“A colheita é comum, mas o capinar é sozinho”, G. Rosa

“Conto ao senhor é o que eu sei e o senhor não sabe;
mas principal quero contar é o que eu não sei se sei,
e que pode ser que o senhor saiba.”

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O SERTÃO

“O senhor tolere, isto é o sertão.”

“O sertão está em toda a parte.”

“O sertão é dentro da gente.”

“O sertão é do tamanho do mundo.”

“O sertão é sem lugar.”

“O sertão é uma espera enorme.”

“O sertão não chama ninguém às claras; mais, porém, se esconde e acena.”

“O sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa.”

“O sertão é confusão em grande demasiado sossego.”

“O sertão me produziu, depois me engoliu, depois me cuspiu do quente da boca.”

“Sertão é isto o senhor sabe: tudo incerto, tudo certo.”

“Sertão é o penal, criminal. Sertão é onde homem tem de ter a dura nuca e mão quadrada.”

“No sertão, até enterro simples é festa.”

“Sertão: estes seus vazios. O senhor vá. Alguma coisa, ainda encontra.”

“Sertão, – se diz -, o senhor querendo procurar, nunca não encontra. De repente, por si, quando a gente não espera, o sertão vem.”

“Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas.”

“Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso…”

“O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães… O sertão está em toda a parte.”

“Sempre, nos gerais, é a pobreza, à tristeza. Uma tristeza que até alegra…”

“Sertão sempre. Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera.”

“A gente tem de sair do sertão! Mas só se sai do sertão é tomando conta dele a dentro.”

“Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e se abaixa. Mas que as curvas dos campos estendem sempre para mais longe. Ali envelhece vento. E os brabos bichos, do fundo dele.”

“Mas nós passávamos, feito flecha, feito fogo, feito faca.”

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“Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!”

DEUS

“Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo o rio… uma só para mim é pouca, talvez não me chegue.”

“O grande-sertão é a forte arma. Deus é um gatilho?”

“A força de Deus quando quer – moço! – me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se discutindo, se economiza.”

“Refiro ao senhor: um outro doutor, doutor rapaz, que explorava as pedras turmalinas no vale do Arassuaí, discorreu me dizendo que a vida da gente encarna e reencarna, por progresso próprio, mas que Deus não há. Estremeço. Como não ter Deus? Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo.”

“Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver.”

O DIABO

“Do vento. Do vento que vinha, rodopiado, Redemoinho: senhor sabe – a briga de ventos. Quando um esbarra com outro, e se enrolam, o doido do espetáculo.”

“Fosse lhe contar… Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças – eu digo. Pois não ditado: menino – trem do diabo? E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento… Estrumes. … O diabo na rua, no meio do redemoinho.”

“Por mim, tantos vi, que aprendi. Rincha-Mãe, Sangue-d’Outro, o Muitos-Beiços, o Rasga-em-Baixo, Faca-Fria, o Fancho-Bode, um Treciziano, o Azinhavre… o Hermógenes… Deles, punhadão.”

“Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem – ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! – é o que digo.”

“E me inventei nesse gosto de especular idéia. O diabo existe e não existe. Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias.”

“Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for… Existe é homem humano. Travessia.”

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AS GENTES

“Coração de gente — o escuro, escuros.”

“O que lembro, tenho.”

“Em Diadorim penso também. Mas Diadorim é minha neblina”

“Quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o

sentir da gente.”

“Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem o perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.”

“O senhor não duvide – tem gente, neste aborrecido mundo, que matam só para ver alguém fazer careta… vem o pão, vem a mão, vem o cão.”

“O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo o mundo… Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.”

“Uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias… Tanta gente – dá susto de saber – nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza…”

“Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.”

“Mire veja: o que é ruim, dentro da gente, a gente perverte sempre por arredar mais de si. Para isso é que o muito se fala?”

“As pessoas, e as coisas, não são de verdade! E de que é que, a miúde, a gente adverte incertas saudades? Será que, nós todos, as nossas almas já vendemos?”

“A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.”

