Nas noites de lua cheia …

ENLUARADAMENTE
A LUA sabe e cabe
o lábio dorme e acorda
a luz brilha no éter
numas e ninfas dançam
uma luz no cosmos
lua em traje de gala
véus diáfanos voam
uma nuvem abraça a lua
o lume alumia a noite seca
o lume entorna tinta na nuvem
a lua brinca
a lua brinda
a noite aplaude
a lua se mostra luz
há estrelas no compasso
há celebração no firmamento
a lua deixa cair seus véus
A LUA se mostra inteira

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal (lua de fevereiro de 2021)

Guardanapo do “Eu me chamo Antônio”

Vídeo: Canal Odonir Oliveira

Elegias II

A elegia é um gênero poético caracterizado mais pela temática do que por uma estrutura formal, tendo como assuntos principais a tristeza dos amores interrompidos pela morte ou pela infidelidade. As primeiras elegias apresentavam uma métrica específica, com emprego de dísticos formados de versos hexâmetros. Contudo, a elegia pode ser desenvolvida em versos livres, mas sempre reconhecida em virtude de sua temática peculiar.
No século XVI, a elegia tornou-se um dos gêneros poéticos mais populares. Embora Sá de Miranda tenha sido o primeiro escritor português de elegias, foi Luís de Camões o principal representante do gênero, autor de quatro elegias consideradas as melhores escritas em língua portuguesa No Brasil, Drummond e Bandeira escreveram belas elegias.

CORAÇÃO ESPATIFADO
Tenho meu coração em frangalhos hoje
Tenho meu peito carregado como a explodir
Tenho meu país em sangue a gangrenar
Tenho uma vontade enorme de deitar em seus braços e chorar
Compulsivamente. Convulsivamente.
De lhe pedir que negue que o que vejo é o real.
Tenho uma vontade imensa de buscar compreensão
para o quê, sozinha, não consigo.
Sou pesar, ódio, reação e medo.
Nunca estive tão só em meu país !

Elegia 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

Carlos Drummond de Andrade

Autores: Péricles Cavalcanti e Augusto de Campos, a partir de poema de John Donne (sec. XVII)

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Tiago Botelho

2- Canal Eduardo Menezes

3- Canal Pericles Cavalcanti

“Doces venenos”

DROGAS, ESCONDERIJO
Eu sofro
Ele sofre
Eles sofrem
Refugio-me em estrelas
Refugia-se em álcool
Refugiam-se em narcóticos
Tenho força na ida e na volta
Tem força na ida, não na volta
Têm força na ida, não voltam
Bebo sol e lua
Bebe álcool
Bebem jogos, drogas
Vivo
Morre aos poucos
Morrem.

A DOR DAS PERDAS
Menino argentino, 8 anos, perdera a mãe por complicações pós-parto na Alemanha. Uma menina recém-nascida, outro irmãozinho começando a andar. O pai solo, engenheiro, em empresa internacional, tem 3 crianças no colo. Vive um tempo por lá, depois retornam a seu país de origem. Anos mais tarde estão todos vivendo no Brasil.
Um colo vazio de mãe, um pai tentando suprir a carência materna, afetivo, romântico, atencioso. A menina já tem 6 anos. Não chegara a conhecer a mãe, morta em seguida a seu nascimento. O menino do meio, inteligente, sensível, aprecia música, toca flauta doce. O mais velho exímio em Matemática, em línguas estrangeiras, escreve bem, é lindo.
As garotas se apaixonam por aquele jovem de 14 anos. Ele, como se não sentisse amores, tem um vazio existencial profundo. Nada o completa. Gosta de rock, gosta de esportes. Desafia o mundo em atitude, em posicionamentos. Conhece primeiro a maconha. O pai descobre, conversa com ele, quer saber por quê. O filho ama o pai, não responde, não desacata. Sofre.
O pai, exercendo seu pátrio poder, vende tudo e leva a família toda de volta à Argentina. O menino promete voltar quando for maior de idade. Cursa engenharia em universidade pública por lá. Mas abandona tudo e volta ao Brasil. A namoradinha que o amava já não o ama mais.
Começa a trabalhar numa loja de roupas na rua frequentada pela elite. Vai a um show do RATOS DE PORÃO. Volta para o apartamento e se atira do alto, sem noção da quantidade de droga ingerida naquele show. Morre aos 20 anos. Seu pai vai da Argentina ao Brasil acompanhar sua cremação. Leva as cinzas do filho de volta consigo.

