Profundamente hora de ir tristeza tatuada eterna os laços se soltam sem voltas o fraterno mais novo vai nas nuvens vai no éter tão moço ainda vai. 300 dias passam os laços se soltam sem voltas o fraterno mais velho se debate em finitude coração em compasso frágil ritmo lento desrumos tropeções pedras intransponíveis os laços se soltam o homem sem rosto leva a moça linda nas mãos beija a moça lambe a moça come a moça saboreia a moça ela conta ela canta ela aponta ela fotografa ela desdenha sentires e ficares uns tristeza absoluta luta bruta constante fraqueza nos nervos torpeza das hipocrisias de trilhas e rotas sumidouro de sentidos verdadeiros mentiras desfalques nas certezas saques em alternativas possíveis falsidades depositadas lances de lambe-lambes fartamente recorrentes a vileza da moça flores nas mãos do homem antecipando justificando amenizando a fuga seguinte a corda a forca a chegada Hora de ir nada mais importa tristeza profunda descrença em qualquer ato humano cabotinismos fortuitos carpe diem tardios nulidades hipervalorizadas
vem e me toma vem e me bebe vem e me atravessa vem e penetra meus ombros vem e penetra minhas sombras cavalga-me vem e penetra meus caminhos vem e penetra meus risos e gargalhadas vem e penetra meu colo meu umbigo cavalga-me vem e penetra meus gritos de dor vem e penetra minhas madrugadas vem e penetra meus sonhos cavalga-me vem e penetra meu amanhecer vem e penetra minha estrada vem e penetra-me nas estradas cavalga-me vem e penetra em meus rios vem e penetra-me nas estrelas vem e penetra-me nas nuvens acorda levanta vem cavalga-me de luz
UM POEMA DE AMOR
Ah, que demorem essas noites a chegar, que fiquem as tardes, congeladas, com o ardor de seus beijos, que permaneçam em meu dorso seus toques firmes que em meus ouvidos cristalizem-se suas palavras todas que seu rosto, como um som, repercuta em meu colo que suas mãos cálidas entorpeçam minha voz incapaz que seus pés se sobreponham aos meus como se me sustentassem a alma que seus braços me envolvam com ternura e firmeza como um laço que sua boca nada mais diga a não ser sussurros e apelos de ais que seus olhos se fechem a apenas enxergar sabor em mim que seus encantos estrangeiros e únicos não se percam com o escurecer que sua língua armazene senhas de contato insubstituíveis que seus dedos deslizem como seda no percurso de mim que suas delicadas e sensíveis marcas se descubram por mim que eu possa escurecer, com você, à chegada da primeira estrela.
SIM
Sim, porque “eu te amo” Sim, porque eu te amo, dei pra gostar de músicas de amor, outra vez; Sim, porque eu te amo, dei pra gostar de cartas de amor, ora em nuvem; Sim, porque eu te amo, dei pra conversar com as flores, os pássaros, os bichos que percorrem os caminhos; Sim, porque eu te amo, dei pra recordar sorrisos e alegrias e piadas tolinhas outrora ouvidas; Sim, porque eu te amo, dei pra adorar vegetais, verduras, pratos coloridos em geral; Sim, porque eu te amo, voltei a ver os filmes que já vi, os que nunca vi e desejar fazer outros tantos; Sim, porque eu te amo, encontro gente que me sorri adivinhando meu estado de constante prenhez amorosa; Sim, porque eu te amo, fico a namorar a chuva pela janela, a ver escorrer enxurradas de barquinhos invisíveis … Sim, porque eu te amo, abro sorrisos largos, antes desconhecidos; Sim, porque eu te amo, dei pra dormir menos e viver mais; Sim, porque eu te amo, passei a fertilizar a terra, a polvilhar nela sementes de abacateiros, ameixeiras, limoeiros, passiflora ardente; Sim, porque eu te amo, espero o entardecer, o sol se por e o dia raiar de novo a suspirar; Sim, porque eu te amo, dei pra aceitar mais as diferenças entre as pessoas, o percurso de cada uma, a beleza das animas; Sim, porque eu te amo, encontro nas montanhas companhia solene para a reflexão, o assobiar dos bem-te-vis e a oratória das maritacas; Sim, porque eu te amo, abro mão da cotidiana cobrança do ser e estar, do compulsório e eterno ressarcimento de tempo e espaço; Sim, porque eu te amo entrego, em pacotes, manifestações de afeto e alegria como mínima retribuição pelos sonhos sonhados; Sim, porque eu te amo, entorno rios de lágrimas pela insegurança do meu amor e não do teu; Sim, porque eu te amo, não me permito ser mais frágil como antes o fui e não polir esse último e único brilhante; Sim, porque eu te amo, contraio vontades inusitadas de dirigir por estradas a esmo, easyridermente; Sim, porque eu te amo, aguardo o sono e os sonhos em que símbolos e sons compartilharão sensações indefinidas, irracionais, incompreensivelmente deleitáveis; Sim, porque eu te amo, conheço espaços nunca antes percorridos, sabores nunca antes encontrados, sensações nunca antes experimentadas; Sim, porque eu te amo, sei que estás no todo do meu caminhar e descubro que és a outra parte de mim em mim. Sim porque eu te amo.
