O tango é um pensamento triste que se pode dançar

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CÚMPLICES

aulas de vida
calçadas e marquises
bares estares e ficares
atacado e varejo
passos coreografados em pares tantos
passos coreografados em pares avulsos
meias despareadas
botas de um único pé
salto agulha 10
descompasso nos ritmos
boleros de ocasião
sambas-canção
Dolores- Antonio Maria
concertos
consertos
Ímpar
Em par

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TANGO

corpo
corpo
corpos
vislumbram-se
fitam-se
miram-se atraem-se
fixam-se
vibram
embalam-se
enrodilham-se
ficam
transpiram piram
ficam
emoção estética
ritmo som torvelinho
dançam
ritmo
dançam
ritmo dançam ritmo dançam ritmo dançam ritmo dançam
TANGO !

A dança, assim como as demais manifestações artísticas, é uma via de expressão capaz de representar diferentes ideias. A cada novo tipo de dança, perpetuam-se valores que fazem de um determinado estilo dançante sinônimo de determinados sentimentos. Na Argentina, o tango tornou-se sinônimo de paixão, melancolia e tristeza. Conforme sentencia uma famosa expressão “o tango é um pensamento triste que se pode dançar”. No entanto, ao contrário do que pensamos, o tango não “nasceu” triste e argentino.

Ao longo do século XIX, a jovem nação argentina incentivou a entrada de imigrantes europeus no país para que os mesmos pudessem ampliar a mão de obra disponível e, conforme relatos da época, “refinar” a cultura pelo contato com espanhóis, franceses, poloneses e italianos. Dos contingentes trazidos para ocupar novos postos de trabalho na Argentina, formou-se uma imensa população masculina que deixava a família para tentar a sorte em terras estrangeiras. Em pouco tempo, o excedente populacional masculino possibilitou a abertura de diversos prostíbulos  no país.

De acordo com recentes pesquisas, no final do século XIX, só a capital Buenos Aires contava com mais de 200 casas de prostituição. A procura pelas prostitutas era tão grande que os homens faziam fila à espera de fácil prazer sexual. Foi quando, a grande circulação de pessoas nas casas de prostituição argentinas deu espaço para a encenação de números musicais enquanto os clientes esperavam a sua vez. Nesse instante, apareciam grupos que intercambiavam suas distintas experiências musicais. A polca europeia, a havaneira cubana, o candombe uruguaio e a milonga espanhola firmaram o nascimento do tango argentino.

Em seus primeiros anos, o tango era formado por um trio musical executante de ritmos mais acelerados e os passos de dança tinham muita sensualidade. Só mais tarde que os tangos começaram a ganhar suas primeiras letras. Fazendo jus ao seu local de origem, as primeiras letras descreviam situações libidinosas sobre os prostíbulos e as meretrizes. Por isso, durante algum tempo, o tango era sinônimo de imoralidade. As pessoas de “boa índole” tinham verdadeira aversão à prática desse tipo de música dançante. No entanto, os imigrantes que voltavam para Europa tinham popularizado o estilo, principalmente na cidade de Paris.

Os diversos ataques contra o tango perderam força mediante a popularização e as transformações sofridas com a chegada do ritmo à Europa. Atacado ainda por religiosos, o tango chegou a ser dançado para o papa Pio X, para que o mesmo julgasse suas características. Aprovado por Vossa Santidade e influenciado pela escola europeia, o tango começou a ganhar um ritmo mais lento e passos mais cadenciados. No início do século XX, as letras começam a incorporar temáticas para fora do prostíbulo. Tempos depois veio a ser considerado uma expressão típica artística de “todos” argentinos.

Saindo dos prostíbulos para os salões de festa, o tango alcançou sua máxima popularização com o estrondoso sucesso do cantor Carlos Gardel. Sendo conhecido como uma dos mais famosos cantores de tango, Gardel mostrou sua música nos palcos e internacionalizou sua arte com a gravação do filme “El Dia Que Me Quieras”. Ainda hoje, o tango é uma das expressões artísticas mais conhecidas na Argentina e seus espetáculos atraem turistas de todo o mundo.

Esse post é dedicado a minha ex-aluna Camila Rocha, hoje escritora e fotógrafa, que nesse instante encontra-se “navegando em mares nunca dantes navegados” de TANGO.

