Palavras soltas onde me deito e me levanto Onde chora minh’alma elevado pranto No tudo que no meio seio ainda retenho Palavras soltas que do poeta hoje leio!
O triste fado sentido Verso da alma parido Grito de saudade, clamor Dor da ausência e amor!
Canto da fome caída na rua Homens sofridos e tristes Alma despida assim nua Punhos erguidos em riste!
Ó poesia calada e desenhada na noite Versos e estrofes onde me escravizei Que me atinge o peito forte açoite Palavras que nascem, dom que aceitei!
Os campos e jardins nos teus olhos, Floridas névoas caídas nas montanhas, O mar que engole nem sei o quê; Amanhecer no abraço das tuas manhãs, Sonho perdido que ontem não se vê!
Ó Deuses, instigadores das guerras Cantam nobres feitos das tuas serras Os arautos que se alevantam das terras E os que se libertam das tuas garras!
Alma minha gentil, em ti me encontro Em ti poesia, ainda hoje me perco…
Não, só recorda quem viveu Não, só recorda quem tem perfumes de amores Não, só recorda quem bebe taças de prazeres Não, só recorda quem conheceu cores muitas Não, só recorda quem abre os braços para aconchegos Não, só recorda quem tem mãos para acarinhamentos Não, só recorda quem acolhe beijos tantos Não, só recorda quem se faz cofre aberto
Só recorda quem vive de amorosidades dos filhos dos sobrinhos dos amigos de todos os amores, filha minha.
A idade não nos faz parasitas apenas continuamos a ser o que sempre fomos.
Junto flores e folhas secas que caem dos meus vasos e canteiros porque ainda conservam belezas. Diferentes belezas.
CLEPSIDRA
Tua água escorre sobre meu corpo Com as marcas de existir São marcas de pele, carne, ossos e dores. Meu corpo, que antes me entregaste belo e fresco, ora resulta ocre e rugoso. Meu tronco, que antes o fizeste rijo e aveludado, ora resulta sem o brilho vivaz das primeiras idades. Minha pele, antes rósea e fina, ora fazes dela um outro matiz e uma outra textura. Convivo com meu corpo Convivo com meus sentimentos Convivo com minhas marcas Há muitos anos. Sei o porquê de cada uma. Os outros é que não.
A HORA
acordou com rosas amarelas com bem-te-vis e maritacas um apito de trem bem próximo de carga acordou com brisa no corpo com sol de verão um acorde de bandolins e violinos ao longe acordou com céu azul nuvens de desenho animado telefone sinos coloniais sons telúricos acordou
A VELHICE
Em janeiro de 2016, viajei ao Rio a encontrar minha sobrinha-neta, nascida há poucos meses e a quem eu ainda não conhecia. Sabia que no mesmo início de ano aconteceriam muitas festas na cidade: formatura de médicos, cadetes e mais outros tantos. Seria uma oportunidade de conhecer e de aproveitar isso – que ainda não tinha vivido por aqui. Pesei na balança os pratos dos afetos e fui embora para o Rio.
Em casa de minha sobrinha, tendo a menina de poucos meses em meu colo, pude saborear uma das sensações mais saborosas e encantadoras que já vivi. Uma energia, quente e fresca ao mesmo tempo, me invadiu. Senti em meu corpo um gozo verdadeiro, uma pele entregue, um conforto … que me deixaram mole, em pleno paraíso. Era muito mais que isso, mas depois de 4 anos, quem sabe eu não consiga verbalizar exatamente como me senti.
Anos antes, em São Paulo, nascera outra menininha, outra sobrinha-neta, num hospital no Paraíso, filha de meu sobrinho e afilhado. Fiz para ela muitos versos, caixinha de mosaicos, um álbum scrapbook ao contrário, pois além do registro dos fatos daquele instante (montagem com a foto da bebê em capa de jornal do dia etc.) ia adivinhando o que lhe aconteceria no futuro e poetizando a sua trajetória. A emoção de olhar para ela e reconhecer as nossas origens foi algo mágico. Já faz alguns anos, vive em Los Angeles com os pais e tornou-se uma americanazinha, em seus 7 aninhos.
