UM FILHO HOMEM
NÃO CHORE, MINHA CRIANÇA
A LENDA
(Com todo o meu amor, para minha filha Carla)
UM FILHO HOMEM
NÃO CHORE, MINHA CRIANÇA
A LENDA
(Com todo o meu amor, para minha filha Carla)
OLHOS JUVENIS
Quando se é criança, adolescente, as proporções são quase sempre dilatadas. Imagina-se tudo enorme, de uma grandiosidade incomparável. A rua de casa é muito comprida, o caminho até a escola, idem. O bairro em que se vive é infinitamente grande… tudo assim.
A casa-lar então, parece gigante. Tudo fica enormizado por dentro e por fora. As sensações são ampliadas ao máximo e assim se eternizam na gente.
Quando, anos depois, retornamos àqueles mesmos lugares, àqueles mesmos episódios, aos sabores de infância e aos perfumes que nos pulverizaram tantos momentos, descobrimos, para nossa surpresa e até para nossa tristeza, essa realidade impensável. Nada era daquele jeito que se havia guardado na memória afetiva.
Em visita a Belo Horizonte, em novembro, encontrei na Pampulha muito da infância-adolescência das férias que ali passei.
Entre as graças e o charme disso, achei na Pampulha os coquinhos de meus anos de alegria no Rio. Por eles, caí de um morrinho, quebrei a perna em 3 lugares e fiquei de molho por uns meses. O sabor deles estava na minha boca como quando tinha os 12 anos do acidente.
Tratei logo de atirar um ao chão de asfalto, correr para alcançá-lo e saborear aquela imagem de infância. Esqueci que o fazíamos sentados, com um porção deles no chão, e, escarrapachados, os quebrávamos com martelo ou até paralelepípedos soltos dos calçamentos. Grudava nos dentes, principalmente na parte interna, tínhamos que passar a língua muitas e muitas vezes para desagarrarem. Depois quebrávamos a amêndoa que havia dentro para comermos os dois coquinhos brancos que ficavam lá.Sabor de festa eterna.
Dessa vez não tive aquela sensação. Aquela, igual à de antes. Tive muita dificuldade pra quebrar a amêndoa, ela fugia de mim, ri muito disso. Eu, em casa, perseguindo um coquinho pequenino que escapulia várias vezes de meu martelo.
Tanta alegoria há em comer coquinhos nessa vida, Fernando Pessoa ! Mais do que comer chocolates.
Na verdade, hoje desejo a vida, apenas, sem mistificação. Os coquinhos pelos quais atirei minha vida na estrada cheia de carros , a ponto de ser atropelada, e, chorando, caminhei noturna e solitariamente por ela, apenas para sentir o mesmo ar de um Iguaçu qualquer, não poderia ser o mesmo que o daquele sabor antes deliciado, lentamente, língua sobre lábios, dentes e perfume … dos meus coquinhos da infância.
Voltei de BH , como quem volta de um túnel que leva nada a lugar algum. Voltei como fui, pela auto-estrada, não por ferrovia. O trem ficou de lado, em paralelo. E paralelas são linhas que jamais se encontram, sabe-se bem.
Vou saboreando os coquinhos-metáfora, aos poucos, lambendo as feridas que me fizeram na boca, nas gengivas, nos dentes.
A idade torna tudo mais profundo. Retornar aos caminhos percorridos só mesmo para saber que são aqueles os que não se quer percorrer mais. Só para isso.
Texto: Odonir Oliveira
Fotos: Arquivo pessoal
Vídeo: Canal Hoodoo You Love?
ANAMNÉSE
ANÁLISE
SÍNTESE
Em tempo: Recebo uma complementação a esse post. Acrescento aqui, então.
Poesias: Odonir Oliveira
Imagens do pintor russo Andre Kohn
1º Vídeo: Canal Hayden Clement
2º Vídeo: Canal rezniknow
3º Vídeo: Canal marius b
4º Vídeo: Canal Chico Cesar
Amiga Isa,
Mesmo estando aí nos EUA, você comparece aqui em meu blog, diariamente. Sei disso. Portanto, não nos separamos.
Quando em 1968, fui embora para o Grajaú e três anos depois para São Paulo, jamais imaginaria tudo que nos aconteceria nesses anos todos.
