Tem mais de 60 anos. Percorreu comigo bailinhos dançando Beatles, ouvindo Caetano, Gil, Chico, Nara, Roberto. Esteve comigo desde as primeiras bebedeiras pueris de cubas-libres às caminhadas de volta, entre amigos, até em casa.
Esse homem que eu amo é um cara simples e sofisticado ao mesmo tempo, porque vai de 8 a 80 rapidinho, sem esforço. Nada tem de herói, como os amados de minhas amigas tantas, não é destemido, nem forte ao extremo, não precisa abrir porta de carro, nem trocar pneus. Não abre potes muito duros de se abrir. Meu homem amado é muito divertido, gosta de ironia, de trocadilhos – com bagagem, claro. Sabe ser amigo dos amigos, dos meus e dos dele. Cozinha um nada, entretanto tem segredos culinários para momentos especiais e uma bebida gelada pra acompanhar.
O homem que eu amo só faz certos favores se desejar, para seu e meu prazer. Nada lhe é imposto, nada é pertinente apenas a ele, nada consta de um script apenas seu. Conhece os papeis múltiplos que trocamos e num dia abre as janelas e eu fecho as portas; no outro, eu abro as janelas.
O homem que eu amo me percorre as descobertas faz anos, me motiva versos, risos, belezas sonoras e líricas de se enxergar de longe.
O homem que eu amo é contemplativo e ativo, adora silêncios, namora as estrelas e a lua, ouve os grilos, os peixes, os passarinhos e o vento. Sabe da necessidade da quietude, sabe da busca pela espera, do florescer ao frutificar. O homem que eu amo sabe reconhecer diferenças entre o incomum, o invulgar e o restante das coisas. Ele desenha bem, com luz e perspectiva, além de colorir com sensibilidade ímpar.
O homem que eu amo tem chuva nos olhos, nas mãos, no peito. Molha-me todos os ossos e a pele. Canta quando dirige, assobia e grita pela janela, gritos de emoção. Pinta telas policromáticas, do verão ao inverno. Muda apenas certas tonalidades, mas as sensações são as mesmas.
O homem que eu amo conhece. Percorre. Enternece. E tem ira, indignação, medo, orgulho e fragilidades. Permite. Faz. Responde. Corresponde.
O homem que eu amo vive comigo por mais de 50 anos. Nunca mudou. Ele é o mesmo homem que sempre esteve comigo.
É bom sentir que existe um homem que eu sempre amei e que ele sempre esteve comigo.
O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração.
Fernando Pessoa
Tenho muito cuidado com os sentimentos alheios. Sejam quais forem, dor, paixão, alegria, luto, ilusão, amizade, confiança, fidelidade …. jamais envolvi alguém em brincadeiras de gostar, de sedução, de flertes inconsequentes. Sou bastante sensível, e , muitas vezes me esqueço de que outros podem não ser assim. Vejo jogos de sedução acontecerem às baciadas todos os dias, para se obter uma vantagem qualquer: seja uma conquista amorosa, fazer ciúme em outro, na conquista de um emprego, até mesmo pela conquista de um favor mais difícil.
Não, não finjo a dor que deveras sinto, nem a que não tive. Sou sensível, gosto de seres amorosos, especialmente de crianças pequenas. Não uso as pessoas. E, isso em outros, naqueles que já foram manipulados, descobrindo depois as manipulações, provoca um instinto de defesa permanente, gato escaldado…. sabe como é.
Eu, Odonir, não sou de brincar com o sentimento alheio. Respeito. Não esfolo o ser fisicamente, nem por alegorias. Isso é cruel, a meu ver.
Meu post anterior, “TECENDO UM AMANHÔ, foi publicado por mim em um grupo do Facebook, no qual estou inserida.Dentre os comentários, um em especial me chamou a atenção. Assim, o copio aqui porque quando se tem sensibilidade, respeita-se o outro, ao escrevermos um poema, uma crônica, mesmo sem sabermos, alguém será “atingido” por aquilo em seu sentimento.
Quando estive visitando e fotografando o local, sozinha, num lindo domingo ensolarado, meditei por lá. E nesse encontro com a demolição, com os escombros da antiga tecelagem, imaginei histórias que por ali poderiam ter sido vividas.
