As águas me lavam as ignorâncias as pedras esfregam meu diminuto elemento no cosmos o céu me eleva ao curto instante em que me encontro. Sou um isto apenas. Sou uma mulher como tantas Sou uma mulher que bebe leite das pedras Estou humana Estou simples Estou verde ainda.
OUVE A ÁGUA
Ouve Espera Ouve Ouve fora Ouve dentro Ouve o silêncio Ouve o murmúrio Ouve o soluço Ouve a súplica Ouve Para e ouve A água de dentro de você.
EM CASCATA
Que água é essa que escorre, atropela, carrega, dissolve dilui molha e suaviza?
Que água é essa que ensurdece a razão lubrifica o espírito entontece o corpo e asperge a devoção?
Que água é essa que sonoriza histórias colore cenas entorpece sentidos e emoldura beirais?
Que água é essa que devassa as palavras desmata as distâncias deflora as margens e irrompe em murmúrios?
Que água é essa? exibida exuberante medonha terrível quedando pelos caminhos?
Que água é essa?!
ANDANDO SOBRE AS ÁGUAS
Qual no episódio bíblico caminha sobre as águas, à revelia da fé em Deus o desapego dos homens. Sequestrando vida sugando o sumo esgotando o futuro esmolando misericórdia. Do milagre antigo, não se precisa agora caminhar sobre as águas. Requisita-se apego Implora-se atenção Solicita-se empenho Exige-se intervenção. Milagres mudam de direção Milagres eternizam-se entre homens, na natureza, por signos, símbolos, por ações humanas conscientes consistentes protetoras defensoras. Milagres eternos.
COLEÇÃO DE PEDRAS
caminho olhando o chão caminho sentindo os céus caminho recolhendo pedras pedras que encontro pedras que escolho pedras que me sustentam sou edificação de cores várias entorno minhas pedras rudes acaricio cada uma encantada com sua textura agradecida por sua cor extasiada com sua forma tenho-as de minhas veredas tenho-as de meu chão tenho-as de minhas idas e vindas sou pedra e mulher
Ó céu, que rebelde, assumes todas as dores da terra retorces a auréola da luz primeira tornando-a última, como se com isso punisses todos os homens por erros culpas desvios.
Ó céu, que punes a claridade do dia enrubescendo-a em sua moldura escancarando-a com carrancas soturnas para poder dela por fim se livrar.
Ó céu, que queres, se quanto mais duro te tornas mais doce e lírico te esbanjas aos que te contemplam?
Que desejas, ó céu, com fascinante beleza, que por minutos, liquida-nos, arrebata-nos como num golpe fatal.
A série Viagens na bagagem nasceu de uma demanda de grupos do Facebook para se compartilhar fotos de viagens – visto que em tempos de pandemia isso se tornara impossível. Como sempre conecto o que escrevo a uma imagem, a uma canção, resolvi dar voz e vez ao que vi e vivenciei em viagens nas minhas criações, e com tudo isso, portanto.
Poesias: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal – São Tomé das Letras e Sobradinho
Fui consumir ”vitamina D”, à base de Chico. Aí, o vento ventava, os passarinhos e as maritacas cantavam, era um coro de flautas medievais … Bebi tudinho então.
BEBO
Bebo olhos de lentes Bebo focos de luzes de manhãs tardias De tardes já sem sol De noites em flashes artificiais Bebo sons de fardos fatos e fotos Bebo retinas de nesgas de luz morrente Bebo uma fissura mínima de acontecimentos Bebo cores nuances tons toantes soantes penetrantes.
BENDITAS ALMAS
Benditas as conversas de passarinhos Benditos os que ouvem os passarinhos Benditos os que permanecem imóveis frente a passarinhos Benditos aqueles que têm colorido nas mãos, qual seus companheirinhos, salpicando-lhes alimento em horas combinadas do dia. Benditos os que veem bicos, asas, penas e voos como mais que bicos, asas, penas e voos. Benditos os escolhidos pelos passarinhos para serem seus semelhantes, quase iguais.