COMPETIÇÕES INTERNAS
Filho mais velho de psicopedagogo e psicóloga, ambos de reconhecido valor acadêmico, renomados, tem uma irmã menor. Cresce cheio de personalidade. Mantido em escolas que se pretendem abertas, modernas, interessadas pelas individualidades dos alunos. O jovem não se enquadra em nenhuma. Sempre calado, mas disposto a agredir professores e colegas com comentários debochados, irônicos. É inteligente, crítico, mas se mostra visivelmente à margem por ver em si alguma inferioridade frente aos demais colegas. Não se mostra afetivo com professores. Rejeita qualquer autoridade. Foi capaz de se envolver em um incêndio na escola – rapidamente debelado. É flagrante sua carência de afeto, talvez por si mesmo, por reconhecer-se com algum valor.
Alertados, os pais, pessoas estudiosas de psicologia, tentam várias alternativas com o rapaz. Nada dá certo. Abandona os estudos. Inicia-se nas drogas.
Anos depois, a partir de algum tratamento, o pai declara que ele manifesta o desejo de voltar a estudar. Contata para isso a professora por quem ele tinha certa afeição. Não mais a procura depois.
O rapaz havia morrido, instantaneamente, numa batida de automóvel, perseguido por traficantes que lhe cobravam dívidas. Não tinha mais de 20 anos.

Na década de 1990, os alunos de um colégio particular em São Paulo fizeram a leitura do livro “DOCES VENENOS”, de Lídia Rosemberg Arantangy, de 1991. A professora de Biologia, na época, debatia com eles os efeitos das drogas ( ilícitas e das lícitas também). Encenaram, em ATO ÚNICO uma peça, em cujo final os alunos gritavam “A MELHOR DROGA DE TODAS É O AMOR!”. Fiz cursos em Escolas Públicas sobre drogas, como o PROERD. Aprendi muito e observei, muito de perto também, as causas e as consequências do uso de drogas.

Leia também:

2018: “João Gordo fala sobre mudança de estilo de vida. Não morri nem sei por quê”

https://revistaquem.globo.com/QUEM-News/noticia/2018/06/joao-gordo-fala-sobre-mudanca-de-estilo-de-vida-nao-morri-nem-sei-por-que.html

2021: “João Gordo sobre vida regrada: Hoje sou completamente careta”

https://revistaquem.globo.com/Entrevista/noticia/2021/02/joao-gordo-sobre-vida-regrada-hoje-sou-completamente-careta.html

Textos: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Paul Barton

De geração para geração …

O GALO, A GALINHA E OS PINTINHOS

A galinha e o galo geram pintinhos que seguem seus exemplos.

O homem não assumiu a função de pai, nem afetiva nem economicamente. Quando vinha para casa, chamava com voz grave o filho, já rapazinho, para lhe descalçar os sapatos, coçar-lhe os pés. Enquanto isso acontecia, debochava do filho, com piadas sobre sua inteligência e apontava a filha com desdém  “aquela não vai dar pra estudo nada; o que ela sabe fazer bem é só xixi”. Depois constituiu outra família na mesma cidade, concomitantemente à original. Deixava de prover e de cumprir com suas responsabilidades de pai, vinha em casa para dormir com a mãe de seus 2 filhos – e teve com ela mais 2 outros depois. Quando questionado sobre sua vida “dupla”, encolerizava-se, dizia que ninguém sabia nada de sua vida privada, que ninguém tinha nada a ver com a sua vida etc.

