Pura poesia

RECEPÇÃO POÉTICA: Fui à padaria, e como não tenho saído, dei de cara com essa recepção poética a poucos metros de casa. Não há como ignorar quem escreveu isso nesse muro. Em um mundo escuro, pandêmico, adoecido, enlouquecido, há que se fazer reverência àquele(a) que pinta LIRISMO NO MURO DE UM TERRENO BALDIO.

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Odonir Oliveira

Libélula de domingo

LIÇÕES DE DOMINGO

Ao levantar, bem antes de tomar café, fui ter com as orquídeas de árvore do quintal. Levei meu lambe-lambe porque quando me sento para refletir e respirar flores, estou sempre pronta a fotografar. Já estava me despedindo do cenário, para ir coar meu café no coador e beber seu aroma, quando dei de cara com uma libélula mascarada de orquídea. A bonita se fingia de morta. Capturei-a em ângulos diversos. Imóvel, fingia-se de morta. Mas para quem?

O assediador viera antes e a caçara para cópula não consentida. Ela gritara “Não é não”. Mas o macho patriarcal nem sequer ouvira seus apelos. Vinha perseguindo a bela libélula, incansavelmente. Restava a ela a única alternativa dominical, fingir-se de orquídea, fazer-se de morta, enfim, defender-se do macho alfa hetero dominador. Entendeu?

Observei a libélula acossada e morta-viva, linda, deixando seu voo para trás, interrompendo sua liberdade de ir e vir, por não poder escolher. Se quisesse copular, diria “sim“, faria voos de sedução, se abraçaria em dança de ir e vir com o macho escolhido. Caso não desejasse, recusaria. Caberia a libélula macho buscar outra. Existem milhares e milhares querendo ser copuladas, ora, ora. Agora … aquela libélula não estava disposta àquele gorjeio do macho. Ele não a agradara. Simples assim.

Entendi a visita dominical da linda libélula, um ser repleto de instinto e sabedoria.

Leia também:

Fêmeas de libélula fingem morte para evitar assédio de machos

https://super.abril.com.br/comportamento/femeas-de-libelula-fingem-morte-para-evitar-assedio-de-machos/

Texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Instituto Piano Brasileiro

“Para eu parar de me doer”

ABOIO

Falo ou calo?

espero ou me atrevo?

Venham em meu socorro,

meus deuses e semideuses,

meu Drummond, meu Pessoa, meu Manoel,

me deem a mão Cora, Adélia e Cecília,

venham, por favor, Guimarães, Clarice e Graciliano.

Falo ou calo?

espero ou me atrevo?

Acudam, com sua lira e sua fabulação, todos os meus magos, acudam.

Calcem-me suas botas de galgar píncaros, de beber mel e fel

Emprestem-me engenho e arte de Camões e Homero.

Corram que meu tempo expira e ainda tenho que ir.

Corram, emprestem-me suas botas.

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Milton Nascimento

Nascidas nos anos 30

APARECIDA E O DOUTOR

Aparecida Maria era moça linda. Tinha pele muito branquinha, olhos muito verdes e vaidades. Muitas. Casou-se e teve 2 meninos. O marido não era lá aquela coisa, mas trazia o capital para uma vida mediana no balneário. Os garotos foram crescendo e foi aí que numa tarde o pai deles saiu pra comprar cigarros, sem nem mesmo se despedir. Sabe a senha dos covardes? Então, foi com ela que o homem se foi para sempre.

Cida começou a trabalhar como secretária da Escola Estadual, ganhava pouco. Os 2 meninos de olhos verdes, como os da mãe, eram lindos; o mais velho muito branquinho, o mais novo moreno, com a cara e, principalmente, o olhar malandro do pai. Vida dura a deles 3.

Naquela tarde no balneário, Cida conheceu o Doutor. Guiava um belo carro conversível pela orla da praia, sozinho. Olhou pra ela, sentada, sozinha, no banco de cimento, virada para a Avenida – e não para o mar – parecia mesmo estar aguardando um presente de Iemanjá, mas do lado oposto, sobre os trilhos, recortados por paralelepípedos, do balneário.

