PAINEIRA
sagrada e bicentenária
resiste ao declive
resiste às histórias
resiste às mortes
emoldura corações sensíveis ao belo
aguardo meses para que se embeleze assim
tomo-a, então, para mim
passo por ela diariamente
sei que está lá
do alto tudo vê
do alto tudo sabe
faz-se muda
porque são os passarinhos que cantam para ela
faz-se imóvel
porque é o vento que a faz dançar
faz-se rija, severa e discreta
porque duzentos anos são duzentos anos
resiste aos homens
resiste aos tempos
resiste a tudo
só para eu poder encontrá-la
ali no fim da minha rua
diariamente
FLORAÇÃO
Na rota, um porto
Na reta, um ponto
insípido inóspito infértil
No tronco, uns galhos
Nos galhos umas folhas
secas opacas estéreis
Alma no trajeto
Curvas no caminho amargo
Gotas de perfumes
Pingos de cores
Chuvas de flores
fertilidade, sedução
produção
Poesia
Caminhos doces então.
EMOÇÃO ESTÉTICA
Pre- lúdio
procura… encontro
tronco firme
beleza cor forma impacto
reentrâncias imperfeições
perfeição
olhos verticalmente embevecidos
tato majestosamente ativo
surpresa estética
ambição de posse
prazer repartido,
êxtase parcial
tronco árvore
posição de cruz
tronco galhos folhas atados
firmes eretos vibrantes
tocam-se
tocam-nos,
orgonicamente,
prazer estético
folhas galhos dançam
levemente
suavemente
ritmadamente
freneticamente
natural – mente
êxtase total.
LADO A LADO
gramínea nativa
purificando
enfeitando
decorando
alimentando
o ar que respiro
as matas em que piso
as casas que me acolhem
as estradas que me recebem
Não se dobra sozinha
Menos ainda em feixes
ar
terra
força
berço
união
Beleza !
É PRECISO TER PACIÊNCIA, DAR UM DESCONTO, QUANDO SE VIVE EM CIDADE PEQUENA
Saio pra fotografar a paineira, de 200 anos, do fim da minha rua, que está no auge de sua floração. Aí ouço:
– Vem da cidade, nunca viu árvore – dito pela mulher sentada numa oficina mecânica, puxando e jogando conversa fora com o mecânico.
Deve me ver de carro, sabe que vim de SP, sabe onde moro etc. Não a conheço. Penso se engulo seco, se respondo, se abaixo a cabeça, se finjo que não ouvi …
Costuma-se dizer que santo de casa não faz milagre ou que não se dá valor ao que se tem em casa. Sinto muito isso nas cidades maravilhosas que visito por Minas Gerais (mas deve ser assim em outros estados também).
Como incomoda quem é diferente, meu Deus. Parece ser um misto de inveja, com vaidade e desconhecimento, gerando muitas situações desagradáveis, cotidianamente.
Penso, enquanto continuo a fotografar e dou umas três respostas certeiras ao seu comentário de deboche. Ando bastante cansada de receber frases debochadas de pessoas variadas. Ela logo se desdiz – o que é bem típico por aqui – tenta consertar. Arremato com 2 ditados de minha mãe ”Quem fala o que quer ouve o que não quer ” e ”Não se mexe com quem está quieto”.
No mais, um bom tanque cheio de roupas pra lavar também faria bem.
Poesias e texto: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal: paineira bicentenária da minha rua
Vídeo: Canal Aparecido Ferraz