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AS VEREDAS

“O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.”

“Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto.”

“Sozinho sou, sendo, de sozinho careço, sempre nas estreitas horas – isso procuro.”

“Eu careço que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero todos os pastos demarcados. Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado.”

“O rio não quer ir a nenhuma parte, ele quer é chegar a ser mais grosso, mais fundo.”

“Tempo que me mediu. Tempo? Se as pessoas esbarrassem, para pensar – tem uma coisa! -: eu vejo é puro tempo vindo de baixo, quieto mole, como a enchente duma água… Tempo é a vida da morte: imperfeição.”

“Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas”

“O senhor sabe o que silêncio é? É a gente mesmo, demais.”

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Guimarães Rosa
acendendo o pito na brasa do sertão
Minas Gerais, 1952
Foto por Eugênio Silva

OBSERVAÇÃO ROSEANA: Conheci, entrementes, um ator maravilhoso em cena (agora somos amigos no Facebook) que encarnou o filho em ” A terceira margem do rio: a de Dentro ” – releitura do conto de Guimarães Rosa.

Fascinada com sua voz e vez em cena. O grande Rosa aplaudiria de pé.

Aqui estão fotos da apresentação e dados de seu grupo Cia. Teatral Letras de Rosa

http://touzpin.wixsite.com/aterceiramargemdorio

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1º Vídeo: Canal LUBOR

2º  Vídeo: Canal Wilson Dias- Tema

3º Video:Canal: jonioj

GUIMARAES ROSA, João. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956.

Disponível em PDF em: http://ow.ly/Bw2w301G34t

Coluna: Ipsis Litteris

Curta a página do Isso Compensa no Facebook:

http://www.facebook.com/issocompensa

Post dedicado a esse homem TÃO DIFÍCIL DE SER VIVIDO, Guimarães Rosa. Quem poderia bebê-lo, encontrá-lo, segui-lo ? Quem conseguiria montar em seu cavalo e na garupa registrar tantas imagens e sons dos SERTÕES MINEIROS ? Quem ?

Leia também: https://poesiasdemaosquesentem.wordpress.com/2017/08/02/na-terceira-margem-do-rio-a-de-dentro/

Balanços

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VENTOS ALÍSEOS

Lufadas generosas
massas de ar
na atmosfera
deslocamentos
alta pressão
aquecimento constante
latitude de trinta graus
hemisférios ambos
Rotação
deslocamentos
resfriamentos
baixa pressão
ventos contra-alíseos
na linha do equador
sem umidade
ar seco
inóspito.
Zonas tropicais
balanço positivo.
Zonas polares
balanço negativo.
Diferença térmica
na atmosfera
aquecimento desigual
movimentação das massas de ar
na atmosfera
circulação geral.
Ventos alíseos
lufadas generosas

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CONCLUSÃO

Os impactos de amor não são poesia
(tentaram ser: aspiração noturna).
A memória infantil e o outono pobre
vazam no verso de nossa urna diurna.

Que é poesia, o belo? Não é poesia,
e o que não é poesia não tem fala.
Nem o mistério em si nem velhos nomes
poesia são: coxa, fúria, cabala.

Então, desanimamos. Adeus, tudo!
A mala pronta, o corpo desprendido,
resta a alegria de estar só, e mudo.

De que se formam nossos poemas? Onde?
Que sonho envenenado lhes responde,
se o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens?

Carlos Drummond de Andrade, Grandes Sonetos da Nossa Língua, Ed. Nova Fronteira, p. 184

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Post dedicado aos meus fraternos LEITORES, visitantes ou seguidores. Obrigada por pegarem as plumas que assopro ao vento e as garrafas que atiro ao mar.

