“Filme Paisagem – Um Olhar Sobre Roberto Burle Marx”

“Burle Marx foi um mestre na construção de espaços públicos, locais de convívio e harmonia com a natureza. Num mundo cada vez mais cheio de barreiras e conflitos, me parece da maior importância mostrar a obra desse artista e cidadão que criou espaços de deleite e aproximação entre os homens e o meio ambiente. Quis mostrar o homem a partir de seu mundo diverso e sensual, misturando imagens de diversos formatos num percurso por seu sítio, por suas obras e por paisagens naturais ou construídas que o motivaram”, conta o diretor João Vargas Penna.

72 min. País: Brasil. Ano: 2018. Gênero: documentário. Direção: João Vargas Penna. Classificação: Livre.

 Roberto Burle Marx (1909-1994)

Ao assistir, tive a nítida sensação de que somos muito parecidos.

Poesia: Odonir Oliveira

Vídeos:

1- Canal ingresso.com

2- Canal José Tabacow Ceres EAD


Os cronistas

SEMEADURAS
Desde os 15 anos, no Grajaú, RJ, acompanhava as crônicas escritas por Drummond – em particular – e pelos grandes cronistas brasileiros no JB, o Jornal do Brasil. O Caderno de Cultura sempre fora o meu favorito.
Em casa, com grana controlada, meu pai comprava diariamente um jornal mais barato e menos denso, O Dia. Mas aos domingos… era sagrado termos o JB. Meu pai nos ensinava a manter os cadernos em ordem, facilitando a organização a quem ainda o leria, ou o continuaria lendo, durante o dia. Ele começava sempre pelo 1ª Caderno, em seguida ia para o de Esportes, e eu já me apropriava do caderno de Cultura, depois chamado de Caderno B, e posteriormente também da pioneira Revista de Domingo encartada na edição semanal. Em minha casa não entrava O Globo, “esse jornal americano, escrito em português” – repetia meu velho Plácido. Com toda a razão. Em quase 7 décadas de vida, jamais comprei 1 exemplar do tal jornal (Evito lê-lo nas plataformas digitais até hoje; questão de DNA mesmo).
Durante quinze anos, três vezes por semana, de 1969 a 1984, os leitores do Jornal do Brasil, eram presenteados com as crônicas de Carlos Drummond de Andrade. Foram publicados aproximadamente 2.300 textos do escritor. Os temas eram diversos: a vida cotidiana, o futebol, a música, a memória individual e a memória coletiva, entre tantos outros, sempre abordados com o lirismo que apenas um grande poeta pode imprimir em um gênero tão despretensioso como é a crônica. Ainda que alguma temática possa estar ultrapassada – até porque o tempo é a matéria-prima desse gênero – as crônicas de Drummond são verdadeiras preciosidades que jamais perderão seu imenso valor literário. Tais textos posteriormente foram compilados no livro de crônicas Boca de luar.
Fico pensando hoje que JAMAIS me incomodei em saber se aquilo que meu pai-poético escrevia havia se passado com ele, era narrativa ficcional ou mistura disso tudo. O que me importava eram A FORMA e O CONTEÚDO, bebia suas palavras, como quem chupa uma manga docinha, até o caroço.
Atualmente há um patrulhamento policialesco sobre o que se publica nas redes sociais “Ain, vive falando de si, mostrando isso e aquilo da sua vida etc.”. Pois é, velho Drumma, é que na falta de conteúdo, de experiência de vida, de reflexões, de sentimentos verdadeiros e de empatia, resta apenas o vale tudo das imagens – só se publicam imagens, em fotos ou em vídeos. Sinal desses tempos, meu amado poeta.

Canal Dennis Marcellino and Mark Stefani – Tema

A última crônica de Drummond no JB em 29/09/1984

Créditos da imagem: Shutterstock e Georgios Kollidas Disponível em Jblog

Ciao

Há 64 anos, um adolescente fascinado por papel impresso notou que, no andar térreo do prédio onde morava, um placar exibia a cada manhã a primeira página de um jornal modestíssimo, porém jornal. Não teve dúvida. Entrou e ofereceu os seus serviços ao diretor, que era, sozinho, todo o pessoal da redação. O homem olhou-o, cético, e perguntou:

-Sobre o que pretende escrever?

-Sobre tudo. Cinema, literatura, vida urbana, moral, coisas deste mundo e de qualquer outro possível.

O diretor, ao perceber que alguém, mesmo inepto, se dispunha a fazer o jornal para ele, praticamente de graça, topou. Nasceu aí, na velha Belo Horizonte dos anos 20, um cronista que ainda hoje, com a graça de Deus e com ou sem assunto, comete as suas croniquices.