Poesias: Odonir Oliveira

1ª imagem: Tela de Toulouse-Lautrec. El Dr. Tapié de Céleyran (1894) Museo Toulouse-Lautrec. Albi.

Foto retirada da Internet: Exibição de tango na Praça da Matriz, Montevidéu

Com informações de diversos sites da Internet

1º Vídeo: Canal Beatriz

2º Vídeo: Vimeo  1972thejourney

3º Vídeo: Canal TheArielrot

Tributo a SANDRO R. D. DE OLIVEIRA

TRIBUTO A SANDRO R. D. DE OLIVEIRA

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Era um garotinho gordinho, de olhos acanhados e voz assustada, quase de língua presa.

Respirava ofegante, adenoides, certa ansiedade de afeto e atenção na opacidade da convivência. Cirurgia. Correção.

Carência de figuras emblematicamente masculinas.

Adoração por figuras emblematicamente masculinas.

Numa trincheira compartilhada por primos, avós, tias e amigos. Da vontade de crescer e voar, nasceu o culto ao corpo e ao espírito, tudo junto, como se tempo pouco ainda lhe restasse para unir as partes.

De gordinho que era passou a se exercitar, à academia, à dieta, à nutricionista e ao AMOR.

Conheceu seu único AMOR, aqui a mim revelado no café, em conversa de cozinha, dois meses antes. A primeira amada, a perda da amada. O conselho de quantas e quantas amadas ainda haveria de tê-las ali naquela tela de celular também. Uma dor no tom da voz, na comparação com o outro por quem fora substituído, a falta de entendimento, a dificuldade de aceitar os porquês. A vontade de sorrir de novo.

O espiritual, ora era tornado tão robusto quanto o corpo, estava repleto de todos os fundamentos kardecistas possíveis. “Tia, perdi o livro que eu estava lendo; não estou achando; deixa tia, vai ser útil pra quem o achar, deixa”.

Trabalhos em grupos espíritas de solidariedade, compaixão quase budista.

Sem álcool, sem fumo, sem drogas. Agora sem glúten, sem açúcar, com proteínas  e aminoácidos regrados pela nutricionista.

Vida nova. 26 anos.

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A camiseta do Batman, a do Super Homem tudo alegoria do filho que rigorosamente se tornava agora, ao contrário do que a natureza previa, pai do pai. Um acordo de cooperação naquele momento imprescindível para tornar o pai pai de verdade.

E assim, companheiros, parceiros, brothers estavam, pelas primeiras vezes, fazendo caminhadas juntos, debochando um do outro juntos, rivalizando competências físicas; o pai, que sempre jogara futebol, saboreara praia etc. etc. agora … tudo compartilhado na salvação dos corpos de ambos, nas almas de ambos. A viagem ao exterior juntos, os jogos do Botafogo juntos, os shows de rock juntos. Uma revolução nos espelhos virados ao contrário. Ou não.

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Fazendo planos: “voltar aqui; comprar um terreno aqui, construir uma casa aqui; viajar com meu pai; passar no concurso; pegar meu diploma que ainda não liberaram; ir a Londres com meu pai, ajudar meu pai a ficar inteiro a se manter inteiro; trazer minha mãe aqui…” 26 anos.

Carnaval aqui na praça, seguindo juntos com o bloco Recordar e Viver, a fonte, tudo, tudo fotografado em selfies, eternizado no Face, no Instagram, tudo certificado, comentado, compartilhado: 26 anos.

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As fotos do churrasco enviadas pra tia, com carinho, logo depois.

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O assalto.

A  correntinha.

O celular.

O tiro.

“Mas eu não reagi, eu não reagi”, nos braços do anjo, a professora que o acudira, o acolhera ali, a caminho do trabalho.

A  morte.

Não deu tempo de fazer o que pretendia tanto.

Ou será que deu?

O jardim que fiz pra Sandro está mais no meu coração do que nas flores que enfeitam a placa hoje com seu nome.

Ah, aquele garotinho gordinho !!!