Sua casa, a de número 2, ficava em frente à minha. Espelho da minha morada, lembro-me de seu alpendre que, diferente do meu, não tinha os móveis de ferro. Era vazio para que, depois do almoço, pudéssemos sentar ali no chão e conversarmos, sonharmos com o futuro de nós. Tenho em mim tudo que a minha memória afetiva côa. Lembro-me do Tejo, bravo cão que ficava no jardim lateral esquerdo da casa. Assustava espantando quem quisesse chegar mais perto. Todos tínhamos medo do Tejo, um pastor zangado, para nós.
Dona Nadege foi nossa professora alfabetizadora na Escola do Círculo Operário: “A Cartilha que eu queria”. Lembra ?
Como não lembrar de dona Iva, linda mulher, de fala doce, que fazia bolos de tabuleiros às tardes, cheirosos, que eu ia comer com prazer. Depois Sessão da Tarde.
E como éramos estudiosas, não é? Você sempre escreveu bem, tinha letra graciosa, era educada, suave como dona Iva.
Isaías, o Dedé, era excelente aluno. Sempre estivemos entre os primeiros no Barão de Mauá. Até para concorrermos ao discurso de orador na formatura do ginásio, fomos companheiros. Eu escrevera um texto meio meloso, triste até (porque naquele ano nos separaríamos, a FNM fora vendida e os nossos pais indenizados etc.). Já ele fora mais objetivo, mais masculino nas palavras. Venceu e foi o orador dos formandos de 1968.
Só fui vencer, aos 18, 3 anos depois, com meu discurso de formatura do curso normal. Para padrinho convidei meu querido professor Josemar Contage, primeiro amor, desde os 13 anos. Ele foi, Isa, me deu de presente um lindo anel de professora e disse que eu já era uma mulher, estava muito diferente. Elogiou meu discurso, minha beca, meu capelo, símbolos daquela formatura. Nunca mais o vi. Faleceu anos depois. Há um colégio estadual em Petrópolis em sua homenagem.Creio que você não sabia dessas marcas em mim, não é ?
Nossos pais oriundos de outros estados, hábitos diferentes de um Brasil antigo, que não existe mais. O seu, maranhense; o meu, mineiro. Trabalhadores metalúrgicos que entravam às sete e saíam às dezessete, quando não faziam serão para receberem um pouco mais em seus salários e poderem cuidar mais e melhor de suas famílias. A minha com 5 filhos, pai e mãe. A sua com 3 filhos, pai e mãe.
Você se recorda do terreno enorme atrás da minha casa? Quantas e quantas bananeiras, goiabeiras, mangueiras, laranjeiras de doces limas e seletas de primeira. Ainda havia nossas galinhas, patos, uma cabritinha e sua filhinha, além dos cachorros que aportavam por lá.
A banda marcial do Barão de Mauá, na fanfarra, eu tocava flautinha com todo o empenho. Saia branca de pregas, camisa branca, boina branca, colete azul céu, sapatos e polainas pretas. Uma honra pertencer à banda do seu Joel.
O Cine FNM, a que a moçada ia aos domingos, depois da missa das nove. Depois era o almoço domingueiro, andar de bicicleta, conversar na varanda, ouvir música na frente da casa da Cristina, na vitrolinha do Gilberto- o Betinho. Não me esqueço de um detalhe.
Isa, lembra de onde comprávamos leite, pão, carne, doces … ? No Mercado. Ali também eu comprava giz pra poder brincar de escola, escrevendo no quadro-negro que meu pai havia feito pra mim, no seu “barracão” de ferramentas. Lembre-se, meu pai era fresador ferramenteiro, né.
A aventura mais atrevida que vivemos, eu, você e o Dedé foi em 1965. Depois de retornarmos do colégio em Petrópolis, fomos “escalar morrinho” e entramos no quintal do Paulo e do Zé Luiz, pelo morro. Lá havia esses deliciosos coquinhos, madurinhos, num saco de aniagem, lembra, né. Não havia ninguém na casa deles.