ARDE A TARDE
esteve sempre ali esteve sempre silente com mãos vivas e pele quente esteve sempre ali esteve sempre no verde com pernas maduras e pés ardentes esteve sempre ali com grutas incandescentes e acalentadoras esteve sempre ali esteve sempre no verde nunca musa, esfinge, vestal esteve sempre ali
GARRAFAS AO MAR
Atiro garrafas ao mar para que as encontre vazias de mensagens e as faça retornar repletas de significados com códigos secretos, com nossas senhas de identidades descobertas, e deliciadas, continuadamente.. Atiro garrafas ao mar para que ao encontrá-las as sorva inteiras salgadas dionisiacamente e, com um sopro dos ventos, as devolva a mim por marés transbordantes de prazeres.
Atiro garrafas ao mar para recebê-las ainda com as marcas de sua boca, de suas mãos e de seus desejos contidos ali aqui acolá.
SANGUE
pulsando lateja correndo percorre fervendo explode muitas vezes muitas vezes muitas vezes ele e eu eu e ele ele e eu eu e ele veias dilatadas pulsando veias quentes gritando veias dele sobre veias dela sobre transfusão transfiguração rios vermelhos tempestades vermelhas sem afluentes desaguando num mar
SORRISO DE ESTRELA
É quando no desespero de mim, que encontro a ti sorrindo repetidas vezes com passos ouvidos em reflexos mínimos em espaços imprevisíveis em momentos inesperados.
É quando miro estrelas que encontro teu lume no delas tua silhueta na delas teu dorso incomum no brilho delas.
É quando escurece que estrelas em ramalhetes te trazem a mim, e em ti permaneço pousada no céu.
POENTE II
Todos correm Apressados A dança se inicia Onde estaria meu par? Passos apressados Ritmo acelerado Que desse lado já dançam ! São muitos os pares. Ajeito a boca Com batom vermelho da cor do poente Arrumo os cabelos curtos Mas embaralhados Por aquelas emoções. Procuro Procuro Onde estaria meu par? Apresso a coreografia Antes que ele se perca de mim. Apresso Apresso Vislumbro-o ao longe, que longe! Do outro lado do lago. De lá, comigo não poderá dançar. Aceno Aceno Ele me entende e atravessa, também ele, coreografando passos, o lago. Agora sim , aqui perto, corpo a corpo, pele a pele, nos engatamos no ritmo também.
MEU DESEJO
é prata mas é ouro é fogo mas é nuvem é tempero mas é sussurro é sangue mas é infecção é fala mas cala é falo mas é de fato é sal mas é açúcar é flor mas quer o beija-flor é encontro mas quer a busca é cego mas é sério é ida mas quer volta é antes mas quer depois é hoje mas foi ontem é hoje mas quer amanhãs é noite mas quer manhãs é fogueira é perfume é comparação
AOS NAMORADOS: Aproveitem a lua cheia, o feriado que está aí bem próximo e assumam o seu amor. Encontros devem ser vividos e não escondidos, escamoteados, disfarçados de que não são de amores. Asas a seus amores. Eu, sacerdotisa grega e mineira, os abençoo. Vivam !