Comete é tempo errado de verbo. Melhor dizer: cometia. Pois chegou o momento deste contumaz rabiscador de letras pendurar as chuteiras (que na prática jamais calçou) e dizer aos leitores um ciao -adeus sem melancolia, mas oportuno.

Creio que ele pode gabar-se de possuir um título não disputado por ninguém: o de mais velho cronista brasileiro. Assistiu, sentado e escrevendo, ao desfile de 11 presidentes da República, mais ou menos eleitos (sendo um bisado), sem contar as altas patentes militares que se atribuíram esse título. Viu de longe, mas de coração arfante, a Segunda Guerra Mundial, acompanhou a industrialização do Brasil, os movimentos populares frustrados mas renascidos, os ismos de vanguarda que ambicionavam reformular para sempre o conceito universal de poesia; anotou as catástrofes, a Lua visitada, as mulheres lutando a braço para serem entendidas pelos homens; as pequenas alegrias do cotidiano, abertas a qualquer um, que são certamente as melhores.

Viu tudo isso, ora sorrindo ora zangado, pois a zanga tem seu lugar mesmo nos temperamentos mais aguados. Procurou extrair de cada coisa não uma lição, mas um traço que comovesse ou distraísse o leitor, fazendo-o sorrir, se não do acontecimento, pelo menos do próprio cronista, que às vezes se torna cronista do seu umbigo, ironizando-se a si mesmo antes que outros o façam.

Crônica tem essa vantagem: não obriga ao paletó-e-gravata do editorialista, forçado a definir uma posição correta diante dos grandes problemas; não exige de quem a faz o nervosismo saltitante do repórter, responsável pela apuração do fato na hora mesma em que ele acontece; dispensa a especialização suada em economia, finanças, política nacional e internacional, esporte, religião e o mais que imaginar se possa. Sei bem que existem o cronista político, o esportivo, o religioso, o econômico etc., mas a crônica de que estou falando é aquela que não precisa entender de nada ao falar de tudo. Não se exige do cronista geral a informação ou comentários precisos que cobramos dos outros. O que lhe pedimos é uma espécie de loucura mansa, que desenvolva determinado ponto de vista não ortodoxo e não trivial e desperte em nós a inclinação para o jogo da fantasia, o absurdo e a vadiação de espírito. Claro que ele deve ser um cara confiável, ainda na divagação. Não se compreende, ou não compreendo, cronista faccioso, que sirva a interesse pessoal ou de grupo, porque a crônica é território livre da imaginação, empenhada em circular entre os acontecimentos do dia, sem procurar influir neles. Fazer mais do que isso seria pretensão descabida de sua parte. Ele sabe que seu prazo de atuação é limitado: minutos no café da manhã ou à espera do coletivo.

Com esse espírito, a tarefa do croniqueiro estreado no tempo de Epitácio Pessoa (algum de vocês já teria nascido nos anos a.C. de 1920? duvido) não foi penosa e valeu-lhe algumas doçuras. Uma delas ter aliviado a amargura de mãe que perdera a filha jovem. Em compensação alguns anônimos e inominados o desancaram, como a lhe dizerem: “É para você não ficar metido a besta, julgando que seus comentários passarão à História”. Ele sabe que não passarão. E daí? Melhor aceitar as louvações e esquecer as descalçadeiras.

Foi o que esse outrora-rapaz fez ou tentou fazer em mais de seis décadas. Em certo período, consagrou mais tempo a tarefas burocráticas do que ao jornalismo, porém jamais deixou de ser homem de jornal, leitor implacável de jornais, interessado em seguir não apenas o desdobrar das notícias como as diferentes maneiras de apresentá-las ao público. Uma página bem diagramada causava-lhe prazer estético; a charge, a foto, a reportagem, a legenda bem feitas, o estilo particular de cada diário ou revista eram para ele (e são) motivos de alegria profissional. A duas grandes casas do jornalismo brasileiro ele se orgulha de ter pertencido ? o extinto Correio da Manhã, de valente memória, e o Jornal do Brasil, por seu conceito humanístico da função da Imprensa no mundo. Quinze anos de atividade no primeiro e mais 15, atuais, no segundo, alimentarão as melhores lembranças do velho jornalista.

E é por admitir esta noção de velho, consciente e alegremente, que ele hoje se despede da crônica, sem se despedir do gosto de manejar a palavra escrita, sob outras modalidades, pois escrever é sua doença vital, já agora sem periodicidade e com suave preguiça. Ceda espaço aos mais novos e vá cultivar o seu jardim, pelo menos imaginário.