E depois ainda o filho do meu outro sobrinho, do mais velho.
Quisera meu pai e minha mãe pudessem ver seus bisnetos. O que diriam, o que pensariam, reconheceriam traços de seus próprios pais mineiros (trisavós das crianças), em tom de pele, sinais, olhares, comportamentos, vocações … teriam tanto a nos dizer, ah, se teriam.
Como me disse o pai de minha filha, meses atrás, ”Antes comparecíamos a batizados, aniversários, formaturas, casamentos; hoje, a enterros, Odô”. Não me surpreendo com isso. Fico triste. Tenho o legítimo direito de ficar triste. Em 2018 perdi meu irmão caçula; em 2019, o mais velho. Tenho a prerrogativa de ficar assim, de me entristecer.
O meu país anda muito mal amado. Tenho o direito de ficar triste. Muito mais ainda.
Hoje já é ontem quando ouvia de ti palavras envoltas em papel de seda. Hoje já é ontem quando bebia de teus lábios, insubstituíveis, um tom de vinho rosé. Hoje já é ontem quando aquela música francesa era carícia em meu pescoço. Hoje já é ontem quando te encontrar pelas madrugadas caladas era ensurdecedor. Hoje já é ontem quando não sou mais a mão arrojada a apertar teclas de telefone a te buscar. Hoje já é ontem porque não consigo mais ser menina como antes.
Post dedicado ao poeta blogueiro Cláudio El-Jabel, que essa semana versejou a notícia de que vai ser avô. Benditos sejam todos vocês !
Me empresta os teus olhos? Me empresta. Aí por onde andas não estou Aí por onde te maravilhas não estou Embebe-me do teu olhar Olhamos parecido Somos fruto das mesmas árvores Pois então Me empresta os teus olhos? Me empresta. Gostas do amanhecer Saboreias o perfume do entardecer Navegas por rios que tanto eu desejaria Me empresta os teus olhos? Me empresta. Quando tuas retinas fotografam águas Tuas retinas me fotografam a alma Quando viajas pelas estradas Nelas meus olhos te acompanham Quando segues em canoas Remo junto contigo na força das águas. Quando entornas imagens de teu país por meus olhos Semeias lirismo em minhas mãos. Me empresta teus olhos? Me empresta.
GUIAS DE ASAS
Esperem, me guiem vocês são muito velozes vou devagar tenham calma isso, me levem a ele peguem minhas mãos com suavidade borboletas são anúncio de rio obedeço porque têm toda a sabedoria conduzem meus passos fazem asas de meus pés beijam meus olhos abraçam meus ouvidos o rio ri já ouço seu riso bem perto o rio faz-se voz e vez estou aqui
LEITOS
Onde me deito, leito sagrado, corre espuma desce torpor exala ardor concebo imagens imagino paisagens coloro personagens. Estou vivo em margens, passagens de um rio passagens de um corpo passagens de um afluente entornando vida em mim.
CORRENTEZAS
jorra água jorra flor jorra aroma jorra folha jorra flor jorra cor jorra dor jorra verso jorra amor corre o rio corre a flor corre o tempo corre o vento corre o verso corre o amor curso de rio decurso do tempo percurso do verso correnteza do amor
OUVE A ÁGUA
Ouve Espera Ouve Ouve fora Ouve dentro Ouve o silêncio Ouve o murmúrio Ouve o soluço Ouve a súplica Ouve Para e ouve A água de dentro de você
NASCENTE
Porque nasci de um braço de rio e de uma pedra bruta porque corri por margens doces e às vezes estéreis porque saltei obstáculos e curvas porque sou céu azul quando o céu é azul porque sou barro quando o céu anda nublado porque tenho voz e acolho olhares uns porque sou força quando recebo torrentes outras porque brinco de carregar flores porque brinco de atrair borboletas porque gosto de estar em mim porque gosto de estar em ti foi simplesmente porque nasci de um braço de rio e de uma pedra bruta.