Poesias: Odonir Oliveira (coletânea de versos já publicados nesse blog sobre o tema)
Fotos de arquivo pessoal (já publicadas nesse blog)
Ver aquela pequena Natália no colo da mãe mexeu com sentimentos guardados a sete chaves, em sete cofres de deleites. Nada havia remexido tanto em sua sensibilidade nos últimos muitos anos. Sandra era pedra. Nenhuma gracinha de ocasião a adocicava mais. Era 12 de junho e Natália nascera na véspera. As ruas na noite, no meio da semana, estavam movimentadas. Os bares cheios de casais. Sabia-se que os motéis, também.
Lembrou-se, enquanto dirigia, de alguns amores, dos reais e dos inventados. Não, não queria amor algum mais. Bobagem, não queria.
No sinal, o trânsito lento. Nas cadeiras e mesas na calçada, os casais predominavam. Deduziu o amolecimento das carnes com o álcool, as palavras sussurradas nas orelhas, um toque de pernas, umas palavras especiais, uns ditos e reditos íntimos e de fácil reconhecimento. Viu identidades entre aqueles pares de calçada.
Nada por ali lhe era novidade. Tudo vivido. E muito. Nada daquilo iria em frente. Acabaria, como sempre foi. Muitos diriam Mas o que vale é o momento, se aconteceu, que bom que aconteceu; a vida é feita de momentos; hoje você está aqui, amanhã ali; a vida é assim mesmo.
A visita à maternidade revolvera sentires. Por que estaria em dúvida? Começava a envelhecer e sentia a falta de um homem a seu lado? Não, casado, na mesma casa, nunca mais. Mas um parceiro de gostos e valores semelhantes, sim. Tinha vida sossegada, independência financeira, sem imóveis e patrimônio a dividir. Nada de material. Nunca. Talvez um homem com quem pudesse estar e bem. Talvez fosse isso. Mas por que agora? Não podia ter sido a ida à maternidade o detonador desse processo. Não, não podia.
Lembrou-se, em seguida, de todos os seus açúcares de antes, aqueles mimos e afagos particulares aos amados, de sua vontade de se sentir amada e do prazer de ter sido amada, de fio a pavio, em madrugadas de embevecimento.
Não. Era um espantalho para homens fracos, já lhe advertira a mãe. Homem não gosta de mulher forte, estudada, independente; querem sentir que dominam, que mandam, que decidem; homem não gosta de mulher assim, eles fogem, vão atrás das outras.
Sinal fechado. Trânsito parado. Casais saem do cinema de mãos dadas – filme do cartaz NUNCA TE VI, SEMPRE TE AMEI – outros brigam briguinhas de esquentar camas depois; outros, ainda, caminham abraçados em um erotismo totalmente explícito. Imagina então todos os depois.
Sinal aberto. Segue.
Lua cheia no céu.
Que amor é esse, meu Deus?
Versos da memória.
SAUDADES INTERNAS
Saudade de beber vinho no mesmo copo e sempre. Saudade de dançar samba sem parar, de rodopiar e de rir muito com isso. Saudade de falar dos maiores problemas nacionais em cadeiras duras de botecos Saudade de companheirismo, cumplicidade, parceria Saudade de grandes brigas teóricas, históricas e poéticas. Saudade de colo canhoto, de mãos ásperas, de barbas por fazer. Saudade de poder chorar sem pejo, de blasfemar sem penitência e de solfejar o nada. Saudade de correspondência interna.
RENDEZ-VOUS
sopro de labaredas fogo na pele entardecer cúmplice colóquio de brumas sabores de carne corpo em rumo corpo em sumo corpo em frente
sopro de brisa colóquio de nuvens perfume de unhas tonalidades de outonos olfato de azuis sabores de sedas corpo em sumo corpo em frente
sinfonias
CORRESPONDÊNCIAS
O tempo trouxe a lente da maturidade O tempo trouxe exigências outras que não as anteriores O tempo trouxe uma seleção maior que a natural O tempo trouxe correio de cartas raras, selos raros, entregas raras. Há no tempo uma busca da correspondência singular, antes inexistente.