Poesia: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
Imagens da Internet
1º Vídeo: Canal Marco Galeotti
2º Vídeo: Canal ecuapacífico
3º Vídeo: Canal Ana Cláudia
4º Vídeo: Canal osakafreesia

Muitos horizontes… belos horizontes

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NOITES

Abre a página
abre a pele
abre a sinfonia
abre a imagem
abre-se cúmplice
Fecha os olhos 

 

AMPLIDÃO

Vem meu ar
vem meu céu
vem minha montanha
vem meu horizonte encontrado
vem meu horizonte perdido
vem meu belo horizonte
vem que por séculos
vislumbrei esse horizonte
 
Vem

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MIRANTE

Como pássaro livre voa
sobrevoa
asperge perfumes de asas e verdes
entorna um tonel inteirinho
de paisagens sedutoras
de leves toques
de sílabas interrompidas
semeia horizontes
semeia palavras umas
semeia palavras outras
semeia sentidos
semeia emoções
belos horizontes abertos ao porvir
belos horizontes ecoam 
em céu
terra
lagos
rios
trens

 

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Post dedicado ao meu amado filho Pedro

Versos: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
 
1º Vídeo: Canal professor rainold
2º Vídeo: Canal Luísa Calvário

 

 

Há um ano nasci aqui

Conquista do aniversário de 1 ano(s)
Feliz aniversário com o WordPress.com!
Você registrou-se no WordPress.com há um ano.
Obrigado por nos escolher. Continue assim!
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UMA IDEIA ANIVERSARIA
 
Minhas mãos sentem
mais que meus pés e meus braços
Minhas mãos sentem
mais que meus cotovelos, meus ombros
Minhas mãos sentem
mais que meu ventre e meu umbigo
Minhas mãos sentem
mais que meus lábios e meus olhos
 
Minhas mãos sentem mais
mais e mais
cada vez mais
enquanto me guiam por veredas emolduradas
de rios, barcos, árvores, trens, céus, flores e pássaros
Minhas mãos sentem
vertem lirismo
qual água cristalina
Minhas mãos sentem
incontrolavelmente
infinitamente.
 
 
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Recebi de presente de meu amado filho esse blog, no Natal passado.
Sabendo de meu estilo econômico, sem excessos  no atacado e no varejo, fez com que fosse simples, claro, fácil de ser manejado, manipulado, afinal era para mãos que sentem.  E, assim, ele me bastava. Minhas mãos operam muitas ações durante o dia, uma delas é colocar aqui uma fornada de versos e esperar ficarem dourados, qual pães-de-queijo.Quem os doura são vocês, meus leitores estimados.
 
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UM NATAL
Quando menina
nunca desejei ser bailarina.
Preferia lousa, giz e apagador.
De meias brancas,
novas,
de sapatinho branco,
novo,
íamos, família grande
pai, mãe, cinco filhos
cultivar nossas saudades
de avôs, avós, tios, primos
distantes
noutra cidade
noutro estado
noutras vidas.
Natal era enfeitar uma árvore com bolas de vidro
“Cuidado, não toque, que quebram”.
Natal era preparar uma comida diferente e aguardar presentes,
simples,
sempre entregues antecipadamente,
que meu pai não cultuava ritos estrangeiros, nem neve em árvore,
nem hipocrisias.
Natal era um dia como outro qualquer
porque por seus ensinamentos,
todos os dias são dias novos
de sapatos brancos e meias brancas
como os de um doce Natal.

     Canal: Antonio Carlos Bento
 
 
Versos: Odonir Oliveira
 
 
 
 

Encontros tardios

TARDE

A vidente avisara,
há décadas,
chegaria tarde.
Viria sem avisar
Absorveria dias, tardes e noites
Nada simples
Nada fácil
Nada certo.
A vidente advertira
Viria sem botas nem botes
Viria sem rosto, mãos, nem pés.
Viria sem planos nem rastros
Viria sem aroma nem cor
Viria sem quentes nem frios
Viria inconcebível, insuspeitável, impossível.
A vidente vaticinara
Era tarde.

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CONVERSA COM ELE

A máquina escreve o que gostaria de lhe dizer nos ouvidos,
em um de cada vez,
um mote
um tema
um verso
uma estrofe
um poema.
A máquina escreve como se falasse de minhas tormentas e dúvidas
o que não poderia gritar pelas noites vazias de ti
em meu teclado
em meu leito
em mim.

