Sonhos revisitados, 30 anos depois

VENTOS QUENTES

Há uma bruma que me faz sorrir

é um prazer um tanto virtude
costurando lembranças quentes
por dentro de mim
Estou eu cheia de viço e desejos
gestando em mim
gestando em outros
vida
esperanças
rotas
rumos
projeções de futuros
confiança

Há uma bruma que me faz sorrir.

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NA ALDEIA DE CARAPICUÍBA

História do país,  índios, bandeiras, rumo ao ouro e às pedras preciosas  das Minas Gerais. Seguem os bandeirantes, laçando índios ao seu domínio, arrebatando-os de seus domínios.

Séculos nos separam desses desbravadores, escravizadores de índios. Liberdade, liberdades me atraem, me empurram, me impelem a chegar ali, desbravar aquele terreno marcado e fincar minha bandeira. A da educação.

Minha geração de educadores pensava em ir para as trincheiras sempre. Nossa militância era na ponta. Estudávamos, fazíamos especializações, mas não almejávamos mestrados e doutorados, carreira acadêmica. Isso começou muito depois de nós. Saíamos para o campo de batalha, a lutar junto aos nossos meninos e meninas nas escolas. Isso sim era imprescindível.

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OBSESSÃO

Sou obsessiva.
Sou obsessiva sim.
Tenho ideia fixa de justiça
Tenho ideia fixa de comprometimento.
Tenho ideia fixa de educação
Tenho ideia fixa de doação e entrega.
Não tenho receio de dor.
Não tenho medo de envolvimento.
Não tenho pavor de amor.
Minha obsessão por ensinar
seja a miúdos, maduros, graúdos
passa pelo ato de amar.
Não restrinjam minhas ações.
Não desprezem minhas veredas.
Não me imponham o silêncio covarde.
Não me limitem os braços e as pernas.
Não me amordacem o verbo.
Defendo meus aprendizes
como felina parida.
Não mexam com eles.
Não os ignorem
Não os maltratem.
Não os desprezem.
Somos raízes, mas também somos sementes.

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E.E.P.G. DA ALDEIA DE CARAPICUÍBA, SP- 1988

Em 1987, morando na Granja Viana escolhi, por concurso, a Escola Estadual de Primeiro Grau da Aldeia de Carapicuíba. Comentava-se por lá que a escola fora construída sobre cemitério indígena.

Alunos filhos de nordestinos, famílias muito pobres e sem instrução. Escola quase sem recursos, sem murais, sem aparelhos de TV e vídeo. Livros de literatura, sem serem lidos, sem catalogação – temiam que se extraviassem nas mãos dos alunos – empilhados numa saleta junto com o estoque de material de limpeza e de outros. Passei a me responsabilizar pelos livros, por seu  uso em salas de aula e por sua catalogação inclusive. Pensando em uma biblioteca circulante, quente, que viesse a ser aquecida pelas mãos dos alunos.

Em 1988, escrevi uma proposta à Direção e, em seguida, à Delegacia de Ensino de Carapicuíba e Itapevi, expondo a necessidade de criarmos já na 4ª série (5º ano hoje), aulas com professoras diferentes, por disciplinas, como as teriam a partir da 5ª série, facilitando a transição e a adaptação. Procurei ser bastante convincente nas justificativas  então – até porque isso já acontecia em escolas privadas etc. Foi aprovada. Assim, coube a mim lecionar Língua Portuguesa para as  três 4ªs séries. Além disso tinha aulas na 6ª  e 7ª séries na mesma escola.

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Contando com o reconhecimento da diretora ao meu trabalho, pude apresentá-lo em encontros na Secretária do Estado da Educação e, por fim, ter minhas aulas como as escolhidas para o Projeto Ipê de Língua Portuguesa do ano de 1988, pelo governo do estado de SP – que seria gravado e editado pela equipe da TV Cultura e apresentado para toda a rede estadual de ensino, dentro de encontros e discussões com professores e equipes da educação, durante um ano. Posteriormente também pela TVE.