Escorreguei, caí de lá, quebrei a tíbia, o calcanhar e o perônio. Vocês, morrendo de medo, me pediam “não conte que a gente estava aqui fazendo essa arte”. Em seguida, me socorreram. Eu ia pulando com um pé só, o esquerdo quebrado suspenso e com muita dor. Era dia 13 de outubro. O mano mais velho aniversariava. Foram quase 3 meses imobilizada: gesso, coceiras, sem poder ir a aulas em Petrópolis etc. Depois de tudo, o medo de pisar no chão e quebrar tudo de novo. Memórias subjetivas coadas pela emoção.
Sabe, durante a mocidade eu acreditava que o mais importante era ser independente. Pagar minhas contas, ser responsável por minhas escolhas profissionais, emocionais, sociais, políticas … não sabia nada de feminismo ainda. Mas hoje penso que aquela vontade que eu tinha de morar sozinha, voltar do supermercado com pacotes de compras pagos por mim mesma, casa arrumada do meu jeito, moradia no lugar que eu escolhesse era o melhor feminismo que podia desejar. Década de 1970. Escolhas decisivas, encontros inesquecíveis, aprendizagens eternas.
Tivemos filhos eu e você. Têm quase a mesma idade. Você tornou-se avó há poucos meses, de gêmeos, abençoada, veja só.
Quando a vejo com seu companheiro, fico tão feliz, Isa. Sabe por quê? Porque aquela casa de número 2, onde você morava com dona Iva, seu Isaías, Dedé e Ivanildo foram um espelho delicioso para mim. Hoje sei mais ainda.
Amiga Isa, estimei sempre passar meus últimos anos muito tempo no mato, escrevendo, olhando os rios, o nascer e o por-do-sol, encantando-me com as estrelas e a lua, ah a lua emoldurando meus umbrais de dores, mágoas, solidões e tristezas. Sonhei, em madura, poder escrever, escrever, até quando minhas mãos, meus dedos permitissem. Sonhei encontrar um porto, um pouso incomum, invulgar, estrangeiro a tantos outros já ancorados.Sonhei com um Brasil mais justo, mais humano, mais independente.
Hoje, não nego que meus sonhos eram sonhos apenas, coisa daquela menina tonta e iludida dos anos sessenta na FNM. Vejo quase tudo fugir-me das mãos, dos dedos. Então ainda me sobram o céu, as flores, a terra e uns tantos outros sonhos.
Beijo você como se estivéssemos abraçadas, sentindo uma o coração da outra, até ficarmos sem fôlego, como quando brincávamos de pique-bandeira e corríamos muito, muito, muito …
Odô
Dedicatória: Para Isa, as flores que tínhamos pelos caminhos, na Avenida Principal.
Texto: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
1º Vídeo: Canal: Geraldo Ribeiro Júnior
2º Vídeo: Canal cjportela
Poetas, jornalistas, educadores, formadores de opinião. Quem somos? Quem está nessa luta? Ainda.
Não tenho pele negra, mas tenho numa pele a alma dos injustiçados, aviltados, depreciados, desmerecidos e sofridos, dentro de mim. Por isso, talvez, não seja de leveza constatável, apreciável e saboreável, como são as frutas leves da estação.
Tenho as dores de muitos em mim.
Não somos negros.
Somos brasileiros.
Não tenho a pele negra. Por quê? Não interessa. Meu avô paterno tinha. Meu avô materno não tinha.
Dane-se isso.
Sou negra. Sou brasileira.
Canal: Carlinhos Brown
SOLANO TRINDADE
CANTO DOS PALMARES (trechos)
Ainda sou poeta
meu poema
levanta os meus irmãos.
Minhas amadas
se preparam para a luta,
os tambores
não são mais pacíficos
até as palmeiras
têm amor à liberdade.
POEMA AUTOBIOGRÁFICO
Quando eu nasci,
Meu pai batia sola,
Minha mana pisava milho no pilão,
Para o angu das manhãs…
Portanto eu venho da massa,
Eu sou um trabalhador…
Ouvi o ritmo das máquinas,
E o borbulhar das caldeiras…
Obedeci ao chamado das sirenes…
Morei num mucambo do “”Bode””,
E hoje moro num barraco na Saúde…
Não mudei nada…
OLORUM ÈKE
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Eu sou poeta do povo
Olorum Ekê
A minha bandeira
É de cor de sangue
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Da cor da revolução
Olorum Ekê
Meus avós foram escravos
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Eu ainda escravo sou
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Os meus filhos não serão
Olorum Ekê
Olorum Ekê
(Olorum Ekê: “povo do Santo forte”, termo Iorubá.)
