Na Idade Média trovadores eram aqueles que compunham, e jograis os que executavam as canções. Os trovadores eram nobres, e os jograis pessoas de origem plebeia – às vezes compondo também. Escrever poesias e inserir nelas música era algo belo, mágico, quase sagrado, no sentido criador.
Conheci os Trovadores Urbanos, em São Paulo, logo que formaram o grupo. Durante quase uma década passei em frente ao seu núcleo, em Perdizes, zona oeste paulistana. Era como passar na frente de um castelo medieval que agasalha a mítica e poderosa doçura das canções.
Outras vezes pude assistir a suas apresentações pela cidade fosse em aniversários, comemorações de datas significativas … como beija-flores que vão retirando o doce de cada uma, devolvendo lirismo, aspergindo sentimentalidades, colorindo a cinzenta terra da garoa de alegria.
Depois gravaram CDs, começaram a fazer seus shows … há registros com Sílvio Caldas, Toquinho, Guilherme Arantes, entre outros.
No mês de junho, as sessões abertas para o público, ser trovador também, homenageiam os namorados. São encontros maravilhosos onde e quando todos cantam e se encantam juntos, sem quaisquer preocupações com afinação etc. São momentos nos quais todos se esquecem de que a vida é árida e agreste, e pode ser salpicada por nossa afetividade, excluindo-se diferenças muitas vezes impostas a nós, mas sem qualquer justificativa.
Somos todos trovadores e temos em nós essa poção trazida pelos beija-flores.
Conheceram-se em situação de emergência emocional. Crise de saúde física ou emocional? Vai saber…
Do momento do encontro inicial ao clímax do contato, houve perdas e danos, risos e sufocamentos gástricos, engasgos incontidos, soluços intermitentes, isquemias transitórias, enxaquecas e, por fim, vômito em jato. Tudo com o quê apenas a saúde não poderia contar.Vai saber…
Remédios eram aquelas conversas intermináveis pelas telas, fosse sobre a conjuntura nacional sobre a internacional; desabafos de temática cotidiana, o emprego, o carro batido, a dor na família, uma perda aqui um dano ali, uma torcida acolá. Uma música ontem, um filme hoje , uma série amanhã, compartilhados via tela em emergência existencial. Coincidências de “toques de cotovelos cibernéticos”, etéreos, aéreos, em nuvem. Vai saber …
Tudo novo, mesmo que conhecidos em carne e osso, em tela encontravam-se, assim, pelos botecos webianos. Os produtos, as alegrias, a vontade de rir … Freud explica, quase querendo fazer uma selfie de almas.
Os hábitos diferentes, os gostos diferentes, as trajetórias diferentes. Tudo igual. Vai saber
… “ Gente é pra viver não pra morrer de fome”, canta aquele que era um antes e agora já não se pode confiar muito nele, politicamente mais.
– É mesmo, né.
– Gosta de jiló, já comeu com chuchu? E com pimenta?
– Nunca provei, sabor amargo.
– Vou ver se consigo uma boa receita, estas coisas têm segredos que os mais antigos conhecem bem, como altura do fogo, quantidade de água, tempo de cozimento, além da escolha do jiló ! …
– Há, há, há, quanta sutileza pode ter o jiló, né. Preciso até ter cuidado ao cozinhá-lo, ao degustá-lo…
– Comer jiló é para ..profissionais!..
Ao que parece você é uma neófita!…hahhahhahahha
Não pode ser muito nem pouco, não pode ser cozido demais nem de menos. Como vinho é preciso aprender a gostar do discreto amargor que acaba por lhe conferir um certo charme!…
Vamos ver se consigo o passo a passo!..
Diria que nem tudo que parece amargo é realmente amargo. Um discreto amargo pode dar um gosto especial a certos pratos.Para alguns amargo é doce e nos faria ver as diferenças do mais doce mais salgado mais ácido e, nem tanto amargo, como é a fama do jiló!