PENUMBRA
laços lassos pelos pelos ondas umas ondas outras céu e terra voo e marcha aninhar no ninho alisar o dorso alisar o fogo alisar o firmamento janela lançamento janela embarque janela pouso porta entrada porta estrada porta espada corpo esponja corpo porto
“Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.” Guimarães Rosa
Ama-se o amor Ama-se a busca do outro em si mesmo Ama-se um acordo de pensamento que batiza encontros Ama-se um gesto, um riso, um toque, um olhar Ama-se um jeito, um comportamento, uma capacidade Ama-se um cheiro, uma seiva, uma pele.
FRANCISCO, O POETA
Era um homem apaixonado. Mas muito apaixonado. De paixão fácil. Encantava-se pelo feminino de forma quase primitiva mesmo. E escrevia versos. Enviava versos. Dedicava canções nas duas rádios da cidade. Vez ou outra usava pseudônimos e … amava.
Alguns atribuíam esse seu comportamento ao de todos os poetas, muita lírica e pouca concretude. Poetas – acredita-se- gostam de solidão, de meditação, de reclusão. Poetas são seres esquisitos mesmo.
Houve momentos em que, de forma quase incompreensível, mostrou-se em um eu lírico feminino. Ora, ora, Chico Buarque não faz isso tantas vezes, por que ele não poderia fazê-lo também?
Era distância a sua inspiração, não realizava o que queria. Tinha covardia na atitude. Tinha medo de o objeto do amor não ser o que esperava que fosse. Temia o concreto, gostava da idealização, das musas, do etéreo. Pelas madrugadas, que dormia já quase dia claro, era nelas que lia, bebia e escrevia. Fazia amor com as madrugadas, portanto.
BUSCAS
Sigo na direção é sim é não. Transformação.
Janelas abertas vento pelos ouvidos esperas na pele torneios entre razão e emoção.
Uma canção Duelos constantes é sim e não.
Rotas sinuosas casas de menina cores de menina. Encontro de mulher.
HOMEM NU
Há em ti um medo insofismável de ser Há em ti um esconderijo de tempos espaços externos e iluminados Há em ti um entranhar-se em ti, como caverna de um Platão inédito Há em ti espaços impenetráveis até por ti mesmo. Há em ti um tom fúnebre de vazio existencial Há em ti um carpe diem funesto e não libertador Há em ti enigmas segredos secularmente indecifráveis Há em ti um fugere urbem que se pretende equacionador Há em ti uma rebelião dos valores estamentais sociais religiosos Há em ti um sagrado íntimo trancado em celas-cárceres-degredos Há em ti um código de valores herdado e mantido a ferrolhos Há em ti um reflexo que não é o de ti mas o de um outro que a ti intentas impor.
AMAR É O QUÊ ?
Ah, meu amor eu não esperava mais amar.
Amar é difícil: ficamos frágeis, inseguros, duvidosos. Amar faz-nos ciumentos do que antes não éramos Amar deixa marcas jamais cicatrizáveis Amar faz entregar aos outros nossas incapacidades.
Amar nos torna compulsórios demais, cotidianos demais, corriqueiros demais.
Amar nos faz beber lirismo em um copo em um livro em uma flor em uma risada tola.
Amar é um sentimento, é uma parte, é uma fase, é uma tormentosa viagem em um oceano a esmo, é um deleite de senhas descobertas, é um sentar-se ao lado, nos silêncios compartilhados?
Amar se parece com o quê?
Com um corpo dentro do outro como encaixe de engrenagens que se integram oferecendo trabalho? Com um tempero harmonioso de manjericão, alecrim e salsa? Com água de cachoeira pesando nos ombros qual chicotadas de ânimo? Com perfume de mãos deslizantes sobre flores delicadas?