DISCURSOS
Falo calo reparo ensaio falo Penso sinto penso sinto penso sinto Morro entrego nego renego corro Escorro sangue por margens ribeiras mangues Encharco peles ensaboo mãos enxáguo braços pélvis e dorsos Renasço verde repleto de seixos ardendo em chamas colhendo raízes em mim.
RIOS RUMAM
rio companheiro sento-me aqui junto a ti para te ouvir para me ouvir às margens à margem medito sobre nada medito sobre tudo silencio comovida acompanho-te menina absorvo-te ave escuto-te flor observo-te nuvem estamos nós estamos sós eu e tu revelo-te meus sentimentos nesse olhar entrego-te meu coração nesse sorriso
Quem era ela que acreditava nas águas dos rios? Quem era ela que assobiava com os passarinhos naquelas manhãs? Quem era ela que costurava panos leves de enfeitar venezianas solares? Quem era ela que contava janelas coloridas em ruas de inconfidentes? Quem era ela que pintava cores em telas desbotadas de perfumes? Quem era ela que dedicava o olhar para uma única paisagem? Quem era ela que saltitava pedra por pedra na trilha de ser?
Quem era ela, meu Deus?
Poesias: Odonir Oliveira
As fotos, fraternalmente enviadas, são dos olhos de meus amigos queridos de São Paulo, me trazendo as águas do São Francisco
2ª, 3ª e 8ª fotos: de Rui Daher
As demais fotos são de Heloísa Ramos, até sua foz na última foto.
duas três dez cem me alvoroçam a pele me eriçam o sexo me embebem de mel
são elas as que me presenteiam são cheiros aos meu opostos são cores às minhas em destaque são relevos de encaixe nos meus são pingos de doce-azedos
deliciosamente saborosamente absorvidos
mel de gente em mim.
ABELHAS NO MEU QUINTAL
Abelha mestra Abelha mãe Abelha rainha Abelha fel Abelha mel Abelha operária Abelha canalha Abelha doce Abelha assassina De dor-medo De picadas mortais Abelha beijadora de flores Abelha semeadora de doces amores Abelha tenaz Abelha mordaz Abelha eficaz Abelha contumaz
Abelha no meu quintal Celestial ou infernal?
MEL
Deu que sonhar fica pequeno quando se tem as rotas nas mãos acordar cedo com cheiro de orvalho dormir cedo com pirilampos almoçar com bem-te-vis jantar com perfume de damas-da-noite cear com cheiro de amor Deu que sonhar fica pequeno quando se tem mãos grossas nos cabelos braços fortes nos ombros e nas costas pele ágil e quente alisando o lirismo Deu que sonhar fica pequeno quando o silêncio das vozes vem quando as bocas se abrem e fecham em lábios uns e outros quando um fogo queima as vontades ambas Deu que sonhar fica pequeno quando os corpos se lançam quando os murmúrios se entendem.
Meu corpo catedral de vitrais simples sem retoques de coloridos resplandecentes recebe luz e vibra quando tocado. Meu corpo barco carrega meu navegante espírito, marujos de braços firmes de olhares incomuns marujos de peles ágeis de mãos quentes e rostos invulgares. Meu corpo cofre instala sementes de flores selvagens de frutos da paixão, recebe mel de frutas silvestres de sabor estrangeiro. Meu corpo é um pouso Meu corpo é um porto.