Filhos menores crescendo, nenhum provimento para seus estudos, nada. Quando visitava a família trazia acepipes de estrada, muitas vezes exageradamente creditados na conta de suas ausências. Pedia dinheiro emprestado a irmãos e não pagava, embora pudesse fazê-lo. Era fanfarrão, proseador e “garganta”, mitômano por excelência. Vendia-se caro. Seus filhos aprenderam modelos que pregavam “levar vantagem em tudo”, “levar tudo de graça”, bajular para obter favores e ganhos etc. Falsidade no DNA. Desfaçatez robusta em ações de hipocrisia triviais, com normalidade.

Os pintinhos, embora também seguissem a “galinha ruiva”, trabalhadeira etc.  mostravam-se completamente cópias em carbono do pai. Uma filha só se relacionava com gente que tivesse muito dinheiro “afinal, tudo gira em torno do dinheiro”. Sempre pedindo alguma coisa, sem gostar de pagar pelo que usufruía. Gostava de receber “tudo na faixa”. Apesar de discurso de hight society, era garganta como o pai. O filho vivia das amizades interessadas e do que podiam render a ele. “Cada um tem é que se virar, eu defendo o meu”. A filha mais velha casou-se tardiamente e o marido, sem corresponder a nenhum dos seus requisitos para um homem, servia de office boy para ir e vir fazendo favores no mercado, na padaria etc. Sem dinheiro que pudesse colaborar em casa, foi convidado a ir morar com familiares e só voltar a casa para as compras, os pagamentos etc. e com o dinheiro da esposa. Quando questionada sobre a duração desse casamento, respondia que não abria mão da pensão que ele deixaria – fumante in extremis – “É pouca, mas é minha, não separo por isso”. O outro lado, cinicamente, não revelava, mas pensava da mesma forma.

As hipocrisias conjugais e até com os amigos impossibilitam que se viva de forma humanista (e cristã até). Dessa forma, abraçarem negacionismos, fake news, empulhações de diversas origens torna-se consequência natural.

“FILHO DE PEIXE PEIXINHO É” – aquele dito popular tantas vezes questionado por parecer preconceituoso, determinista, discriminador … contudo, aplica-se em muitas situações reais.

Texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal: juá bravo e tóxico

Vídeo: Canal Elis Regina – Tópico

Do Jardim Municipal à Praça dos Andradas

Costuma-se declarar que há momentos na vida em que se sente saudades daquilo que não se viveu. Essas raízes são profundas e quanto mais se revolve a terra, mais se aprofunda no real não experimentado, no real não vivido. Mas dele ficam lembranças tatuadas nos corpos de cada um.(TBT eterno)

Este é um documento histórico, aquarela sobre papel de 1820, de Henry Chamberlain retratando Barbacena. Época que corresponde ao período colonial no reinado de Dom João VI (Henrique Sergio Diascacciati)

MILLE E NOVECENTO
Lorenzzo vai ao Jardim Municipal entregar verduras nas casas do Centro e depois levará, com o pai, a lenha pelas descidas até a Fazenda da Caveira. Tem 8 anos, não sabe ler nem escrever, não tem sapatos e vive de “ameia”, com seus pais e seus quatro irmãos. São netos de italianos e na Colônia são pioneiros no cultivo de alcachofras – aquela flor que se come. A mãe e as tias querem ter umas vaquinhas de leite para fazer queijos, manteiga e vender no Centro. Tudo é difícil. Não sobram moedas nas mãos. Pagam o que comem. Trabalham desde antes de clarear o dia até o escurecer.
O Jardim Municipal é cheio de árvores, o chão é de terra batida. A charrete segue. O dia segue. O trabalho segue.