Jesus Tavares de Campos : Postaram para mim, como um fantasma, a bisbilhotar,minhas idas e vindas,no ano de 1952,nas madrugadas frias e nas noites enluaradas,no meu primeiro emprego…na Fábrica de Tecidos Ferreira Guimarães,na minha Barbacena! Ainda guardo com respeito e muita gratidão,o som ritmado dos teares é uma sinfonia singela que enfeitiçou minha alma de então menino!Ali, encontrei uma colega Elisa, que me fez um homem amado e um Pai de família tudo no ano de 1959…agora, Ferreira Guimarães, se faz somente como um retrato de parede, e certamente o gigante será demolido, mas ,no meu coração estará sempre VIVA e minha saudade será ETERNA!!!
Românticos
(Vander Lee)
Românticos são poucos Românticos são loucos Desvairados Que querem ser o outro Que pensam que o outro É o paraíso…Românticos são lindos Românticos são limpos E pirados Que choram com baladas Que amam sem vergonha E sem juízo…São tipos populares Que vivem pelos bares E mesmo certos Vão pedir perdão Que passam a noite em claro Conhecem o gosto raro De amar sem medo De outra desilusão…Romântico É uma espécie em extinção! Romântico É uma espécie em extinção!Românticos são poucos Românticos são loucos Desvairados Que querem ser o outro Que pensam que o outro É o paraíso…Românticos são lindos Românticos são limpos E pirados Que choram com baladas Que amam sem vergonha E sem juízo…São tipos populares Que vivem pelos bares E mesmo certos Vão pedir perdão Que passam a noite em claro Conhecem o gosto raro De amar sem medo De outra desilusão…Romântico É uma espécie em extinção! Romântico É uma espécie em extinção!Românticos são poucos Românticos são loucos Como eu! Românticos são loucos Românticos são poucos Como eu! Como eu!
Companhia Fiação e Tecelagem Barbacenense, CFTB, empresa de tecelagem de algodão localizada na cidade de Barbacena, no Estado de Minas Gerais. Mais tarde Ferreira Guimarães.
Poemas: Odonir Oliveira
1º vídeo: Canal Helder Rocha
2º vídeo: Canal 1000amigovelho
3º vídeo: Canal Leonardo Thurler
Imagensda Internet: da antiga Cia de Fiação e Tecelagem Barbacenense CFTB- depois Tecelagem Ferreira Guimarães
Fotos de arquivo pessoal: demolição- fevereiro de 2017
Estão voltando as flores , de Paulo Soledade . Concerto realizado nos dias 27 e 28 de novembro de 2013 às 21h , no teatro do Sesc Vila Mariana , pela Big Band do Sesc e a Orquestra Sinfônica Jovem da Fundação das Artes de São Caetano do Sul , regência de Maurício Aguilar e Geraldo Olivieri Junior .
Vídeo 2: Canal Sonia Lessa- Emílio Santiago
Fotos de arquivo pessoal: flores das ruas da cidade de Barbacena, MG
Quando nos reunimos presencialmente (ou virtualmente), além de canções -se alguém estiver com um violão- falamos de filmes. Tanto canções quanto filmes têm a propriedade de nos remeter a mundos muito além daquele em que vivemos. Vejo a moçada nas redes sociais hoje se emocionando em amor, raiva, ódio pelas séries americanas, pelos filmes a que assistem na Netflix… Sou do tempo da tela grande, do frenesi das estreias, das filas na porta dos cinemas de rua, dos debates pós-filmes, das resenhas, do café na saída da exibição e ali a conversa por horas sobre aqueles belos filmes a que assistíamos.
Quando o cinema fez 100 anos, fiz com meus alunos do Colégio Galileu Galilei, nível médio, em São Paulo, um belo projeto sobre filmes- que eles desconheciam até então. Isso envolveu trilhas sonoras, elencos, estúdios, críticas aos filmes e muito mais. E depois de havermos recebido a visita de um cineasta, tudo ficou mais fácil.
Aqui gostaria de sugerir alguns filmes, principalmente para a moçada que não os conhece.
Escolhi começar com o tema: iniciações.
Houve uma vez um verão (Summer of 42)
O filme é de 1971; eu o assisti em 1976.