NEM SÓ DE POESIA VIVE O POETA
Nem só de poesia vive o poeta
há o “fim do mês”
o agasalho
a farmácia
a pinga
o tempo ruim, com chuva
alguém nos olhando
policialescamente
De vez em quando
um pouco de poesia
uma conta atrasada
um cobrador exigente
um trabalho mal pago
uma fome
um discurso à moda Ruy
E às vezes uma mulher fazendo carinho
Hoje a lua não é mais dos poetas
Hoje a lua é dos astronautas.”
(poema inédito até 2008, quando foi revelado por sua filha Raquel)
GRAVATA COLORIDA
Quando eu tiver bastante pão
para meus filhos
para minha amada
pros meus amigos
e pros meus vizinhos
quando eu tiver
livros para ler
então eu comprarei
uma gravata colorida
larga
bonita
e darei um laço perfeito
e ficarei mostrando
a minha gravata colorida
a todos os que gostam
de gente engravatada…
Canal: Carlinhos Brown
JOSÉ DO PATROCÍNIO
José Carlos do Patrocínio era filho de uma escrava alforriada e do cônego João Monteiro. Aos 14 anos deixou a fazenda da família para tentar a vida no Rio de Janeiro, onde chegou a ingressar na Escola de Medicina. Ao fim de alguns anos, porém, abandonou o curso e formou-se em farmácia, em 1874.
Ainda estudante , fundou uma revista mensal, “Os Ferrões”, onde começou a revelar seu talento como polemista que o tornaria famoso. Em 1877, ingressou na redação de “A Gazeta de Notícias”, onde escreveu diversos artigos de propaganda abolicionista.
Em 1881, com dinheiro emprestado pelo sogro, adquiriu a “Gazeta da Tarde”, à frente da qual permaneceu por seis anos. Neste jornal, deu início à campanha abolicionista. Em 1887, fundou a “Cidade do Rio”, onde intensificou os ataques à política escravocrata.
Não se limitou a lutar apenas por escrito pelo abolicionismo. Realizou conferências públicas, ajudou a fuga de muitos escravos, organizou núcleos abolicionistas, militando ativamente até o triunfo da causa, em 13 de maio de 1888.
Seu prestígio imenso durante os últimos anos do Império decaiu após a proclamação da República, quando passou a lutar por um programa liberal. Acabou afastado da vida pública. Seu jornal, “Cidade do Rio de Janeiro”, foi interditado e ele deportado para Cucuí, no Amazonas, sob a acusação de ter participado de uma revolta contra o governo de Floriano Peixoto.
Libertado pouco tempo depois, afastou-se da vida pública, colaborando esporadicamente na imprensa. Nos últimos anos de vida interessou-se pela navegação aérea, chegando a construir um aeróstato denominado Santa Cruz.
Patrocínio também escreveu obras de ficção, mas sem a repercussão nem o talento do jornalista. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de no. 21, que tinha Joaquim Serra como patrono.
JOAQUIM NABUCO
As ideias abolicionistas tiveram ampla penetração na sociedade brasileira a partir da década de 1870, conquistando políticos como Joaquim Nabuco, poetas como Castro Alves e artistas gráficos como Angelo Agostini. Agostini fundou diversas publicações – entre elas, a “Revista Illustrada” , que atacavam as elites escravocratas. Na edição, a capa da revista comemora a promulgação da Lei Áurea.
CASTRO ALVES
O chamado Poeta dos Escravos, com sua poesia altissonante, exerceu seu ofício em prol da extinção da barbárie da escravidão.
ANDRÉ REBOUÇAS
O engenheiro André Rebouças, em retrato pintado por Rodolfo Bernardelli. Rebouças se engajou na campanha abolicionista e ajudou a criar a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, ao lado de Joaquim Nabuco, José do Patrocínio e outros. Participou também da Confederação Abolicionista e redigiu os estatutos da Associação Central Emancipadora.