A ESTRADA BARBACENA-IBERTIOGA, MG. Em 1914, foi organizada no então distrito de Ibertioga, a Companhia Auto viação Sudoeste Mineira, uma iniciativa que partiu de fazendeiros, sitiantes, em especial os laticinistas, não só de Ibertioga, como de Madre de Deus de Minas, Piedade do Rio Grande, Santa Rita e outras localidades que precisavam facilitar o escoamento da sua produção. A Companhia era aberta e a venda de ações a estratégia para reunir o capital necessário para a obra. Na história da região é recorrente a ausência dos governos, sejam eles monárquicos ou republicanos, quando se trata de estradas. Foi assim, na Colônia, quando Garcia Rodrigues Paes abriu o Caminho Novo com recursos próprios. Foi assim no Império quando o barbacenense Mariano Procópio Ferreira Lage organizou a Companhia União e Indústria que construiu, a partir de 1856, uma estrada carroçável ligando Barbacena a Petrópolis. Registro do primeiro ônibus adquirido (Foto e texto de Edson Brandão).
Fábrica de Laticínios Roza da região de Barbacena. Na realidade pelas informações pertencia a área de Sítio (Antonio Carlos) mas região de Barbacena. Foi uma das Indústrias de laticínios das mais famosas de Minas Gerais. Foto datada de 1900 e fotógrafo não informado.
Em 2 de fevereiro de 1886, PROGRAMMA AVISADOR. A Fábrica de Laticínios Roza da região de Barbacena. Foi uma das Indústrias de laticínios das mais famosas de Minas Gerais.

O LATÍCÍNIO E A SERICICULTURA
O Jardim Municipal empresta valor aos negócios. Os Fords Bigodes dos donos de negócios estacionam suas compras e vendas ali. Usam chapéus, bengalas e polainas. A cidade é fria; as noites, geladas. Dorme-se cedo. Casa-se cedo. Tem-se filhos cedo. Cedo se envelhece. Cedo se morre.
Empregam-se colonos italianos, mateiros, e, as primeiras moças. A sericicultura seleciona mãos de seda para lidar com o bicho-da-seda. As filhas de Lorenzzo se empregam. A cidade começa a crescer em vilas, pelas estradas de terra. Dom Pedro II estivera em Barbacena, anos antes, inaugurando a Estação. A Estrada de Ferro Central do Brasil se apresenta. O Jardim Municipal tem macacos nas árvores, bichos-preguiça e nuvens escondidas entre elas. Faz frio na cidade. O sol no Campo das Vertentes queima ao meio-dia e venta muito por becos, subidas e descidas.

Foto inédita enviada gentilmente por Sonia Raso,  fábrica de veículos e ônibus Ford em Barbacena, construídos artesanalmente. Desta mesma fábrica oferecendo vendas oriundas de São Paulo, de modelos Doublé Phaeton (5 lugares), Voiturette (Baratinha) 2 lugares, caminhões para uma tonelada, Coupelet com 2 lugares e partida automática e Limusine 5 lugares. Local: R. Sena Figueiredo (antes Ladeira Tiradentes)

A FÁBRICA DE TECIDOS
A cidade de Barbacena “muito nobre e leal” recebia a Companhia de Fiação e Tecelagem Barbacenense, CFTB, com o traço do inglês Tom Pilkington. Barbacena deixava seus ares monárquicos e adquiria ares republicanos. Sem conhecimento técnico, uns iam aprendendo com os outros e a Tecelagem com know-how inglês prosperava. O bairro São José passou a ser nomeado popularmente como o Alto da Fábrica. A CFTB passou a ser considerada a melhor das Minas Gerais. As netas e netos de Lorenzzo estimavam um futuro promissor. Iam ao cinema, ao Bar Colonial, faziam footing na Praça e se casariam logo.
Ali surgiu um PRIMEIRO movimento operário, em 1924, contra um técnico, vindo de São Paulo, não acostumado ao tom inglês como eles eram tratados na CFTB. (Consta que queria tratar os operários na chibata). Paralisaram as máquinas. Foram atendidos e receberam pelos dias parados. Tom Pilkington distribuiu sementes de algodão aos funcionários, estimulando a produção de matéria-prima. O governo brasileiro, protetor dos fazendeiros, não gostou do crescimento do movimento operário, nem das ideias do inglês.
Meses depois, foi afastado do cargo e desapareceu. Ninguém mais soube dele. A CFTB murchou e em 1930 surgia ali a Companhia Têxtil Ferreira Guimarães, em outros moldes.