Aos quinze anos de idade, Hermie (Gary Grimes) vai passar as férias na praia. Durante esta viagem, ele procura respostas para suas dúvidas sobre a vida, a guerra, o amor e o sexo. Com a cabeça repleta de interrogações e sonhos, Hermie conhece uma mulher mais velha (Jennifer ONeal) e fica apaixonado. Começa assim, uma intensa relação onde Hermie busca aprofundar seu conhecimento sobre o mundo. E ela, por sua vez, busca no jovem adolescente o amor ausente de seu marido que partiu para a Guerra. Sobre este tema, o diretor Robert Mulligan faz uma belíssima poesia cinematográfica, relatando com sensibilidade o despertar de um jovem para o amor. A inesquecível trilha sonora, ganhadora do Oscar, composta por Michael Legrant e a bela fotografia fazem deste filme uma obra que retrata com perfeição o clima daquela época. Dentro de uma atmosfera romântica e sensível, Verão de 42 se transforma numa apaixonante história de amor, onde desejos, sonhos e descobertas se misturam em um verão mágico e inesquecível.
The Graduate (A primeira noite de um homem)
O filme é de 1967; eu o vi em 1972
Após se formar em uma faculdade presumivelmente localizada na costa leste americana , o jovem Benjamim Braddok retorna para a casa de seus pais em um subúrbio californiano não identificado, indeciso quanto ao que fazer em seu futuro e quanto às perspectivas para ele. As primeiras cenas do filme se passam no aeroporto, após o desembarque, tendo como fundo musical a canção The Sound of Silence. É recebido entusiasticamente pelos pais, os quais preparam-lhe uma festa de boas-vindas para a qual convidam vários amigos da família, muitos dos quais são desconhecidos de Benjamin. Seus pais também lhe oferecem um carro conversível de presente, carro este que passaria a ser um elemento bastante presente ao longo da trama.
Benjamin acaba sendo seduzido pela mulher do sócio de seu pai, a sra. Robinson. O casal Robinson é vizinho e amigo íntimo dos pais de Benjamin e é revelado que passam por problemas conjugais, ainda que evitem passar esta aparência. A sra. Robinson pede a Benjamin que a leve em casa após a festa dada por seus pais pois ela teria bebido demais. Pressionando o jovem a que a acompanhasse em uma bebida na casa dos Robinsons, que se encontrava vazia, os dois personagens protagonizariam uma das cenas mais conhecidas da história do cinema norte-americano: com sucessivas indiretas dadas pela sra. Robinson a Benjamin, este dirige-se a ela e diz-lhe: “Sra. Robinson, você está tentando me seduzir!” (Mrs Robinson, you are trying to seduce me no original, frase esta adaptada diversas vezes em paródias feitas em seriados e filmes diversos).
The Go-Between (O Mensageiro)
O filme é de 1971; eu o vi em 1975.
Em férias de verão na casa de campo de seu melhor amigo em Norfolk, interior da Inglaterra, o garoto Leo Colston apaixona-se pela bela Marian Maudsley, a filha mais velha da família. A moça incumbe o garoto de fazer o papel de mensageiro entre ela e Ted Burgess, o arrendatário de uma fazenda próxima. Leo, sentindo-se amado e valorizado por Marian, cumpre a tarefa com satisfação. Porém, não demora a descobrir que entre Marian e o rapaz existe um ardente e secreto caso de amor. E vem a desilusão.
Rebel Without a Cause ( Juventude Transviada)
O filme é de 1955; eu o vi em 1975.
Juventude Transviada (Rebel Without a Cause ) é um clássico no sentido mais puro da palavra; este é o filme definitivo que representa toda uma geração.Na trama, os pais de Jim Stark se veem obrigados mudar novamente de cidade devido à quantidade de problemas em que o jovem rebelde se envolve. No colégio novo Jim se sente um pouco deslocado e tenta fazer amizade com alguns encrenqueiros, mas a tentativa de aproximação dele com Judy não é bem vista por Buzz, líder da gangue do colégio e namorado da jovem. Sofrendo perseguições por parte dos colegas Jim aceita participar de um racha para provar o seu valor. Uma história demasiada simples, mas com uma profundidade e força que encanta, choca, emociona e diverte gerações desde o seu lançamento no longínquo ano de 1955.