– Aguardo o passo-a-passo.
– Amargo pode ser doce, como pimenta que pra uns arde e pra outros não.
– Maas …o nome desse sabor é amargo mesmo? Há controvérsias.
– Isso veremos brevemente ! e mesmo as controvérsias são as faces da mesma moeda!..Reagiu…tem a ver!…Não existe reação sem motivos.O que não tem importância não gera reação!.. Interpretá-las é FREUD.
Sabia que aquela pessoa interessante que conhecera há alguns meses era … era atraente. Era atraente conversar com ela em palavras, sentia falta daquela conversa. Mas havia perigos perigosos naquilo também: metáforas e alegorias em profusão, onomatopeias pouco reveladoras dos sentidos verdadeiros, pressupostos unilaterais ou bilaterais. Vai saber …
Correr riscos, ainda que etéreos, implicava viver aquele discurso cheio de exclamações, vírgulas, pontos de interrogação. Tudo muito novo, ainda que de nuances tão conhecidas. No suporte, na plataforma diferente mas revelando emoções tão conhecidas, tão experimentadas. Sabe-se como começa, como caminha… e como terminaria. Teria de haver um término, uma finalidade em tudo aquilo. Ou não?
Embora haja ansiedades desveladas, prazerosas, elas também podem ser mais complexas do que aparentam.
Seres humanos são cheios de complexidades, quando deviam viver apenas.
As músicas enviadas e recebidas, o compartilhar de mensagens sobre partidos políticos, panelaços, coxinhas, terceirização, Lava Jato permeando sílabas, figuras de linguagem e trocadalhos recheados de humor. Tudo em cima do ponto, na mosca tal e qual em um e noutro.
Fôlego para mais quantas partidas? Para mais quantas chegadas?
O choque de realidade como um tapa na cara; nada daquilo existiu? Talvez nada daquilo tivesse existido.
Medo de abrir nova pasta, novo arquivo.
Salvos na nuvem, entretanto.
Deletem-se todos os e-mails, até prova em contrário.
Perigos perigosos desvelam-se a partir de um enter.
Caminho pela Avenida Paulista, em São Paulo, encontro um chão de versos que se estende feito onda quebrando na praia. Causa-me impacto ter que pisar em versos. Versos em chão de giz. Não consigo ir em frente. Pareceria uma heresia, uma profanação. Quem estende versos sob nossos pés merece no mínimo ser lido, degustado, inspirado como perfume de flor.
Paro, leio, espero. Quem me acompanha no passeio, me conhecendo, para, fotografa, espera também.
Observo que há pessoas que tropeçam literalmente nos versos e os saltam, os evitam, como se versos viessem alterar seu sentir, sua rota a seguir. Há outros que se desculpam. Há os que reclamam, com uma rabanada no ar, terem que proceder a um desvio de rumo na calçada. Todas essas reações, de fato, são esboços do que a poesia pode causar em alguém: saboreio, medo, surpresa, emoção, enfrentamento … há um ramalhete de sensações que nascem da absorção da poesia. Cada um beberá do desejo que tiver em si, cada um sorverá a paixão que carregar em si, cada um mastigará o soco que uns versos lhe darão, cada um se embrenhará, a seu modo, pelos sentidos tantos que certas palavras organizadas de uma certa forma o lerão. Sim, porque as poesias nos leem. Não o contrário. Nos leem porque bebem em nossas experiências daquilo mais sensível que guardamos em nós.
Converso com Luciano A. e lhe pergunto se quer um editor ou quer ser lido. Responde-me que já faz poemas há muitos anos e quer ser publicado, viver com o produto de seu trabalho. É uma reivindicação justa. Analiso um pouco os versos que ele passa a ler de um caderno universitário pra mim. Escolhe aqueles que acha que gostarei mais. Avalio como professora de literatura ou como leitora apenas? Opto pela sensibilidade. Diz que rima para dar maior ritmo e musicalidade a seus versos, gosta de escrever sobre determinados temas. Percebo que tem vocabulário amplo e é bastante emocional. Avalio e lhe digo que sua poesia é bastante acessível e que muitos gostarão dela, mesmo os pouco iniciados em leitura de poemas.
