ENLUARADAMENTE A LUA sabe e cabe o lábio dorme e acorda a luz brilha no éter numas e ninfas dançam uma luz no cosmos lua em traje de gala véus diáfanos voam uma nuvem abraça a lua o lume alumia a noite seca o lume entorna tinta na nuvem a lua brinca a lua brinda a noite aplaude a lua se mostra luz há estrelas no compasso há celebração no firmamento a lua deixa cair seus véus A LUA se mostra inteira
Poesia: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal (lua de fevereiro de 2021)
A elegia é um gênero poético caracterizado mais pela temática do que por uma estrutura formal, tendo como assuntos principais a tristeza dos amores interrompidos pela morte ou pela infidelidade. As primeiras elegias apresentavam uma métrica específica, com emprego de dísticos formados de versos hexâmetros. Contudo, a elegia pode ser desenvolvida em versos livres, mas sempre reconhecida em virtude de sua temática peculiar. No século XVI, a elegia tornou-se um dos gêneros poéticos mais populares. Embora Sá de Miranda tenha sido o primeiro escritor português de elegias, foi Luís de Camões o principal representante do gênero, autor de quatro elegias consideradas as melhores escritas em língua portuguesa No Brasil, Drummond e Bandeira escreveram belas elegias.
CORAÇÃO ESPATIFADO Tenho meu coração em frangalhos hoje Tenho meu peito carregado como a explodir Tenho meu país em sangue a gangrenar Tenho uma vontade enorme de deitar em seus braços e chorar Compulsivamente. Convulsivamente. De lhe pedir que negue que o que vejo é o real. Tenho uma vontade imensa de buscar compreensão para o quê, sozinha, não consigo. Sou pesar, ódio, reação e medo. Nunca estive tão só em meu país !
Elegia 1938
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco, onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo. Praticas laboriosamente os gestos universais, sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas, e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção. À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer. Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito. A literatura estragou tuas melhores horas de amor. Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota e adiar para outro século a felicidade coletiva. Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
DROGAS, ESCONDERIJO Eu sofro Ele sofre Eles sofrem Refugio-me em estrelas Refugia-se em álcool Refugiam-se em narcóticos Tenho força na ida e na volta Tem força na ida, não na volta Têm força na ida, não voltam Bebo sol e lua Bebe álcool Bebem jogos, drogas Vivo Morre aos poucos Morrem.
A DOR DAS PERDAS Menino argentino, 8 anos, perdera a mãe por complicações pós-parto na Alemanha. Uma menina recém-nascida, outro irmãozinho começando a andar. O pai solo, engenheiro, em empresa internacional, tem 3 crianças no colo. Vive um tempo por lá, depois retornam a seu país de origem. Anos mais tarde estão todos vivendo no Brasil. Um colo vazio de mãe, um pai tentando suprir a carência materna, afetivo, romântico, atencioso. A menina já tem 6 anos. Não chegara a conhecer a mãe, morta em seguida a seu nascimento. O menino do meio, inteligente, sensível, aprecia música, toca flauta doce. O mais velho exímio em Matemática, em línguas estrangeiras, escreve bem, é lindo. As garotas se apaixonam por aquele jovem de 14 anos. Ele, como se não sentisse amores, tem um vazio existencial profundo. Nada o completa. Gosta de rock, gosta de esportes. Desafia o mundo em atitude, em posicionamentos. Conhece primeiro a maconha. O pai descobre, conversa com ele, quer saber por quê. O filho ama o pai, não responde, não desacata. Sofre. O pai, exercendo seu pátrio poder, vende tudo e leva a família toda de volta à Argentina. O menino promete voltar quando for maior de idade. Cursa engenharia em universidade pública por lá. Mas abandona tudo e volta ao Brasil. A namoradinha que o amava já não o ama mais. Começa a trabalhar numa loja de roupas na rua frequentada pela elite. Vai a um show do RATOS DE PORÃO. Volta para o apartamento e se atira do alto, sem noção da quantidade de droga ingerida naquele show. Morre aos 20 anos. Seu pai vai da Argentina ao Brasil acompanhar sua cremação. Leva as cinzas do filho de volta consigo.