SILÊNCIOS EXTERNOS
tudo em meio a bem-te-vis sinfonias que dialogam cores que saltitam frente a frente olho, reparo, vejo quieta sinto quieta penso quieta apaixonada estou quieta apaixonada fico olhos fechados perfumes ao redor alecrim, tomilho, rosas flores de laranjeiras, de romãs, de pitangas frente a frente sinto estou fico
SOMBREADOS
agora aqui agora ali agora daqui para aí fica aí olha daí
sombreados são mágicos fascinantes imaginários
sombras de nuvens na terra sombras de plantas no chão sombras de gente nas paredes sombras de passos nas calçadas
sombreados são embriagadores encantadores voláteis etéreos
Tive a honra de assistir ao espetáculo ”Ópera do Malandro”, no Teatro Tereza Rachel, em uma de suas primeiras apresentações. Recordo que, curiosamente, sentaram ao meu lado Ney Matogrosso e Fafá de Belém – a quem ela assim chamava ”Neyzinho, Neyzinho”- lembrei disso agora.
Poesias: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal – meu quintal, abril de 2020
Envelheceram? Aí mesmo é que eu gosto. Gosto porque têm lastro, histórias. Gosto de tudo o que é antigo, de flores, de móveis, de lugares e, principalmente, de GENTE ANTIGA.
AQUELA FIGUEIRA
Na vereda encontrei aquela figueira. Fiquei ali. Copa magnífica. Dos verdes, todos. De denso, o tronco. De lastro, histórias De expressão, singular. Estáticas, ambas. Incomum. Raízes para sempre em mim.
LADO A LADO
gramínea nativa purificando enfeitando decorando alimentando o ar que respiro as matas em que piso as casas que me acolhem as estradas que me recebem
Não se dobra sozinha Menos ainda em feixes
ar terra força berço união
Beleza !
PERIGO, PERIGO !
uma árvore floresceu ! uma árvore frutificou ! uma árvore cumpriu seu ciclo ! uma árvore abriu-se em seiva ! uma árvore copulou, seu gineceu e seu androceu, apenas, sob o sol ! uma árvore aqui uma árvore ali uma árvore embonitou-se para seus pássaros beijarem o que é de seu ! Perigo, perigo Isso é um perigo !
ÁRVORES NO CAMINHO
Amanhecer gente, amanhecendo árvore de raízes firmes, tronco envelhecido sem flores sem frutos sem sementes. Pouso de maritacas pernoite de canarinhos amarelos cenário-porto de borboletas. Amanhecer gente, amanhecendo céu azul sol ardente vento sonoro. Amanhecer árvore.
DA ANTIGUIDADE
Tenho um medo jamais sentido Cavalos engalanados de ódio e vestes batem seus cascos em meu peito antes, forte agora, de cristal.
Tenho um medo que gela meu espírito completamente. Tenho um medo visível, palpável, incombatível Tenho um medo da violência velada, hipócrita da violência real.
ROSAS FORMOSAS
O que aprendi com as rosas Aprendi que coloridas, lindas se transformam mudam de cor outros botões surgem, outras belezas aparecem outras cores se misturam ora se despetalam ora se embotoam o ciclo da vida é esse somos rosas amarelas bonitas, formosas, em botão depois despetalamos ficamos metade ficamos assim uma parte apenas. Isso foi o que aprendi com as rosas a beleza é efêmera a beleza é passageira Mas, quem não admira Quem não se enamora da beleza? Rosas formosas são rosas de mim rosas em botão assim.
a flor-botão a flor-ação em formação a flor ação a formação a floração
se verde for verde em flor cor em flor dia-tarde tarde-noite noite-dia flor ação floração
A poesia concreta
A poesia concreta (ou poema concreto) tem início com o movimento de vanguarda concretista no século XX. O concretismo foi um movimento artístico e cultural que surgiu na Europa.
No Brasil, ele despontou em meados da década de 1950, mais precisamente em São Paulo na “Exposição Nacional de Arte Concreta”, ocorrida no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1956.
No país, o concretismo foi fundado por Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos (ou “irmãos Campos”), grupo chamado de “Noigandres”. Mais tarde eles produziram a revista literária que levava o nome do grupo.
O Manifesto da Poesia Concreta foi publicado em 1956 pelos poetas paulistas apresentando algumas características da nova estrutura poética vanguardista:
“A poesia concreta começa por assumir uma responsabilidade total perante a linguagem: aceitando o pressuposto do idioma histórico como núcleo indispensável de comunicação, recusa-se a absorver as palavras com meros veículos indiferentes, sem vida sem personalidade sem história – túmulos-tabu com que a convenção insiste em sepultar a ideia. O poeta concreto não volta a face às palavras, não lhes lança olhares oblíquos: vai direto ao seu centro, para viver e vivificar a sua facticidade.”