 

AMOR MEU

Quis o Fado
Que pisasses em minhas terras inconfidentes
e arrancasses todos os meus segredos
escondidos por séculos
todos os meus desejos cristalizados  na alma
todos as minhas resistências dos exílios de mim.
Foi o Fado que quis assim.
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Versos: Odonir Oliveira

1º Vídeo: Canal: Odonir Oliveira
2º Vídeo: Canal Antonio Bocaiúva

Rotação e translação

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MOVIMENTOS

Houve manhãs
houve noites
houve manhãs
houve noites
sóis
luas
sóis
luas
houve verdes
houve secas
houve chuvas
houve risos
houve gritos
houve lágrimas
houve chegadas
houve partidas
Um giro breve.
Um giro longo.
Um giro eterno.
Movimentos, movimentos, movimentos

Lua-Rio

ROTAÇÃO

FLORAÇÃO

Na rota, um porto
Na reta, um ponto
insípido inóspito infértil

No tronco, uns galhos
Nos galhos umas folhas
secas opacas estéreis

Alma no trajeto
Curvas no caminho amargo
Gotas de perfumes
Pingos de cores
Chuvas de flores
fertilidade,sedução
produção
Poesia
Caminhos doces então.

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TRANSLAÇÃO

LER O MUNDO

bebo palavras
lambo ilustrações
sorvo metáforas, alegorias, hipérboles
de mim
de nós
de todos.

mastigo estrofes
degluto versos
sugo frases
chupo páginas

amo capas lombadas
devoro prefácios, sumários, epígrafes

Sou uma devoradora de livros
quase autofagia de meus mitos gregos
quase antropofagia de meus mestres poetas
quase dependência física de papéis escritos.

Essa sou eu.
Sei que é você.
Também.

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COTIDIANAMENTE

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(Les Demoiselles d’Avignon, de Picasso)

PALAVRAS DE TUDO

Minha vida é feita de páginas.
Sem ler não concretizo voos
Sem ler não amanheço nem anoiteço,
e se entardeço
é porque sou em mim mesma um feixe de páginas
qual bambu
em touceiras
de difícil esfacelamento, destruição ou perda .
Quando de palavras me guarneço,
é com elas que me acasamato do mundo,
me resguardo das dores simples,
me afogo nas mais complexas,
irremediáveis e etéreas.
Palavras alimentam meu corpo,
atiçam meus desejos mais incompreensíveis,
sensorializam meu cotidiano mínimo,
transformando-o em rasantes sobre oceanos.

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Poesias: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
 Vídeos:1-3-4- Canal Odonir Oliveira
2-Canal Absolutely Gemini

Mas afinal, o que é o Natal ?

OFERECIMENTO

Veio dali
de onde menos se tinha
o sentido de presente
o sentido do presente.
Repartir
compartilhar
doar-se
 
AMAR.

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PAPAI NOEL TODOS OS DIAS

Quem se encarrega de doar-se dia após dia pode se intitular Papai Noel. A vida só faz sentido com AMOR.

Não precisamos de muitos sapatos, muitas bolsas, muitas roupas, muitos óculos, muitos biquínis, muitos amigos de copo e de bar para sermos felizes. O que se precisa, e muito, é de AMOR.

Conheci homens e mulheres, e até crianças, avessos ao mundo, briguentos, belicosos, até mesmo cruéis, mas que ao beberem um gole de AMOR se derretiam. Como varinha de condão, esse sentimento de ser amado tem o PODER maior de todos.

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Creio que o SER HUMANO, repleto de amorosidades, não possa festejar o infortúnio alheio, por exemplo a imagem da prisão de bandidos de qualquer espécie, políticos, estupradores, assassinos ou o regozijo com a dor de um possível oponente. Acredito que tais seres- uns e outros- chegaram àquele estágio de desumanidade porque faltou-lhes alguma qualidade de amor. Ninguém é assim porque é. As complexidades humanas são enormes.