O Doutor F. era homem rico, construtor de avenidas, pontes, viadutos, tinha ligações políticas certeiras e – casado. Cida foi sua amante por mais de 40 anos, quando ele morreu. Durante todos aqueles anos mudou-se do balneário para a capital, uma meia deia dúzia de vezes, num vai-e-vem sentimental – digamos assim. Seus 2 filhos fizeram cursos em faculdades particulares. Cida tinha sempre carro do ano, boas roupas, fazia viagens, era exigente e sabia conseguir o que queria, aquilo que precisava. E tinha lindos olhos verdes. Jamais esboçou uma cena de ciúme, uma cobrança sentimental sequer. Doutor F. estava na cidade? Ela estava pronta a adoçar seu corpo com veludos e mel.

Já pela entrada dos anos, um dia foi surpreendida olhando uma bela foto sua, em preto e branco, aos 20 anos. Estava estática. Perguntada sobre o que estava admirando, respondeu, “Estou comparando meu rosto com o dessa foto. Vou tentar fazer uma plástica para ter de novo esse rosto“. E riu, emoldurada por um par de verdes olhos.

CARCAMANOS MEZZO A MEZZO

Filha de italianos, Martina Maria era moça prendada. Costurava muito bem, cozinhava muito bem e obedecia muito bem. Homem bom é o que cuida bem da família, traz dinheiro pra casa, acompanha a família no que ela precisa.

Casou-se aos vinte e poucos anos, numa cerimônia simples, italiana e teve duas filhas. Criou-as da forma que foi criada. E, embora o marido fosse homem sem muitas letras, com dois lindos olhos azuis como faróis, não falava docemente não. Impunha-se, jogava pelota no clube com os amigos nas manhãs de domingo, se atrasando para o almoço e outras farras, as escondia. E bem. Ninguém nunca lhe soube de um deslize, nem amoroso, nem material. Tiveram bens materiais e isso era o mais importante. Não deixava faltar nada em casa. Casaram bem as duas filhas, com festas patrocinadas pelo pai da noiva, claro. Gostavam de almoçar fora aos domingos, e as cantinas italianas eram as preferidas. Bebiam vinho vermelho, ficavam com seus rostos vermelhos e riam. Muito.

Naquela tarde a filha mais velha, recém-casada, reclamava com a mãe sobre o comportamento do marido. Martina Maria ouviu tudo e lhe respondeu “Para de implicar com ele. Homem não gosta, nem aguenta tanta cobrança assim não. Deixa pra lá”. A filha, então, acalmou-se.

DONA DE UM CORAÇÃO FADISTA

Fátima era filha de portugueses. Meio metro de altura. Aprendeu a cozinhar pratos de origem portuguesa. Ela e mais 2 irmãos homens cresceram no balneário, em uma família que cultivava fados e bacalhoadas. Casou-se com um dos homens mais altos da cidade. Talvez com uns 40 centímetros a mais que ela. Bonito, em terno de linho branco, frequentava o cassino e jogava muito. Quando ganhava, era vida de milionário em casa, com tudo do bom e do melhor. Quando perdia, ficavam sem água, luz e comida na mesa. Costumava percorrer mesas de jogo e camas de mulheres de todos os feitios e safadezas vulgares.

Deu que se foi. Mais tarde se soube que fora viver na capital do país, em outro balneário, com uma mulher rica, livre. Nunca mais viu os 2 meninos. Só no caixão, anos mais tarde.

Fátima Maria passou a trabalhar como secretária naquele escritório de importação. Era a fiel escudeira do dono, do importador. Frequentava a casa dele, mantinha relações de amizade com sua esposa e as filhas. Foi comprando, aos poucos, imóveis no centro do balneário, salas comerciais etc. Criou os 2 rapazes.

Anos bem mais tarde, foi viver com um alto funcionário, um fiscal federal do porto. Tinha a mesma altura dela. Aliás, ele, divorciado, pai de 3 filhos casados, é que foi viver com ela. Pagou a faculdade particular para os 2 filhos dela, deu-lhe carro novo, e custeou sua vida por mais de 10 anos. Era meio casmurro, gostava de ler, permanecia recolhido no quarto, escrevendo, falando pouco. Mal sabia ele que os tratamentos dentários a que ela se submetia lhe custavam muito mais do que os orçamentos. E assim com as outras compras da casa. Fátima superfaturava notas. E guardava dinheiro. O tal fiscal apreciava cheiro de mulher. Na verdade, pagava por ele. E assim foi.

Depois de anos, cansou-se. Nas auditorias de pente fino foi descobrindo muitas inverdades naquele relacionamento. Ela o traía – talvez no que há de mais sagrado para um homem – no bolso.