LUÍS GAMA
Como advogado, Luís Gama (foto) conseguiu libertar mais de 500 escravos. Desenvolveu também uma intensa atividade abolicionista no jornalismo. Ao lado de Angelo Agostini, fundou o jornal satírico “Diabo Coxo”, pioneiro da imprensa humorística no Brasil
CONTRASTES
Isabel Cristina Leopoldina Augusta Miguela Gabriela Rafaela Gonzaga de Orléans e Bragança era o nome completo da princesa Isabel, depois de seu casamento com Gaston d´Orléans, o conde d´Eu .
O apoio de Dom Pedro 2º ao abolicionismo desagradou os escravocratas, aproximando-os do movimento republicano e contribuindo para o fim do Império. A ideia republicana passava a simbolizar, para os fazendeiros, a possibilidade de manter seus privilégios ameaçados pelo reformismo dos abolicionistas monárquicos.
Canal: Túlio Villaça
DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
Post originalmente publicado no GGN, em 2015:
Leia sobre o tema aqui no blog:
“Sobre pretos (negros) escutar, aprender e ser empático”
Sobre pretos (negros), escutar, aprender e ser empático
”África, me perdoe”
https://poesiasdemaosquesentem.wordpress.com/2020/09/24/africa
“Eunice, rosa negra”
https://poesiasdemaosquesentem.wordpress.com/2018/03/15/eunice-rosa-negra/
O que é uma crônica?
” Crônica é uma narrativa histórica que expõe os fatos seguindo uma ordem cronológica. A palavra crônica deriva do grego “chronos” que significa “tempo”. Nos jornais e revistas, a crônica é uma narração curta escrita pelo mesmo autor e publicada em uma seção habitual do periódico, na qual são relatados fatos do cotidiano e outros assuntos relacionados a arte, esporte, ciência etc.
Os cronistas procuram descrever os eventos relatados na crônica de acordo com a sua própria visão crítica dos fatos, muitas vezes através de frases dirigidas ao leitor, como se estivessem estabelecendo um diálogo. Alguns tipos de crônicas são a jornalística, humorística, histórica, descritiva, narrativa, dissertativa, poética e lírica. Uma crônica relata acontecimentos de forma cronológica e várias obras da literatura são designadas com esse nome, como por exemplo: Crônica de um Amor Louco (de Charles Bukowski) e Crônica de uma Morte Anunciada (da autoria de Gabriel García Márquez).”
https://www.significados.com.br/cronica/
CRONICAMENTE VIÁVEL
Em tempos de “copiou e colou”, de discursos de outros sendo apropriados, em toda web, ter discurso próprio é bastante relevante.
Alguns criticam a atitude de se narrar sua própria vida nas telas, acreditando tratar-se do culto ao próprio umbigo etc. Entretanto, o que fizeram durante suas existências os poetas, os cronistas, cancionistas se não traduzirem por palavras suas emoções e experiências de vida?
Assim também os artistas plásticos, pintores, entre outros criativos; convivendo diariamente com dois pintores, numa comunidade em que morávamos no Farol de Itapuã, Bahia, na década de setenta, pude acompanhar seus processos de criação, desde a ideia até a inserção das molduras em suas telas.
A imagem para mim é muito importante. Escrever sobre algo que vi é muito mais gratificante do que elaborar teses e regras de comportamento sobre os seres, humanos ou não. Mas qual imagem?
Qual a imagem da velhice ? É, porque quando temos mais de sessenta anos estamos na velhice sim. Rotulada ou não, trata-se da velhice.
Tenho observado bastante imaturidade. Vejo isso – imagens são importantes – mulheres querendo ter muito menos idade que a que têm, tingindo cabelos exaustivamente, submetendo-se a dolorosos procedimentos estéticos, frequentando academias compulsivamente, bronzeando-se, vestindo roupas inadequadas ao seu tipo físico e idade. Não há aqui preconceitos expostos, mas trata-se de bom senso, discernimento e até de dignidade. Por que querer ter em si uma imagem diferente, não correspondente à dos anos que se viveu? A quem estariam querendo ludibriar? A si mesmas, à sociedade, ao homem que desejam, ou conquistaram, e pretendem com o corpo mantê-lo subjugado àquela imagem que apresentam?
O valor da imagem nos seres humanos, em meu entender, deveria ser a do comportamento desse ser. Como ele se revela em diversas situações, como vive em seu cotidiano social etc.
Em tempos de imagem para consumo externo, esquece-se daquela de consumo interno. É tudo muito muito aparente apenas.