Os suicidas que obtiveram êxito em sua ação o fizeram por absoluta falta de amor, de alguma qualidade de amor. Ninguém tira a própria vida sem razões, por mais niilista que se seja.

Doar-se implica saber o que se tem para oferecer, portanto reconhecer em si as próprias qualidades, seja um sorriso, um colo, um ouvido, um abraço, um beijo, um corpo.

Repartir é Natal.

Não se pode prescindir da doação. A festa, a ceia, a visita de parentes distantes, as despedidas- pode ter sido o último Natal– tudo isso tem que estar repleto de amorosidades. Caso contrário será apenas mais uma comemoração anual.

Por isso, penso no sentido de Natal diariamente, naquilo que faço doando de mim a alguém. O prazer único, o hedonismo, o aproveitar o momento esvaziam-se logo, caso não estejam recheados pelo sentido de amar. E há tantos que são incapazes de amar, ah meu Deus, como os há.

Imagens inesquecíveis de distribuição de brinquedos, bem embalados em papel celofane colorido, pelas ruas e viadutos da cidade, livros em caixas bonitas, panetones com cartões de felicidades…. entrega de animaizinhos a crianças que os desejavam muito e ensinar-lhes a cuidar deles,  apresentação de pequenas peças teatrais, grupos musicais em asilos de idosos, repartição de cestas básicas Fome Zero em comunidades carentes de pão e amor, recital de poesia em horário de almoço para operários da construção civil, aulas para quem quer saber mais em horário de almoço também ou após o expediente, criação de um clube de leitura para a comunidade, elaboração e execução de projeto de ida ao teatro- para quem jamais soube o que era teatro- e o brilho nos olhos de todos ELES ! E nos nossos.

Aprendi muito cedo o que era o Natal. Meu pai, metalúrgico e líder sindical, nos anos 60, ensinou-nos que “PRECISA ESTAR BOM PARA TODOS”. Nós estamos no meio desse TODOS aí, portanto é preciso desejar e agir na busca do BEM DE TODOS.

Conheci algumas pessoas da melhor qualidade que ao longo dos anos me fizeram acreditar que É POSSÍVEL O BEM COMUM. Fiz e faço o que posso na minha área de atuação.

O Natal, em seu sentido tradicional, enfeita-se a árvore, compram-se presentes, ceia-se etc. etc. perdeu há muito o significado para mim. Depois de filhos crescidos, quando não se esconde mais os presentes e diz-se a eles que foi Papai Noel que os deixou lá. Depois dessa fase, a festa natalina perde seu encanto.

Encanto mesmo era ver minha irmã, dez anos mais velha, enfeitar sozinha a nossa árvore, artificial, de Natal “Não mexa em nada, as bolas quebram, a ponteira quebra, a neve de fibra de vidro não é pra criança pegar; fique quieta olhando. Se quiser. Não toque em nada”. Assim aguardava, esperando ver acontecer, sem em nada tocar. Mas era mágico aquele ritual nos dezembros em mim. Depois, olhar Petrópolis toda enfeitada de Natal pelas ruas principais, as músicas cantadas em inglês, o barulho de sininhos tocando, os símbolos signos de um Natal americano-europeu nevavam em mim como sonho. Depois ainda, os filmes na TV, reproduzindo boas ações em épocas de Natal … ah, tudo isso tinha efeito de vara de condão sobre toda uma infância.

Hoje, entendo que o sentido de nascer, de Natal, não pode ser aquele dos comerciais de televisão, nem apenas o dos filmes estrangeiros. Natal é hoje, amanhã, todo dia.

FELIZES NATAIS PRA VOCÊS, meus amigos.

2017 merece uma chance de nós.

Doemo-nos a ele. A eles.