No início do século XX, no Brasil, os padres recomendavam que se acrescentasse ao nome da menina o de Maria. E assim iam sendo batizadas as mulheres.

Leia aqui no blog:

“Nascidas nos anos cinquenta”, na categoria: ESCUTADORA DE HISTÓRIAS DE MULHERES

https://poesiasdemaosquesentem.wordpress.com/category/escutadora-de-historias-de-mulheres/

Textos: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos: Canal Biscoito Fino

Colorindo a cidade

Compareci ontem a esse encontro online e pude aprender ainda mais sobre a cidade de Barbacena. O livro Cores de Barbacena chega em forma de almanaque, com telas aquareladas por Waldir Damasceno, a partir de extensa pesquisa de Doorgal Andrada e Edson Brandão. Tinham em mãos fotos, às vezes de jornais, que pouco detalhavam os espaços. Saíram a campo em busca de histórias, localizações, aspectos e cores daquilo que viam nas fotos. Daí, nasceram as aquarelas. Fizeram muitas entrevistas com pessoas bastante idosas (o que amo fazer) – patrimônios de uma cultura e, sobre tudo isso, o artista recoloriu a cidade de Barbacena. E já vem aí uma 2ª edição, ampliada, com mais aquarelas.

ESSA BARBACENA

Barba
-acena
Sobe
Desce
Venta
Queima sol
Olha rosas
Olha
Rua Quinze
Olha Escola de Cadetes
Olha a Cabana da Mantiqueira
Olha as pedras
Tropeça
Levanta
Cai
Levanta
Olha mais
Olha isso aquilo, olha
Que Visconde de Barbacena que nada.
Que cidade de loucos que nada
Que gente boa de tudo!

Ah, Barbacena!
Acena
traz teus filhos todos de volta
Que a gente muda esse negócio de política
leite com leite
Vota de novo
Muito bem
E reconstrói esse país.

Eh, Minas,
Eh, Minas !

Você sabe qual é a imagem mais antiga que se conhece da Vila de Barbacena? Ela foi feita em 1820…para saber mais leia o livro Cores de Barbacena.
1820

SILÊNCIOS

Tilintam as noites de ser
Badalam os órgãos de ter
Retinam os sussurros
Uivam os guinchos de sangue
Trombeteiam anjos com anúncios
Clamam plangentes por contornos internos.
Presságios de sons, tons
Presságios de sinos, hinos
avisos anúncios apelos ressoam
Trinados
brados
recados.
Novenas
nascimentos
batismos
enlaces
mortes.

Não, mas por que não ouço mais
os sinos da minha aldeia?

UMA ELEGANTE FACHADA. A residência da Família Tollendal até hoje preservada e o belo casario original, no entorno do antigo Jardim Municipal… Assim era a colorida e alegre Barbacena retratada por Waldir Damasceno no livro Cores de Barbacena!
CADEIA VELHA. O prédio que abrigou a primeira cadeia pública de Barbacena por décadas teve sua construção aprovada pela Assembleia Legislativa Provincial em 1834, tendo sido finalizado em 1840. O tombamento estadual do Prédio da antiga cadeia foi aprovado pelo conselho curador do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Arquitetônico – IEPHA – no dia 4 de outubro de 1978, efetivado pelo Decreto nº 22.867, de 1º de julho de 1983, e inscrito no Livro do Tombo III . As fotos mostram o estado do prédio antes da reforma feita há quase 40 anos atrás. Apesar do seu atual estado de conservação, abriga ainda hoje diversas entidades culturais.
Fonte:www.iepha.mg.gov.br. Desenho de Waldir Damasceno.
GRUPO ESCOLAR BIAS FORTES. Você sabia que este prédio foi construído para ser uma grande escola de música? Mas se tornou uma escola de ensino regular. Em “Cores de Barbacena”.
OS CHALEZINHOS GÊMEOS da Praça do Globo…até hoje existentes. Duas relíquias que estão no livro “Cores de Barbacena”

AQUI JAZEM

corpos vivos
corpos mortos
corpos uns
corpos outros
um pai uma mãe
um avô uma avó
um tio uma tia
uma família
uma ninhada, um rebanho
constelação
de corpos.
uma colina, uma pedra fria
o mármore, o granito
o começo do fim
o pó
a pedra
a flor
no jardim.

Aqui jazem meus ossos
minha raiz.