Tecelagem Ferreira Guimarães funcionou até 2013 (foto de Wagner Rocha, 2012)
Bar Colonial
Praça dos Andradas, 1950
Praça dos Andradas, 2021

Leia aqui no blog: “Tecendo o amanhã”https://poesiasdemaosquesentem.wordpress.com/2017/02/15/tecendo-o-amanha/ “Tecendo sedas”- https://poesiasdemaosquesentem.wordpress.com/2020/05/05/tecendo-sedas/

Textos: Odonir Oliveira

Fotos em P/B: Facebook BarbarasCenas

Fotos coloridas de arquivo pessoal

Vídeo: Canal A melhor música instrumental

Idílios ribeirinhos

NA VEREDA

Cessando as águas
adivinho teu volume gracioso
Rumo às rimas
pobres, ricas, preciosas em mim
rumo a ti

Estarás oráculo
Não sei
Estarás mouco
Não sei
Estarás amigo-eterno
Não sei

De há muito não te visito
Meu ribeirão-rio
Meu Tejo mineiro.

RIOS RUMAM

rio companheiro
sento-me aqui junto a ti
para te ouvir
para me ouvir
às margens
à margem
medito sobre nada
medito sobre tudo
silencio comovida
acompanho-te menina
absorvo-te ave
escuto-te flor
observo-te nuvem
estamos nós
estamos sós
eu e tu
revelo-te meus sentimentos nesse olhar
entrego-te meu coração nesse sorriso

ORÁCULO

Sabes que te espero nas pedras
Adormeço no teu caminhar
Durmo com teu murmúrio solenemente fértil

Ah fosse eu pedra limada
De verdes musgos vestida
De sedutoras águas umedecida

Ah fosse eu pedra tua
Meu rio de fundo de quintal
Oráculo de minhas angústias

Cala-me que te ouço
Cala-me e aconselha-me

Sou pedra verde
Estou aqui
Sou tua.

OUVE A ÁGUA

Ouve
Espera
Ouve
Ouve fora
Ouve dentro
Ouve o silêncio
Ouve o murmúrio
Ouve o soluço
Ouve a súplica
Ouve
Para e ouve
A água de dentro de você

Leia também aqui no blog:

“Rios rimam, rios rumam”

Rios rumam, rios rimam

“O rio e eu”

O rio e eu

“Rios e ruas”

Rios e ruas

“N(A) terceira margem do rio: a de dentro”

(N)A terceira margem do rio: a de dentro

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1-2- Canal Odonir Oliveira

3- Canal Mundo Dos Poemas

A casa florida

A CASA FLORIDA

Durante anos viu naquela passarela de perfumes urbanos a imagem que lhe fascinava. Talvez a tivesse conhecido em outros tempos ou em outras vidas. Não sabia. Mas aquela casa a atraía de forma enigmática. Mais do que isso. Sentia sempre a vontade de retornar, de ficar admirando seu exterior e adoçando sua imaginação sobre quem viveria ali. Por que cultivava tamanha beleza durante anos? Por que mantinha aquele telhado florido como um refúgio para proteger-se do mal, da falta de sol, da ausência de cores, da carência de amores…

 Ficava ali, adivinhando quem cultivaria aquela beleza. Não poderia ser alguém insensível, embrutecido, sem paixões. Não, não poderia mesmo.

Nunca ninguém se mostrava, nunca ninguém via morador. Nada. Um carro, às vezes. O mistério da casa florida estava delineado.

Arriscando toda sorte de falsas interpretações, enquanto fotografava a casa, Lia inqueriu um vizinho, em casa mais à frente. Perguntou quem morava ali, se tinha família, quem era, afinal. Não poderia continuar sempre desejando conhecê-lo, falar com ele, sentir-lhe as sensibilidades … tinha que ir em frente.

O vizinho, ressabiado, talvez julgando mal o questionamento de Lia, deu-lhe pistas vagas. Morava ali um homem solteiro. Viajava muito, pouco ficava na casa, mas havia um rapaz que morava num cômodo contíguo e cuidava dos jardins. O dono mesmo pouco se via. Lia insistiu em saber mais, parecia ter com aquela casa uma atração inequívoca. Mas o vizinho disse-lhe que mais não sabia. Se quisesse mais detalhes, fosse até lá falar com o rapaz caseiro, cuidador dos jardins.

