Miguel Paiva: A gente tem que se olhar no espelho todas as manhãs e pensar naquilo do machismo estrutural que precisamos desconstruir, durante aquele dia. (Vídeo Canal 247)
O PRESIDENTE MOACIR
Moacir se casara ainda na faculdade com dona Dulce. Admirava sua força, suas leituras, seu companheirismo. Recebeu com ela grandes autores internacionais, grandes cabeças coroadas do mundo inteiro, pois que falavam vários idiomas, discutiam com embasamento os mais diversos temas a que se propunham a fazer. Moacir teve com Dulce 3 filhos.
Já adultos e independentes, apaixonou-se Moacir pela jornalista com quem se encontrava quase que diariamente. O discreto e dissimulado comportamento de Moacir não previa que, por acidente de percurso, a jornalista engravidasse.
Moacir fez com que a referida jornalista não se apresentasse a dona Dulce nunca, lhe explicava que jamais poderia ferir sua esposa e companheira por mais de quatro décadas.
Sumiu com a jornalista, Europa adentro, sumiu com fotos e quaisquer registros de sua existência no país. Dona Dulce soube, quis quebrar pratos, bater as portas, manifestar-se, indignar-se. Caiu, quebrou um braço, fez silêncio.
Anos depois, Moacir que sempre visitava o filho na Europa, descobriu que o rapazinho não era seu filho.
MOACIR, O FUNCIONÁRIO PÚBLICO
Naqueles anos de bossa-nova, tudo era novidade e moda libertária. Moacir tinha uma lista de mulheres que se dispunham a ouvir canções, jantar no centro da cidade, esticar a noite nas madrugadas de seu apartamento pequenino.
Dentre as muitas mulheres, estendeu braços, barba e bigode sobre uma casada. Dizia estar muito infeliz no casamento, relatando até certa violência do marido. Moacir passou a cobrir-lhe os lençóis com delicadezas, fazendo-a esquecer o próprio casamento. Moacir não se fixava em mulher alguma, parecia em dúvida se conseguiria isso algum dia. Pois aquela mãe de 2 filhos, como era de se esperar, apaixonou-se por todas aquelas delicadezas, afetividades e galanteios em cor-de-rosa, ou em vermelho grená talvez. Engravidou. Moacir jamais assumiu a paternidade do menino que nasceu. Continuava frequentando seu lar como convidado e tudo o mais, sem nunca ter-se deixado descobrir por outros como o verdadeiro pai da criança, nem pelo marido dela. Assim foi a vida inteira.
Quando mais de 40 anos depois, já viúva, quis contar ao filho, não lhe foi permitido. Moacir, consultou a quem desejava, e foi-lhe dito que o que aquela mãe estava querendo era se casar com ele, naquele momento. Não contaram nada ao filho.
Ela morreu logo depois.
MOACIR, O DISTRAÍDO
Dizem que quanto mais distraído, mais desligado da busca sexual, mais se consegue atrair interessados. Moacir gostava de fotografia, pintura, escultura, artes em geral. Sentia-se num visgo com as mulheres por sua casca, por seu invólucro, seu rótulo ou por sua etiqueta. Muitas vezes, parceiros de boteco, de futebol enumeravam qualidades de certas mulheres, e Moacir não reagia. Não queria aquelas que se posicionavam, mulheres cabeça, dedicadas aos filhos, aos maridos, a casa, nada disso aspergia visgo em Moacir.
Quando a turma indagava qual era, afinal, seu tipo preferido, dava de lado, fazia que não iria responder, quase como se fosse por discrição. Mas não era. Não podia aceitar se apaixonar por alguma mulher. Quanto mais repelente melhor. Não estava em busca de mãe, doméstica ou enfermeira. Para tanto, excitava-se com corpos plásticos, unhas plásticas, cabelos plásticos. Material descartável como copos de café, filtros de café, aparelhos de barbear, fio dental. Mulheres que não lhe oferecessem qualquer risco, qualquer desgaste. Moacir era muito distraído.
Textos: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
Vídeo: Canal Milton Nascimento