Depois disso, gravamos outros programas para a TV Cultura sobre lições de casa e temas diversos. Meus alunos se sentiam muito importantes ao se verem em uma rede de televisão. E mais do que isso por se saberem agentes do próprio conhecimento.

Graças a isso, depois, consegui ônibus que nos levasse à Bienal do Livro, em São Paulo. Lá, encontraram-se com Ziraldo que recebeu todas as suas cartinhas e levou com ele vários livrinhos escritos e autografados pelos alunos, em resposta ao seu Flicts.

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Revendo os vídeos, me alegro com a dinâmica das aulas, alunos lendo, alunos cantando, alunos escrevendo, alunos críticos e me encanto com isso tudo, de novo.

É importante frisar que estávamos em 1988, e que muitos dos procedimentos pedagógicos expostos talvez já sejam até bem comuns em escolas públicas Brasil afora.

Mas … talvez, ainda não.

E  é nesse momento que me pergunto onde estariam aqueles alunos, como seguiram suas vidas, todos agora com mais de 40 anos. Teriam continuado seus estudos, chegado a um curso técnico, a uma faculdade ? Onde estariam meus meninos do ano de 1988?

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Aqui está o PROJETO IPÊ de 1988, recuperado e editado, nesses 3 vídeos. Apresento-lhes, então, os meus meninos.

4ª série (5º ano)

6ª série (7º ano)

7ª série (8º ano)

Poesia e texto: Odonir Oliveira

Foto retirada da Internet: Aldeia de Carapicuíba, SP

Vídeos:

1- Canal Orquestra Sanfonica de São Paulo

2 , 3 e 4 – Canal Odonir Oliveira (reeditados a partir de gravação em VHS).

Catar feijão como João Cabral

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Catar feijão
João Cabral de Melo Neto

1.
Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.

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NÃO SEI ESCREVER SONETOS

Não sei escrever sonetos, pobre poeta que sou
eivada de erros, dores linguísticas, tratados de sofrer acumulados.
Não sei fazer sonetos, que não domino esquemas pré-estabelecidos
nas rimas ricas pobres preciosas de mim.

Não sei fazer sonetos porque sou incompleta em mim mesma.
nem escrevo como meus mestres, ainda que os queira imitar
sou mimeses de meus avessos apenas
recorro ao que sinto e entendo como se fossem verdades

E nada são que pequenas abstrações, atropelos de mim mesma
com meus mínimos percursos de estradas feridas, machucadas, sangrentas.
não conheço todas as verdades do mundo, intuo algumas; outras, perco.

Não sei escrever sonetos que de ínfima alma e espírito
sou um pálido ruído de trens pelas manhãs
rios e cachoeiras pelos dias, sofridamente.

17/9/2015

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Instrumental Sesc Brasil

2- Canal Odonir Oliveira

”Dá-me um mote que eu te darei 100 livros infantis”- 1993

 

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ESPANTALHOS

No tempo das sementes
o jardineiro fiel
espanta perigos e ameaças
Na vigília incessante
adornado com palha
empalhado fielmente
é guardião
da vida pujante

No tempo das máquinas
não há guardiões
fossilizados
vilipendiados
aposentados
queimados pelos tempos
os espantalhos
fenecem
sem conseguir
impedir a ação tóxica
das máquinas
dos homens

 

Mote

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1 LIT Estrofe que antecede um poema, cujo conteúdo é desenvolvido na composição poética; moto.
2 LIT Citação colocada no início de um livro, de uma peça de teatro etc., que representa o tema escolhido pelo autor a ser desenvolvido na sua obra; moto.
3 Proposição que se quer desenvolver.
4 Aquilo que constitui um lema de vida.
5 ANT Frase de efeito que caracterizava um ideal, usada pelos cavaleiros ao participarem de ações de risco.
6 HERÁLD, ANT Palavra que era usada pelos cavaleiros como divisa nos brasões ou bandeiras; moto.

http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/mote/

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POESIA FAZ BEM

1993

Jovens de 11 e 12 anos da sexta série do Colégio Galileu Galilei, inquietos, vivazes, precisando de desafios, encontram-se na fase das implicâncias dos meninos com as meninas, do contato físico exagerado, dos esbarrões e sopapos entre meninos. Estão cheios de energia ali, sem saber se já são adolescentes ou se preferem ser crianças. Vamos ao trabalho, então.