Revelo que também escrevo poemas. Dou-lhe meus endereços, do blog e do Youtube porque também ele me deu o seu.
Por fim, saio daquela conversa, em uma tarde de sábado, como se levitasse ou voasse num tapete mágico e, sob ele, algo misterioso me conduzisse levemente. Creio que eram versos.
Manacás abraçam postes na cinzenta cidade bandeirante a fim de colori-la e perfumá-la de um certo lirismo.
Mais à frente, na tumultuada e abarrotada calçada, um rapazinho tocava violino. Era o fundo musical que faltava para ladrilhar com pedrinhas de brilhante a avenida, e o amor por ela passar.
Texto: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
1º Vídeo: Canal maiaangelo
2º Vídeo: Canal WH2music
Facebook do poeta em busca de um editor: http://www.facebook.com/lucianoapoeta
Chico. Bastaria escrever Chico e todos saberiam de quem estamos falando. Chico é ícone , domínio público, no sentido mais exemplar. Escreva-se Chico disse, Chico esteve presente, Chico assinou. Basta. Todos já saberão de que Chico estamos falando.
Trata-se de um HOMEM EXPLÍCITO. Explícito no seu sentir, no seu ser e estar. Quem duvidaria do HOMEM CHICO BUARQUE? Sempre claro em suas posturas e procederes, sempre de frente, enfrentando o que tem que ser enfrentado.
Na verdade, creio que Chico seja uma ameaça a muitos que sequer chegam próximo de sua conduta moral, ética, humana. É modelo de SER HUMANO. Tem imperfeições em sua perfeição e isso o torna um deus grego, daqueles cheinhos de humanidades.
Amo o artista e sobretudo o ser humano FRANCISCO BUARQUE DE HOLLANDA, o nosso CHICO.
Parabéns, meu artista brasileiro.
Foto: Luiz de Campos Jr – amanhecer do dia 19/6/2017
o dia inteiro
hora a hora a ideia
hora a hora a espera
hora a hora o instante
hora a hora o desejo
hora a hora a bênção
hora a hora a dádiva
hora a hora a intenção
agora a ida
agora a chegada
Roberto Freire, psiquiatra e criador da Somaterapia, costumava discordar de datas compulsoriamente combinadas para se festejar algum relacionamento, como Dia das Mães, dos Pais e, em especial o Dia dos Namorados. Tudo criado e patrocinado pelo comércio, pelas vendas. E como vende-se amor !
” Quando começo um trabalho terapêutico, vou logo dizendo ao cliente que não entendo absolutamente nada de amor. Com 50 anos de vida e de amor apaixonado, com 25 anos de clínica amorosa e apaixonada, aprendi muita coisa, mesmo, sobre a vida e o ser humano, mas absolutamente nada a respeito do que possa ser o amor e como funciona. […] Então como é que nós, psicólogos e psiquiatras, podemos exercer nosso ofício sem entender a essência e o funcionamento do amor, se é com isso que lidamos efetiva e frequentemente em nossa vida pessoal e na de nossos clientes?
