RECEPÇÃO POÉTICA: Fui à padaria, e como não tenho saído, dei de cara com essa recepção poética a poucos metros de casa. Não há como ignorar quem escreveu isso nesse muro. Em um mundo escuro, pandêmico, adoecido, enlouquecido, há que se fazer reverência àquele(a) que pinta LIRISMO NO MURO DE UM TERRENO BALDIO.
Ao levantar, bem antes de tomar café, fui ter com as orquídeas de árvore do quintal. Levei meu lambe-lambe porque quando me sento para refletir e respirar flores, estou sempre pronta a fotografar. Já estava me despedindo do cenário, para ir coar meu café no coador e beber seu aroma, quando dei de cara com uma libélula mascarada de orquídea. A bonita se fingia de morta. Capturei-a em ângulos diversos. Imóvel, fingia-se de morta. Mas para quem?
O assediador viera antes e a caçara para cópula não consentida. Ela gritara “Não é não”. Mas o macho patriarcal nem sequer ouvira seus apelos. Vinha perseguindo a bela libélula, incansavelmente. Restava a ela a única alternativa dominical, fingir-se de orquídea, fazer-se de morta, enfim, defender-se do macho alfa hetero dominador. Entendeu?
Observei a libélula acossada e morta-viva, linda, deixando seu voo para trás, interrompendo sua liberdade de ir e vir, por não poder escolher. Se quisesse copular, diria “sim“, faria voos de sedução, se abraçaria em dança de ir e vir com o macho escolhido. Caso não desejasse, recusaria. Caberia a libélula macho buscar outra. Existem milhares e milhares querendo ser copuladas, ora, ora. Agora … aquela libélula não estava disposta àquele gorjeio do macho. Ele não a agradara. Simples assim.
Entendi a visita dominical da linda libélula, um ser repleto de instinto e sabedoria.
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Aparecida Maria era moça linda. Tinha pele muito branquinha, olhos muito verdes e vaidades. Muitas. Casou-se e teve 2 meninos. O marido não era lá aquela coisa, mas trazia o capital para uma vida mediana no balneário. Os garotos foram crescendo e foi aí que numa tarde o pai deles saiu pra comprar cigarros, sem nem mesmo se despedir. Sabe a senha dos covardes? Então, foi com ela que o homem se foi para sempre.
Cida começou a trabalhar como secretária da Escola Estadual, ganhava pouco. Os 2 meninos de olhos verdes, como os da mãe, eram lindos; o mais velho muito branquinho, o mais novo moreno, com a cara e, principalmente, o olhar malandro do pai. Vida dura a deles 3.
Naquela tarde no balneário, Cida conheceu o Doutor. Guiava um belo carro conversível pela orla da praia, sozinho. Olhou pra ela, sentada, sozinha, no banco de cimento, virada para a Avenida – e não para o mar – parecia mesmo estar aguardando um presente de Iemanjá, mas do lado oposto, sobre os trilhos, recortados por paralelepípedos, do balneário.
O Doutor F. era homem rico, construtor de avenidas, pontes, viadutos, tinha ligações políticas certeiras e – casado. Cida foi sua amante por mais de 40 anos, quando ele morreu. Durante todos aqueles anos mudou-se do balneário para a capital, uma meia deia dúzia de vezes, num vai-e-vem sentimental – digamos assim. Seus 2 filhos fizeram cursos em faculdades particulares. Cida tinha sempre carro do ano, boas roupas, fazia viagens, era exigente e sabia conseguir o que queria, aquilo que precisava. E tinha lindos olhos verdes. Jamais esboçou uma cena de ciúme, uma cobrança sentimental sequer. Doutor F. estava na cidade? Ela estava pronta a adoçar seu corpo com veludos e mel.
Já pela entrada dos anos, um dia foi surpreendida olhando uma bela foto sua, em preto e branco, aos 20 anos. Estava estática. Perguntada sobre o que estava admirando, respondeu, “Estou comparando meu rosto com o dessa foto. Vou tentar fazer uma plástica para ter de novo esse rosto“. E riu, emoldurada por um par de verdes olhos.
CARCAMANOSMEZZO A MEZZO
Filha de italianos, Martina Maria era moça prendada. Costurava muito bem, cozinhava muito bem e obedecia muito bem. Homem bom é o que cuida bem da família, traz dinheiro pra casa, acompanha a família no que ela precisa.