CONFISSÃO: A cada foto, a cada fato que leio, que conheço sobre essa cidade, sinto-me muito mais próxima de meus pais e de meus avós. Creio que de lá onde devem estar, estejam adorando essa minha viagem “ao centro de tudo”. E eu também, minha gente.

Poesias: Odonir Oliveira

Aquarelas: Material disponibilizado para ”degustação” do livro no Facebook de Cores de Barbacenahttps://www.facebook.com/coresdebarbacena

Vídeo: Canal Música Boa

Baila comigo, anos 70

1968
1972- Externato São Domingos, Aclimação, São Paulo

O Boxeador

Eu sou apenas um menino pobre
Embora minha história é raramente contada
Eu despedacei minha resistência
Em troca de um bolso cheio de resmungos, como promessas
Tudo mentiras e chacota, ainda um homem escuta
O que quer escutar
E descarta o resto
Quando eu deixei meu lar e minha família
Eu não era mais do que um menino
Na companhia de estranhos
Na quietude de uma estação de trem fugindo amedrontado
Mantendo-se escondido, buscando os quartos mais baratos
Onde o povo esfarrapado vai
Procurando os lugares
Que apenas eles conheciam
Lie-la-lie
Solicitando apenas salário de trabalhador
Eu vim procurando por um emprego, mas não consigo nada
Só um “Venha aqui” das prostitutas
Da Sétima Avenida
Eu declaro
Houve momentos em que estava tão solitário
Que tomei algum conforto lá
La la lie lie lie lie lie

Lie-la-lie
Então estou estendendo minha roupa de inverno
E desejando que estivesse partido indo para casa
Onde o inverno da cidade de Nova York
Não estivesse me sangrando
Me levando, indo para casa
Na clareira em pé está o boxeador
Um lutador por ofício
E ele carrega uma lembrança
De cada luva que lhe abateu
Ou lhe cortou até gritar
Em sua raiva e sua vergonha
“Estou indo embora, estou indo embora”
Mas o lutador ainda permanece
Lie-la-lie

(Tradução: Vagalume)

FOI NOS BAILES DA VIDA
Os anos de 1970 tiveram em si muitas mudanças. Só quem viveu neles, talvez, possa dizê-los com propriedade. Esperanças não faltavam. De quê? Ora de tudo. De mais liberdade, de cidadania, de poder de escolhas, de traçar rumos sociais diferentes daqueles tão hipócritas que presenciávamos. Minha mãe repetia sempre “A sociedade é aquilo que nada nos dá e tudo nos cobra”, pois é, Dona Itália. Foi, é, e creio que sempre será assim. Os papeis que ela nos obriga a viver nos sufocam, nos algemam, nos amarguram e nos enlouquecem até. Sempre certa, a minha velha. Se quisermos seguir a nossa essência, haveremos de nos desnudar, sermos íntegros e já estarmos cientes de que pagaremos preços altíssimos por isso.
Até a década de 60, víamos, não raro, casamentos por interesses de toda ordem, jovens fugindo de sua orientação sexual inaceita (inclusive por eles mesmos) para ordenações sacerdotais, tornando-se padres e freiras; havia outros que não se expunham nunca, temendo qualquer perseguição social, política, religiosa e assim iam caminhando para uma neurastenia cruel, para uma esquizofrenia semeada e até aos suicídios.
Mário de Andrade escreveu que “O passado é feito para se refletir, não para se reproduzir”. A vida nos pede consciência crítica, reflexão e posicionamento. Isso não quer dizer que não devamos amar nossos pais, nossos avós etc. mas observarmos que viveram em um contexto e naquilo acreditavam. Ainda que houvesse certas discordâncias de tudo aquilo.
Os gregos criaram a democracia etc. toda a base civilizatória e humanista ocidental – e tinham escravos. Os “inconfidentes” clamavam por liberdade – e tinham escravos. Muitos pensadores, cientistas que ficaram conhecidos na humanidade, por certos pensamentos e descobertas, apresentavam comportamentos que hoje não aprovaríamos.
Nos anos 70, as moças começavam a querer ir além. Além do quê? Ora, além de ser dona de casa, mãe, cuidadora do lar. Ainda que isso estivesse incluído em suas escolhas seguintes. Queriam cursar uma faculdade, trabalhar, produzir, receber seu salário, ter voz e vez, sem se sujeitar a desejos alheios. E rir, dançar, beber um vinho, tomar um chopp, ser mulher, independente de precisar estar casada para isso. Sonhos, ora sonhos todas sempre os tivemos. E dependendo de onde vivêssemos, havia sonhos comuns.
As moças das cidades pequenas, dos bairros menos centrais, conservavam o seu provincianismo, tanto moral quanto social e material (mais ou menos como hoje até, guardadas as proporções tecnológicas).
A classe média começava a desejar continuar seus estudos além do Científico, do Clássico e do Normal (hoje nível médio). Os rapazes eram levados às 3 categorias incontestáveis: Medicina, Engenharia, Direito. Aqueles que almejavam fugir desse roteiro eram muito policiados pelos pais. Os concursos públicos para o Banco do Brasil ou para as carreiras militares eram o sonho de consumo de 9 entre 10 famílias – garantia de empregos eternos e de bons salários.
Foi nos bailes da vida, com orquestra, com músicos excelentes que esses anos chamados de chumbo nos embalaram. Todos que têm mais de 60 anos hoje vivenciaram o que lhes narro.
Já no final da década, as discotecas eram o auge dos embalos dos sábados à noite, por todo o país. No Rio, a New York, Nem York, em Ipanema, era o máximo. A rapaziada se sentia mesmo na cidade que lhe emprestava o nome. Em São Vicente, na Ilha Porchat, a famosa Pirata oferecia um clima de sedução e enlevo aos corpos, digamos assim. Dançava-se, ria-se, amava-se, e o país pegando fogo. Havia um certo delírio inconsciente-consciente de que o sonho não poderia se entregar sempre aos pesadelos. Aquilo tudo que cheirava à pólvora e correntes iria acabar, iria passar. E não voltaria nunca mais.
Assim os compositores e cantores da MPB iam nos alertando, sinalizando o contexto nacional e mostrando que nem só em O barquinho, da bossa-nova, poderíamos navegar mais.
E foi nos bailes da vida …

Texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Última imagem: Facebook de Letrinhas, viva

Vídeos:

1-3 Canal Loganbr 2015

2- Canal Simon & Garfunkel

4-5-6 Canal beegees

Vou te contar uma história, viu

CONTADORES E CONTADORES DE HISTÓRIAS
Conheci muita gente que sabia contar histórias: as verídicas, fazendo gestos, modulando a voz, buscando credibilidade etc. as de assombração ou de medo que traziam um certo tom de voz macabro, pausando em momentos estratégicos; as piadas engraçadas e escatológicas até, que exigiam certo cinismo, certa picardia e descompromisso inegáveis. Toda essa gente era boa de memória, improvisava, fazia as tais pausas da comédia etc. e quanto mais se exercitavam, melhoravam ainda mais. Mas isso é linguagem oral, é rapsodo, ραψῳδός , declamador mambembe que versa sobre aquilo que domina. Merecem destaque os contadores de causos tão admirados por nossas terras. Muitas vezes vão, como um Pedro Malasartes, derramando bravatas, aventuras, sem quaisquer intenções. Já quem conta um conto escrito deve ser mais cuidadoso ainda, visto que diz o que outros escreveram e não lhe cabe inserir cacos, reparos, interrupções na narrativa que maculem o que está escrito no livro que lê. Outra coisa é o encanto que as palavras devem despertar em quem ouve uma história. Aquilo tem que ter sabores, perfumes, cores, belezas muitas a tal ponto que seduza a quem ouve a ler também. Quando lemos histórias para crianças, para doentes, pessoas que não conseguem ler mais, devemos guardar essa sensibilidade e, sobretudo, essa responsabilidade, encantar. Sempre cito Sartre, que em seu livrinho As palavras, descreve a primeira vez em que sua mãe leu um livro pra ele na hora de dormir, diferente das vezes em que apenas lhe narrava uma história; seu encantamento em saber que aquelas bruxas e fadas estavam ali dentro daquele livrinho, iluminou sua vida inteira.