“Poesia concreta: produto de uma evolução crítica de formas, dando por encerrado o ciclo histórico do verso (unidade rítmico-formal), a poesia concreta começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente estrutural, espaço qualificado: estrutura espácio-temporal, em vez de desenvolvimento meramente temporístico-temporal, em vez de desenvolvimento meramente temporístico-linear. daí a importância da déia de ideograma, desde o seu sentido geral de sintaxe espacial ou visual, até o seu sentido específico”
As principais características da poesia concreta são racionalismo, eliminação da poesia intimista, desaparecimento do eu-lírico, supressão do verso e da estrofe, poesia visual, experimentalismo poético, uso da linguagem verbal e não-verbal, efeitos gráficos, sonoros e semânticos, aspectos geométricos.
Arnaldo Antunes, poeta e músico tem construído e reconstruído poemas concretos em sua trajetória literária e artística.
Leia uma aula elaborada por mim, sobre o poema CHUVA, de Arnaldo Antunes, para a Revista Escola:
A CHUVA Arnaldo Antunes
A chuva derrubou as pontes. A chuva transbordou os rios. A chuva molhou os transeuntes. A chuva encharcou as praças. A chuva enferrujou as máquinas. A chuva enfureceu as marés. A chuva e seu cheiro de terra. A chuva com sua cabeleira. A chuva esburacou as pedras. A chuva alagou a favela. A chuva de canivetes. A chuva enxugou a sede. A chuva anoiteceu de tarde. A chuva e seu brilho prateado. A chuva de retas paralelas sobre a terra curva. A chuva destroçou os guarda-chuvas. A chuva durou muitos dias. A chuva apagou o incêndio. A chuva caiu. A chuva derramou-se. A chuva murmurou meu nome. A chuva ligou o pára-brisa. A chuva acendeu os faróis. A chuva tocou a sirene. A chuva com a sua crina. A chuva encheu a piscina. A chuva com as gotas grossas. A chuva de pingos pretos. A chuva açoitando as plantas. A chuva senhora da lama. A chuva sem pena. A chuva apenas. A chuva empenou os móveis. A chuva amarelou os livros. A chuva corroeu as cercas. A chuva e seu baque seco. A chuva e seu ruído de vidro. A chuva inchou o brejo. A chuva pingou pelo teto. A chuva multiplicando insetos. A chuva sobre os varais. A chuva derrubando raios. A chuva acabou a luz. A chuva molhou os cigarros. A chuva mijou no telhado. A chuva regou o gramado. A chuva arrepiou os poros. A chuva fez muitas poças. A chuva secou ao sol.
Vai chover poesia
Use o concretismo de Arnaldo Antunes para iniciar uma viagem pela linguagem poética
Sá para imaginar um poema sem versos? Até 1956, quando surgiu a poesia concreta, poucas pessoas ousavam pensar assim. Décio Pignatari e os irmãos Haroldo e Augusto de Campos deram destaque a aspectos visuais e sonoros e o papel principal do texto passou a ser da palavra. A seguir, você conhece as sugestões de Odonir Araújo de Oliveira, professora de Língua Portuguesa e Literatura e assessora pedagógica em São Paulo, para trabalhar o poema de Arnaldo Antunes em sala de aula. As ideias servem para todas as séries. Aprofunde as atividades de acordo com a resposta da turma. “Para explorar a linguagem poética é fundamental estimular as descobertas, mostrando que é possível ter inúmeras impressões”, ensina Odonir.
Inicie com a leitura frase a frase para que os estudantes percebam o ritmo, as rimas e a estrutura. Estimule-os a dar explicações que justifiquem o modo como o autor construiu o texto. Em seguida peça que leiam novamente, deste vez prestando atenção à sonoridade: a repetição da palavra chuva e o efeito causado pelo som /ch/. Afinal, o que o poeta quer dizer?
Forma trabalhada, é hora de explorar o conteúdo. Promova uma discussão sobre as prosopopéias (personificações das ações e características atribuídas à chuva) e as metáforas. No texto, a chuva passa a agir como ser humano? Todas as descobertas podem ir para um grande painel, em que os alunos retratarão com desenhos, colagens ou pinturas as diversas situações imaginadas pelo poeta. O resultado será uma visão global daquilo que o texto sugere. Nesta fase, inclua o colega de Arte para uma aula sobre grafite, expressão artística típica das grandes cidades (leia uma sugestão sobre o tema no Site do Professor).