Amar se parece com o quê? Ah, meu amor eu não esperava mais amar.
AMOR QUE HAVERIA
“É um filme kafkaniano”, entrega o Ele. “Eu diria que é uma comédia romântica”, complementa a Ela. Ela que caminhou por espaços íngremes entende que os amores são múltiplos, concomitantes, diversos entre si. O amor é um poliamor. Ele acredita que cada tem sua história anterior que interfere. Ela acredita que é amor aquilo entre os dois. Ele pensa que o amor é simples, não é necessário ser complexo. Ela duvida disso e pensa que o que Ele diz não é exatamente o que sente. Ela carece dEle. Ele bebe outros lábios e não carece dEla. Ela se ressente de não ter podido tocar nEle e mostrar-se Ela, como é. Ele nunca mostrou interesse em que Ela mostrasse como é. Apesar disso, há sons e imagens sensíveis que povoam um universo inteiro entre Ele e Ela. Negar o óbvio é fuga. Negar o óbvio é medo. Negar o óbvio é preferir o simples. “Nada vai mudar meu mundo”- sentencia Ele. “Tudo já mudou o meu” – declara Ela.
FRANCISCO
risco no disco medo abandono introspecção incompreensão susto temor insatisfação dor tristeza intrínseca reflexão risco no disco choque vulto morte choque juventude morte risco no disco sozinho na multidão escondido nas luzes da cidade escondido na música alta escondido nas páginas dos livros risco no disco fuga para si mesmo fuga de si mesmo risco no disco arranhão ferida cicatriz marca incompletude escafandrista de risos alegrias levezas risco no disco pela eternidade
Naquela manhã levantou da cama, outro. Iria ao encontro da mulher que acreditava amar. Não poderia continuar mais assim. Seria covardia demais. Foi.
E continuam juntos há 4 anos.
Não existem coincidências, mas afinidades e sintonias. Não há como negar evidências de trilhas, ramais e caminhos. A vida segue e nela há encontros, desencontros, reencontros. A vida é inexplicavelmente cuidadosa.
Na hora do almoço Pedro Paulo repara no cartaz da vitrine, a caminho do restaurante. Um portentoso primata segura uma florzinha do campo. Acima, lê-se uma chamada comercial para o dia dos namorados. P.P. lembra da data, então.
Segue pensando no que faria para não deixar a data passar em branco. Sairia da Bolsa de Valores bem tarde, o que o impossibilitaria de comprar qualquer coisa para Virgínia. Depois, será que daria tempo de irem jantar fora? Não fizera reserva e sabia que não encontraria mais mesa nos restaurantes de que gostavam, assim em cima da hora. Foi almoçar com essa questão a resolver.
Virgínia não perdoaria qualquer negligência ou esquecimento. Era muito cuidadosa com datas e considerava menosprezo não serem respeitadas.
No caminho de volta do almoço, na loja de rua, avistou um lindo anel, tinha um rubi incrustado no ouro branco. Calculou a medida do anelar de Virgínia – qualquer diferença a joalheria faria a adequação posteriormente. Mandou entregar com um cartão que fazia menção aos 20 anos em que estavam juntos, desde o namoro até o casamento. Mais à frente, naquela floricultura de flores importadas, escolheu belíssimas papoulas, rosas vermelhas graúdas, o buquê, e mandou entregar em sua casa. Queria que tudo estivesse com Virgínia, antes de ele chegar da Bolsa de Valores.
Virgínia adoraria, tinha certeza. E o que mais Pedro Paulo queria era ver sua esposa feliz.
Juvenal vai tomar café na padaria, vê o cartaz o cartaz da vitrine, a caminho do restaurante. Um portentoso primata segura uma florzinha do campo. Fica ali, na hora do almoço, tomando sua média com pão e manteiga. Não consegue desgrudar os olhos do cartaz.
Tinha ainda muita parede pra lixar e pintura pra fazer no escritório de advocacia. Pelo menos mais uns 3 dias. Não recebera nada como adiantamento. Ao contrário, fora recomendado a ser rápido no trabalho. Pra ele também era bom, terminando um, já poderia começar o outro do andar de baixo, a imobiliária.