Falo de homens também, obviamente. Por terem a libido completamente resultante do visual, perderam-se nesse labirinto, nessa armadilha. Rápidos, necessitam de peles lisinhas, cabelos macios, beleza feminina para oferecer aos amigos e conhecidos como os de sua posse e, assim, comprovarem seu poder de conquista e sedução- afinal quem conseguiu obter uma mulher linda, jovem, esbelta, e mantê-la consigo só pode mesmo ser muito bom – acreditam, às vezes até inconscientemente (apesar de eu duvidar um pouco disso) .
Sempre fui muito reflexiva, mesmo quando jovem já o era. Via lirismo e poesia – sem ser o das palavras – nas coisas, nas atitudes individuais e coletivas. Aquilo ficava amadurecendo em mim, quase num processo de decantação. Depois dos quarenta, comecei a coar meus quereres, meus sentires, meus desejares. Só guardei comigo o que de muito, muito significativo ficou nas peneiras que usei para isso.
Hoje valorizo apenas o que consegue passar por meus coadores e peneiras, porque me tornei muito seletiva.E disso não abro mão.
Gosto demais das pinturas de Andre Kohn, artista impressionista russo.
Aqui uma “galeria” de suas belezas. Cronicamente viáveis.
CERTO MENINO
MULHER FÁCIL
Texto e versos: Odonir Oliveira
1º Vídeo: Canal: Quim Graça
2º Vídeo: Canal: Rafael Martins
O RIO E EU
CARIOCA
ESTRADAS PRÓDIGAS
MISTÉRIOS QUE NÃO DESEJO DESVENDAR
Tenho em mim um pai poético mineiro, Carlos Drummond de Andrade.( E outro pai mineiro, que nasceu na década seguinte, em Alto Rio Doce ).
Deu-se isso em menina quando o descobri em minhas veias, no meu sangue inconfidente. Depois, com o livrinho de leitura do meu outro pai mineiro, o de verdade, do autor Carlos Góis, de quem Drummond fala em seu poema Aula de Português. Depois ainda, quando ginasiana, me apaixonei por A flor e a náusea, por Quadrilha, por No meio do caminho . Mais tarde, na faculdade de Letras me enamorei de fato pelos versos daquele que, como eu, foi ser guache na vida. Casei-me com sua antologia completa, sua Reunião, com Drummond em Frente e Verso, com Contos de Aprendiz …
Minha vida sempre esteve emoldurada por meu pai lírico. Acordo e durmo em suas palavras.
Agora, sexagenária, vivo em Minas e reencontro um garotinho chamado Miguel. Miguel Drummond (bisneto de Drummond) – quase um netinho lírico -, posso senti-lo assim e me encanto, que estive sempre repleta de meninos e meninas ao meu lado.
Que prazer conhecer você, meu Drummond menino.
Maria Julieta, filha única de Drummond, com ele e o neto (creio que Pedro Drummond)
O MENINO QUE LEVITAVA
Ao clarear do dia o menino abria olhos arregalados
De beber o mundo.
Mas era pouco.
Montava seu cavalo alado
Como se dançasse com ele.
Era doce o menino.
E partia ao encontro de seus marimbondos
de suas rãs e lagartixas.
Morcegos eram como flores do campo.
A tarde tinha a estrela vésper sempre a sua espera
E nela menino, cavalo e aventuras seguiam,
bebendo cada folha, cada árvore, cada trilha.
Mas era pouco.
Depois, pisar na água era um barulho celestial
Era cócega
Era música
Era verso
Era poesia.
Desmanchar rotas citadinas
Mergulhar no escuro de grutas cavernas, barcos e estradas.
Era pouco
Porque o menino ria, ria, mas ria tanto,
que de prazer levitava.
E de baixo, em terra firme,
ninguém o alcançava
E não era pouco !
DRUMMOND PERCORRE OURO PRETO
SEMBLANTE
Drummond no prédio do Ministério da Educação, RJ, onde trabalhou com Gustavo Capanema
Texto e versos: Odonir Oliveira
Vídeos: Canal: Pedro Drummond
Tenho lido publicações minhas e comentários, de quem as leu e comentou, e me surpreendo como o tempo passa depressa e como tudo muda tão vertiginosamente, tão dolorosa e inacreditavelmente. Faz lembrar minha avó, nascida em 1898, mineira de “estirpe” francesa, dos Renault, de BH, sempre moradora em Barbacena, contudo. Dizia vovó que não queria viver muito não, porque não iria aceitar as coisas que estava vendo acontecer, já nos anos de 1980, imagine.