Lia não era invasora de intimidades. Por tantas vezes mais ainda foi até a casa, ficou admirando-a, na esquina, meio escondida atrás de umas bananeiras que por lá havia, mas jamais atropelou o destino. Não se impôs ao morador.

Ainda hoje, passados anos, Lia se encanta com a casa florida. Florida de paixão. Vermelha.

Texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal: Bairro do Campo, Barbacena, MG

Vídeo: Canal Música de Interior

Aventuras eternas

NO MEIO DO CAMINHO
No meio do caminho
tinha uma goiabeira
estaciono rodas e pernas
desço dos anos sexagenários
bebo ali jovialidades muitas
sou hábil escaladora
goiabeiras eternas em mim
viajo por sobre seu tronco
viajo em seus galhos
avisto céus e mares
nunca dantes navegados
repouso meu cerne em frutas vermelhas
abro-as com mãos sujas
liberto invasores branquinhos
com um peteleco
saboreio uma
depois mais uma.
Outra aventura me navega no tempo
fico quieta na nau
ouço pássaros
o tucano avisa de sua presença
não se mostra
tenho que adivinhá-lo tucano ou gente
tenho que adivinhá-lo.
Ah, quanto de aventura
há em um pé de goiabas!
Não esqueci o prazer das goiabeiras
não temerei
de posse de meu escudo nas aventuras
a bengala-apoio nas caminhadas longas
como uma lança me lança
sou arqueira em goiabeiras
trago suas goiabas em poucos minutos…
Na boca, o prazer dos dez anos
nos ouvidos, o canto dos bem-te-vis
nas mãos que sentem, o lirismo.

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Gilberto Gil

Não vale um Tostão!

Olhar pelo retrovisor os momentos vividos, encantar-se, rir, rir muito, ao se saborear de novo aqueles prazeres todos, de forma semelhante àquela anterior. Meu ídolo sempre foi TOSTÃO, o Tostãozinho do Cruzeiro – como dizia meu pai, botafoguense de Garrincha e Nílton Santos, mas cruzeirense por Tostão, Dirceu Lopes, o Dirceuzinho – embora gostasse muito do Piazza e até do atleticano Toninho Cerezo.

FUTEBOL, A MENINA, A TRAVESSIA

Cresci numa Vila Operária, no RJ. Meu pai era um dos sócios-fundadores do Vila Nova Atlético Clube. Meu irmão mais velho jogou lá e era excelente centro-avante, pra alegria de nosso pai. Meu irmão mais novo também, décadas depois, foi centro-avante do dente-de-leite do Grajaú Tênis Clube. Meu pai era botafoguense doente, mas crítico. Ouvíamos, sim ouvíamos, jogos pelo rádio. Meu pai xingando, sem palavrões, mas xingando os jogadores por prenderem a bola, serem egoístas, não oferecerem assistência aos demais, ficarem duelando entre si pela artilharia etc. e principalmente por se atirarem ao chão, frente a um perigo na área de gol, por qualquer motivo, os catimbeiros de plantão. Vivia reclamando dos indisciplinados, “não sabem que jogo é equipe, meu Deus” – protestava ele. E quando a televisão passou a mostrar jogos, tirava-lhe o som. Gostava era dos clássicos narradores de rádio “parece que a gente está no estádio com eles, televisão não tem emoção.” Ou ainda “para de falar mentira, a gente tá vendo o jogo, não foi isso que aconteceu” e, bravo, contestava.

Meu pai gostava de ir ao Maracanã e assistir ao jogo na Geral. Se pudesse, iria a todos. Até o dia em que o Botafogo perdeu um Campeonato para o Vasco da Gama. Triste e solidário, arranjou uma forma de ir ter com os jogadores nos vestiários. Chocado ficou ao vê-los alegres rindo, sem se incomodarem com aquela derrota. Meu pai NÃO ERA profissional do futebol, NÃO ERA boleiro, NÃO RECEBIA por aquilo, portanto sofria, era torcedor, UM SOFREDOR. Essas diferenças, com o avanço dos patrocínios de empresas e o domínio dos cartolas, foram corroendo o FUTEBOL maiúsculo que ele amava.