Casou-se aos vinte e poucos anos, numa cerimônia simples, italiana e teve duas filhas. Criou-as da forma que foi criada. E, embora o marido fosse homem sem muitas letras, com dois lindos olhos azuis como faróis, não falava docemente não. Impunha-se, jogava pelota no clube com os amigos nas manhãs de domingo, se atrasando para o almoço e outras farras, as escondia. E bem. Ninguém nunca lhe soube de um deslize, nem amoroso, nem material. Tiveram bens materiais e isso era o mais importante. Não deixava faltar nada em casa. Casaram bem as duas filhas, com festas patrocinadas pelo pai da noiva, claro. Gostavam de almoçar fora aos domingos, e as cantinas italianas eram as preferidas. Bebiam vinho vermelho, ficavam com seus rostos vermelhos e riam. Muito.
Naquela tarde a filha mais velha, recém-casada, reclamava com a mãe sobre o comportamento do marido. Martina Maria ouviu tudo e lhe respondeu “Para de implicar com ele. Homem não gosta, nem aguenta tanta cobrança assim não. Deixa pra lá”. A filha, então, acalmou-se.
DONA DE UM CORAÇÃO FADISTA
Fátima era filha de portugueses. Meio metro de altura. Aprendeu a cozinhar pratos de origem portuguesa. Ela e mais 2 irmãos homens cresceram no balneário, em uma família que cultivava fados e bacalhoadas. Casou-se com um dos homens mais altos da cidade. Talvez com uns 40 centímetros a mais que ela. Bonito, em terno de linho branco, frequentava o cassino e jogava muito. Quando ganhava, era vida de milionário em casa, com tudo do bom e do melhor. Quando perdia, ficavam sem água, luz e comida na mesa. Costumava percorrer mesas de jogo e camas de mulheres de todos os feitios e safadezas vulgares.
Deu que se foi. Mais tarde se soube que fora viver na capital do país, em outro balneário, com uma mulher rica, livre. Nunca mais viu os 2 meninos. Só no caixão, anos mais tarde.
Fátima Maria passou a trabalhar como secretária naquele escritório de importação. Era a fiel escudeira do dono, do importador. Frequentava a casa dele, mantinha relações de amizade com sua esposa e as filhas. Foi comprando, aos poucos, imóveis no centro do balneário, salas comerciais etc. Criou os 2 rapazes.
Anos bem mais tarde, foi viver com um alto funcionário, um fiscal federal do porto. Tinha a mesma altura dela. Aliás, ele, divorciado, pai de 3 filhos casados, é que foi viver com ela. Pagou a faculdade particular para os 2 filhos dela, deu-lhe carro novo, e custeou sua vida por mais de 10 anos. Era meio casmurro, gostava de ler, permanecia recolhido no quarto, escrevendo, falando pouco. Mal sabia ele que os tratamentos dentários a que ela se submetia lhe custavam muito mais do que os orçamentos. E assim com as outras compras da casa. Fátima superfaturava notas. E guardava dinheiro. O tal fiscal apreciava cheiro de mulher. Na verdade, pagava por ele. E assim foi.
Depois de anos, cansou-se. Nas auditorias de pente fino foi descobrindo muitas inverdades naquele relacionamento. Ela o traía – talvez no que há de mais sagrado para um homem – no bolso.
No início do século XX, no Brasil, os padres recomendavam que se acrescentasse ao nome da menina o de Maria. E assim iam sendo batizadas as mulheres.
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“Nascidas nos anos cinquenta”, na categoria: ESCUTADORA DE HISTÓRIAS DE MULHERES
Compareci ontem a esse encontro online e pude aprender ainda mais sobre a cidade de Barbacena. O livro Cores de Barbacena chega em forma de almanaque, com telas aquareladas por Waldir Damasceno, a partir de extensa pesquisa de Doorgal Andrada e Edson Brandão. Tinham em mãos fotos, às vezes de jornais, que pouco detalhavam os espaços. Saíram a campo em busca de histórias, localizações, aspectos e cores daquilo que viam nas fotos. Daí, nasceram as aquarelas. Fizeram muitas entrevistas com pessoas bastante idosas (o que amo fazer) – patrimônios de uma cultura e, sobre tudo isso, o artista recoloriu a cidade de Barbacena. E já vem aí uma 2ª edição, ampliada, com mais aquarelas.