Para turmas mais avançadas é possível também explorar a estrutura sintática. Compare as frases em que a palavra chuva aparece como sujeito agente, orações em que o verbo está elíptico (“A chuva sobre os varais”) e frases nominais (“A chuva apenas”, “A chuva de canivetes”). Questione sobre as diferenças e o efeito que cada uma confere aos versos. Peça que listem todas as estruturas que aparecem no poema e os exemplos que correspondem a cada uma delas.
Toda essa discussão vai abrir espaço para desenvolver uma série de atividades. Peça uma pesquisa sobre o concretismo. Vale trazer outros poemas e letras de músicas de Arnaldo Antunes para cantar e declamar na sala de aula. Sugira que todos criem as próprias poesias.
Quando um fado toca toca fundo toca manhãs de infância nas ondas de um rádio companheiro toca uma veia lusitana mourisca toca um destino desenhado de sobrenome de saga de sanha. Quando um fado toca abre gavetas revolve caixas de fotografias Quando um fado toca entorna o sentir no copo do vinho cúmplice.
MARES NAVEGADOS
o mar é esse o mar envolve o mar sussurra o mar canta o mar embriaga o mar é esse dos descobrimentos das especiarias das tempestades das tormentas dos paraísos o mar é esse das naus tantas dos perigos tantos dos medos e pavores o mar é esse Portugal avozinho Portugal vizinho veias de sangue eterno veias de lutas em par a ir e voltar como as ondas desse mar
QUERO UM PAÍS NAÇÃO
Quero rios admiráveis brasileiros amáveis de dentes completos com cultura acessível beijos amistosos abraços sinceros sonhos realizáveis desejos coletivos alegrias sociais barrigas cheias de letras barrigas cheias de eletricidade barrigas cheias de água potável barrigas cheias de ruas saneadas e saudáveis barrigas cheias de pensamentos e reflexões. Quero gente dançando e reivindicando Quero caminhadas e blocos de ritmos, em consagração Quero jovens plenos de conhecimento e decisão Quero irmãos vivendo com mais merecimento e menos sofrimento Quero mais paz nas ruas, no campo, na lua. Quero olhar o céu como quem já se vai deixando um país nação mais intenso a todos os que nele ficarão.
EM OUTROS MARES
risca rabisca desenha esculpe massa maleável cores frescas mapas de fácil navegação mares arquetípicos com sal na pele mares doces ondas frescas praia dourada mares de retornos fáceis sem acidentes com cartas náuticas favoráveis navegação sob controle viver é preciso navegar é preciso mar azul
MEU BRASIL
seis da tarde no meu quintal bebo cheiro de mato cheiro cor de lua quase cheia toco nas bananeiras parceiras molho o abacateiro faceiro namoro os pés de mexerica acarinho a ameixeira as flores sorriem pedindo beijos molhados o céu quase escurece envergonhado ouço risos de celebração na vizinhança ouço música popular na vizinhança vejo gente domingueira que se abraçou observo a criançada de bicicleta zunindo na rua a passarada se engraçou cúmplice do crepúsculo meu quintal minha ruazinha minha cidade são o meu BRASIL quem quiser dizer que não se esborrache no chão
O tempo de vida é graça e preciosidade Euma dádiva ao lado de quem se ama… Dom recebido pra alcançar a eternidade Felicidade que o próprio amor proclama
Dezesseis anos esculpidos na turmalina Esta pedra preciosa de inestimável valor Mas, incomparável a ti, minha linda Nina Profusão incomensurável de pleno amor
Amor cujo tempo transforma em virtude Equilíbrio sólido entre mente e coração Amor que nos inunda desde a juventude
Amo-te Nina minha mais bela inspiração Hei de te amar pra além de toda finitude Amar-te-ei com toda minha alma e razão
”Bodas de Turmalina- 16 anos de matrimônio… Nina, nos versos e rimas mais um soneto para eternizar nosso amor…” Estevam Matiazzi- 24 de abril de 2020
Parabéns ao casal. Acho encantadores os amores explícitos, com assinatura. Saúde e parceria a vocês dois.
