CASOS DE AMOR I
Olhou aquele homem pela primeira vez. Era estranho, grosseiro, rude, debochador, inquieto e estranho.
Nada nele lhe agradava em princípio. Ironizava mulheres apaixonadas, declaradamente apaixonadas, devolvia agressões verbais aos afagos e carinhos. Nada nele continuava a lhe agradar.
Cris estava acostumada a delicadezas de diversas espécies -palavras, lembranças, telefonemas, flores e graças masculinas. E femininas também.
Sempre fora grande amiga de homens, trocava com eles passes e fazia gols de tabelinha. Eram muito mais engraçados, muito mais diretos, muito mais sinceros até. Nunca entravam em competição, camuflada de amizade. Quando era era e pronto. Gostava mais dos homens.
Cris era professora de inglês. Naquele momento, ensinava num curso especializado para engenheiros, técnicos que chegavam ao Brasil para trabalhar nas multinacionais. Grande parte era de orientais. No bairro da Liberdade, em São Paulo, conheceu Toninho caipira, como era chamado pelos amigos da turma, do partido, do boteco pertinho da Consolação. Cris o achara , na verdade, um grosso. Gostava daquelas piadas pouco engraçadas, sempre falando de mulheres como carne de açougue. Chegaram a ter sérios embates. Ele dizia que se ela não gostava das piadas era porque não gostava de sexo e mais. Cris o derrubava em argumentações. Derrubava porque não permitia apelações rasteiras etc. e, sem isso, ele ficava de pernas quebradas. Os amigos riam dos acalorados embates e torciam por ela sempre.
Cris era amiga dos homens, torcia por eles, os aconselhava como mulher, quase sempre fazendo com que se colocassem no lugar das mulheres das quais reclamavam cotidianamente, fossem casos, namoradas, esposas, irmãs, quaisquer delas. Algumas companheiras de seus amigos por vezes sentiam ciúmes de tanto papo, tanto discurso, mas depois percebiam que não se tratava de briga por macho. Se havia algo por que Cris tinha ojeriza era briga por macho. Não entrava em bola dividida jamais. E em respeito às mulheres. Até seus amigos homens a criticavam por isso, mas era categórica, não brigo por homem algum, se está com ela, que fique bem com ela, o que tem que ser é honesto, declarar que tem uma outra pessoa, que curte aquela pessoa etc. nada de prolongar dores e desafetos.
A clareza de Cris era atraente não se podia negar. E mulheres a admiravam, com um pouquinho de inveja, sabia-se. E os homens a desejavam, ora se não. Mas era dura de roer.
Toninho caipira telefonou pra ela, mesmo estando em férias, distante, em casa dos pais. Aquilo era um tanto estranho, Toninho, assim daquela forma, mostrando-se. Encantou-se quando lhe citou e pediu que ouvisse o tema de Casablanca e mais outras coisas.
Ficaram juntos por um ano e pouco. Quem os via notava que não eram mais aqueles rivais dos bons tempos. Ele ainda trazia as características do caipira de Casa Branca etc. mas sussurrava nos ouvidos de Cris Como foi que seu ex-marido perdeu uma mulher dessa, meu Deus. Cris ria e gostava dele.
CASOS DE AMOR II
Guida era o apelido carinhoso de Margarida, uma mulher pequenininha, magrinha, de cabelos encaracolados e muito insegura. Não saía pra comprar nada sem uma companhia. Estava sempre precisando da opinião de alguém pra lhe confirmar se o vestido lhe ficara bem, se valia comprá- lo etc. Se, sozinha, era capturada pelas lojistas que lhe empurravam não aquilo que havia pedido, mas o mais caro, o que ninguém ousaria comprar etc. Virgínia a acompanhava e já ia respondendo às vendedoras Mas não tem esse aqui que está na vitrine não? Quando lhe respondiam Não, mas temos esse outro da coleção desse ano, veja. Virgínia respondia Não me importo com coleção, não coleciono roupas, queria aquele da vitrine por aquele preço, se não tem devem tirar da vitrine, né. E saíam. Guida se admirava da coragem de Virgínia. Alguns poderiam até considerar arrogância. Não era. Era segurança daquilo que queria, como queria e por quanto.
Faziam um par e tanto. Só encrencavam quando disputavam o amor dos dois amigos com quem viviam na comunidade à beira-mar. Uma corria pra arrumar as camas à noite, colocar o espiral contra pernilongos, a moringa com água. Quando a outra chegava e via, pronto, já era motivo de discórdia. Competiam pelo amor dos dois como se fosse por esposos amados. Eram, de verdade, amados. Os quatro eram amados. Elas por elas. E eles por eles. Viviam assim.
Textos: Odonir Oliveira
Imagens: Fotografias de grafites do inglês Banksy
1- Mobile Lovers
2- (?)
3- Balloon Girl