CRÔNICA PARA ESSA MANHÃ: PAGANDO MICOS
Eram duas da tarde, eu olhava da sacada o trabalho do pintor lá embaixo. Gosto de olhar céu, pássaros, flores e árvores, até onde minha vista alcança. Assim, namorava umas paineiras mais distantes, ainda em flores, quando algo pulou o muro da casa vizinha e parou na beiradinha, costeando a casa. Pareceu-me um gato. Não era. Olhei mais, falei. O animal parou. Seria um camaleão? Não muito longe há tamanduás, mas aqui? O que seria? Parei de falar. Ele, ou ela, se moveu muito rapidamente, pude ver-lhe a cauda. Era um mico que adentrava nossos quintais. Um mico aqui? Uau! Tratei logo de avisar às vizinhas das casas à esquerda, pois me avisava o pintor que eles vêm em busca de comida e entram nas cozinhas etc. Fechássemos tudo, estavam querendo alimentos. Mas por que isso agora? – quis entender. Explicou-me que haviam devastado uma grande fazenda duas ruas abaixo para construção de um loteamento, sem árvores, sem frutos, eram obrigados a ir à luta em outros cantos. A fome, a devastação, o desequilíbrio ecológico vai nos trazendo outros frutos, antes inexistentes. Obrigam os homens a colher o produto de sua ignorância, do capital. Fiquei com muita pena dos micos, sujeitos a caçadas perigosas, a maus tratos, expulsões, retaliações, espancamentos, enquanto buscam sobreviver. Impelidos a saques, avançam em busca da sobrevivência. Coitados dos bichos. Os tucanos ainda voam por aqui. Mas fiquei sabendo que têm vindo urubus por esses lados também. Farejam as casas, os quintais, em busca de alimentos. Tudo em desequilíbrio – o homem, a natureza. O avanço das moedas sangra nossos dias. De uma forma e de outras. Tudo é permitido em nome do capital, do altíssimo lucro. Coitados, coitados de TODOS NÓS.
Em tempo: As andorinhas vagueiam pelo amanhecer frio do Campo das Vertentes. Uma delas, atrevida, resolve se apertar por um vão e entrar na vitrine envidraçada da vizinha. As amigas vão embora em V, sem esperar por ela, que se debate, atirando-se aos vidros fechados, sem poder fugir dali.
Sobre o tema, procure ler 2 textos exemplares de Clarice Lispector: “Lisete” e “Macacos“.
Texto: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
Vídeo: Canal Ordinarius Grupo Vocal