A imagem do macaco com a florzinha na mão amoleceu Juvenal. Queria mesmo era dar um belo dum presente pra sua mulher, a mãe de seus 2 filhos. Maria trabalhava na cozinha da escola municipal, deixava os meninos na creche ao lado e vivia uma vida danada de dura. Ambos, sem parentes na capital, guardavam doces recordações do interior, de onde tinham vindo. Mas Maria bem que merecia um presente. Pensou numa lembrancinha apenas, contou o dinheiro do bolso. Pouco. Ainda tinha que comprar o pão e o leite na volta, na padaria perto de casa. Não ia dar mesmo. Tinha os passes pro ônibus e pro trem e o dinheiro do pão e do leite.
Foi caminhando. No fim da tarde, ao passar pela avenida, havia umas moças distribuindo flores, já embaladas, para as pessoas que passavam. Era uma homenagem ao dia dos namorados, vinha com um cartãozinho onde se lia:
Juvenal pegou aquilo com uma vontade! Parecia que tinham lido seus pensamentos. O mundo conspirava a seu favor.
Foi no ônibus planejando tudo o que ia dizer à sua Maria, igual tinha visto num filme na TV.
Maria, meu amor !
OFERECIMENTO
Ofereço-te a água dessa lagoa Para beberes tuas imagens Ofereço-te a luz desse céu Para tuas telas de muitos tons Ofereço-te essas areias macias Para mergulhares teus pés Ofereço-te um barco quase morto Para o reavivares e chegares ao infinito Ofereço-te essa flor Para encantares sentimentos
Ofereço-te um poema Para fazeres com ele o que quiseres.
Mais de 30 anos. Não fugiria daquilo. Não dessa vez. Disse que iria, foi.
Na frente do restaurante. Tudo é novo e antigo. Tudo é afago, carinho, encontro. Mais de 30 anos. Não fugiria daquilo. Não dessa vez. Disse que iria, foi.
Quantas vezes quis procurar por Lorenzo. Mas onde? Teria se casado, estaria naquela cidade ainda, teria filhos, o que teria acontecido com Lorenzo, depois de tudo?
Naquela tarde chuvosa, dois jovens da colônia italiana marcaram de se encontrar e de ficarem juntos. Ali, naquele restaurante, com pouco dinheiro, juntaram o que haviam conseguido e jantaram muito bem. Havia música ao vivo. Conversaram muito, riram das coisas mais tolas e até das menos tolas. Não faziam planos. Eram conhecidos desde crianças, famílias quase vizinhas, festas da colônia com muita polenta, muita macarronada, música e dança. Olhares e afetos semeados.
Começaram a namorar escondido. Mas por que escondido? Temiam intromissões, determinações, achavam-se um tanto anarquistas como seus antepassados ao chegarem ao Brasil. Queriam inaugurar seu jeito de amar.
E foram muitos encontros pelos campos ermos, muitas corridas nos montes e descidas de perder o fôlego. Tantas mãos pelos corpos, tantos beijos pelos corpos, tantos risos nas bocas e tanto desejo em cofres.
Depois daquele jantar, meio escondidos na cidadezinha próxima, tomaram o trem de misto – como era chamado – e foram deitar juntos em uma pensãozinha no centro da outra cidade.
Lá viram estrelas, luas, sóis, constelações, foguetes, planetas, satélites, sem ordem de surgimento. Era céu demais ali. Perfumes de amores, cores romanas, até uma cançoneta no ouvido, ambos cantaram um para o outro. Um festival de passiones.
Retornaram com dia claro A família da moça procurou a família de Lorenzo informando o acontecido. Os pais do rapaz queriam que os dois se casassem. Ambos disseram que não.
O tempo passou e a italianinha foi viver na capital. Lá formou-se em artes plásticas, cenografia. Envolveu-se com grupos de teatro, mambembou pelo país. Nunca mais soubera de Lorenzo.