Eu, mocinha, 16 anos, me apaixonei por TOSTÃO. (Meu amor por George Harrison tinha dado em nada. Londres ficava muito longe. Melhor amá-lo, com os Beatles, por suas canções, então.) Passei a ver todos os jogos do meu Eduardo Gonçalves de Andrade, colecionar fotos dele – substituindo as de George – a saber tudo de sua vida. (Meu irmão Odecio fazia piada com isso “quer saber de Seleção, de Tostão, pergunte a Doni, ela sabe tudo”.) Nem me incomodava com o fato de estar noivo. Era gamada em seu andar em campo, com passinhos miúdos, no pique que tinha para correr, admirava as assistências que dava aos parceiros e, principalmente sua inteligência, sua visão de campo, olhos de lince talvez. Anos mais tarde, o descolamento de retina … hoje, é doutor TOSTÃO e cronista de futebol.

Na Copa de 70, torcia pelo Brasil, mas sobretudo pelo meu TOSTÃO. No Rio, enfeitávamos as ruas, assistíamos aos jogos em turmas grandes. A final, por exemplo, vi no Colégio, no Grajaú, numa TV no pátio. Torcer junto era MUITO BOM.

Cheguei a ir a estádios 3 vezes. A primeira vez, em tempos de USP, creio em 1975/76, numa noite de 4ª feira, fui ao Morumbi com colegas da faculdade. Outras vezes fui ver o Santos jogar no Estádio da Vila Belmiro, grávida e tudo. Fui professora de 2 jogadores que depois ficaram famosos no Santos. Um deles filho do Pepe. E fui vê-los jogar no Morumbi também. O mais bonito do estádio – para mim – são as TORCIDAS. Fascinantes em cantos, loas, gritos, ovações, coloridos e PAIXÃO.

Hoje não vejo jogos mais, e faz muitos anos, uns 10. Já fiz promessas em Copas, já roguei ao meu pai, de lá onde está, que ajudasse o Brasil etc. Mas hoje futebol, no meu ponto de vista, tornou-se negócio apenas. Creio que a maioria de nossos jogadores NÃO VALE UM TOSTÃO!


Leia também: ”Vivendo numa vila operária” https://poesiasdemaosquesentem.wordpress.com/2020/07/18/vivendo-numa-vila-operaria/

Texto: Odonir Oliveira

Vídeos:

1- Canal Bruno Steinberg

2- Canal OGB

Quando eu …

LÍRICA I
… em passos ágeis salto da cama
é de sonhos que meu dia sabe
Quando eu corro pelas matas verdes
é vida que meus pés sentem
Quando eu subo na goiabeira e lá permaneço
é de prazeres que minha boca fala
Quando eu vislumbro o longe-longe
é facho, é alvo, é meta
Quando na infância bebo verdes
é de alegrias que me embebedo…

LÍRICA II
… saio da casca e me abro em gemas
sou duas
Alimento-me da clara do ovo
É pouco,
absorvo o ar dos tempos
aprendo com o novo
sou soma do coletivo
Sou parte.
Leio as páginas do mundo
maravilho-me com o saber
maravilho-me com os saberes
Sinto nas peles.

LÍRICA III
… nesse momento estou de pé
é resumo de lutas travadas
é soma de amores bebidos
é síntese de travessias quantas
Sou inteira.
Sinto na parte
as dores do todo
as mazelas de tantos
as alegrias de muitos
a comunhão dos sonhos civis
na confluência de todos os tempos
na confluência de todos os saberes
na confluência de todos os amores
Sou eu.

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal: Minhas primaveras, não sabendo que lhes deram esse nome, florescem o ano todo e adoram as chuvas

Vídeo: Canal Mundo Dos Poemas