O chão a terra o céu elementos primeiros elementos sólidos alimentos físicos.
A palavra a voz a vez elementos seguintes elementos consoantes alimentos constantes.
A luz a cor a pele do gosto do molho do dorso encantamentos de elementos encantamentos em tempos encantamentos em espaços. Passos
vozes internas em cores vozes internas em versos
NAS NUVENS
sentada a seu lado atravessamos tantas vezes a ponte encontramos as pontes os elos soltamos as correntes refletimos em silêncio eu rompendo os silêncios você na direção concordando balançando a cabeça repetindo os pontos do itinerário todas as vezes eu fingindo ser a primeira vez olhando o céu e o mar contemplando o céu e o mar reduzindo a velocidade diminuindo o ritmo aproveitando as cores sorvendo a bruma o nascer do sol o recolher do sol as explicações engenheiras as memórias da ponte céus bordados de nuvens
CÉU E TERRA
olhar o céu olhar a terra homem que constrói homem que cria homem que transforma olhar o céu olhar a terra naves noves fora nadas noites noves fora nadas dias noves fora nadas olhar o céu olhar a terra a construção bizantina a acrópole helênica a torre renascentista olhar o céu olhar a terra encanto do homem fascínio pelo homem deslumbramento com os criadores olhar o céu olhar a terra varre o tufão varre o maremoto varre o vulcão varre a guerra
arrebatamento com o criador
BUSCAS
Sigo na direção é sim é não. Transformação. Janelas abertas vento pelos ouvidos esperas na pele torneios entre razão e emoção. Uma canção Duelos constantes é sim e não. Rotas sinuosas casas de menina cores de menina. Encontro de mulher.
ROAD MOVIE II
Meu “Paris, Texas” em verde-amarelo é “Central do Brasil”; No meu “Easy Rider” tem montanhas e pedras é “Bye, Bye, Brasil”.
Meu momento pérola na concha é “Cinema, Aspirina e Urubus”. Minha descoberta eu lírico é “On the road” com Kerouac Meu ensaio político com veias abertas de latinidade é “Diários de Motocicleta”.
Minha libertação feminina é “Thelma e Louise” Minha liberação em intensidade é “E sua mãe também“. Buscas encontros procuras entregas Nas estradas…
Minha “Pequena Miss Sunshine” na pureza, no reconhecimento da particularidade. No meu amor por vinhos, “Sideway“. No meu amor por meu amor Uma estrada.
AGRADECIMENTO
Aprendi a agradecer ao sol por ter se aberto em dia Aprendi a agradecer à lua por coroar a noite Aprendi a agradecer aos campos por me trazerem esse cheiro de mato Aprendi a agradecer aos poetas por me perfumarem de versos
“O poeta é como o príncipe das nuvens. As suas asas de gigante não o deixam caminhar.” – Charles Baudelaire
Saudades demais do mano Odecio. Demais mesmo.
A série Viagens na bagagem nasceu de uma demanda de grupos do Facebook para se compartilhar fotos de viagens – visto que em tempos de pandemia isso se tornara impossível. Como sempre conecto o que escrevo a uma imagem, a uma canção, resolvi dar voz e vez ao que vi e vivenciei em viagens nas minhas criações, e com tudo isso, portanto.
“Quem quer ser outra deixa de ser uma, mãe?” “Quem quer ser outra é sempre outra e uma, filha.”
Aquela mulher era uma onça. Parindo cinco filhotes de parto natural Amamentando-lhes bocas por toda sua vida Lavando, passando, cozinhando, costurando Mãe mais que mulher? Mulher bem maior que apenas mãe.
Dos ditos, sempre bem ditos, a sabedoria herdada do pai-avô por ventos mineiros. Com olhar arqueólogo de almas, um chiste, uma picardia. Ferro nos braços, nas pernas, no peito. Coração de manteiga derretida e esconderijo de sentimentos. Onça, minha onça mineira, eu também sou você, mãe?
Sou?