Agora retornava à sua cidade, enterro de prima querida. Soube que Lorenzo desejava vê-la. Mandou-lhe recado que estaria no Gino’s, il Candelabro na noite seguinte para jantar. Se ele quisesse vê-la, estaria lá.
Mais de 30 anos. Não fugiria daquilo. Não dessa vez. Disse que iria, foi.
Enquanto espera por Lorenzo, pede as saborosas berinjelas de sempre, o vinho da casa e lembra.
Lorenzo chega e encosta nela. Aperta seu coração em si. Estão ali. Estão ali.
” Que será da minha vida sem o teu amor, da minha boca sem os beijos teus, da minha alma sem o teu calor …”
D’Arc tinha mais de 40 anos e adorava Ângela Maria. Enquanto cozinhava, lavava as louças, cantarolava versos da cantora. Os moradores da casa sempre indagavam quem seria o grande amor pelo qual D’Arc suspirava há tantos anos. Ela fazia mistério.
Trabalhava há mais de 10 anos na casa dos Silveira, acompanhara o crescimento da menina Michelle, as inquietações do rapazinho Rodrigo. Gostava deles. Os patrões nunca haviam tido notícia de namoros ou encontros furtivos da moça – agora já mulher – desde que começara a trabalhar ali. Domingos de missa bem cedo. Um passeio na praça em frente à igreja, um sorvete, um pastel, um refrigerante. Volta pra casa. Descanso no quarto, televisão, música no radinho. D’Arc era cotidianamente simples.
Morava no quartinho contíguo à casa dos patrões, assim tinha independência, mas não a presença de familiares ou de amigos. Tinha nos Silveira a sua família, considerava assim.
Que amor haveria perdido o coração de D’Arc, que suspirava diuturnamente. E cantava canções de amor com tanta comoção.
Dia dos namorados não lhe trazia amargura, ao contrário, preparava tudo para os patrões, estimulava o rapazinho Rodrigo a presentear a namorada da vez. Enfim, era uma romântica.
Liz resolvera voltar a São Thomé das Letras. A viagem da década de 90 fora um trem fantasma único. Apagar agora aquilo era importantíssimo.
No quadro da pousada leu
Chegou, chegando. Pousadinha pequenininha, café da manhã bom. Preço bom. 7 dias de paz. Nada de nada pra pensar. Não queria reflexões, análises, nada. Só dias e noites em paz. Luz havia ali. Céu havia ali. Belezas havia ali. Fora de período de férias, aquilo era estar em contato com o criador, a criação ao alcance de suas mãos. Não queria conversa, não queria dizer de onde vinha, nada. A dona da pousada lhe cedeu o quarto cuja sacada se abria para o belo por-de-sol da cidade. Tão incensado por toda a gente.
No primeiro fim de tarde, ficou na varanda do quarto, bebendo vinho e namorando o céu. Parecia mar aquele céu. Ela preferia céu, lago, rio, cachoeira. Mar… já havia se afogado demais nele. Agora, céu. Leu, escreveu, ouviu música, leu, escreveu, ouviu música.
Na manhã seguinte, após o café, rua. Visitas como caminhante do sol, dos céus, das estrelas, dos rios. Na hora do almoço, um olhar ou outro, sem nenhum interesse pelos visitantes, poucos visitantes ali.
No fim de tarde correu porque a dona da pousada lhe avisara que faltavam poucos minutos para o espetáculo diário. Correu. Foi, sentou, tomou seu vinho. E ganhou companhia.
– Posso beber do seu vinho? – Só tenho essa taça, desculpe. – Tenho esse copo aqui – retirando-o debaixo do poncho andino. Me serve um pouco? – Ah, bom. Mas promete ficar quietinho aqui do meu lado? Se ficar, bebe comigo. Fez sinal com os dedos na boca de que aceitava o combinado. Ficou.
Ficou por mais 6 dias por rios, lagos, caminhos, trilhas. De noite, comidinhas gostosas, de dia sorvetes na farmácia porque era onde vendiam sorvetes por lá.
Menino mais novo, vivo, sem medos e temores, atrevido até. Namorado ideal que vai. Não teme o não. Parece que o não já tem, então o que vem é bônus.