COMPETIÇÕES INTERNAS Filho mais velho de psicopedagogo e psicóloga, ambos de reconhecido valor acadêmico, renomados, tem uma irmã menor. Cresce cheio de personalidade. Mantido em escolas que se pretendem abertas, modernas, interessadas pelas individualidades dos alunos. O jovem não se enquadra em nenhuma. Sempre calado, mas disposto a agredir professores e colegas com comentários debochados, irônicos. É inteligente, crítico, mas se mostra visivelmente à margem por ver em si alguma inferioridade frente aos demais colegas. Não se mostra afetivo com professores. Rejeita qualquer autoridade. Foi capaz de se envolver em um incêndio na escola – rapidamente debelado. É flagrante sua carência de afeto, talvez por si mesmo, por reconhecer-se com algum valor. Alertados, os pais, pessoas estudiosas de psicologia, tentam várias alternativas com o rapaz. Nada dá certo. Abandona os estudos. Inicia-se nas drogas. Anos depois, a partir de algum tratamento, o pai declara que ele manifesta o desejo de voltar a estudar. Contata para isso a professora por quem ele tinha certa afeição. Não mais a procura depois. O rapaz havia morrido, instantaneamente, numa batida de automóvel, perseguido por traficantes que lhe cobravam dívidas. Não tinha mais de 20 anos.
Na década de 1990, os alunos de um colégio particular em São Paulo fizeram a leitura do livro “DOCES VENENOS”, de Lídia Rosemberg Arantangy, de 1991. A professora de Biologia, na época, debatia com eles os efeitos das drogas ( ilícitas e das lícitas também). Encenaram, em ATO ÚNICO uma peça, em cujo final os alunos gritavam “A MELHOR DROGA DE TODAS É O AMOR!”. Fiz cursos em Escolas Públicas sobre drogas, como o PROERD. Aprendi muito e observei, muito de perto também, as causas e as consequências do uso de drogas.
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A galinha e o galo geram pintinhos que seguem seus exemplos.
O homem não assumiu a função de pai, nem afetiva nem economicamente. Quando vinha para casa, chamava com voz grave o filho, já rapazinho, para lhe descalçar os sapatos, coçar-lhe os pés. Enquanto isso acontecia, debochava do filho, com piadas sobre sua inteligência e apontava a filha com desdém “aquela não vai dar pra estudo nada; o que ela sabe fazer bem é só xixi”. Depois constituiu outra família na mesma cidade, concomitantemente à original. Deixava de prover e de cumprir com suas responsabilidades de pai, vinha em casa para dormir com a mãe de seus 2 filhos – e teve com ela mais 2 outros depois. Quando questionado sobre sua vida “dupla”, encolerizava-se, dizia que ninguém sabia nada de sua vida privada, que ninguém tinha nada a ver com a sua vida etc.
Filhos menores crescendo, nenhum provimento para seus estudos, nada. Quando visitava a família trazia acepipes de estrada, muitas vezes exageradamente creditados na conta de suas ausências. Pedia dinheiro emprestado a irmãos e não pagava, embora pudesse fazê-lo. Era fanfarrão, proseador e “garganta”, mitômano por excelência. Vendia-se caro. Seus filhos aprenderam modelos que pregavam “levar vantagem em tudo”, “levar tudo de graça”, bajular para obter favores e ganhos etc. Falsidade no DNA. Desfaçatez robusta em ações de hipocrisia triviais, com normalidade.
Os pintinhos, embora também seguissem a “galinha ruiva”, trabalhadeira etc. mostravam-se completamente cópias em carbono do pai. Uma filha só se relacionava com gente que tivesse muito dinheiro “afinal, tudo gira em torno do dinheiro”. Sempre pedindo alguma coisa, sem gostar de pagar pelo que usufruía. Gostava de receber “tudo na faixa”. Apesar de discurso de hight society, era garganta como o pai. O filho vivia das amizades interessadas e do que podiam render a ele. “Cada um tem é que se virar, eu defendo o meu”. A filha mais velha casou-se tardiamente e o marido, sem corresponder a nenhum dos seus requisitos para um homem, servia de office boy para ir e vir fazendo favores no mercado, na padaria etc. Sem dinheiro que pudesse colaborar em casa, foi convidado a ir morar com familiares e só voltar a casa para as compras, os pagamentos etc. e com o dinheiro da esposa. Quando questionada sobre a duração desse casamento, respondia que não abria mão da pensão que ele deixaria – fumante in extremis – “É pouca, mas é minha, não separo por isso”. O outro lado, cinicamente, não revelava, mas pensava da mesma forma.
As hipocrisias conjugais e até com os amigos impossibilitam que se viva de forma humanista (e cristã até). Dessa forma, abraçarem negacionismos, fake news, empulhações de diversas origens torna-se consequência natural.
“FILHO DE PEIXE PEIXINHO É” – aquele dito popular tantas vezes questionado por parecer preconceituoso, determinista, discriminador … contudo, aplica-se em muitas situações reais.