 

APRESENTANDO O MOTE

Leitura da poesia. Discussão do tema da poesia (poucos haviam visto um espantalho, a não ser em filmes, desenhos), do que falava etc.

ESPANTALHO

Olá, espantalho!
que fazes aí?
 
Espanto os pardais
daqui e dali.
 
Não te sentes triste
no mesmo lugar?
 
É o meu destino,
não posso mudar.
 
Espantalho, espantalho,
não fales assim,
 
Deixas-me tão triste
por ti e por mim…
(Maria Cândida Mendonça)

 

DESENVOLVENDO O MOTE
”Nossa, mas por que ela fala com o espantalho”
”Só pode ser uma menina, né, e bobinha, bem pequena, nunca vi falar com espantalho”
”Por que fala tudo com tu, é diferente, né. Não deve ser daqui do Brasil não”
“A menina fica triste porque o espantalho fica sempre parado, é por isso?”
PESQUISANDO CAMINHOS, ENCAMINHANDO RESPOSTAS
 Estudando variantes linguísticas e regionalismos no Brasil e em Portugal .
Que idade teria o eu lírico? É menino ou menina?
Onde estão?
A personagem vive ali, está acostumada com o espantalho? Onde podemos encontrar essas respostas? Ah, na poesia.
DECISÕES DE ADEQUAÇÃO AO PÚBLICO LEITOR
Já que esse poema é muuito infantil. Vamos escrever histórias para o público infantil, então ? É, porque esses autores já não são mais crianças. Mas podem escrever e ler suas histórias para crianças. Por que não?
DECISÕES SOBRE O MATERIAL A SER UTILIZADO NA CONFECÇÃO DOS LIVROS ”INFANTIS”
Leitura e manuseio de livrinhos infantis nos mais diversos formatos e confeccionados de diferentes materiais.
Apreciação da linguagem e do conteúdo tratado nos livrinhos.
Leitura em voz alta, dramatizada, das historinhas infantis.
Avaliação dos colegas das leituras feitas, com parecer oral e escrito sobre qualidades e aspectos que precisavam melhorar.
CRIAÇÃO DE HISTÓRIAS INFANTIS COM O POEMA COMO MOTE 
Pauta
Onde se passará sua história; quem estará conversando com o espantalho; por que a personagem estaria ali; o que acontecerá com os dois; haverá outras personagens na narrativa; como terminará …
Leitura em grupos.
Avaliação dos colegas das leituras feitas, com parecer oral e escrito sobre qualidades e aspectos que precisam melhorar.
Refacção dos textos tendo em vista vocabulário utilizado, pontuação expressiva, descrição de ambiente e de personagens, começo, meio e fim. Levando em consideração o público a que se destinam na contação de histórias que viria em seguida.
CONFECÇÃO DOS LIVRINHOS INFANTIS
Materiais sensoriais diversos, desde grãos a objetos, compondo as páginas e a capa.

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A INTERAÇÃO COM AS CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Uma manhã inteira de manuseio dos livrinhos em varais, de explicações, de respostas aos menores.
CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS
Grupos de crianças da educação infantil se reuniam, sentados no chão, ao redor dos autores e ouviam as histórias.
Leitura expressiva, interações, tudo no melhor estilo ”contando para os pequenos.”
A FESTA
”Comes e bebes” e dança.
AVALIAÇÃO COLETIVA E RESGATE DO PROCESSO
Adolescentes, normalmente, ficam mais inibidos quando estão sendo filmados. Temem algum tipo de incorreção, de ”mico” – hoje até virariam memes nas redes – por isso no vídeo aparecem meio inibidos ao falar. Além do mais, essa avaliação se deu alguns dias após a contação de histórias – o que foi bom, porque puderam amadurecer mais as emoções vividas naquele outro dia.
Ocorre que tudo é muito vivo em escolas, não é mesmo? Então … haviam recebido sonora e severa bronca de um coordenador ou de alguém da direção (não me recordo de quem, nem o motivo), por algum tipo de comportamento inadequado minutos antes dessa gravação já agendada. Daí as carinhas tensas, certo tom severo nos olhares … enfim, essa professora aqui, resfriada e febril, teve que fazer a conversa fluir. Escola é isso, todo dia um desafio diferente.