JARDIM
Aro a terra afofo a terra sujo as unhas marco os dedos firo as mãos mãos que sentem faço jardins de amores-perfeitos faço jardineiras de palmeirinhas subo-desço escadas à sacada cidade grande faço jardins de amores-perfeitos sou terra preta adubada estou semeando estou nas estações estou aguardando as tardes estou aguardando noites estou jardim
ENCANTAMENTO
Aro a terra afofo a terra sujo as unhas marco os dedos firo as mãos mãos que sentem cidade- mato pequena vivenda faço jardins de rosas sei de seus tempos de floração faço canteiros de ervas aromáticas recolho flores fascino-me com as azaleias colho frutos em galhos enfeito-me com as buganvílias faço jardins de encantamentos sou terra vermelha sou escolha de presente sou estação de florações sou eu as tardes sou eu as noites Sou jardim Sou encantamento
SEMEAR
Entrego à terra todas as minhas sementes de flores frutos e dores. Aguardo os tempos recolho as ervas daninhas rego galhos novos e folhas adubo de lágrimas e risos a terra-mãe. Aguardo tempos aguardo luas aguardo estações aguardo anos. Tempo, anjo algoz de minhas esperas
FRUTO DO MEU VENTRE
Noutras eras, eras Eras um metatarso apenas Eras uma íris semovente Eras um lábio inferior Eras um antebraço avulso Eras um lóbulo sem par Eras um mamilo improdutivo Eras um ventre desempareado Eras uma meia face de esperas Eras um acordo tácito de solidão Eras uma palma vez ou outra estendida Eras um feixe de antessalas Eras um sopro de noites sem luas Eras um estrato de si em uma Eras um compêndio de interrogações. Eras canteiro a semear porta a se abrir porto a ancorar. Deu-se a polinização Deu-se ao beija-flor Deu-se ao sol com lua, lua com sol Encontraram-se e geraram um par Depois o segundo. A infinitude ensandeceu o corpo A completude fez-se espírito. Dois. Três. Quatro Agora cinco. Células de si mesmos. Até sempre.
COLHER
Deu-se a polinização Encantou-se a terra com a água o ar trouxe o beija-flor depois o bem-te-vi depois a cotovia. romeus e julietas dos espíritos acudiram afrodites cupidos anjos e delírios bacos e dionisos arlequins, colombinas, pierrôs otelos e desdêmonas socorreram aspergindo pólens e pólens e pólens. De esperas gritos e contemplações de gineceus e androceus, Tempo, suserano vassalo.
FILHOS DA MÃE
Agradeço pelo seu choro ao nascer Agradeço por sua boca nos meus seios Agradeço por seu sorriso Agradeço por reconhecerem meu cheiro e me abrirem gengivas sem dentes Agradeço por me fazerem sofrer por seus padecimentos físicos e emocionais Agradeço por me darem rumo Agradeço por me darem sentido Agradeço por me darem continuação Agradeço por serem luz, alegria e AMOR.
POSTOS DE ABASTECIMENTO
Há instantes em que nos sugam até o espírito Há fases em que nos vampirizam todas as emoções suaves Há momentos de tamanha crueldade e desprezo a nos anular Há voltas que destilam revoltas em corações esmigalhados Há vazios perfurantes de facas sangrentas sobre nossa voz Há que se abastecer os dias e as noites Há que se beber do vinho tinto dos sorrisos Há que se saber ler a si mesmo sem as leituras alheias Há que se manter de pé mesmo após as rasteiras vis Há que se abastecer de vida
”Quem sai aos seus não degenera” – ditado repetido diariamente por minha mãe
Sou obsessiva. Sou obsessiva sim. Tenho ideia fixa de justiça Tenho ideia fixa de comprometimento. Tenho ideia fixa de educação Tenho ideia fixa de doação e entrega. Não tenho receio de dor. Não tenho medo de envolvimento. Não tenho pavor de amor. Minha obsessão por ensinar seja a miúdos, maduros, graúdos passa pelo ato de amar. Não restrinjam minhas ações. Não desprezem minhas veredas. Não me imponham o silêncio covarde. Não me limitem os braços e as pernas. Não me amordacem o verbo. Defendo meus aprendizes como felina parida. Não mexam com eles. Não os ignorem Não os maltratem. Não os desprezem. Somos raízes, mas também somos sementes.
PROFESSORES SEMPRE
Quem é professor e professora tem um vício diferente daqueles das demais pessoas está no respirar a carência de ensinar a saciação de, em se dando, aprazeirar-se ser e estar ensinando mesmo a si mesmo mesmo sem salas de aulas mesmo em ágoras não ágoras …
Para sempre.