Costuma-se declarar que há momentos na vida em que se sente saudades daquilo que não se viveu. Essas raízes são profundas e quanto mais se revolve a terra, mais se aprofunda no real não experimentado, no real não vivido. Mas dele ficam lembranças tatuadas nos corpos de cada um.(TBT eterno)
MILLE E NOVECENTO Lorenzzo vai ao Jardim Municipal entregar verduras nas casas do Centro e depois levará, com o pai, a lenha pelas descidas até a Fazenda da Caveira. Tem 8 anos, não sabe ler nem escrever, não tem sapatos e vive de “ameia”, com seus pais e seus quatro irmãos. São netos de italianos e na Colônia são pioneiros no cultivo de alcachofras – aquela flor que se come. A mãe e as tias querem ter umas vaquinhas de leite para fazer queijos, manteiga e vender no Centro. Tudo é difícil. Não sobram moedas nas mãos. Pagam o que comem. Trabalham desde antes de clarear o dia até o escurecer. O Jardim Municipal é cheio de árvores, o chão é de terra batida. A charrete segue. O dia segue. O trabalho segue.
O LATÍCÍNIO E A SERICICULTURA O Jardim Municipal empresta valor aos negócios. Os Fords Bigodes dos donos de negócios estacionam suas compras e vendas ali. Usam chapéus, bengalas e polainas. A cidade é fria; as noites, geladas. Dorme-se cedo. Casa-se cedo. Tem-se filhos cedo. Cedo se envelhece. Cedo se morre. Empregam-se colonos italianos, mateiros, e, as primeiras moças. A sericicultura seleciona mãos de seda para lidar com o bicho-da-seda. As filhas de Lorenzzo se empregam. A cidade começa a crescer em vilas, pelas estradas de terra. Dom Pedro II estivera em Barbacena, anos antes, inaugurando a Estação. A Estrada de Ferro Central do Brasil se apresenta. O Jardim Municipal tem macacos nas árvores, bichos-preguiça e nuvens escondidas entre elas. Faz frio na cidade. O sol no Campo das Vertentes queima ao meio-dia e venta muito por becos, subidas e descidas.
A FÁBRICA DE TECIDOS A cidade de Barbacena “muito nobre e leal” recebia a Companhia de Fiação e Tecelagem Barbacenense, CFTB, com o traço do inglês Tom Pilkington. Barbacena deixava seus ares monárquicos e adquiria ares republicanos. Sem conhecimento técnico, uns iam aprendendo com os outros e a Tecelagem com know-how inglês prosperava. O bairro São José passou a ser nomeado popularmente como o Alto da Fábrica. A CFTB passou a ser considerada a melhor das Minas Gerais. As netas e netos de Lorenzzo estimavam um futuro promissor. Iam ao cinema, ao Bar Colonial, faziam footing na Praça e se casariam logo. Ali surgiu um PRIMEIRO movimento operário, em 1924, contra um técnico, vindo de São Paulo, não acostumado ao tom inglês como eles eram tratados na CFTB. (Consta que queria tratar os operários na chibata). Paralisaram as máquinas. Foram atendidos e receberam pelos dias parados. Tom Pilkington distribuiu sementes de algodão aos funcionários, estimulando a produção de matéria-prima. O governo brasileiro, protetor dos fazendeiros, não gostou do crescimento do movimento operário, nem das ideias do inglês. Meses depois, foi afastado do cargo e desapareceu. Ninguém mais soube dele. A CFTB murchou e em 1930 surgia ali a Companhia Têxtil Ferreira Guimarães, em outros moldes.
Cessando as águas adivinho teu volume gracioso Rumo às rimas pobres, ricas, preciosas em mim rumo a ti
Estarás oráculo Não sei Estarás mouco Não sei Estarás amigo-eterno Não sei
De há muito não te visito Meu ribeirão-rio Meu Tejo mineiro.
RIOS RUMAM
rio companheiro sento-me aqui junto a ti para te ouvir para me ouvir às margens à margem medito sobre nada medito sobre tudo silencio comovida acompanho-te menina absorvo-te ave escuto-te flor observo-te nuvem estamos nós estamos sós eu e tu revelo-te meus sentimentos nesse olhar entrego-te meu coração nesse sorriso
ORÁCULO
Sabes que te espero nas pedras Adormeço no teu caminhar Durmo com teu murmúrio solenemente fértil
Ah fosse eu pedra limada De verdes musgos vestida De sedutoras águas umedecida
Ah fosse eu pedra tua Meu rio de fundo de quintal Oráculo de minhas angústias
Cala-me que te ouço Cala-me e aconselha-me
Sou pedra verde Estou aqui Sou tua.