 

1995

Revisão  do processo de construção das histórias e criação dos livros infantis. Emoções revisitadas 3 anos depois. Inclusive porque havia alunos que ingressaram para o nível médio, sem terem vivenciado os mesmos caminhos que seus colegas.

DEDICATÓRIA
Post dedicado aos meus meninos, todos hoje com mais de 36 anos, espalhados pelo Brasil e pelo mundo.
Salve Mariana Nassif, Nina Furnari e todos.
Foi tão bom rever nossa caminhada, meus jovens !
Grande beijo da Odonir
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Texto e poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

  1. Canal Biscoito Fino

2. e 3.  Canal Odonir Oliveira (reeditados a partir de gravação em VHS)

 

 

 

 

 

Corpo

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CORPO CORPORIS  SOMA

respeito meu corpo
não risco rabisco confisco
meu corpo é sacro profano
morada repouso de flores maritacas
meu corpo é barco de navegante lírica
recanto de segredos sussurros murmúrios
meu corpo é soma
ramalhete de desejos sonhos prazeres muitos
meu corpo é corporis
em origem e amorosidades
meu corpo é tato trato tanto
em forma e conteúdo
meu corpo é verso e prosa
meu corpo sou eu
eu sou o meu corpo 

EMOÇÃO ESTÉTICA

Pré- lúdio
procura … encontro
tronco firme
beleza cor forma impacto
reentrâncias imperfeições
perfeição
olhos verticalmente embevecidos.

tato majestosamente ativo
surpresa estética
ambição de posse
prazer repartido
êxtase parcial.

tronco árvore
posição de cruz
tronco galhos folhas atados
firmes eretos vibrantes
tocam-se
tocam-nos,
orgonicamente,
prazer estético.

folhas galhos dançam
levemente
suavemente
ritmadamente
freneticamente

natural- mente
êxtase total !

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NUA , SEMPRE NUA

Meu corpo catedral
de vitrais simples
sem retoques de coloridos resplandecentes
recebe luz e vibra quando tocado.
Meu corpo barco
carrega meu navegante espírito,
marujos de braços firmes de olhares incomuns
marujos de peles ágeis de mãos quentes e rostos invulgares.
Meu corpo cofre
instala sementes de flores selvagens de frutos da paixão,
recebe mel de frutas silvestres de sabor estrangeiro.
Meu corpo
é um pouso
Meu corpo
é um porto.

 

Onqotô, em mineirês ( de MG), significa sincopadamente Onde é que eu estou

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Rendez-vous

sopro de labaredas
fogo na pele
entardecer cúmplice
colóquio de brumas
sabores de carne
corpo em rumo
corpo em sumo
corpo em frente

sopro de brisa
colóquio de nuvens
perfume de unhas
tonalidades de outonos
olfato de azuis
sabores de sedas
corpo em sumo
corpo em frente

sinfonias

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UM BEIJO E UM QUEIJO

Desceu correndo as escadas,
arrumou os seios no sutiã,
bonito.
Ajeitou os cabelos,
curtos.
Viu-se, mesmo sem espelho,
jovem.
Abriu-lhe a porta.
Abriu-lhe o sorriso.
Abriu-lhe o colo regaço.
Quedou a nuca,
lentamente,
em sua direção.
Entregou-lhe  a face colando-a à sua.
Roçou-lhe as orelhas com os cílios.
Afagou-lhe o nariz com seu aroma.
Fechou-lhe os olhos com duas lambidas.
Embebeu-se do ópio momentâneo.
Abriu-lhe os lábios,
sem palavra alguma,
acariciou-os com os dedos.
Abriu-se em paladar,
naquele beijo.
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Assoprando lírica por aqui, por ali, por todo lugar.