Foi justamente quando perdi minha pretensão de onisciência e onipotência em relação ao amor, que me humanizei como terapeuta, e pude realmente exercer meu ofício. Porque descobri que amar é um mistério que só é bom se continua mistério. Porque percebi que amar é uma coisa que se sente mas não se entende, e que se a gente entende para de sentir. Ou seja, o amor a gente só entende quando ainda não sentiu, só compreende quando deixou de sentir. E a melhor receita para acabar um amor é intelectualizá-lo, explicá-lo de outra maneira que não seja a poética e a musical que, na verdade, não explicam nada, só pulsam, como o próprio amor”
(“Entre o Amor e a neurose eu fico com os dois”, em VIVA EU, VIVA TU, VIVA O RABO DO TATU, Roberto Freire, p. 141, 142, Ed, Símbolo, 3ª edição, SP, 1977)
IDENTIDADES AMOROSAS
DOCE É O AMOR
O que é isso,
que apelido tem
que codinome tem
que alcunha tem
que diminutivo tem
que sinônimo tem
que antônimo tem
que química tem
que receituário tem
que disfarces tem
que fantasias tem
que lemas tem
que contraindicações tem
que efeitos colaterais tem
que desenganos tem
que tropeços tem
que feridas tem
que encantos tem
que sedução tem
que encaixes tem
que desassossegos tem ?
Doce é o amor ?
ENAMORAR-SE
Sempre fui conselheira dos adolescentes sobre essas questões de amor, paixão, enamoramentos etc. etc. Sempre quiseram saber o que eu pensava, como agiria, o que faria se …. Costumava responder que era bacana que “eles” próprios sentissem- em primeiro lugar- depois que elaborassem um pouco aqueles sentires, tentassem descobrir o porquê de tal ou tais pessoas serem tão importantes, tão necessárias em suas vidas e até mesmo que motivos os levavam a pinçar aqueles entre tantos outros.
Por que os aconselhava assim? Porque pelas estradas da vida pude entender um pouco mais desse sentimento ou dessa ação de ENAMORAR-SE. Ouvi muitos relatos de amigos, em terapias de grupo ou em momentos de confidências etc. etc. Pude, então, sair de mim e levitar por, ou com, sentires alheios também.
Não há que se ter medo. Roberto Freire, terapeuta reichiano, afirmava – e escreveu um livro com esse título – AME e DÊ VEXAME . Acredito que existam correspondências internas que sejam mais importantes e, aliadas às de corpo, pele e cheiros transfigurem o que em nós provoca o enamoramento.
É claro que com a mudança de idades, há alterações nisso. Não se permanece com as mesmas intenções dos adolescentes, nem dos jovens. Tornamo-nos mais criteriosos, seletivos e efetivos em nossas escolhas. Entretanto, há um componente, quase ingrediente, nessa receita nada receita que também vem com a idade, é o receio da dor, do sofrimento, a lembrança do que já ocorreu anteriormente. E é inevitável, saiba-se.
Arriscar-se, aproximar-se, buscar, ouvir o sim ou o não, ou o talvez, demandam CORAGEM, nem sempre existente nas pessoas.
Enamorar-se é uma competência que muitos perdem com o tempo. E outros nunca sequer conheceram. É pena.
INSEGUROS
Meninos e meninas se beijando de olhos abertos na porta da escola
Plateias diárias para o espetáculo
Mãos bobas e tontas aguardando esconderijos
Saudade do outro após dez minutos de separação
Vontade de contar ao outro tudo,
as mínimas banalidades.
Desejo de cabeça, tronco e membros.
Fogo aceso de apaixonamentos.
PURIFICAÇÃO DE SER
É quando abro meus entres
a ti
é que inundas com teus líquidos
a mim,
lavando-me entranhas
apagando monstros de filamentos doloridos
encharcando-me de perfumes de mato água e chão
exorcizando fantasmas de meus músculos sangrentos
encachoeirando minhas carnes nas espumas de tuas águas.
ENAMOREM-SE, MENINOS !
Moços e moças, enamorem-se.
A existência sem enamoramentos é parca
A caminhada sem paixões é ínfima
A trajetória sem amores é cinzenta
Estar na vida sem doar-se e dar-se ao amor é medíocre e vão.
Enamorem-se até os últimos momentos de suas existências.
É o enamorar-se que nos torna mais humanos e doces com nossos semelhantes
Abençoado é aquele que ama e se deixa amar .