Riram muito, encheram a cara e os corpos de alegrias, juventude, riscos de peles e pelos. Foram dias de muita luz os de Eva. Adão a levou por picadas e pinguelas de muitos prazeres, um menino-homem de muitos talheres.
Por tardes e noites era companhia silenciosa como Eva gostava. Era contemplação do aqui, do acolá. Eva estava adorando aquela volta a São Thomé das Letras.
Numa manhã trouxe-lhe um poema que havia escrito, logo cedo.
ODE AO POR-DO-SOL
Ó céu, que rebelde, assumes todas as dores da terra retorces a auréola da luz primeira tornando-a última, como se com isso punisses todos os homens por erros culpas desvios.
Ó céu, que punes a claridade do dia enrubescendo-a em sua moldura escancarando-a com carrancas soturnas para poder dela por fim se livrar.
Ó céu, que queres, se quanto mais duro te tornas mais doce e lírico te esbanjas aos que te contemplam?
Que desejas, ó céu, com fascinante beleza, que por minutos, liquida-nos, arrebata-nos como num golpe fatal.
Adão foi paraíso para Eva, exatamente como ela acreditava que seria.
Espíritos domesticam olhares, sentires e ficares, pelo cheiro, pelo vento, pelo sons do mato do sertão. Espíritos atraem por rochas, por águas, por céus. Espíritos nas florestas polinizam almas inquietas Para sempre.
AQUELA FIGUEIRA
Na vereda encontrei aquela figueira. Fiquei ali. Copa magnífica. Dos verdes, todos. De denso, o tronco. De lastro, histórias De expressão, singular. Estáticas, ambas. Incomum. Raízes para sempre em mim.
RAÍZES DE HOMENS
Há certos homens que têm caules vigorosos. São eles que semeiam a terra afagam sementes exalam perfumes de flores recolhem os frutos doces.
Há certos homens que encostam as mãos na terra a fortificam com seus dedos ásperos a revolvem com palmas ardentes a fertilizam com braços seguros.
Há certos homens que têm raízes em lugar de pés, fincam-se inexoravelmente.
HOMEM MACHADO
tudo mato não dá frutos faz anos tudo mato tem que cortar tem que tirar as raízes tem que limpar tudo tem que por fogo tirar as raízes
a boca num sorriso plástico a eficiência mortal o prazer da destruição contumaz arrancar tudo o auto-elogio do trabalho rápido o aplauso a si mesmo dores de raízes dores de troncos dores de folhas dores de flores frutos aos pedaços no chão
o homem machado exala morbidez pelo olhar pelas mãos pela fala
os verdes do cenário ausentes os verdes da moldura ausentes o homem machado presente
” Alguém ligado em OVNI? Hoje 6h da manhã, fotografei o sol já brilhando com força em João Pessoa. Foram 4 fotos. 3 tiradas em sequência saíram escuras como se ainda não estivesse claro (e já estava). A 4ª saiu com a luminosidade que eu avistava. Observando as fotos, percebo um objeto ao lado esquerdo do sol. Ele muda de posição. Você também vê isso? Sabe o que é?” – Heloísa Ramos
Via-Láctea XIII
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite, enquanto A via-láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas”.
Olavo Bilac, do poema ‘Via-Láctea – XIII (1888), no livro Antologia: poesias. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 37-55: Via-Láctea. (Coleção a obra-prima de cada autor).
SORRISO DE ESTRELA
É quando no desespero de mim, que encontro a ti sorrindo repetidas vezes com passos ouvidos em reflexos mínimos em espaços imprevisíveis em momentos inesperados.
É quando miro estrelas que encontro teu lume no delas tua silhueta na delas teu dorso incomum no brilho delas.
É quando escurece que estrelas em ramalhetes te trazem a mim, e em ti permaneço pousada no céu.
Para a amiga Heloísa Ramos, minha inspiradora. Sempre.
Poesia: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
1ª e 2ª fotos de Heloísa Ramos- 4/6/ 2019- João Pessoa