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No início da década de 1980, tive a chance de participar do 1º grupo de terapia reichiana, iniciado por Roberto Freire, criador da Somaterapia. Ali, em encontros semanais aprendíamos, num grupo de homens e mulheres, a nos relacionar com nossos corpos. Exercícios sensoriais de pele com pele, cílios com braços, suor com suor … dançávamos, cantávamos, ríamos e falávamos pouco, bem pouco. O objetivo era sentir, sentir nossos corpos e os corpos alheios, desmanchando couraças e desmascarando tabus. Roberto, o Bigode, não gostava de ”falação” e sim de AÇÃO. Éramos jovens, quase todos  com menos de 35 anos. E estávamos ali para entender nossos corpos, aprender a defender e  valorizar nossos corpos. Nosso terapeuta afirmava que para conversar apenas, bastariam os amigos. Ali era lugar de trabalho, de exercício de corpos. Os desbloqueios eram inevitáveis, tudo fluía no sentido de nos conhecermos e ajudar os outros a se conhecerem também.

Além disso, fazíamos as chamadas maratonas, imersão na natureza, cascatas, rios, 24 h em contato com nossos corpos, pouca roupa sempre, e sensações. Visconde de Mauá, no RJ, ainda sem luz elétrica, nos recebia. Naquele período, Roberto mantinha 2 grupos de Soma também em BH, que se uniam a nós naquelas maratonas de VIVAS.

Os anarquistas aprendem a amar mais a possibilidade de amar que o próprio amor e os nossos objetos de amor.” – Roberto Freire em seu livro  Ame e dê vexame.

Quem se interessar pelo tema, procure ouvir R. Freire no Youtube e ler seus livros.

Lamento  jovens que até hoje, na 2ª década do século XXI, mantenham seus corpos aprisionados ou, ao contrário, não saibam que eles são os seus corpos e que por isso têm que cuidar deles.

O GRUPO CORPO – Cia. mineira, de balé contemporâneo, com mais de 40 anos de existência. Revolucionou o balé com suas coreografias excepcionalmente criativas e sensuais, valorizando a cultura brasileira, seus poetas, compositores e sua riqueza particular.

Site do Grupo Corpo: http://www.grupocorpo.com.br/

No Youtube: https://www.youtube.com/user/GrupoCorpoOficial

 

Poesias e texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos: Canal GrupoCorpoOficial

 

Poetas, poesias, heterônimos

O poeta português Alberto Cuddel fala de seu processo de criação, de sua fundação como poeta, da necessidade dos heterônimos, de Eça de Queiroz e muito mais. E leituras de seus poemas.

Gostei bastante, Alberto. Leio-o todos os dias e sei da sua produção quase hemorrágica. Admiro-me com ela.

Abraço

Blog do poeta : https://albertocuddel.wordpress.com/

Para sempre

PROFESSORES SEMPRE

Quem é professor e professora
tem um vício diferente daqueles das demais pessoas
está no respirar a carência de ensinar
a saciação de, em se dando, aprazeirar-se
ser e estar ensinando
mesmo a si mesmo
mesmo sem salas de aulas
mesmo em ágoras não ágoras …

Para sempre.

HISTÓRIAS DE ALUNOS – I

 

Naquela noite a aula transcorria calma. A professora Vera ensinava classes gramaticais e seu uso adequado na escrita de textos, concordância verbal e nominal.