EASY RIDER
O filme é de 1969; eu o vi em 1973.
“Easy Rider” (“Sem Destino” ) foi lançado em 1969 nos Estados Unidos, em uma época de otimismo geral da nação pós-Segunda Guerra Mundial, de patriotismo, de anticomunismo (manifestado principalmente na Guerra Fria contra a União Soviética) e de desenvolvimentismo. Porém, nesse período começaram a surgir diversas manifestações contrárias ao estilo de vida e de pensamento no ocidente. Essas manifestações tinham o intuito de posicionar-se na contramão do capitalismo, do consumismo, da moral vigente. Era a contracultura.
O filme acompanha a trajetória de Wyatt (interpretado por Peter Fonda) e Billy (encarnado pelo rebelde Dennis Hopper) pelas estradas dos Estados Unidos a bordo de suas motocicletas custom. No caminho até New Orleans, eles passam por comunidades hippies, fazendas tradicionais, pequenas cidades, e, ao serem presos por desordem, conhecem George Hanson (magistralmente vivido por Jack Nicholson) na cela, um advogado sarcástico e crítico. George conta suas histórias, levanta perguntas para os dois motoqueiros – e passa a os acompanhar em sua jornada, regada por um rock de altíssima qualidade: Steppenwolf, The Byrds e Jimi Hendrix.
“Easy Rider” é, acima de tudo, um filme sobre liberdade. O mais importante não é o enredo, mas sim as experiências dos viajantes. Não é um filme sobre o destino, mas sim sobre a jornada.
Fotos de arquivo pessoal
Textos de sinopses diversas retirados da Internet.
amo capas lombadas
devoro prefácios, sumários, epígrafes
Sou uma devoradora de livros
quase autofagia de meus mitos gregos
quase antropofagia de meus mestres poetas
quase dependência física de papéis escritos.
Essa sou eu.
Sei que é você.
Também.
Eu, uma contadora de histórias, declamadora de poemas …
Durante mais de 3 décadas tentei seduzir meu alunos pela leitura. Muitas foram as atividades que realizamos com esse objetivo. Fora de sala líamos sob as árvores, fazíamos leituras compartilhadas- capítulo a capítulo- de narrativas memoráveis. Recriamos finais de obras, transformamos texto narrativo em texto dramático- e o encenamos para o autor, inclusive. Fizemos tantas e tantas peripécias literárias… de saraus lítero-musicais até a recriação da Semana de Arte Moderna de 1922- com duração de uma semana mesmo, com vaias, apupos, plateia etc.Sempre lutei, lutei mesmo, nas editoras para conseguir levar os escritores às escolas, com intuito de dessacralizar essa coisa chamada LIVRO.
Quando fui saindo das salas de aulas, havia decidido ser uma leitora apenas. Trabalho voluntário.Leria para quem desejasse, fossem analfabetos, internos em hospitais, asilos … ou para crianças em quaisquer circunstâncias- menos nas escolares. Fujo de escolas, de seu carcomido anacrônico roteiro apostilado e pasteurizado de ensino. Por mais de 15 anos, trabalhei com recapacitação de professores por 4 estados brasileiros, mambembando leituras. Concluí que pouco havia conseguido alterar na sua forma obsoleta de ensinar, naquela em que estavam viciados.
O Clubinho da Leitura é um dos ramais que sigo com o objetivo de ser apenas uma leitora. Logo vem alguma mãe que me pede para ir a um encontro de crianças e contar histórias etc. VOU.
De outra vez o faço em domicílio, há ali uma criança adoentada, desanimada, merecendo sonhar. VOU.
Ainda outra vez há uma festa de aniversário, crianças de todas as idades, inquietas, talvez acostumadas a tablets, celulares… VOU.
Todos deveriam ler para outros, experimentar fazer isso em voz alta, declamar um poema, ler com a beleza que a literatura quer distribuir, ler com o encanto que as palavras, as frases e suas combinações querem semear com suas metáforas e alegorias. Ler sem ficar investigando o que se aprendeu com aquele texto, aquele poema. Quando muito, conversar sobre a fruição, se gostou e por que gostou, de que trecho gostou mais, se gostaria de conhecer outros textos como aquele, do mesmo autor etc. E com crianças, deixar que elas namorem os livros, peguem, abram, cheirem, vejam as ilustrações, de que material são feitos e tudo mais.