OUVE A ÁGUA
Ouve Espera Ouve Ouve fora Ouve dentro Ouve o silêncio Ouve o murmúrio Ouve o soluço Ouve a súplica Ouve Para e ouve A água de dentro de você
Durante anos viu naquela passarela de perfumes urbanos a imagem que lhe fascinava. Talvez a tivesse conhecido em outros tempos ou em outras vidas. Não sabia. Mas aquela casa a atraía de forma enigmática. Mais do que isso. Sentia sempre a vontade de retornar, de ficar admirando seu exterior e adoçando sua imaginação sobre quem viveria ali. Por que cultivava tamanha beleza durante anos? Por que mantinha aquele telhado florido como um refúgio para proteger-se do mal, da falta de sol, da ausência de cores, da carência de amores…
Ficava ali, adivinhando quem cultivaria aquela beleza. Não poderia ser alguém insensível, embrutecido, sem paixões. Não, não poderia mesmo.
Nunca ninguém se mostrava, nunca ninguém via morador. Nada. Um carro, às vezes. O mistério da casa florida estava delineado.
Arriscando toda sorte de falsas interpretações, enquanto fotografava a casa, Lia inqueriu um vizinho, em casa mais à frente. Perguntou quem morava ali, se tinha família, quem era, afinal. Não poderia continuar sempre desejando conhecê-lo, falar com ele, sentir-lhe as sensibilidades … tinha que ir em frente.
O vizinho, ressabiado, talvez julgando mal o questionamento de Lia, deu-lhe pistas vagas. Morava ali um homem solteiro. Viajava muito, pouco ficava na casa, mas havia um rapaz que morava num cômodo contíguo e cuidava dos jardins. O dono mesmo pouco se via. Lia insistiu em saber mais, parecia ter com aquela casa uma atração inequívoca. Mas o vizinho disse-lhe que mais não sabia. Se quisesse mais detalhes, fosse até lá falar com o rapaz caseiro, cuidador dos jardins.
Lia não era invasora de intimidades. Por tantas vezes mais ainda foi até a casa, ficou admirando-a, na esquina, meio escondida atrás de umas bananeiras que por lá havia, mas jamais atropelou o destino. Não se impôs ao morador.
Ainda hoje, passados anos, Lia se encanta com a casa florida. Florida de paixão. Vermelha.
Texto: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal: Bairro do Campo, Barbacena, MG
NO MEIO DO CAMINHO No meio do caminho tinha uma goiabeira estaciono rodas e pernas desço dos anos sexagenários bebo ali jovialidades muitas sou hábil escaladora goiabeiras eternas em mim viajo por sobre seu tronco viajo em seus galhos avisto céus e mares nunca dantes navegados repouso meu cerne em frutas vermelhas abro-as com mãos sujas liberto invasores branquinhos com um peteleco saboreio uma depois mais uma. Outra aventura me navega no tempo fico quieta na nau ouço pássaros o tucano avisa de sua presença não se mostra tenho que adivinhá-lo tucano ou gente tenho que adivinhá-lo. Ah, quanto de aventura há em um pé de goiabas! Não esqueci o prazer das goiabeiras não temerei de posse de meu escudo nas aventuras a bengala-apoio nas caminhadas longas como uma lança me lança sou arqueira em goiabeiras trago suas goiabas em poucos minutos… Na boca, o prazer dos dez anos nos ouvidos, o canto dos bem-te-vis nas mãos que sentem, o lirismo.
Olhar pelo retrovisor os momentos vividos, encantar-se, rir, rir muito, ao se saborear de novo aqueles prazeres todos, de forma semelhante àquela anterior. Meu ídolo sempre foi TOSTÃO, o Tostãozinho do Cruzeiro – como dizia meu pai, botafoguense de Garrincha e Nílton Santos, mas cruzeirense por Tostão, Dirceu Lopes, o Dirceuzinho – embora gostasse muito do Piazza e até do atleticano Toninho Cerezo.
FUTEBOL, A MENINA, A TRAVESSIA
Cresci numa Vila Operária, no RJ. Meu pai era um dos sócios-fundadores do Vila Nova Atlético Clube. Meu irmão mais velho jogou lá e era excelente centro-avante, pra alegria de nosso pai. Meu irmão mais novo também, décadas depois, foi centro-avante do dente-de-leite do Grajaú Tênis Clube. Meu pai era botafoguense doente, mas crítico. Ouvíamos, sim ouvíamos, jogos pelo rádio. Meu pai xingando, sem palavrões, mas xingando os jogadores por prenderem a bola, serem egoístas, não oferecerem assistência aos demais, ficarem duelando entre si pela artilharia etc. e principalmente por se atirarem ao chão, frente a um perigo na área de gol, por qualquer motivo, os catimbeiros de plantão. Vivia reclamando dos indisciplinados, “não sabem que jogo é equipe, meu Deus” – protestava ele. E quando a televisão passou a mostrar jogos, tirava-lhe o som. Gostava era dos clássicos narradores de rádio “parece que a gente está no estádio com eles, televisão não tem emoção.” Ou ainda “para de falar mentira, a gente tá vendo o jogo, não foi isso que aconteceu” e, bravo, contestava.