Texto e poemas: Odonir Oliveira
Imagens retiradas da Internet
1º Vídeo: Canal luciano hortencio
2º Vídeo: Canal Gustavo Cunha
DEDICATÓRIA: À amiga Angelita Obst, leitora diária do meu blog, comentarista e parceira contra o analfabetismo político e a falta de sensibilidade de tanta gente por esses Brasis todos.
Roberto Freire, psiquiatra e criador da Somaterapia, costumava discordar de datas compulsoriamente combinadas para se festejar algum relacionamento, como Dia das Mães, dos Pais e, em especial o Dia dos Namorados. Tudo criado e patrocinado pelo comércio, pelas vendas. E como vende-se amor !
” Quando começo um trabalho terapêutico, vou logo dizendo ao cliente que não entendo absolutamente nada de amor. Com 50 anos de vida e de amor apaixonado, com 25 anos de clínica amorosa e apaixonada, aprendi muita coisa, mesmo, sobre a vida e o ser humano, mas absolutamente nada a respeito do que possa ser o amor e como funciona. […] Então como é que nós, psicólogos e psiquiatras, podemos exercer nosso ofício sem entender a essência e o funcionamento do amor, se é com isso que lidamos efetiva e frequentemente em nossa vida pessoal e na de nossos clientes?
Foi justamente quando perdi minha pretensão de onisciência e onipotência em relação ao amor, que me humanizei como terapeuta, e pude realmente exercer meu ofício. Porque descobri que amar é um mistério que só é bom se continua mistério. Porque percebi que amar é uma coisa que se sente mas não se entende, e que se a gente entende para de sentir. Ou seja, o amor a gente só entende quando ainda não sentiu, só compreende quando deixou de sentir. E a melhor receita para acabar um amor é intelectualizá-lo, explicá-lo de outra maneira que não seja a poética e a musical que, na verdade, não explicam nada, só pulsam, como o próprio amor”
( “Entre o Amor e a neurose eu fico com os dois”, em VIVA EU, VIVA TU, VIVA O RABO DO TATU, Roberto Freire, p. 141, 142, Ed, Símbolo, 3ª edição, SP, 1977)
O QUE DIZER DO AMOR
Soubera há pouco por telefone que Apolo enviuvara há mais de um ano. Não quis saber detalhes sobre ele. Já os tinha em si e muito.
Conheceram-se há décadas, apaixonaram-se. Ele, mesmo amando Sofia, era um amante profissional. Além de tudo não apresentava sintomas dos apaixonados. Gostava de isolar-se, gostava de ir-se por semanas, gostava de solidão, mato, nuvem, céu, estrelas e rio. Nada mais fazia parte do seu cenário. No restante apenas gritos, sussurros e gemidos. Ele era assim. Não lhe viessem com cortinas floridas nas janelas, “com açúcar com afeto, fiz seu doce predileto”, comidinhas de prender parceiro e outros sinais de apaixonamentos, que ele escapava incontinenti.
Sofia amou Apolo por … sempre. Encontravam-se fortuitamente nos mais imprevisíveis lugares. Amavam-se, iam-se, reencontravam-se, iam-se. Um sabor de novo, de tinta sempre fresca polvilhou suas existências juntos. Juntos?
Sabiam que o maior encanto entre eles repousava mesmo na novidade da última vez, no encontro na metade da estrada entre eles, no acampamento no meio do mato, tendo como testemunhas de seus vagidos apenas os insetos locais. Sabiam que era amor maiúsculo. Era, como gostavam de dizer, um amorzinho meio diferente de outros. E riam. Aliás o que Sofia mais amava em Apolo era aquele seu humor, sempre rápido, de ironia fina, com repertório de quem vive, viveu e viverá as estradas. Não à toa sempre quisera ser caminhoneira, a Sofia.
Resolveu procurar Apolo. Se não a desejasse mais por perto – sim, à companheira de viagens, de toda espécie de viagens – se não a desejasse como antes, que revelasse.