ESSA BARBACENA
Barba -acena Sobe Desce Venta Queima sol Olha rosas Olha Rua Quinze Olha Escola de Cadetes Olha a Cabana da Mantiqueira Olha as pedras Tropeça Levanta Cai Levanta Olha mais Olha isso aquilo, olha Que Visconde de Barbacena que nada. Que cidade de loucos que nada Que gente boa de tudo!
Ah, Barbacena! Acena traz teus filhos todos de volta Que a gente muda esse negócio de política leite com leite Vota de novo Muito bem E reconstrói esse país.
Eh, Minas, Eh, Minas !
SILÊNCIOS
Tilintam as noites de ser Badalam os órgãos de ter Retinam os sussurros Uivam os guinchos de sangue Trombeteiam anjos com anúncios Clamam plangentes por contornos internos. Presságios de sons, tons Presságios de sinos, hinos avisos anúncios apelos ressoam Trinados brados recados. Novenas nascimentos batismos enlaces mortes.
Não, mas por que não ouço mais os sinos da minha aldeia?
AQUI JAZEM
corpos vivos corpos mortos corpos uns corpos outros um pai uma mãe um avô uma avó um tio uma tia uma família uma ninhada, um rebanho constelação de corpos. uma colina, uma pedra fria o mármore, o granito o começo do fim o pó a pedra a flor no jardim.
Aqui jazem meus ossos minha raiz.
CONFISSÃO: A cada foto, a cada fato que leio, que conheço sobre essa cidade, sinto-me muito mais próxima de meus pais e de meus avós. Creio que de lá onde devem estar, estejam adorando essa minha viagem “ao centro de tudo”. E eu também, minha gente.
Eu sou apenas um menino pobre Embora minha história é raramente contada Eu despedacei minha resistência Em troca de um bolso cheio de resmungos, como promessas Tudo mentiras e chacota, ainda um homem escuta O que quer escutar E descarta o resto Quando eu deixei meu lar e minha família Eu não era mais do que um menino Na companhia de estranhos Na quietude de uma estação de trem fugindo amedrontado Mantendo-se escondido, buscando os quartos mais baratos Onde o povo esfarrapado vai Procurando os lugares Que apenas eles conheciam Lie-la-lie Solicitando apenas salário de trabalhador Eu vim procurando por um emprego, mas não consigo nada Só um “Venha aqui” das prostitutas Da Sétima Avenida Eu declaro Houve momentos em que estava tão solitário Que tomei algum conforto lá La la lie lie lie lie lie Lie-la-lie Então estou estendendo minha roupa de inverno E desejando que estivesse partido indo para casa Onde o inverno da cidade de Nova York Não estivesse me sangrando Me levando, indo para casa Na clareira em pé está o boxeador Um lutador por ofício E ele carrega uma lembrança De cada luva que lhe abateu Ou lhe cortou até gritar Em sua raiva e sua vergonha “Estou indo embora, estou indo embora” Mas o lutador ainda permanece Lie-la-lie
(Tradução: Vagalume)
FOI NOS BAILES DA VIDA Os anos de 1970 tiveram em si muitas mudanças. Só quem viveu neles, talvez, possa dizê-los com propriedade. Esperanças não faltavam. De quê? Ora de tudo. De mais liberdade, de cidadania, de poder de escolhas, de traçar rumos sociais diferentes daqueles tão hipócritas que presenciávamos. Minha mãe repetia sempre “A sociedade é aquilo que nada nos dá e tudo nos cobra”, pois é, Dona Itália. Foi, é, e creio que sempre será assim. Os papeis que ela nos obriga a viver nos sufocam, nos algemam, nos amarguram e nos enlouquecem até. Sempre certa, a minha velha. Se quisermos seguir a nossa essência, haveremos de nos desnudar, sermos íntegros e já estarmos cientes de que pagaremos preços altíssimos por isso. Até a década de 60, víamos, não raro, casamentos por interesses de toda ordem, jovens fugindo de sua orientação sexual inaceita (inclusive por eles mesmos) para ordenações sacerdotais, tornando-se padres e freiras; havia outros que não se expunham nunca, temendo qualquer perseguição social, política, religiosa e assim iam caminhando para uma neurastenia cruel, para uma esquizofrenia semeada e até aos suicídios. Mário de Andrade escreveu que “O passado é feito para se refletir, não para se reproduzir”. A vida nos pede consciência crítica, reflexão e posicionamento. Isso não quer dizer que não devamos amar nossos pais, nossos avós etc. mas observarmos que viveram em um contexto e naquilo acreditavam. Ainda que houvesse certas discordâncias