VENTOS QUENTES
Há uma bruma que me faz sorrir
é um prazer um tanto virtude
costurando lembranças quentes
por dentro de mim
Estou eu cheia de viço e desejos
gestando em mim
gestando em outros
vida
esperanças
rotas
rumos
projeções de futuros
confiança
Há uma bruma que me faz sorrir.
NA ALDEIA DE CARAPICUÍBA
História do país, índios, bandeiras, rumo ao ouro e às pedras preciosas das Minas Gerais. Seguem os bandeirantes, laçando índios ao seu domínio, arrebatando-os de seus domínios.
Séculos nos separam desses desbravadores, escravizadores de índios. Liberdade, liberdades me atraem, me empurram, me impelem a chegar ali, desbravar aquele terreno marcado e fincar minha bandeira. A da educação.
Minha geração de educadores pensava em ir para as trincheiras sempre. Nossa militância era na ponta. Estudávamos, fazíamos especializações, mas não almejávamos mestrados e doutorados, carreira acadêmica. Isso começou muito depois de nós. Saíamos para o campo de batalha, a lutar junto aos nossos meninos e meninas nas escolas. Isso sim era imprescindível.
OBSESSÃO
Sou obsessiva.
Sou obsessiva sim.
Tenho ideia fixa de justiça
Tenho ideia fixa de comprometimento.
Tenho ideia fixa de educação
Tenho ideia fixa de doação e entrega.
Não tenho receio de dor.
Não tenho medo de envolvimento.
Não tenho pavor de amor.
Minha obsessão por ensinar
seja a miúdos, maduros, graúdos
passa pelo ato de amar.
Não restrinjam minhas ações.
Não desprezem minhas veredas.
Não me imponham o silêncio covarde.
Não me limitem os braços e as pernas.
Não me amordacem o verbo.
Defendo meus aprendizes
como felina parida.
Não mexam com eles.
Não os ignorem
Não os maltratem.
Não os desprezem.
Somos raízes, mas também somos sementes.
E.E.P.G. DA ALDEIA DE CARAPICUÍBA, SP- 1988
Em 1987, morando na Granja Viana escolhi, por concurso, a Escola Estadual de Primeiro Grau da Aldeia de Carapicuíba. Comentava-se por lá que a escola fora construída sobre cemitério indígena.
Alunos filhos de nordestinos, famílias muito pobres e sem instrução. Escola quase sem recursos, sem murais, sem aparelhos de TV e vídeo. Livros de literatura, sem serem lidos, sem catalogação – temiam que se extraviassem nas mãos dos alunos – empilhados numa saleta junto com o estoque de material de limpeza e de outros. Passei a me responsabilizar pelos livros, por seu uso em salas de aula e por sua catalogação inclusive. Pensando em uma biblioteca circulante, quente, que viesse a ser aquecida pelas mãos dos alunos.
Em 1988, escrevi uma proposta à Direção e, em seguida, à Delegacia de Ensino de Carapicuíba e Itapevi, expondo a necessidade de criarmos já na 4ª série (5º ano hoje), aulas com professoras diferentes, por disciplinas, como as teriam a partir da 5ª série, facilitando a transição e a adaptação. Procurei ser bastante convincente nas justificativas então – até porque isso já acontecia em escolas privadas etc. Foi aprovada. Assim, coube a mim lecionar Língua Portuguesa para as três 4ªs séries. Além disso tinha aulas na 6ª e 7ª séries na mesma escola.
Contando com o reconhecimento da diretora ao meu trabalho, pude apresentá-lo em encontros na Secretária do Estado da Educação e, por fim, ter minhas aulas como as escolhidas para o Projeto Ipê de Língua Portuguesa do ano de 1988, pelo governo do estado de SP – que seria gravado e editado pela equipe da TV Cultura e apresentado para toda a rede estadual de ensino, dentro de encontros e discussões com professores e equipes da educação, durante um ano. Posteriormente também pela TVE.
Depois disso, gravamos outros programas para a TV Cultura sobre lições de casa e temas diversos. Meus alunos se sentiam muito importantes ao se verem em uma rede de televisão. E mais do que isso por se saberem agentes do próprio conhecimento.
Graças a isso, depois, consegui ônibus que nos levasse à Bienal do Livro, em São Paulo. Lá, encontraram-se com Ziraldo que recebeu todas as suas cartinhas e levou com ele vários livrinhos escritos e autografados pelos alunos, em resposta ao seu Flicts.
Revendo os vídeos, me alegro com a dinâmica das aulas, alunos lendo, alunos cantando, alunos escrevendo, alunos críticos e me encanto com isso tudo, de novo.
É importante frisar que estávamos em 1988, e que muitos dos procedimentos pedagógicos expostos talvez já sejam até bem comuns em escolas públicas Brasil afora.
Mas … talvez, ainda não.
E é nesse momento que me pergunto onde estariam aqueles alunos, como seguiram suas vidas, todos agora com mais de 40 anos. Teriam continuado seus estudos, chegado a um curso técnico, a uma faculdade ? Onde estariam meus meninos do ano de 1988?
Aqui está o PROJETO IPÊ de 1988, recuperado e editado, nesses 3 vídeos. Apresento-lhes, então, os meus meninos.
4ª série (5º ano)
6ª série (7º ano)
7ª série (8º ano)
Poesia e texto: Odonir Oliveira
Foto retirada da Internet: Aldeia de Carapicuíba, SP
Vídeos:
1- Canal Orquestra Sanfonica de São Paulo
2 , 3 e 4 – Canal Odonir Oliveira (reeditados a partir de gravação em VHS).