Meu pai gostava de ir ao Maracanã e assistir ao jogo na Geral. Se pudesse, iria a todos. Até o dia em que o Botafogo perdeu um Campeonato para o Vasco da Gama. Triste e solidário, arranjou uma forma de ir ter com os jogadores nos vestiários. Chocado ficou ao vê-los alegres rindo, sem se incomodarem com aquela derrota. Meu pai NÃO ERA profissional do futebol, NÃO ERA boleiro, NÃO RECEBIA por aquilo, portanto sofria, era torcedor, UM SOFREDOR. Essas diferenças, com o avanço dos patrocínios de empresas e o domínio dos cartolas, foram corroendo o FUTEBOL maiúsculo que ele amava.
Eu, mocinha, 16 anos, me apaixonei por TOSTÃO. (Meu amor por George Harrison tinha dado em nada. Londres ficava muito longe. Melhor amá-lo, com os Beatles, por suas canções, então.) Passei a ver todos os jogos do meu Eduardo Gonçalves de Andrade, colecionar fotos dele – substituindo as de George – a saber tudo de sua vida. (Meu irmão Odecio fazia piada com isso “quer saber de Seleção, de Tostão, pergunte a Doni, ela sabe tudo”.) Nem me incomodava com o fato de estar noivo. Era gamada em seu andar em campo, com passinhos miúdos, no pique que tinha para correr, admirava as assistências que dava aos parceiros e, principalmente sua inteligência, sua visão de campo, olhos de lince talvez. Anos mais tarde, o descolamento de retina … hoje, é doutor TOSTÃO e cronista de futebol.
Na Copa de 70, torcia pelo Brasil, mas sobretudo pelo meu TOSTÃO. No Rio, enfeitávamos as ruas, assistíamos aos jogos em turmas grandes. A final, por exemplo, vi no Colégio, no Grajaú, numa TV no pátio. Torcer junto era MUITO BOM.
Cheguei a ir a estádios 3 vezes. A primeira vez, em tempos de USP, creio em 1975/76, numa noite de 4ª feira, fui ao Morumbi com colegas da faculdade. Outras vezes fui ver o Santos jogar no Estádio da Vila Belmiro, grávida e tudo. Fui professora de 2 jogadores que depois ficaram famosos no Santos. Um deles filho do Pepe. E fui vê-los jogar no Morumbi também. O mais bonito do estádio – para mim – são as TORCIDAS. Fascinantes em cantos, loas, gritos, ovações, coloridos e PAIXÃO.
Hoje não vejo jogos mais, e faz muitos anos, uns 10. Já fiz promessas em Copas, já roguei ao meu pai, de lá onde está, que ajudasse o Brasil etc. Mas hoje futebol, no meu ponto de vista, tornou-se negócio apenas. Creio que a maioria de nossos jogadores NÃO VALE UM TOSTÃO!
LÍRICA I … em passos ágeis salto da cama é de sonhos que meu dia sabe Quando eu corro pelas matas verdes é vida que meus pés sentem Quando eu subo na goiabeira e lá permaneço é de prazeres que minha boca fala Quando eu vislumbro o longe-longe é facho, é alvo, é meta Quando na infância bebo verdes é de alegrias que me embebedo…
LÍRICA II … saio da casca e me abro em gemas sou duas Alimento-me da clara do ovo É pouco, absorvo o ar dos tempos aprendo com o novo sou soma do coletivo Sou parte. Leio as páginas do mundo maravilho-me com o saber maravilho-me com os saberes Sinto nas peles.
LÍRICA III … nesse momento estou de pé é resumo de lutas travadas é soma de amores bebidos é síntese de travessias quantas Sou inteira. Sinto na parte as dores do todo as mazelas de tantos as alegrias de muitos a comunhão dos sonhos civis na confluência de todos os tempos na confluência de todos os saberes na confluência de todos os amores Sou eu.
Poesias: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal: Minhas primaveras, não sabendo que lhes deram esse nome, florescem o ano todo e adoram as chuvas