Aos leitores, gratidão, essa palavra-tudo.

Carlos Drummond de Andrade

(Jornal do Brasil, 29/09/1984)

Texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Que tempo é esse, meu Deus?!

São Paulo, 1972

TEMPOS

A brevidade das manhãs concorrendo com as vesperais de gritos
nas brincadeiras coletivas,
nos sorrisos
no descompromisso de ser,
na preciosidade de apenas estar.
Compasso régua transferidor desenhando uma geometria
doce suave risonha.
O tormentoso entardecer contemplando o sangue quente de gritos
na explosão das paixões saborizadas,
nas picadas das abelhas de mel único inesquecível.
Bocas braços pernas contornos enfeitando uma paisagem
forte quente incontrolável.
O inquieto anoitecer desfazendo ramais e caminhos traçados.
Gritos,
em espaços e tempos redesenhados
em figuras sobrepostas em vãos
em retas e curvas deslizes e reviravoltas.
Tempo,
parceiro,
cúmplice …

São Paulo, 1984

São Paulo, 2016

AS CRIANÇAS
A menina fez criança
O menino fez criança
A menina e o menino brincavam com peles, tatos, gozos
A menina fez-se criança ainda.
O menino fez-se criança ainda.
O ovo gera criança
A gala gera criança.
Quem nutre essas crianças?
Quem orienta essas crianças?
Quem acolhe essas crianças?
Quem afaga essas crianças?
Quem chicoteia essas crianças?
Quem penaliza essas crianças?
Quem socorre essas crianças?
Quem salva essas crianças?
Quem se salva com essas crianças?
Quem?!

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Odonir Oliveira

Gil, 80

GIL E EU: 1981, na Praça Castro Alves, nos tempos de carnavais livres e de foliões pipoca que seguiam os trios e os blocos, do lado de fora das cordas ou, como eu, esperando na Praça Castro Alves, pois que “a Praça Castro Alves é do povo como o céu é do avião“, vi aquela aparição negra envolta no manto branco do Afoxé Filhos de Ghandi. Inesquecível Gil, ali ao alcance das minhas mãos. Não toquei. Apenas o amei, o amei de perto, depois de longe, depois SEMPRE. 80 ANOS, GIL!

Foto retirada da Internet

Vídeos: Canal Gilberto Gil

Saga da Amazônia

Canal Alfredo Pessoa

1500 & 2022

toma, aceita
pega, bonito é
dá, quer
dá quer?
toma, pega

vem tomar
vem levar
sai, arreda
grito, tiro, 
mata na mata
toma na mata
toma a mata

pega, bonito é?
bonito não é
dá, quer?
não dá
não pega
xamãs veem
xamãs lutam
xamãs mãos dadas de mais gente
xamãs nas veias de mais gente
quer?
não leva
mãos dadas
não leva

Poesia: Odonir Oliveira

Foto de arquivo pessoal: PERD – MG- Parque Estadual do Rio Doce, região dos povos originários BOTOCUDOS

Senzalas e casas grandes

“A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos. Mas ricos sem riqueza. Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados.” Mia Couto

“A casa grande surta quando…”. Durante mais de 30 anos lecionei para alunos que viviam em casas humildes, muitos deles filhos de pais analfabetos, excessivamente religiosos e repletos de dogmas insuperáveis. Concomitantemente, lecionei em escolas da elite paulistana, cujos pais já não se contentavam mais com hotéis, resorts e residências de luxo em praias brasileiras, mas iam em feriados e férias para seus apartamentos em Miami, em Paris, em Londres e até em Dubai. Sei do que falo. Meritocracia é cantilena para embalar tolos e limpar culpas de mãos sujas de egoísmo.

VILMA: talvez uma estudante da zona rural, da senzala

Texto escrito originalmente para Carta Capital, em 2015

ALINE GUEDES: filha de doméstica, negra da periferia de São Paulo e sua cozinha quilombola

A história da Aline é a de muitos jovens profissionais negros, que foram os primeiros a ocupar espaços antes apenas frequentados por pessoas brancas. Ouvi-la contar sobre os primeiros anos da faculdade e as especulações dos colegas sobre sua presença ali é uma dura lição sobre o racismo das pessoas que não se dizem racistas. Assim como é emocionante ver a força e a determinação que a moveram a encontrar um espaço próprio e descobrir uma ancestralidade até então apagada pela história.

Aline, foi demais finalmente conhecer você ao vivo. Sigo aqui acompanhando seu trabalho com admiração.