CORPO CORPORIS SOMA
respeito meu corpo não risco rabisco confisco meu corpo é sacro profano morada repouso de flores maritacas meu corpo é barco de navegante lírica recanto de segredos sussurros murmúrios meu corpo é soma ramalhete de desejos sonhos prazeres muitos meu corpo é corporis em origem e amorosidades meu corpo é tato trato tanto em forma e conteúdo meu corpo é verso e prosa meu corpo sou eu eu sou o meu corpo
BOCA VERMELHA
Resolvi pintar minha boca de vermelho porque tenho cabelos despenteados olhos tristes sorrisos recolhidos letras de frases benditas letras de frases mal ditas letras de frases escondidas
Resolvi pintar minha boca de vermelho porque sou frágil como aquele tom porque sou débil como aquele som porque sou frasco vazio de aromas uns
Resolvi pintar minha boca de vermelho porque sou uma e outra encontro e perco olho e não vejo vejo sem olhar
Então, resolvi pintar minha boca de vermelho.
DAS DORES
Das Dores pinga dores lágrimas e lamentos. Das Dores verte sangue pus fedores. Das Dores amarga manhãs tardes noites na clausura de subidas e descidas em companhia solene de anjos, serafins e querubins. Das Dores entrega sua lira aos deuses na esperança de que pousem em sua janela, devolvendo-lhe luz, cor e o perfume dos dias.
PONTO INVISÍVEL
O segredo para fazer o ponto ter cuidado para que a linha apareça o mínimo possível externamente costurar por dentro prender por dentro esconder o ponto na parte interna da peça exercício árduo tarefa difícil missão delicada
Corre o tempo os pontos tornam-se invisíveis aqui ali acolá a vista falha o tato falha o coração falha
Ponto invisível
MAIS UM ANO DE VIDA
Um setembro depois do outro gargalhadas, risos, sorrisos … “Acorda, que se foram mais de seis décadas …” responsabilidade inegável na bagagem escolhas definitivas na bagagem ações definitivas na bagagem Não cabem nela mais arroubos, nem fortuitas ilusões O tempo urge A vida urge A sensibilidade à flor da pele. Setembros, de décadas em décadas, sempre ofereceram jardins de mudanças. Florir !
INTIMIDADE
a alma nua o rosto nu a fala nua o beijo nu o abraço nu o colo nu os seios nus o ventre nu a pele nua
vezes primeiras encantamentos vezes segundas consentimentos vezes tantas arrependimentos lentos vezes outras recolhimentos ensinamentos embevecimentos
entrega em leitos entrega em luas entrega em nuvens entrega em versos
E quando alguém escreve um texto que a gente pede pra assinar …
Conheci-o frágil, principiante fortaleci-o fortaleceu-me fortalecemo-nos Pedacinho a pedacinho dia por dia ano a ano formamos um rico painel desenhado por suores e dores adornado de admirações mútuas cristalizado por sensações tantas enraizado pela terra-mãe fincado no sal, no sol, no sim multiplicidades Mosaicos de nós
RECORTES LÍRICOS
Soubesses, oh anjo de mim, sentir-me os perfumes calar-me a voz beber-me de cores sugar-me de flores desenhar-me a pele cegamente embrenhar-me de néctares emprenhar-me de meles simples Soubesses tu que cor têm meus medos têm meus segredos têm meus degredos Soubesses tu de meus recortes de florestas de rios de cachoeiras de serras Soubesses tu, anjo de mim, da colagem de meus cacos do desenho dos meus músculos do brilho dos meus olhos do verniz na minha imagem interna mosaicos Soubesses tu …
ANGÚSTIA
exaustão no limite a busca sem encontro a entrevista sem resposta o fracasso do diálogo o monólogo sem eco o ego inflado a ser bajulado a cancela pesada da fazenda a canastra repleta de memórias rudes o deboche-escárnio partilhado com suas gentes de aços a exclusão do plano de afetividades o olho enviesado para uma paisagem verídica a falta de amorosidades as portas trancadas nas duas garagens o telefone trancado às mensagens as respostas escritas inexistentes os braços grudados ao corpo sem abraçar sem beijar sem tocar o medo de existir no outro o medo de existir na outra o medo de existir em outros exílios-fugas camuflados em guerra sempre em sarcasmo único em versos inversos ignorados mal amados executados sem versão ampliada sem entrega sem tesão