Os alunos, todos adultos no curso de suplência, haviam trabalhado desde bem cedinho. Frequentavam o curso de adultos, no ensino privado, pago pela empresa em que trabalhavam, visando a um acréscimo em seus salários – quem concluísse o ensino fundamental teria aumento em seus rendimentos. Isso os movia. Eram homens, em geral eletricistas, que lidavam com corrente elétrica e riscos durante todos os dias, o dia todo, retornando para suas casas ao fim das noites, depois de pegarem muitos tipos de meios de transporte. Chegavam mortos de cansaço em seus bairros dormitórios, na periferia da cidade, portanto.

Ele era um negro magro alto, mais de um metro e oitenta, falava pouco, observava e admirava a professora Vera. Percebia-se isso quando ela caminhava pela sala, que tinha degraus de madeira, separando as fileiras com as cadeiras de braço onde os alunos sentavam. Aliás, todos a tratavam com enorme cortesia, com certa devoção até. Sentia-se que o afeto entre eles era recíproco. Como não valorizar aquela turma tão guerreira na luta do viver. Seria impossível.

As aulas precisavam ter afetividade. Sabe-se que o aprender passa pelo canal do afeto. Não há como ser diferente. Passa pelo interesse que o mestre, o professor demonstra por seus aprendizes, sejam quem forem, que idades tiverem. Ali todos, muito senhores, alguns já avós até, tinham um envergonhado jeito de se sentar nas cadeiras, como a pedir desculpas a todo instante pela defasagem de conhecimentos, de tempo de escolaridade etc. Eram assim, portanto havia que se reverter aquilo, fomentando sua autoestima, valorizando sua iniciativa de querer voltar a estudar etc. Assim Vera buscava fazer. E eles confiavam nela.

No meio da aula, quase nove da noite, o grandão desmaia, caindo, tombando pra frente, provocando um enorme estrondo. Havia na turma uma única senhora, avó, que se matriculara e fora aceita na turma deles. Ela pagava seu curso. Foi ela que o socorreu em princípio porque conhecia a sua história. Deu-lhe uma maçã, um sanduíche e um copo d’água.

Terminada a aula depois das dez da noite, todos se foram. Ela contou à professora que o nosso grandão saía de casa às cinco da manhã, tinha mulher e três filhos pequenos. Almoçava na empresa às onze e só ia comer de novo quase à meia-noite, em casa, com a mulher. Por isso desmaiara. De fome.

Um homem, pai de família, semi-analfabeto, que comia assim tão mal, meu Deus, e ainda encontrava forças pra continuar lutando, buscando aprender, buscando melhorar seu salário.

Ser professora enriqueceu muito a vida de Vera.