Se você também quer acompanhar o trabalho da chef, siga o perfil da Aline Guedes no Instagram. (Rita Lobo)

Texto: Odonir Oliveira

Imagens retiradas da Internet

Vídeo:

Canal Odonir Oliveira

Identidade de gêneros

Eu sei que vossa excelência preferia uma delicada mentira; mas eu não conheço nada mais delicado que a verdade.” Machado de Assis

MACHADO DE ASSIS ESCORRENDO PELOS DEDOS
Janete já se cansava de ouvir trololós e trelelês de bocas destoando de mentes. Era muita encenação social, jogos de boa vizinhança e, sobretudo, fartas lições e exemplos de como não se viver. Era uma rebelde em corpo e alma, ah era mesmo.
Na sala de visitas, quando alguma das mulheres presentes relatava um fato, algo elogiável sobre um amigo, um parente, um conhecido até, não havia uma entre elas que também não tivesse um fato igualzinho a ser narrado, com detalhes até superiores aos narrados pela outra. Era regra, era básico, era, consensual tudo aquilo. E era primário também. Qualquer estagiário de psicologia beberia de canudinho aquelas amostras de comportamentos competitivos, invejosos e até cruéis mesmo. Um painel amplo para ”estudo de casos”, meu Deus!
Se se fosse contar uma história de amor então… nossa, as delas sempre haviam sido vencidas, eliminadas de sofrimentos por elas, descartadas…. ninguém lhes dera jamais uma rasteira, um tombo, lhes causara sofrimento etc. sempre foram as senhoras da situação, usufruindo de tudo que podiam e caindo fora, no melhor estilo do levanta sacode a poeira e dá volta por cima, lavou tá novo, a fila andou, meu Deus!
Havia aquelas que só se sentiam felizes convivendo com coleguinhas “mais feias, mais gordas, mais tímidas, mais sem brilho” do que elas. Aí sim, essas não ofereceriam combate, disputa, relevância, umas coitadas. Mas …. se ali aparecesse alguém, com atributos diferentes desses classificados como inofensivos a elas, seria eliminada da forma mais cruel, seria cancelada em gênero, número e grau. Isso era a cara dos ambientes de trabalho. Colegas de trabalho são apenas colegas de trabalho, não se convida para festas familiares, encontros com namorados etc. – zona de perigo. Meu Deus!
Jonas já se cansava de ouvir trololós e trelelês de bocas destoando de mentes. Era muita encenação social, jogos de boa vizinhança e, sobretudo, fartas lições e exemplos de como não se viver. Era um rebelde em corpo e alma, ah era mesmo.
Nas mesas de bar, cercado por colegas, nas happy hour costumeiras, havia uma horda dos chamados “fudidos rarará”, os que narravam, a cada fanfarronice, uma batida de carro inacreditável em que se envolvera, uma bebedeira federal daquelas de não se conseguir orientação genérica sequer por bússola, GPS, nada. E todos riam demais, caíam naquelas farofadas de broders, na maior cumplicidade. Tudo era hiperbólico, magnífico, pintado de cores surrais. Tanta ficção naquelas realidades, meu Deus!
Jonas se sentia como num filme, assistindo da poltrona aqueles acontecimentos faraônicos se revelarem. E quanto ao tema mulheres, aí então… era consensual o tratado de hábitos e costumes. Parecia um jogral, cada um jogava sua cartada ensaiada com a parceira em foco. Havia até os que pediam “o vale a pena ouvir de novo”, conhecedores da fábula, pediam que fosse recontada. E riam e se superavam, cada um com acréscimo de detalhes e créditos. Eram os campeões de vivências, aventuras, esconderijos, ludibriações de mulheres, os encantadores com suas serpentes eretas no gozo feminino. Davam tantas e tantas vezes, que a mulherada não resistia, acatava suas mentiras, seus engodos, suas hipocrisias. Nunca nenhum fora dispensado, nem tinha tomado um pé na bunda fatídico, ou sofrera por dor de cotovelo ou desamor. Chutavam antes… porque afinal “mulher tem muita, comigo não, sou malandro, vivido, acostumado às casas de tolerância da vida, comigo não vem que não tem. Eu dou as cartas, eu tenho a cartada maior, eu levo vantagem nos passes, nos dribles, nas jogadas, sou oportunista, comigo é gol logo, meto gol logo, não vem com doce pra mim não, sou diabético, nem precisa aquele papo de feminista de almanaque, encruada, de Frida Kahlo, com cara de marijuana vencida, ajoelhou tem que rezar, é ferro na boneca, amacio com bebida, acaricio com dedos ágeis, e ferro na boneca.” Jonas era avesso a tudo aquilo, meu Deus!

Texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal RWR