de tudo aquilo. Os gregos criaram a democracia etc. toda a base civilizatória e humanista ocidental – e tinham escravos. Os “inconfidentes” clamavam por liberdade – e tinham escravos. Muitos pensadores, cientistas que ficaram conhecidos na humanidade, por certos pensamentos e descobertas, apresentavam comportamentos que hoje não aprovaríamos. Nos anos 70, as moças começavam a querer ir além. Além do quê? Ora, além de ser dona de casa, mãe, cuidadora do lar. Ainda que isso estivesse incluído em suas escolhas seguintes. Queriam cursar uma faculdade, trabalhar, produzir, receber seu salário, ter voz e vez, sem se sujeitar a desejos alheios. E rir, dançar, beber um vinho, tomar um chopp, ser mulher, independente de precisar estar casada para isso. Sonhos, ora sonhos todas sempre os tivemos. E dependendo de onde vivêssemos, havia sonhos comuns. As moças das cidades pequenas, dos bairros menos centrais, conservavam o seu provincianismo, tanto moral quanto social e material (mais ou menos como hoje até, guardadas as proporções tecnológicas). A classe média começava a desejar continuar seus estudos além do Científico, do Clássico e do Normal (hoje nível médio). Os rapazes eram levados às 3 categorias incontestáveis: Medicina, Engenharia, Direito. Aqueles que almejavam fugir desse roteiro eram muito policiados pelos pais. Os concursos públicos para o Banco do Brasil ou para as carreiras militares eram o sonho de consumo de 9 entre 10 famílias – garantia de empregos eternos e de bons salários. Foi nos bailes da vida, com orquestra, com músicos excelentes que esses anos chamados de chumbo nos embalaram. Todos que têm mais de 60 anos hoje vivenciaram o que lhes narro. Já no final da década, as discotecas eram o auge dos embalos dos sábados à noite, por todo o país. No Rio, a New York, Nem York, em Ipanema, era o máximo. A rapaziada se sentia mesmo na cidade que lhe emprestava o nome. Em São Vicente, na Ilha Porchat, a famosa Pirata oferecia um clima de sedução e enlevo aos corpos, digamos assim. Dançava-se, ria-se, amava-se, e o país pegando fogo. Havia um certo delírio inconsciente-consciente de que o sonho não poderia se entregar sempre aos pesadelos. Aquilo tudo que cheirava à pólvora e correntes iria acabar, iria passar. E não voltaria nunca mais. Assim os compositores e cantores da MPB iam nos alertando, sinalizando o contexto nacional e mostrando que nem só em O barquinho, da bossa-nova, poderíamos navegar mais. E foi nos bailes da vida …
CONTADORES E CONTADORES DE HISTÓRIAS Conheci muita gente que sabia contar histórias: as verídicas, fazendo gestos, modulando a voz, buscando credibilidade etc. as de assombração ou de medo que traziam um certo tom de voz macabro, pausando em momentos estratégicos; as piadas engraçadas e escatológicas até, que exigiam certo cinismo, certa picardia e descompromisso inegáveis. Toda essa gente era boa de memória, improvisava, fazia as tais pausas da comédia etc. e quanto mais se exercitavam, melhoravam ainda mais. Mas isso é linguagem oral, é rapsodo, ραψῳδός , declamador mambembe que versa sobre aquilo que domina. Merecem destaque os contadores de causos tão admirados por nossas terras. Muitas vezes vão, como um Pedro Malasartes, derramando bravatas, aventuras, sem quaisquer intenções. Já quem conta um conto escrito deve ser mais cuidadoso ainda, visto que diz o que outros escreveram e não lhe cabe inserir cacos, reparos, interrupções na narrativa que maculem o que está escrito no livro que lê. Outra coisa é o encanto que as palavras devem despertar em quem ouve uma história. Aquilo tem que ter sabores, perfumes, cores, belezas muitas a tal ponto que seduza a quem ouve a ler também. Quando lemos histórias para crianças, para doentes, pessoas que não conseguem ler mais, devemos guardar essa sensibilidade e, sobretudo, essa responsabilidade, encantar. Sempre cito Sartre, que em seu livrinho As palavras, descreve a primeira vez em que sua mãe leu um livro pra ele na hora de dormir, diferente das vezes em que apenas lhe narrava uma história; seu encantamento em saber que aquelas bruxas e fadas estavam ali dentro daquele livrinho, iluminou sua vida inteira.