Texto e versos: Odonir Oliveira

1º Vídeo: Canal Joshua Norris

2º Vídeo: Canal Giulia Zarantonello

Mulher, artigo indefinido

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ESPELHO MÁGICO

Evita cruzar-se com ele
não o mira
não o acata
não o enfrenta.
Revela pouco dela,
não faz justiça com ela
mostra no aço
apenas o objeto direto.
É mais que isso.
É complemento verbal
é complemento nominal
é sujeito e predicado.
Espelho mágico
enxerga além do aço.
759

NOS TRAVESSEIROS

Lê no papel as páginas
lê nas telas as marcas
lê nos acordes as esperanças
lê nos sonhos os quentes e adocicados de si
lê do mundo o lirismo etéreo do viver.
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TODAS AS NOITES

Há um rude homem que chega
há um deboche no riso do homem que chega
há um desperdício de uma gargalhada
há um sino que toca intermitentemente
há um trem que apita intermitentemente
há um vulto que adentra o espaço
há um aroma que perfuma o espaço
há um rasgo que penetra o corpo
Ali,
todas as noites.
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Poesias: Odonir Oliveira

Imagens de telas do pintor italiano, Pino Daeni, falecido em 2010.

1º Vídeo: Canal PackPcote
2º Vídeo: Canal Ricardo Lasserre

Livres como animais

CORPOS NUS

Nas nuvens caminha pela feira-livre,

na leveza dos toques na pele

olha maçãs, cheira maçãs

olha pêssegos, cheira pêssegos

olha mangas, cheira mangas

aromas de peles

olha goiabas, cheira goiabas

olha maracujás, cheira maracujás

aromas de mãos

aroma de dedos

aromas de bocas

aroma de línguas.

CAMINHO DE SOL

Enxergou o moreno de longe

viu o moreno mais de perto

zoom no moreno

cabeça tronco membros

mãos cheias

pulseiras

unhas curtinhas

olhar de flores céus e árvores.

caminhos

luz

brilho brilho brilho

sol sol sol

sede sede sede 

CAMINHO DE LUA

fazenda escura

trilha escura

casarão distante

tulha escura

paiol escuro

lua lua lua

palha palha palha

aromas inconfundíveis

de terra, céu, lua

estrelas estrelas estrelas.

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Versos: Odonir Oliveira

1º Vídeo:  Canal: Alfredo Pessoa

2º Vídeo: Canal: Asy D.

“Ela é fã da Emilinha, não sai do Cesar de Alencar” II

Leia antes: https://poesiasdemaosquesentem.wordpress.com/2016/12/09/ela-e-fa-da-emilinha-nao-sai-do-cesar-de-alencar/

Revista do rádio 1963 capa | Rádio Retro - Divas da Era

NARRATIVA DOLORIDA

“Posso conhecer Ítalo ?”  “Quando quiser. Vai ver como é um ser … estranho …  indefinível .”

Frente a uma pessoa de olhos saltados, esbugalhados, fixos ao longe, sem encarar seu interlocutor, amedrontado, estamos. Quase sem cabelos mais, usa perucas de várias tonalidades e cortes, chapéus , sombrinha e muitos colares, anéis e pulseiras. Saias sempre muito curtas, transparentes,  blusinhas mostrando alças do sutiã. Fala sem parar, repete inúmeras vezes o que acabou de dizer. Pela rua, é motivo de risos discretos a palavrões e ofensas. Caminha com uma bolsa grande e repete sempre que todos têm inveja dele. Parece se alimentar de xingamentos e falas repulsivas. Demonstra precisar da exposição, ainda que como animal raro em jaula urbana.

Observando seu comportamento, percebe-se que não assedia homens, não os provoca, não tenta envolvê-los. Recrimina casais de namorados que encontra pelas ruas, encoleriza-se e chega a agredi-los verbalmente, e até fisicamente, quando entra em crise. Contam que foi preso várias vezes. Quando interpelou com rudeza a filha de um juiz, esta chamou o pai e este deu-lhe voz de prisão. Ficou alguns dias na delegacia “Pra tomar vergonha na cara. É doente? Então a família que trate. Não somos obrigados a isso não”– teria declarado ao delegado o juiz.

