DOS 60 AOS 70 Quando alcei voo da metrópole ao campo, as vertentes me prometiam dias novos tardes novas noites novas madrugadas novas. Galopei por sertões nunca dantes navegados. As armas e os barões assinalados se apresentaram. Ainda tinha pernas para marchar sem medos, ainda tinha braços para abraçar sem medos. ainda tinha corpo e espírito floridos de verdes e perfumes. Tudo eram entradas e bandeiras em terras inconfidentes. Havia veias de libertasquae sera tamem jorrando em mim. Aos poucos, pernas já não conseguem desbravar matas e matos mais, braços já não se abrem a abraços mais, o corpo busca repouso e relva macia para deitar e apenas mirar os céus. Abandono terra firme, vou fazer ninho nos galhos altos, olhar campos de cima, de varandas altas, de sacadas altas, sem tantos riscos de quedas não retornáveis. Dos 60 aos 70, as prioridades se alteram, as necessidades se alteram, a vida também se altera.
A função de quem se propõe a escrever é múltipla, multifacetada mesmo. Li mais de uma vez, em vários cronistas, que a obrigação de escrever semanalmente para jornais os intimidava, constrangia até. Escrever deve ser ato espontâneo, derramamento de emoção, de informação, compartilhamento de dúvidas, angústias, reflexões. Em poesia, quanto mais alegórico e metafórico for o poema, mais chances terá de atingir parcela diferenciada de leitores e não só os que pertencem àquele nicho, àquele segmento horizontal. Com as crônicas, por suas características peculiares, o espectro de leitores se amplia. Mas, atualmente, há que ser um recadinho curto, um short em palavras, um TikTok, digamos assim. Os dedos que manipulam telas de celulares (Ô, dó!) são elétricos, incontíveis, velocíssimos, sabe-se bem. Uma crônica também pode ser metalinguística, quando se escreve sobre o próprio fazer de uma crônica etc. Enfim, comunicar, informar, emocionar…
A TRABALHADORA RURAL
Cai a temperatura. Chove. Tocam a campainha. Fim de tarde. Tocam a campainha. Surjo na sacada de minha casa. Lá embaixo Dona Nair, uma mulher franzina, sozinha na rua, sussurra sob uma sombrinha desengonçada. Pede um edredom, um lençol, qualquer coisa pra uma senhorinha bem pobre que mora lá longe, onde ela mora também.
Três anos antes conheci Dona Nair, já com mais de 80 anos, em casa de uma tia, agora falecida. Dona Nair – mais velha que minha tia – limpava sua casa, uma vez por mês. Conversei com ela – trocava o serviço por uns agasalhos, um dinheirinho pouco. Para a condução? Não. Atravessava a cidade a pé. Vinha da zona rural e voltava. A pé.
Tempos depois, a encontro por lá. Dona Nair atravessa a cidade lavando roupa para as patroas, anda sempre a pé. Converso com ela sobre isso na casa da tia, por que não parava de trabalhar, por que ainda fazia isso, andando a cidade toda a pé. Sempre me ouvia e dizia que uma sobrinha e filhos dependiam dela etc. Questiono se as patroas não dispõem de máquinas de lavar … Descubro que conseguira há poucos dias sua aposentadoria rural. Dou-lhe os parabéns e insisto para que ela descanse, fique mais tranquila, sem trabalhar tanto. Ri e diz que vai ver.
Um ano depois, toca a campainha me pedindo roupas de cama, cobertor, agasalhos. Faço uma boa seleção, encho as sacolas e ela vai embora agradecida. Nas vizinhas, procede da mesma forma. Eu a ajudo; outros, também.
Cai a temperatura. Chove. Tocam a campainha. Fim de tarde. Tocam a campainha. Surjo na sacada de minha casa. Lá embaixo Dona Nair, uma mulher franzina, sozinha na rua, sussurra sob uma sombrinha desengonçada. Pede um edredom, um lençol, qualquer coisa pra uma senhorinha bem pobre que mora lá longe, onde ela mora também. Digo-lhe que dessa vez não tinha mais o que me pedia.
Explico a ela que está frio, chovendo. Falo do Corona vírus, dos riscos, que fosse para casa e ficasse por lá.
Olha pra mim como se estivesse falando algo incompreensível pra ela. Não sabe nem entende do que falo. A informação não chega a ela. E quando chega é sob a forma de desinformação.
POR QUÊ? Naqueles dias me amoleceste a pele, por quê? Naquelas noites me embriagaste de néctar, por quê? Naquelas madrugadas permaneceste em meus sonhos, por quê? Nas paisagens percorridas, me fizeste acompanhar-te, por quê? Nas tardes de rios e cachoeiras, molhaste meus olhos, por quê? Nos temas percorridos de acento sensível, me acertaste, por quê? Quando voavas, sobrevoavas meu porto, por quê? Nas trilhas e trilhos, trocavas comigo passos em minueto, por quê?
