS PRESENCIAIS aconteciam e procurem alterar aquilo que ANTES JÁ NÃO ERA SATISFATÓRIO nem a vocês, nem aos seus alunos. Caminhem.

ESTAMOS TENTANDO SOBREVIVER FÍSICA E ESPIRITUALMENTE A ESSE MOMENTO HISTÓRICO E SOCIAL. Todos nós.

À LUTA

Ei você aí que tem
Ei você aí que viu
Ei você aí que recebeu
Ouve um lamento
Ouve um pedido
Ouve um direito.

Ei você aí que sabe
Ei você aí que usufruiu
Ei você aí que possui

Ouve um desejo
Ouve um sonho
Ouve uma vontade.

As paredes e os muros
deveriam ser etéreos apenas.

VÊM APRENDER, MENINOS

chega, conhece
aprende
pergunta
dialoga
pergunta
responde
confronta
explica
reflete
pergunta
discute
argumenta
ouve
aprende.

Faz !

COMUNHÃO

bebe verso
come letra
sorve número
mastiga a história
namora a ciência
acorda com a geografia
aprecia a letra e a música
desenha a geometria dos sons e dos signos
encanta-te com as descobertas todas os dias
porque todo dia tem um futuro novo pra você.

Leia aqui:

Coronavírus: sem merenda nem assistência, ensino público remoto frustra estudantes e deixa famílias desamparadas

https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/coronavirus-sem-merenda-nem-assistencia-ensino-publico-remoto-frustra-estudantes-deixa-familias-desamparadas-1-24386337

  • Caso se interesse, aqui no blog há outras 3 categorias ligadas à EDUCAÇÃO (que podem, inclusive, ajudar nas aulas em 2020)

Trabalhos realizados com alunos

Clubinho da Leitura de Barbacena

Professores sempre

Poesias e texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos: Canal Christian Dunker

Tempo ao tempo

INVERNOS

Quantos invernos cumprirão uma existência?
Quantos dias de chuva e de bonança comporão uma existência?
Quantas luas serão suficientes para um grito de êxtase e felicidade?
Quantas raivas, dúvidas, indecisões e tropeços antecederão um beijo?
Quantas falsas interpretações dos sinais emitidos pelos ventos,
quantas incorretas leituras de sinais de fumaça,
quantas incompreensíveis decodificações de letras e números
quantas indecifráveis frases serão culpadas
por improváveis leituras de estrelas?

CRONOS CRUEL

Piano, menina
Allegro, mocinha
Vivace, mulher
Adágio, senhora.
Rápida maternidade
célere maturidade.
veloz velhice
Marcha, cadência, prumo
caminhada, aclives, declives
respiração acelerada
respiração controlada
respiração difícil
Cronos cruel,
cruzas num átimo,
toda uma existência.

TEMPOS

A brevidade das manhãs concorrendo com as vesperais de gritos
nas brincadeiras coletivas,
nos sorrisos
no descompromisso de ser,
na preciosidade de apenas estar.
Compasso régua transferidor desenhando uma geometria
doce suave risonha.
O tormentoso entardecer contemplando o sangue quente de gritos
na explosão das paixões saborizadas,
nas picadas das abelhas de mel único inesquecível.
Bocas braços pernas contornos enfeitando uma paisagem
forte quente incontrolável.
O inquieto anoitecer desfazendo ramais e caminhos traçados.
Gritos,
em espaços e tempos redesenhados
em figuras sobrepostas em vãos
em retas e curvas deslizes e reviravoltas.
Tempo,
parceiro,
cúmplice …

HOJE

Hoje já é ontem
quando ouvia de ti palavras envoltas em papel de seda.
Hoje já é ontem
quando bebia de teus lábios, insubstituíveis, um tom de vinho rosé.
Hoje já é ontem
quando aquela música francesa era carícia em meu pescoço.
Hoje já é ontem
quando te encontrar pelas madrugadas caladas era ensurdecedor.
Hoje já é ontem
quando não sou mais a mão arrojada a apertar teclas de telefone a te buscar.
Hoje já é ontem
porque não consigo mais ser menina como antes.

OUSADIAS

Com os dias passando, assim correndo,
há que se correr também,
há urgência em tudo.
Corro pra visitar aquelas cachoeiras nunca tocadas
corro para beber água gelada de serras amanhecidas
corro para falar “eu te amos” aos que nunca o ouviram de mim
corro para cozinhar delícias e, em comunhão, ofertar aos queridos aliados
corro para beber sabores que nunca experimentei por impossibilidades várias
corro para escrever letras, sílabas e linhas anoitecidas,
enquanto ainda consigo
andar
ver
falar
ler
respirar
me encantar.

CLEPSIDRA

Tua água escorre sobre meu corpo
Com as marcas de existir
São marcas de pele, carne, ossos e dores.

Meu corpo, que antes me entregaste belo e fresco,
ora resulta ocre e rugoso.
Meu tronco, que antes o fizeste rijo e aveludado,
ora resulta sem o brilho vivaz das primeiras idades.
Minha pele, antes rósea e fina,
ora fazes dela um outro matiz e uma outra textura.

Convivo com meu corpo
Convivo com meus sentimentos
Convivo com minhas marcas
Há muitos anos.

Sei o porquê de cada uma.
Os outros é que não.

PASSADO PRESENTE, UMA VIAGEM

Não me sei poeta
não me sei menina
não me sei sinhazinha
não me sei senhora
Não me sei mais nada.
Olho tudo como familiar
olho tudo como presente
olho tudo como passado
ao mesmo tempo, futuro.
Não sei de mais nada.
Era um mastro
era um tronco
era um rogo
era um espelho.
Não me sei mais nada.
Na viagem, um passado presente.

RELÓGIO ANACRÔNICO

Como se fosse possível,
badaladas de um marcador de anos
irrompem em mim, sem aviso ou possibilidade de defesa.
Bate as horas
Bate as meias-horas
Bate os minutos
Bate os segundos.
Meu coração é todo corda.
Fujo dele
Tampo os ouvidos
Prendo a respiração
Grito mais alto que suas badaladas
Mas é tudo em vão.
As badaladas fora do tempo
insistem em acordar meus sentidos
já há tanto, sonolentos,
já há tanto, adormecidos,
já há tanto, amarelecidos.

CHEGANDO AO FIM

Nada importam cascas e capa
Nada importam tecidos e chapéus
Nada importam apupos e rapapés
Essencial é a alegria
Essencial é a simplicidade
Essencial é a cumplicidade.
Essencial é a bondade.
Os bolsos seguirão sem moedas
As mãos seguirão sem anéis
Os ombros seguirão sem afagos
As pernas seguirão sem apoios.
As últimas estações
não podem ser vias sacras.
As últimas estações devem ser leves, francas e ternas.
Se a vida é um sopro,
há que se encontrar
quem a assopre com ternura.

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Instrumental Sesc Brasil