Com a morte do pai nos anos noventa, passou a morar sozinho com a mãe, a sacrificá-la demais para obter o que desejava e financiar suas invencionices, dizem. Ao mesmo tempo que a adorava, a defendia de todos e tinha ciúme dos outros irmãos , sobrinhos e parentes, foi capaz de provocar nela um AVC, tendo que ter sido socorrida às pressas.

Nos últimos anos de vida da mãe, a tortura sofrida por ela era inconcebível. Não deixava que ele fosse internado, mesmo em crises … ministrava, sem que Ítalo percebesse, medicação oral no leite, para que ele ficasse mais calmo. Entretanto, contam, em dose menor que a prescrita porque, segundo ela, se fosse a indicada, ele “ficava muito alheio, e não aproveitava nada da vida”. Sempre comeu muito, repetindo muitas vezes sobremesas e guloseimas. Gostava da casa encerada, cheirosa e enfeitada com muitos bibelôs, toalhas de crochê e plantas. A mãe sucumbia a todos os seus desejos porque “ele é o mais infeliz dos meus filhos …“.

O pior de seu comportamento não estava em sua forma de se vestir, caminhar… eram os seus gastos. Passou a comprar em muitas lojas diferentes e não ter como pagar. A mãe, já octogenária , não dava conta de tantas contas, em tantas lojas. Coube a irmãos sair quitando suas dívidas, para satisfazer os pedidos da mãe. E Ítalo continuava compulsoriamente a fazer mais dívidas, mais dívidas.

A mãe faleceu. Nos dez anos seguintes, Ítalo vendeu a troco de nada, tudo que havia na casa dos pais, fez inúmeras incursões a hospitais em vários estados brasileiros, onde sabia que conseguiria uma cirurgia para mudança de sexo. Médicos iludiam-no, ele já com mais de 60 anos, a continuar a fazer tratamentos, tomar medicamentos, fazer exames, retroalimentando a invenção que ele tinha em sua mente perturbada.Isso aumentava sua compulsão por gastos e, mesmo com a pensão deixada pelo pai, superior à de muitas famílias com muitos filhos, ele gastava duas, três vezes mais do que recebia, contraía empréstimos … Contam que comerciantes vendiam, mesmo com os pedidos da família para que não o fizessem. Assinava promissórias, tinha contas em mercados, padarias, onde outras pessoas compravam e mandavam colocar em seu nome. Incontrolável panorama doentio.

Quis voltar a viver no Rio, guardava imagem de adolescente da cidade. Fez-se a mudança, montou-se sua casa, em bom local e com proteção. Morou três meses naquele lugar. Quis voltar para a cidadezinha anterior. Fez-se a mudança. Ali, todos continuavam vendendo a ele, mesmo sabendo que não poderiam fazê-lo, conforme recomendações de seus familiares.

SEM FINAL FELIZ

Nada caminhou.

Não se considera transexual. Médicos dizem que sua doença já está irreversível.

Parentes revelam que atualmente não possui concentração mais nem para assistir a um programa de TV .

Chora ao telefone com irmãos, em seguida os agride, os inveja, os odeia. Seus irmãos relutam em ter qualquer tipo de envolvimento violento contra ele, mas também torna-se impossível qualquer outro relacionamento com ele; é desconfiado, não aceita vínculo afetivo.

Sabe-se que um endoidecimento nas famílias nunca vem sozinho. Há ali um ninho enlouquecido e que o mais frágil sucumbe primeiro. E depois outros, outros.

Não posso avaliar o que ocorreu na família de Ítalo, mas pude perceber que a mãe tinha razão quando afirmava “nenhum de meus filhos é feliz”.

Ítalo sabe que tem esquizofrenia. Deveria tomar remédios adequados e conviver em sociedade. Mas em qual sociedade? A que o gerou, desenvolveu e o alimenta?

Não toma medicação. E essa sociedade ideal não existe também.

Texto: Odonir Oliveira
Vídeo: Canal  luciano hortencio