SIM Sim, porque “eu te amo” Sim, porque eu te amo, dei pra gostar de músicas de amor, outra vez; Sim, porque eu te amo, dei pra gostar de cartas de amor, ora em nuvem; Sim, porque eu te amo, dei pra conversar com as flores, os pássaros, os bichos que percorrem os caminhos; Sim, porque eu te amo, dei pra recordar sorrisos e alegrias e piadas tolinhas outrora ouvidas; Sim, porque eu te amo, dei pra adorar vegetais, verduras, pratos coloridos em geral; Sim, porque eu te amo, voltei a ver os filmes que já vi, os que nunca vi e desejar fazer outros tantos; Sim, porque eu te amo, encontro gente que me sorri adivinhando meu estado de constante prenhez amorosa; Sim, porque eu te amo, fico a namorar a chuva pela janela, a ver escorrer enxurradas de barquinhos invisíveis … Sim, porque eu te amo, abro sorrisos largos, antes desconhecidos; Sim, porque eu te amo, dei pra dormir menos e viver mais; Sim, porque eu te amo, passei a fertilizar a terra, a polvilhar nela sementes de abacateiros, ameixeiras, limoeiros, passiflora ardente; Sim, porque eu te amo, espero o entardecer, o sol se por e o dia raiar de novo a suspirar; Sim, porque eu te amo, dei pra aceitar mais as diferenças entre as pessoas, o percurso de cada uma, a beleza das ânimas; Sim, porque eu te amo, encontro nas montanhas companhia solene para a reflexão, o assobiar dos bem-te-vis e a oratória das maritacas; Sim, porque eu te amo, abro mão da cotidiana cobrança do ser e estar, do compulsório e eterno ressarcimento de tempo e espaço; Sim, porque eu te amo entrego, em pacotes, manifestações de afeto e alegria como mínima retribuição pelos sonhos sonhados; Sim, porque eu te amo, entorno rios de lágrimas pela insegurança do meu amor e não do teu; Sim, porque eu te amo, não me permito ser mais frágil como antes o fui e não polir esse último e único brilhante; Sim, porque eu te amo, contraio vontades inusitadas de dirigir por estradas a esmo, easyridermente; Sim, porque eu te amo, aguardo o sono e os sonhos em que símbolos e sons compartilharão sensações indefinidas, irracionais, incompreensivelmente deleitáveis; Sim, porque eu te amo, conheço espaços nunca antes percorridos, sabores nunca antes encontrados, sensações nunca antes experimentadas; Sim, porque eu te amo, sei que estás no todo do meu caminhar e descubro que és a outra parte de mim em mim. Sim porque eu te amo.
ÀS ESTRELAS, OS PORQUÊS Não sei o que dizer quando ela quer saber do meu amor. Não sei se digo que a amo. Não sei se digo que não sei se é amor. Não sei se sei, antes de ter o que lhe dizer. Sei um pouco do que sinto E tudo o que sinto é pouco Perto do pouco que vivi com ela. Não sei o que dizer com palavras de sentido claro e único porque o que sinto por ela não é claro e único também. Assim prefiro imagens repletas de polissemias a cada linha porque garantem que ela, por si mesma, terá que desocultá-las. Não sei ser mais claro do que tenho tentado ser porque também eu sou incomum, estrangeiro, invulgar.
-Por favor, procurem por seu José, não atende ao celular, pressinto que algo lhe aconteceu. Pergunte pelos lugares comuns, por favor.
Era início de março, queria que me ajudasse com minhas plantas, a capina, coisas a que estava acostumado desde 2013. Ninguém dele sabia.
Por todos os lados da casa, desde a mudança de vasos e móveis de lugar, a poda de árvores, adubação de canteiros… tudo tem as mãos de seu José. Meu jardineiro fiel que me trazia suas palavras, suas desilusões e reclamações de operadoras a lhe solicitarem a todo instante no celular. Meu amigo que trazia de longe bambus em sua bicicleta, sacos fortes para guardar a capina e depois entregá-la onde deveria estar. Meu amigo que não reclamava de minhas reclamações, de minhas solicitações e exigências de professora condutora. Ao contrário, me fazia perguntas, queria saber mais sobre o que não sabia de flores e árvores, de política e de sociedade. Juntos 8 horas a cada vez a conversar, a falar, a ouvir. Meu amigo, sempre. Solicitado, vinha em qualquer dia. Quando presenteado com qualquer objeto, aparelho doméstico, era só agradecimento.
Ontem, por fim, alguém atendeu ao celular dele e fiquei sabendo que falecera em 3 de maio, aos 66 anos. Nunca mais sua bicicleta, guardada na garagem, nunca mais sua enxada, seu rastelo, seu serrote, seu tesourão, sua presença amiga.
Estou muito triste com a perda do meu companheiro por uma década inteira. Graças a ele realizei muitos sonhos, desde os de semear, gramar, cuidar e colher. Um homem muito simples que me ensinou muito mais que todos com quem convivi por aqui, desde 2013.
Ando pela casa, devagar, vou ouvindo sua voz. Vou à sacada, olho lá embaixo e vejo o que fez, pintou, pregou…Seu José, meu jardineiro fiel, obrigada.