CONTEMPORANEIDADE
Tenho lido, desde o começo do isolamento social, queixas nas redes sociais em relação à falta de escolas abertas. São pais de crianças pequenas, adolescentes e professores que manifestam suas experiências. Mas é preciso refletir sobre isso.
Muitos pais sempre entenderam ESCOLA como depósito de crianças, alívio para poderem trabalhar, local seguro para deixarem seus filhos e até ambientes necessários a fim de poderem preservar seu próprio espaço, sua vida pessoal, sem as crianças. É preciso então refletir sobre esses CONCEITOS. Propõe-se que reflitam sobre o que seja CONVIVÊNCIA SOCIAL, RESPEITO A REGRAS SOCIAIS, COMPARTILHAMENTO DE APRENDIZAGENS, EXPERIÊNCIAS COLETIVAS e muito mais. Qualquer adulto estaria habilitado a exercer a função de EDUCADOR em um ambiente escolar? O que é preciso se SABER para tanto? Os pais estão preparados para isso e aquilo?
Já os adolescentes de ensino fundamental e médio sempre valorizaram demais O SOCIAL NAS ESCOLAS – ainda que já se utilizassem exageradamente das tecnologias e das redes sociais. Tenho lido que estão detestando as aulas através das ferramentas tecnológicas. Não compreendem, tornam-se distraídos, evitam ao máximo as aulas etc. Parece-me que sentem enormemente a falta de seus amigos de escola, de professores e até de ir e voltar de lá. É preciso então refletir sobre esses CONCEITOS. O que é INTERAÇÃO SOCIAL? A gente aprende apenas com as máquinas? É importante discutir com outras pessoas um CONTEÚDO, um FILME, um FATO POLÍTICO, SOCIAL/HISTÓRICO e ouvir sua opinião, seus ARGUMENTOS sobre aquilo? Piaget, Vygotsky e outros sempre apontaram que o CONHECIMENTO se dá na relação entre o SUJEITO DA APRENDIZAGEM, o AMBIENTE – interação social – e o PRÓPRIO CONTEÚDO. (Vi durante mais 30 anos de salas de aulas, alunos afirmarem que seus colegas sabiam explicar melhor certos CONTEÚDOS que determinados professores. Há uma questão de linguagem/afetividade etc. que ajuda a entender isso.)
Professores, meus companheiros de luta, vêm enfrentando grandes problemas para elaborar aulas atraentes, visuais, que façam com que seus alunos se sintam participantes, interajam, cumpram as tarefas propostas etc. Sentem-se, de certa forma, vigiados por pais, colegas, coordenadores, diretores, sem poderem exercer sua FUNÇÃO DE ENSINAR da mesma forma a que estavam acostumados. Há também a queixa da DEMANDA EXAUSTIVA de muito mais horas e dias de trabalho envolvidos – principalmente por aqueles que LECIONAM EM VÁRIAS ESCOLAS – com requisitos diferentes, demandas da clientela, cobranças sobre vestibulares, perda de qualidade, perda do ano letivo etc. É preciso então refletir sobre esses CONCEITOS.
Colegas, parem um pouco e pensem se as demandas tecnológicas são as que realmente estão incomodando mais? Se forem elas, com o TEMPO tudo vai se resolvendo, irão aprendendo e cabe às ESCOLAS darem aos mestres o SUPORTE necessário a isso. Não aceitem escravizar-se também, imponham limites. Caso seja mais que isso, pensem em como as AULAS PRESENCIAIS aconteciam e procurem alterar aquilo que ANTES JÁ NÃO ERA SATISFATÓRIO nem a vocês, nem aos seus alunos. Caminhem.
ESTAMOS TENTANDO SOBREVIVER FÍSICA E ESPIRITUALMENTE A ESSE MOMENTO HISTÓRICO E SOCIAL. Todos nós.
À LUTA
Ei você aí que tem Ei você aí que viu Ei você aí que recebeu Ouve um lamento Ouve um pedido Ouve um direito.
Ei você aí que sabe Ei você aí que usufruiu Ei você aí que possui
Ouve um desejo Ouve um sonho Ouve uma vontade.
As paredes e os muros deveriam ser etéreos apenas.
bebe verso come letra sorve número mastiga a história namora a ciência acorda com a geografia aprecia a letra e a música desenha a geometria dos sons e dos signos encanta-te com as descobertas todas os dias porque todo dia tem um futuro novo pra você.