OUVINDO HISTÓRIA E DANDO VIDA AOS PERSONAGENS
Dessa vez, as crianças do Clubinho da Leitura pegaram nas mãos a criação e com massa de modelar deram forma e cor às personagens saídas das páginas do livro. (2017)

Leia as postagens sobre o Clubinho da Leitura Plácido José de Oliveira aqui: https://poesiasdemaosquesentem.wordpress.com/category/clubinho-da-leitura-de-barbacena/

Texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Arnaldo Antunes

Os sinos da minha aldeia

Não perca a celebração dos sinos. (Se não abrir, ouça no Youtube)

SINOS SIGNOS SINAIS
Quando eu nasci
menina
um anjo novo
bateu olhos em minhas mãos
e antes que eu os abrisse
recitou que aqueles longos dedos
seriam de uma pianista
sinos signos sinais
embalam as noites cariocas
no bercinho-cama-patente
daquela primavera de aromas floris
logo sinos inconfidentes badalarão
na Igreja Matriz
e batizarão a menina de dedos longos
ali anjos moços
colo quente da madrinha
olhar terno do padrinho
a pia batismal sob dois sinos signos tilintam
era domingo
era terra mineira
era celebração
os dedos de pianista
as mãos que sentem
seguem sinos
seguem signos
seguem sinais
os sinos da minha aldeia
anunciam
conduzem
enfeitam
o mistério das missas meninas das nove
a contrição das ave-marias das seis da tarde
o refúgio terreno de som celestial
quando eu nasci um anjo …

Poesia: Odonir Oliveira

Vídeos:

1- Canal Som dos Sinos

2- Canal TV Alfenas

Os saberes e os sabores: Patativa do Assaré

Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, nasceu na Serra de Santana, a 18 Km da cidade de Assaré, em 5 de março de 1909. Filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva, família pobre, perdeu o pai aos oito anos, passando a partir daí a trabalhar na roça para garantir o sustento da família.

Logo que ingressou na escola, aos doze anos, passou a escrever poesia e produzir pequenos textos. Quando ganhou uma viola da mãe, aos dezesseis anos, ingressou na arte dos repentes, apresentando-se em saraus e pequenas festividades de sua cidade natal.

O nome “Patativa” surgiu devido à semelhança entre seu canto e o do pássaro Patativa, ave nordestina que possui um canto mavioso e singular, quando o jovem poeta tinha apenas vinte anos. Com um nome artístico, passou a viajar pela região cantando seus repentes e apresentando-se várias vezes na rádio Araripe.

Sua obra tem grande destaque na literatura cearense. Um dos seus poemas mais conhecidos, “A triste partida”, foi cantado por Luiz Gonzaga, rei do baião.

Sua poesia experimentou as cantorias e seus desafios, o cordel e sua dicção repentista, a alfabetização iniciática e as leituras dos clássicos da poesia universal. Atravessou o limiar dos terreiros para se abrigar nas praças, junto aos feirantes. Invadiu as ondas do rádio e se difundiu na mídia de tal maneira que não há como classificá-lo entre “popular” e “erudito”, “regional” e “universal”, pois o canto de Patativa é eterno e universal 

A grande satisfação do poeta era “ser reconhecido” como cumpridor de sua missão de poeta, que destacou seu papel de defensor de seu “Caboclo roceiro” mesmo vivendo numa comunidade rural atrasada, dominada por coronéis que monopolizavam a agricultura, sendo refém do descaso dos governantes em relação ao problema da seca. Essa opressão nunca abateu seu ânimo: antes fortaleceu-o ainda mais, tornando-o um cidadão mais crítico, que através da sua poesia denunciava os problemas sociais e se defendia das investidas dos poderosos. Isso lhe custou uma rápida prisão e ameaças. Contudo, garantiu-lhe o título da qual se orgulhava: “poeta da justiça social”.

Patativa é considerado o gênio da literatura cearense, por ser um poeta dotado de habilidades especiais. Ele sempre teve consciência do seu dom e do seu valor como poeta. Ele afirma isso numa entrevista: “poeta que tenha criatividade como o Patativa tem, são poucos, viu? É raro”.

Patativa do Assaré faleceu aos 93 anos, em 8 de julho de 2002. Contudo, sua memória continua viva no Memorial Patativa do Assaré, na sua cidade natal, Assaré, sul do Ceará. Sua obra tem sido estudada por pesquisadores, professores, fruída nas universidades e fora dela. Também tem sido objeto de estudo de mestre e doutores.

Fonte: https://www.infoescola.com/biografias/patativa-do-assare/

O QUE A ESCOLA NÃO ENSINA (E DEVERIA ENSINAR)

Só se pode proteger aquilo que se vier a conhecer. Isso poderia ser a conclusão da argumentação, mas já vou declarando logo de início o que estou defendendo. Amo o meu país, e o meu país é O BRASIL. Assim, quanto mais conheço dele, mais me apaixono por ele.