“Os gatilhos mentais sãoagentes externos capazes de provocar uma reação nas pessoas e tirá-las da zona de conforto. Em outras palavras, são estímulos que agem diretamente no cérebro. Mas não se trata de hipnose ou algo do tipo, pois a base dos gatilhos mentais está na psicologia.“- ead.ucs.br
1 – RECIPROCIDADE
2 – ESCASSEZ
3 – NOVIDADE
4 – PROVA SOCIAL
5 – SEGURANÇA
6 – COMPROMISSO
7 – CONFIANÇA
GATILHO: SEIOS FARTOS
A menina-moça tinha seios fartos; ele, pernas frouxas. Desejou-a desde o primeiro momento, quis tocar em seus seios, beijar-lhe a boca, sentir seu cheiro. Tinham 13 anos.
A mocinha não quis grudar-se nele, não era cravo e canela como ele desejava; era, camomila, alfazema, gostava de toques doces, de aromas de algodão e gosto de nuvem na boca. Rejeitou-o porque sentiu que eram muito, muito diferentes, embora bastante diferenciados.
O rapazinho guardou em suas mãos o vazio daqueles seios fartos e o compromisso de não amar mais, dali pra frente só gozo e prazer, com qualquer uma, de preferência com as de seios fartos.
GATILHO: SOU TÃO BOM QUANTO ELES
-Mas por que não me aceitam aqui? Tenho bom curriculum, experiência. Tenho 18 anos, mas sempre estudei e trabalhei. Sejam francos, sou negro e pobre é isso? Sou arrimo de família e isso me prejudica?
Nada fazia Luiz Fernando aceitar tantas negativas. Nada o desabonava, nada o desqualificava, por quê, então?
Das poucas noites mal dormidas, fez cursinho popular e entrou na Universidade Federal. Logo engenharia? Estudou, destacou-se na Universidade. Tornou-se modelo de aprovação social, resgate, resiliência e obteve distinção entre outros engenheiros e em empresas de construção civil importantes no país.
Casou-se muito tarde, não teve filhos. Sua principal meta e dedicação sempre foi aos estudos, à profissão, a ser tão bom quanto eles.
O marketing avança e analisa 10 gatilhos, para que se aproveitem deles e vendam seus produtos, pois os gatilhos mentais são excelentes recursos para estimular as pessoas a tomarem uma decisão.
As criações e recriações do povo brasileiro em toda a diversidade de suas origens e tradições merecem ser assistidas, aprendidas e compartilhadas. Só se protege, só se defende aquilo que se conhece e por isso se valoriza.
COM AS CHAVES NAS MÃOS Não consegue entrar em casa. Perdeu as chaves no caminho. Não, acha que foi no supermercado. Nada por lá também. Não consegue entrar em casa. Chamada em socorro, aborrece-se com aquela situação que a tirara de seus afazeres domésticos numa sexta-feira de faxina. Percorre os mesmos caminhos. Nada. Vai ao supermercado. Nada. Volta, abre com sua reserva a casa para que o desafortunado entre. Sai em busca de um chaveiro. Na cidade grande, um por esquina; ali, uns fechados, outros de portas cerradas, faliram. Tudo é motivação para desistências. O que estaria fazendo ali, não tinha nada a ver com a perda da chave, queria ir embora, abdicar daquela tarefa extra que lhe exigia tanto e lhe entregava tão pouco de volta. Triste empreitada aquela. Depois de mais de uma hora de perseguição, encontra uma oficina de chaves. Estaciona, desce do carro e se depara com duas mulheres fortes, entendedoras do serviço, uma mais nova; outra, mais velha – talvez mãe e filha, talvez. Pede as cópias, observa com que dedicação e esmero cuidam de seu ofício. Não perde a oportunidade de elogiá-las, de apontar a novidade daquela visita. Agradecem e consentem em serem fotografadas. Lugar de mulher é onde ela quiser, refletiu ao ligar o carro. As chaves… essas eram as chaves. E foram encontradas ali.
Volto de ter com elas. De mãos sujas de terra e verde, trago-as em fotos, como se fossem bebês
Revelo suas poses frente, perfil, sozinhas, acompanhadas, instantâneos de meu jardim, rosas azaleias primaveras palmeiras fênix coroas de cristo …
Quão difícil é poemizar com flores porque muito mais belas são elas que meus versos frouxos e pálidos a lhes prestar quaisquer favores.
FLORES SEMPRE crio rosas num quebra-cabeças de pétalas aspiro os perfumes que desejo redesenho hastes reconfiguro cores namoro folhas faço delas eternas bebo belezas dia e noite careço de delicadezas e lirismos meu peito acolhe não suporto o suporte dos ódios não sustento a postura das invejas não me mantenho com goles de sarcasmos acalanto hinos sussurro prazeres acarinho mãos
Se me perguntavam, desde menina, onde gostaria de ter nascido e de viver, eu sempre respondia que me orgulhava de ter nascido no Brasil e de poder viver aqui até a minha morte. Venho recusando viagens ao exterior faz mais de uma década, não porque não admire a natureza de muitos países, mas porque ainda tenho muito a conhecer no meu. E ele é maravilhoso!