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OBSESSÃO 

Sou obsessiva.
Sou obsessiva sim.
Tenho ideia fixa de justiça
Tenho ideia fixa de comprometimento.
Tenho ideia fixa de educação
Tenho ideia fixa de doação e entrega.
Não tenho receio de dor.
Não tenho medo de envolvimento.
Não tenho pavor de amor.
Minha obsessão por ensinar
seja a miúdos, maduros, graúdos
passa pelo ato de amar.
Não restrinjam minhas ações.
Não desprezem minhas veredas.
Não me imponham o silêncio covarde.
Não me limitem os braços e as pernas.
Não me amordacem o verbo.
Defendo meus aprendizes
como felina parida.
Não mexam com eles.
Não os ignorem
Não os maltratem.
Não os desprezem.
Somos raízes, mas também somos sementes.
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HISTÓRIAS DE ALUNOS – II
A turma tinha 40 alunos. O rapazinho Raimundo tinha quatorze anos quando o resto dos colegas não passavam dos dez . Quarta série do ensino fundamental, último ano do antigo primário. Defasagem etária e de conhecimento acadêmico. Raimundo havia chegado da Paraíba pra viver com o irmão mais velho ali naquele município. Rivaldo, o irmão, trabalhava como segurança em uma grande loja de departamentos do shopping na cidade vizinha, de modo que Raimundo cuidava do barraco em que moravam, sem banheiro, apenas um comum a todos os outros barracos. Era um cortiço, nos moldes do século XIX, portanto. Não tinha pia, nada individual. Tudo para todos. Seu barraco contava com 2 cômodos: uma sala e um quarto. Pequenos, bem pequenos. Era alugado. Para viver ali viera Raimundo, da Paraíba. Seu irmão mandara buscá-lo para poder estudar, trabalhar e prosperar. Assim como ele, acreditava.
Na sala de aula, ao ler, era ridicularizado, pelo sotaque nordestino, pela modulação da voz, por tudo afinal. Gostava de usar um chapeuzinho coco e se sentir seguro sob ele. Assim era.
A garotada passou a rir dele, depois, veladamente. Não era admitido nenhum deboche em sala de aula e dona Marisa, como estavam acostumados a chamar, não tolerava quaisquer discriminações. Para fazê-lo grande, como de fato era, passou a dar-lhe destaque nas aulas e pedir sua ajuda, a dividir com ele quase um jeito adulto de dialogar. Raimundo foi-se sentindo grande, como de fato era.
Gostava de cantar, tinha experiência de vida lá na Paraíba, e muito a contribuir para a narrativa cotidiana da garotada que era dali mesmo. Tinha histórias a contar, tinha vocabulário a repartir, tinha músicas para cantar. E assim foi.
Marisa passou a elogiar cada experiência relatada por ele aos colegas, a perguntar se já haviam visto algo parecido, se tinham conhecimento de alguém que houvesse vivido aquilo também, e assim foi. Passou a ser uma espécie de símbolo da turma. Todos o respeitavam, agora, pelo seu diferencial, por aquilo que tinha a lhes enriquecer. Passaram a compreender as diferenças e a riqueza de um país continente como o Brasil.
Naquela manhã, Marisa andava nauseada, começo de gravidez, e sonolenta.  Na conversa sobre um texto que citava comidas típicas de determinadas regiões, Raimundo mencionou a todos que sabia cozinhar. E bem. Todos, surpresos. Assim, combinou que a professora iria almoçar na casa dele. Só que havia de ser depois do recebimento do salário do irmão, pra poder melhorar o tal almoço. Combinaram.
Raimundo morava no mesmo quarteirão da escola, num amontoado de auto-construção, sem reboco ou enfeites. Marisa foi, morrendo de medo de enjoar, e o rapazinho pensar tratar-se de qualquer desfeita ao seu almoço. Mas não enjoou.
Tinha até refrigerante, Itubaína, que ele correu a buscar no buteco, porque não tinham geladeira. Tinha salada gostosa, arroz, feijão, carne de porco cozida, farofa, e até fruta. Tudo saboroso, quentinho. Comeu com o prato na mão, sentada na cama, porque não havia mesa ali. A TV ligada no programa da Xuxa, e Raimundo cheio de orgulho por a sua querida professora estar almoçando ali, coisa que nunca fizera na casa de nenhum outro aluno.
O rapaz cresceu. Passou a ser muito respeitado. Ainda mais depois de ter seus dotes culinários enaltecidos por Marisa. Passou até a ser alvo de interesse de meninas maiores de outras turmas. Estava resgatada a autoestima de Raimundo. Ele era grande. Sempre fora.
Ser professora enriqueceu muito a vida de Marisa.
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AGRADEÇO A MEUS COMPANHEIROS DE OFÍCIO TUDO QUE APRENDI

Muito mais do que às páginas de teoria  que li, eu lhes agradeço.

Nos anos de 1970, Freinet era meu pai pedagógico, e eu companheira do mimeógrafo registrando os textos coletivos de meus meninos pequenos; compilando os resultados das aulas-passeio, mais tarde chamadas de estudos do meio. Ali, muitos professores mais experientes, mais estudiosos da teoria e mais politizados do que eu foram meus mestres no fazer.

Mais tarde, era eu a mestra dos mais jovens.Tive alunos que se tornaram famosos nas artes, no empreendorismo, no trabalho voluntário e outros tantos famosos nas suas tarefas diárias e socialmente importantes também.

Gosto quando me param em algum lugar e me perguntam, “Você não é a Odonir? Foi minha professora em ...”.  Sinto-me uma pop star.