A História contada pelos livros é insuficiente, por isso pesquisadores saem a campo, bebendo a História de nossa gente, sua cultura, suas influências, enfim seus SABERES e SABORES. E são valiosíssimos. Entretanto, não estou falando de cópias vadias de costumes estrangeiros, músicas estrangeiras, valores estrangeiros a nós, ainda que sejamos soma, aglutinação de saberes. Falo de ouvirmos a nós mesmos, aos nossos avós, bisavós, trisavós, registrarmos o que aprendermos com eles e revitalizarmos nossa cultura, atribuindo a ela o alto valor que possui.

Não sou xenófoba, mas ir viver in USA pra mim é o “Ó”, cafoníssimo, como já fora a imitação Miami/ Barra da Tijuca etc. Valorizemos o que é BRASIL, por favor, em prosa e verso, nada mais perverso que ser enganado por se sentir pior que os outros, os nascidos em outros países. Só quem NÃO CONHECE O BRASIL, sua história, seus sabores e saberes é que super valoriza tudo aquilo que vem de fora.

Nos anos de 1960, os jovens passaram a só valorizar a cultura americana, o cinema americano, os produtos industrializados americanos – quando na maioria das vezes eram feitos com a matéria-prima que exportávamos para eles. Mas se desconhecia isso. Tudo que era bom vinha de lá. E o cinema então? O europeu, o americano é que “faziam a cabeça subserviente dos jovens”, doutrinando-os a valorizar apenas o que era estrangeiro. Até o hábito/vício de fumar veio de lá, do glamour dos filmes europeus/americanos. Brasileiros queriam copiar, ser como eles.

Por outro lado, a riqueza da cultura brasileira ficava subjugada, desvalorizada, pagando preços altos. Grandes escritores do mundo inteiro, por exemplo, sempre valorizaram nossa cultura, nossa música, nossa natureza privilegiada. Porém por aqui, se conhecia a Europa e não se conhecia o Nordeste, as cidades históricas mineiras, o sul do país … Um comportamento empobrecido de colonizados que fazem genuflexão para os colonizadores, os bajulam, os adulam – talvez, na esperança de se tornarem um deles e abjurar o fato de serem BRASILEIROS. Tristes gentes.

A ESCOLA tem papel importantíssimo no ensino do reconhecimento do que é ser BRASILEIRO. Estudar a História da Europa, sua formação etc. “casadinha” com a História do Brasil – independentemente de cronologias – os meninos e meninas sabem fazer reflexões, comparações, hipotetizar, concluir … é só lhes ensinar. Ensinar Literatura Brasileira e Portuguesa “casadinha” com música brasileira (do país inteiro) e depois clássicos universais nessa coreografia. A Matemática, a Física , a Química são utilizadas cotidianamente, portanto ensinemos isso aos alunos, ressignifiquemos seu ensino, o quê e para quê. Deixemos de ensinar apenas FÓRMULAS ABSTRATAS, que os gregos demoraram muitos e muitos anos para chegarem a elas, depois de observações e de vivências (E as escolas querem que a moçada de 15 anos as abstraia e as aplique com mestria, ora, ora). Sem falar no ensino da Geografia física casmurra e decorativa, sem vivências, negando o ensino de Geografia política, da Geopolítica. Assim fica muito difícil. Muito mais difícil.

Assim, se em outros tempos os professores detinham status de donos do conhecimento, hoje devem ser facilitadores de acesso ao conhecimento, conhecer as didáticas, ensinar a pesquisa, a refinar as pesquisas, a fazer relações, a concluir. Material para informação há aos bytes e bytes, saber processá-lo, transformar INFORMAÇÃO EM CONHECIMENTO, SABERES EM SABORES ainda é função precípua dos professores. E só se consegue valorizar e proteger aquilo que se pode conhecer. De verdade.

“A fragmentação dos saberes”, Claudia Costin

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/claudia-costin/2021/03/a-fragmentacao-dos-saberes.shtml

Post dedicado ao poeta blogueiro “cordelista/repentista”, Estevam Matiazzi – que afirma que nunca soube disso. Mas seu esquema rímico dança o ritmo do cordel (em temas) e do repente (em rimas).

Texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Gabrielly

2- Canal luciano hortencio

3- Canal Jhow SOJA