Em novembro, em um shopping de B. Horizonte, MG, havia um espaço montado para leitura que funcionava da seguinte forma: qualquer pessoa doava 2 livros e levava outros 2 pra casa. Assim, o acervo tornava-se atualizado e circulante, manipulável, facilmente. Uma menininha chegou com mãe, pai e avó, tocou nos livros que lá estavam, não havia um infantil sequer. Fiquei observando, de perto. Abriu, manipulou, queria penetrar neles, mas não viu graça. Pedi que esperassem um pouco ainda por lá. Corri à Livraria Leitura e comprei 4 livros infantis. Coloquei-os na mesinha. Imediatamente ela os devorou, ainda que não soubesse ler. Ofereci minha leitura, comecei e deixei a cargo do pai continuar. Em troca, levei meus 2, um do Saramago e outro do Chico Buarque, que aliás não os tinha em casa.
LIVROS ENCANTAM.
Leituras necessitam de MEDIADORES, bons leitores, que tragam a chave (como indicou Drummond em seu verso: ”Trouxeste a chave?”) e arreganhem as cortinas do sonho, da aventura, da magia, da poesia … Depois é deixar com os novos leitores que eles seguem os ramais e caminhos.
As mais belas histórias – por Sartre
“Eu ainda não sabia ler, mas já era bastante esnobe para exigir os meus livros. Meu avô foi ao patife de seu editor e conseguiu de presente Os Contos, do poeta Maurice Bouchor, narrativas extraídas do folclore e adaptadas ao gosto da infância por um homem que conservava, dizia ele, olhos de criança. Eu quis começar na mesma hora as cerimônias de apropriação. Peguei os dois volumezinhos, cheirei-os, apalpei-os, abri-os negligentemente na ‘página certa’, fazendo-os estalar. Debalde eu não tinha a sensação de possuí-los. Tentei sem maior êxito tratá-los como bonecas, acalentá-los, beijá-los, surrá-los. Quase em lágrimas, acabei por depô-los sobre os joelhos de minha mãe. Ela levantou os olhos de seu trabalho: ‘O que queres que eu te leia, querido? As Fadas? ‘ Perguntei, incrédulo: ‘As fadas estão aí dentro?’ A história me era familiar: minha mãe contava-a com frequência, quando me levava, interrompendo-se para me friccionar com água -de- colônia […] e eu ouvia distraidamente o relato bem conhecido […] Durante todo o tempo em que falava, ficávamos sós e clandestinos, longe dos homens, dos deuses e dos sacerdotes, duas corças no bosque, com outras corças, as Fadas; eu não conseguia acreditar que se houvesse composto um livro a fim de incluir nele este episódio de nossa vida profana, que recendia a sabão e a água-de-colônia.”
Em As Palavras, Jean-Paul Sartre,Nova Fronteira, 5ª edição, p.34.
A paixão de Bastián
As paixões humanas são um mistério, e com crianças acontece a mesma coisa que com os adultos
A paixão de Bastián Baltasar eram os livros.
Quem não tiver passado nunca tardes inteiras diante de um livro, com as orelhas ardendo e o cabelo caído no rosto, lendo e lendo, esquecido do mundo e sem perceber que estava com fome ou com frio…
Quem nunca tiver lido à luz de uma lanterna, embaixo das cobertas, porque papai, mamãe ou alguma pessoa solícita apagou a luz com o argumento bem intencionado de que tem de dormir, porque amanhã precisa levantar cedinho…
Quem nunca tiver chorado dissimuladamente lágrimas amargas porque uma história maravilhosa acabou e era preciso se despedir dos personagens com os quais tinha corrido tantas aventuras, que amava e admirava, pelo destino dos quais temera e rezara e sem cuja companhia a vida pareceria vazia e sem sentido….
Quem não conhecer tudo isso por experiência própria, provavelmente não poderá compreender o que Bastián fez então.
Em “La historia interminable, Madrid, Alfaguara, p.12-13)