Não trabalhavam mais. O tempo passara. Viviam do que haviam amealhado nos anos de profissionais competentes que haviam sido. Conversaram. Apolo a princípio assustou-se. Tantos anos sem se tocarem, sem se verem, sem se falarem. Depois, nada de mensagens escritas, que gostavam de todos os sentidos envolvidos. Conversaram.
[……………………………………………………………………………………………………………..]
– Você ainda quer ir pra Cuba?
– Não, já fui. Agora espero a Europa.
– Paris, como sempre dizia?
– Paris não mais, talvez umas aldeias portuguesas, a mesma língua, a mesma literatura, as mesmas origens. Estou num momento de volta às origens, sabia?
– Bacana. Estive recentemente em Paris e até pensei em você lá.
– É ? Quem sabe depois das aldeotas portuguesas, Paris. Nada é nunca. Não mais.
– Prazer em comer… continua igual?
– Sempre. Colesterol bom, nada de diabetes, nem triglicerídeos altos. Só prazer em comer e beber. E vinhos… sempre, lembra, né?
– Ama da mesma forma? Eu sei o quanto. Lembro bem.
– Creio que sim. Quer que lhe mande uma foto pra saber se ainda me acha interessante?
– Ora, pra quê? Meu interesse é maior do que uma foto possa revelar. Sei você. De olhos fechados, só com as minhas mãos. Ainda que tenha mudado muito …
– Que bom, eu também não preciso confirmar você, já o fiz suficientemente. Mas outro dia me mostraram uma foto sua com seus amigos num encontro. Achei você mais interessante ainda.
– E aí, vamos nos encontrar naquele lugar de sempre na estrada?
– Será?
– Melhor. Você ainda mora no mesmo lugar?
– Sim, filhos bateram asas pra ninhos internacionais. Estamos eu e meus animais queridos por aqui.
– Então, vou eu até aí. Combinamos nossa viagem a Portugal aí. O que acha?
– Passaporte vencidíssimo o meu. Mas pronto pra renovação. Enquanto renovo o documento, viajamos por aqui. Há lugares lindos que tenho certeza você ainda não conhece. Quer?
– Quero.
– Espero você de mochila e botas, ok?
– Eu vou. Beijo em você.
– Mas deixa eu ler um poema que fiz há mais de uma ano pra você. Tem fundo musical que sempre curtimos. Ouça e não precisa dizer nada, ok. Considere-se beijado.
UM POEMA DE AMOR
Ah, que demorem essas noites a chegar,
que fiquem as tardes, congeladas, com o ardor de seus beijos,
que permaneçam em meu dorso seus toques firmes
que em meus ouvidos cristalizem-se suas palavras todas
que seu rosto, como um som, repercuta em meu colo
que suas mãos cálidas entorpeçam minha voz incapaz
que seus pés se sobreponham aos meus como se me sustentassem a alma
que seus braços me envolvam com ternura e firmeza como um laço
que sua boca nada mais diga a não ser sussurros e apelos de ais
que seus olhos se fechem a apenas enxergar sabor em mim
que seus encantos estrangeiros e únicos não se percam com o escurecer
que sua língua armazene senhas de contato insubstituíveis
que seus dedos deslizem como seda no percurso de mim
que suas delicadas e sensíveis marcas se descubram por mim
que eu possa escurecer, com você, à chegada da primeira estrela.
Observação poética: Conta-se que Lennon conheceu Yoko, ao final de uma vernissage em que ela expunha telas. Interagiu com uma obra, fez uma observação crítica, sem saber que a artista estava ali bem próxima dele. Ela gostou do que ouviu e dali começaram um relacionamento. Certa vez escreveu para ela a seguinte frase – não me recordo onde.
“Se quiseres lembrar de mim, olha para o céu, eu sou essa nuvem que te olha”.
Texto e poema: Odonir Oliveira
Imagens retiradas da Internet
1º Vídeo: Facebook – cena de “Masculino Feminino”, de Godard, 1966