OUVINDO HISTÓRIA E DANDO VIDA AOS PERSONAGENS Dessa vez, as crianças do Clubinho da Leitura pegaram nas mãos a criação e com massa de modelar deram forma e cor às personagens saídas das páginas do livro. (2017)
SINOS SIGNOS SINAIS Quando eu nasci menina um anjo novo bateu olhos em minhas mãos e antes que eu os abrisse recitou que aqueles longos dedos seriam de uma pianista sinos signos sinais embalam as noites cariocas no bercinho-cama-patente daquela primavera de aromas floris logo sinos inconfidentes badalarão na Igreja Matriz e batizarão a menina de dedos longos ali anjos moços colo quente da madrinha olhar terno do padrinho a pia batismal sob dois sinos signos tilintam era domingo era terra mineira era celebração os dedos de pianista as mãos que sentem seguem sinos seguem signos seguem sinais os sinos da minha aldeia anunciam conduzem enfeitam o mistério das missas meninas das nove a contrição das ave-marias das seis da tarde o refúgio terreno de som celestial quando eu nasci um anjo …
Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, nasceu na Serra de Santana, a 18 Km da cidade de Assaré, em 5 de março de 1909. Filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva, família pobre, perdeu o pai aos oito anos, passando a partir daí a trabalhar na roça para garantir o sustento da família.
Logo que ingressou na escola, aos doze anos, passou a escrever poesia e produzir pequenos textos. Quando ganhou uma viola da mãe, aos dezesseis anos, ingressou na arte dos repentes, apresentando-se em saraus e pequenas festividades de sua cidade natal.
O nome “Patativa” surgiu devido à semelhança entre seu canto e o do pássaro Patativa, ave nordestina que possui um canto mavioso e singular, quando o jovem poeta tinha apenas vinte anos. Com um nome artístico, passou a viajar pela região cantando seus repentes e apresentando-se várias vezes na rádio Araripe.
Sua obra tem grande destaque na literatura cearense. Um dos seus poemas mais conhecidos, “A triste partida”, foi cantado por Luiz Gonzaga, rei do baião.
Sua poesia experimentou as cantorias e seus desafios, o cordel e sua dicção repentista, a alfabetização iniciática e as leituras dos clássicos da poesia universal. Atravessou o limiar dos terreiros para se abrigar nas praças, junto aos feirantes. Invadiu as ondas do rádio e se difundiu na mídia de tal maneira que não há como classificá-lo entre “popular” e “erudito”, “regional” e “universal”, pois o canto de Patativa é eterno e universal
A grande satisfação do poeta era “ser reconhecido” como cumpridor de sua missão de poeta, que destacou seu papel de defensor de seu “Caboclo roceiro” mesmo vivendo numa comunidade rural atrasada, dominada por coronéis que monopolizavam a agricultura, sendo refém do descaso dos governantes em relação ao problema da seca. Essa opressão nunca abateu seu ânimo: antes fortaleceu-o ainda mais, tornando-o um cidadão mais crítico, que através da sua poesia denunciava os problemas sociais e se defendia das investidas dos poderosos. Isso lhe custou uma rápida prisão e ameaças. Contudo, garantiu-lhe o título da qual se orgulhava: “poeta da justiça social”.
Patativa é considerado o gênio da literatura cearense, por ser um poeta dotado de habilidades especiais. Ele sempre teve consciência do seu dom e do seu valor como poeta. Ele afirma isso numa entrevista: “poeta que tenha criatividade como o Patativa tem, são poucos, viu? É raro”.
Patativa do Assaré faleceu aos 93 anos, em 8 de julho de 2002. Contudo, sua memória continua viva no Memorial Patativa do Assaré, na sua cidade natal, Assaré, sul do Ceará. Sua obra tem sido estudada por pesquisadores, professores, fruída nas universidades e fora dela. Também tem sido objeto de estudo de mestre e doutores.