Penso assim também, vó. Está tudo muito distante de minha compreensão. E injustiça, hipocrisia, cabotinismo é o que mais me aflige. Às raias do insuportável, do insuspeitável.
Faz um ano, a convite do amigo Rui Daher, colunista de Carta Capital, escrevi este texto para o portal da revista. Lendo-o hoje e me lembrando dos comentários que li sobre ele, em outros portais, capitulo. (Meu amigo até hoje, querido Rui, que aprendi a admirar por seu caráter e firmeza masculina).
Dizia Rui Daher:
Convidei a Odonir para escrever esta coluna. Amigos virtuais, que a vida logo fará real, encantaram-me seus textos, músicas, fotos, enfim, a sensibilidade de seu blog. Fez Letras Clássicas, na USP, e foi ser professora de português e literatura em escolas públicas e particulares de São Paulo.
Hoje mora em Barbacena (MG). Lá mantém o Clubinho da Leitura, um lindo trabalho voluntário e pedagógico para crianças. Como ela mesma me disse: “os tempos são de nos assumir como fractais humanos”. Afinal, agora é que são elas, livres para assinar textos eu-penso-assim.
Por Odonir Oliveira
Na manhã seguinte foi. Parecia querer resolver de uma vez aquilo. Entrou na cozinha da casa grande, mas não queria ninguém ali. Nem era dali. Ela era da senzala. Seu negócio, seu agro negócio era o lavrador de café, suado, vermelho da testa à ponta do queixo. Era ele que ela queria.
Era uma mulher de 30 anos, cheia de graças e segredos. Ninguém ali a tivera nem para aquelas conversinhas de cerca- lourenço tão costumeiras por lá. Tinha a marra característica de quem sabe escolher. Era do campo. Quero isso, quero esse, faça assim, faça aqui, que aqui é bom. Pois é, Vilma era desse jeito.
Saíra da cidadezinha para estudar na universidade federal. Assim quis e continuou estudando … mas aquele gosto de terra e suor não saía de sua boca. Era prazer maiúsculo aquele negócio. Agro negócio – pensava sempre. Vou lá, vou voltar lá. Vai ser lá.
De lembranças da universidade na cidade do interior – nem tão pequena assim – havia uns três caras que lhe amansaram desejos, mas também lhe deixaram carências. Carências de quê? De terra molhada, de sujeira nas unhas, de cheiro de chuva e de pegada. Homem pra ela, que crescera por meio dos matos, tinha de ter pegada. E ela também tinha, que era broto do chão.
Josué fora nascido e criado na vereda, na estrada do sem culpa nenhuma, no ensinamento do sertão, sem conceber nem conceder o pecado original. Bebia pinga e ria. E depois levitava o diabo do homem. Sestroso, manhoso, marrento. Como Vilma.
Naquela noite de cavalgada, eram muitos os peões ali. Paramentados como para um culto cristão, eram poucos os de raiz, flores e frutos. Josué era. Espalhava um perfume de maracujá, ou seria um sabor de jabuticaba? Bom mesmo era ver aquela boca vermelha dele, pendurada no rosto, quase sem sorrir. Vilma tomou as rédeas e seguiu.
Cavalgadas contam sempre com encerramentos religiosos, sagrados. Mas nem sempre. Às vezes, profaníssimos.
Josué rezou suas orações, benzeu-se, beijou a medalhinha e entregou-se à volúpia daquele negócio com Vilma.
Agro negócio de verdade !
Originalmente publicado em 9/11/2015, aqui:
http://www.cartacapital.com.br/economia/agro-negocio-de-verdade-3903.html
Dedicado ao Rui Daher, homem maiúsculo, marido bacana, pai de três lindos jovens de fibra, consciência política e social. Viva, como dizia minha mãe: “Quem sai aos seus não degenera”.
Vídeo: Canal: Luciano Re
AMOR FÍSICO
VOLTA
UM BEIJO E UM QUEIJO
Post dedicado a uns jovens com quem conversei sobre amores hoje à tarde.