Meus filhos me dizem que tenho um vício em ensinar e que estou sempre dando aulas a alguém… mas gosto de poder elogiar quem me vendeu bem os frios no mercado, o taxista em sua civilidade etc. etc.

Reclamações dos filhos sempre houve: “É a pessoa que mais corrige redações e provas na vida, nunca vi!”

Sempre gostei de ir a festas de aniversário, primeira comunhão etc. de meus alunos. Achava gostoso, ora. Meus filhos reclamavam.

Ah, quero mesmo é ser leve como uma garça. Não sei se ainda será possível, posto que sou ardida como pimenta, bem sei.

Tentarei, todavia.

Professora Odonir

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Poesias e narrativas: Odonir Oliveira

Fotos retiradas da Internet

2ª foto: POL- ParatyOnLine.com

Última foto do jardim da minha casa

Vídeos:

  1. Canal mongchilde
  2. Canal adrianeegil

Leia: Eunice, rosa negra

Eunice, rosa negra

  • Leia também a categoria à direita “Trabalhos realizados com alunos’‘.

Vila das Lembranças

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EU LÍRICO

eu, Marília

eu, Cecília

eu, Bishop

eu, ante eras

eu era antes

eu, Cora

eu, Adélia

eu, ante eras

eu era antes

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O curta “Vila das Lembranças” foi realizado com objetivo de promover as práticas de educação e patrimônio por meio do cinema.
Traz ao público infanto-juvenil uma releitura sobre personagens que protagonizaram a história brasileira na região de Ouro Preto e Mariana.

Sinopse: Após resolver ir embora da cidade de Ouro Preto, a escritora americana Elisabeth Bishop, para se despedir do Brasil, escreve um livro sobre personagens que a cativaram e fizeram parte do passado desta misteriosa cidade. Sua narrativa se passa em um belo encontro entre a contadora de histórias Sinhá Olímpia, e a escritora Cecilia Meireles. Vamos passeando pelas Vilas cheias de Lembranças, num encontro entre as paisagens barrocas e as histórias de personagens que estão na memória das cidades de Mariana e Ouro Preto como Henri Gorceix; Itulu, a filha de Chico Rei; Barbara Heliodora; Alvarenga Peixoto; Tiradentes; Tomaz Antônio Gonzaga; Maria Doroteia; Antônio Frasncisco Lisboa (o Aleijadinho); o compositor e organista Padre João de Deus de Castro Lobo e o Pintor Francisco Xavier Carneiro.

O projeto foi realizado pela Associação Memória Arte Comunicação e Cultura (AmacCult) na formatura do segundo período dos alunos/atores em uma parceria entre o Museu da Música de Mariana e o Centro Educacional de Ouro Preto (CEOP).
Os participantes passaram pelas mediações historicamente informadas realizadas pelos próprios pais, e vivenciaram várias etapas da produção do filme como a construção dos personagens, do figurino, das filmagens e da montagem.

O filme tem direção, montagem e música original de Vítor Gomes; pesquisa, roteiro e produção executiva de Gislaine Padula.

 

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Vítor Gomes

Sangrando

TRISTEZA ABSOLUTA

Não há lirismo
encharcado de sangue.
Estou cansada, muito cansada.

Preciso de reposição.
Preciso de abraços apertados.
Preciso de peles em peles.

Não sou uma fortaleza.
Nos porões,
sou uma mulher.

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ÉRAMOS SETE

Primeiro foi ele
se foi.
Depois foi ela
se foi
Depois ainda
o caçula
se foi
A sensação de finitude
não é apenas sensação
A vida por um fio
metralhadoras encostadas nos miolos
Finitude aos poucos é pior.
Finitude tem que ser de uma vez
Estou cansada
bem cansada
Versos não brotam a esmo.
Versos brotam do amor,
pelo menos os meus.
Estou cansada.
Demais.

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Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal: RJ

Imagem: Templo Cultural Delfos

Vídeo: Canal sidneitsouza