Só se pode proteger aquilo que se vier a conhecer. Isso poderia ser a conclusão da argumentação, mas já vou declarando logo de início o que estou defendendo. Amo o meu país, e o meu país é O BRASIL. Assim, quanto mais conheço dele, mais me apaixono por ele.
A História contada pelos livros é insuficiente, por isso pesquisadores saem a campo, bebendo a História de nossa gente, sua cultura, suas influências, enfim seus SABERES e SABORES. E são valiosíssimos. Entretanto, não estou falando de cópias vadias de costumes estrangeiros, músicas estrangeiras, valores estrangeiros a nós, ainda que sejamos soma, aglutinação de saberes. Falo de ouvirmos a nós mesmos, aos nossos avós, bisavós, trisavós, registrarmos o que aprendermos com eles e revitalizarmos nossa cultura, atribuindo a ela o alto valor que possui.
Não sou xenófoba, mas ir viver in USA pra mim é o “Ó”, cafoníssimo, como já fora a imitação Miami/ Barra da Tijuca etc. Valorizemos o que é BRASIL, por favor, em prosa e verso, nada mais perverso que ser enganado por se sentir pior que os outros, os nascidos em outros países. Só quem NÃO CONHECE O BRASIL, sua história, seus sabores e saberes é que super valoriza tudo aquilo que vem de fora.
Nos anos de 1960, os jovens passaram a só valorizar a cultura americana, o cinema americano, os produtos industrializados americanos – quando na maioria das vezes eram feitos com a matéria-prima que exportávamos para eles. Mas se desconhecia isso. Tudo que era bom vinha de lá. E o cinema então? O europeu, o americano é que “faziam a cabeça subserviente dos jovens”, doutrinando-os a valorizar apenas o que era estrangeiro. Até o hábito/vício de fumar veio de lá, do glamour dos filmes europeus/americanos. Brasileiros queriam copiar, ser como eles.
Por outro lado, a riqueza da cultura brasileira ficava subjugada, desvalorizada, pagando preços altos. Grandes escritores do mundo inteiro, por exemplo, sempre valorizaram nossa cultura, nossa música, nossa natureza privilegiada. Porém por aqui, se conhecia a Europa e não se conhecia o Nordeste, as cidades históricas mineiras, o sul do país … Um comportamento empobrecido de colonizados que fazem genuflexão para os colonizadores, os bajulam, os adulam – talvez, na esperança de se tornarem um deles e abjurar o fato de serem BRASILEIROS. Tristes gentes.
A ESCOLA tem papel importantíssimo no ensino do reconhecimento do que é ser BRASILEIRO. Estudar a História da Europa, sua formação etc. “casadinha” com a História do Brasil – independentemente de cronologias – os meninos e meninas sabem fazer reflexões, comparações, hipotetizar, concluir … é só lhes ensinar. Ensinar Literatura Brasileira e Portuguesa “casadinha” com música brasileira (do país inteiro) e depois clássicos universais nessa coreografia. A Matemática, a Física , a Química são utilizadas cotidianamente, portanto ensinemos isso aos alunos, ressignifiquemos seu ensino, o quê e para quê. Deixemos de ensinar apenas FÓRMULAS ABSTRATAS, que os gregos demoraram muitos e muitos anos para chegarem a elas, depois de observações e de vivências (E as escolas querem que a moçada de 15 anos as abstraia e as aplique com mestria, ora, ora). Sem falar no ensino da Geografia física casmurra e decorativa, sem vivências, negando o ensino de Geografia política, da Geopolítica. Assim fica muito difícil. Muito mais difícil.
Assim, se em outros tempos os professores detinham status de donos do conhecimento, hoje devem ser facilitadores de acesso ao conhecimento, conhecer as didáticas, ensinar a pesquisa, a refinar as pesquisas, a fazer relações, a concluir. Material para informação há aos bytes e bytes, saber processá-lo, transformar INFORMAÇÃO EM CONHECIMENTO, SABERES EM SABORES ainda é função precípua dos professores. E só se consegue valorizar e proteger aquilo que se pode conhecer. De verdade.
Post dedicado ao poeta blogueiro “cordelista/repentista”, Estevam Matiazzi – que afirma que nunca soube disso. Mas seu esquema rímico dança o ritmo do cordel (em temas) e do repente (em rimas).