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Quantos invernos cumprirão uma existência? Quantos dias de chuva e de bonança comporão uma existência? Quantas luas serão suficientes para um grito de êxtase e felicidade? Quantas raivas, dúvidas, indecisões e tropeços antecederão um beijo? Quantas falsas interpretações dos sinais emitidos pelos ventos, quantas incorretas leituras de sinais de fumaça, quantas incompreensíveis decodificações de letras e números quantas indecifráveis frases serão culpadas por improváveis leituras de estrelas?
A brevidade das manhãs concorrendo com as vesperais de gritos nas brincadeiras coletivas, nos sorrisos no descompromisso de ser, na preciosidade de apenas estar. Compasso régua transferidor desenhando uma geometria doce suave risonha. O tormentoso entardecer contemplando o sangue quente de gritos na explosão das paixões saborizadas, nas picadas das abelhas de mel único inesquecível. Bocas braços pernas contornos enfeitando uma paisagem forte quente incontrolável. O inquieto anoitecer desfazendo ramais e caminhos traçados. Gritos, em espaços e tempos redesenhados em figuras sobrepostas em vãos em retas e curvas deslizes e reviravoltas. Tempo, parceiro, cúmplice …
HOJE
Hoje já é ontem quando ouvia de ti palavras envoltas em papel de seda. Hoje já é ontem quando bebia de teus lábios, insubstituíveis, um tom de vinho rosé. Hoje já é ontem quando aquela música francesa era carícia em meu pescoço. Hoje já é ontem quando te encontrar pelas madrugadas caladas era ensurdecedor. Hoje já é ontem quando não sou mais a mão arrojada a apertar teclas de telefone a te buscar. Hoje já é ontem porque não consigo mais ser menina como antes.
OUSADIAS
Com os dias passando, assim correndo, há que se correr também, há urgência em tudo. Corro pra visitar aquelas cachoeiras nunca tocadas corro para beber água gelada de serras amanhecidas corro para falar “eu te amos” aos que nunca o ouviram de mim corro para cozinhar delícias e, em comunhão, ofertar aos queridos aliados corro para beber sabores que nunca experimentei por impossibilidades várias corro para escrever letras, sílabas e linhas anoitecidas, enquanto ainda consigo andar ver falar ler respirar me encantar.
CLEPSIDRA
Tua água escorre sobre meu corpo Com as marcas de existir São marcas de pele, carne, ossos e dores.
Meu corpo, que antes me entregaste belo e fresco, ora resulta ocre e rugoso. Meu tronco, que antes o fizeste rijo e aveludado, ora resulta sem o brilho vivaz das primeiras idades. Minha pele, antes rósea e fina, ora fazes dela um outro matiz e uma outra textura.
Convivo com meu corpo Convivo com meus sentimentos Convivo com minhas marcas Há muitos anos.
Sei o porquê de cada uma. Os outros é que não.
PASSADO PRESENTE, UMA VIAGEM
Não me sei poeta não me sei menina não me sei sinhazinha não me sei senhora Não me sei mais nada. Olho tudo como familiar olho tudo como presente olho tudo como passado ao mesmo tempo, futuro. Não sei de mais nada. Era um mastro era um tronco era um rogo era um espelho. Não me sei mais nada. Na viagem, um passado presente.
RELÓGIO ANACRÔNICO
Como se fosse possível, badaladas de um marcador de anos irrompem em mim, sem aviso ou possibilidade de defesa. Bate as horas Bate as meias-horas Bate os minutos Bate os segundos. Meu coração é todo corda. Fujo dele Tampo os ouvidos Prendo a respiração Grito mais alto que suas badaladas Mas é tudo em vão. As badaladas fora do tempo insistem em acordar meus sentidos já há tanto, sonolentos, já há tanto, adormecidos, já há tanto, amarelecidos.
CHEGANDO AO FIM
Nada importam cascas e capa Nada importam tecidos e chapéus Nada importam apupos e rapapés Essencial é a alegria Essencial é a simplicidade Essencial é a cumplicidade. Essencial é a bondade. Os bolsos seguirão sem moedas As mãos seguirão sem anéis Os ombros seguirão sem afagos As pernas seguirão sem apoios. As últimas estações não podem ser vias sacras. As últimas estações devem ser leves, francas e ternas. Se a vida é um sopro, há que se encontrar quem a assopre com ternura.