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Texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal (lembranças a pedido de meu irmão, pai do Sandro)

1º Vídeo: Canal   65Seasons

2º Vídeo: Canal brokenwingchet     

Declarações poéticas

LÍRICA

conhece montes
visita ninhos de passarinhos
bebe água de rios com mãos em concha
suspira ao nascer do sol
entontece no vinho do anoitecer
saboreia pingos de chuva no rosto erguido aos céus
entrega corpo e alma às luas cheias
caminha sobre pedras de riachos muitos
vasculha matas fechadas com olhares fascinados
é sol
é estrela
é lua
é rua
é acorde
é vírgula
é reticências
é ritmo
é rima
é dor, flor, cor
amor
também

 

CUPRUM

no ambiente, sólido
aquecido, fusão-refinação
liga
antiquíssimo, símbolo da vida eterna
cobre
não cobre
limita pré-história e história
cobre
nem ouro, nem prata
cobre-alquimia
Afrodite
Vênus
cobre

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EMOÇÕES

várias
faca amolada
fio de navalha
precipício em salto
riscos de vida
riscos de mortes
cordis alterado
cordis semi-morto
anginas de antanho
angina de agora
anginas eternas
anginas semoventes
cordis burgo
riscos de vida
riscos de mortes
a vida sopra
a vida não sopra
o rio corre
a folha cai
a rosa murcha
o sol se põe
cordis burgo
riscos de vida
riscos de mortes

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Poesias: Odonir Oliveira

1º Vídeo: Canal hyeryoung86

2 ºVídeo: Canal Puerto Libre  – Arte de Leonid Afremov

Doces deleites, Cecília …

Wilma era muito amiga de Cecília. Fizeram faculdade juntas, o mesmo curso. Trabalhavam no mesmo lugar e, após às seis, iam no carro do marido de Wilma, falando, mas falando tanto que o pobre Durval, miudinho como Wilma, só se manifestava para retirar uns versos do Pessoa da ponta da língua e pontuar um ou outro assunto. Ela virava de costas no automóvel para conversar com Cecília sobre tantos temas que tinham em comum, tanto os do trabalho quanto os da faculdade.

Wilma casara bem cedo, ela 18; ele 20. Resolveram fazer faculdade depois de casados. Nunca quiseram filhos durante esse período.

Wilma adorava mar, paulistana, filha única de família simples, desejava muito a praia. Mas não o mar. Entrava só na beiradinha, se refrescava com uma garrafinha d’água sobre costas e ombros … era bem clarinha, quase ruiva. Já Cecília era só água, nascera em cidade de mar e agora morava em outra cidade de mar. Eram finais de semana repletos de alegrias aqueles em que o casal de amigos vinha ficar com Cecília.

Nas conversas entre as duas, pincelavam-se algumas diferenças além do mergulho em águas salgadas. Wilma não queria ter filhos – talvez um dia, bem lá pra frente. Cecília amava crianças, filhos, gravidez, amamentação, entretanto nunca desejara se casar, viver na mesma casa com um marido- coisa que não suportaria, visto que vivia sozinha havia quase uma década. Era muito livre, acordava e dormia segundo suas intenções, comia e bebia o que bem entendia, ouvia os discos que queria e jamais trazia namorado- nem tantos assim – para seu apartamento. Não queria dividir intimidades e proximidades diuturnas com ninguém. Mas Wilma dizia que na hora em que a outra se apaixonasse, tudo seria diferente. Não foi. Quando tentou, durou meses apenas.

Separaram-se. Cecília teve sua filha, casou, mudou e não te convidou – digamos assim. Logo, logo, continuou com sua cria, como sempre pretendera, sozinha.

Wilma continuou sua carreira universitária com mestrado, doutorado. Durval ascendeu como economista numa grande empresa de alimentícios. Nunca tiveram filhos.

Depois de mais de 10 anos sem se verem, sem saberem nada uma da outra, Cecilia começou a procura por Wilma. Endereços antigos, nomes em listas telefônicas, amigos de amigos de amigos. Até que um dia encontrou, em um número telefônico, por sobrenome, a mãe de Wilma.

É preciso saber que Cecília, por ser historiadora, sempre se interessara por buscas, pistas, sinais, querer ir atrás de causas para consequências descobertas e sem explicação. Fazer buscas por endereços, telefones, atividade profissional de alguém, raízes de uma família, laços de sangue etc. eram ações corriqueiras em seus procedimentos. (Certa vez, o tolo de um rapaz acreditou que isso fosse perseguição, tentativa de totalitarismo, de controle. Mal sabia ele que Cecília jamais quisera grudar-se em alguém como ventosa. Era de índole libertária. Queria apenas o perfume da pele e a umidade da brisa do amanhecer. Tonto, não compreendeu nada). Mas fora graças a esse tino investigativo que Cecília chegara à mãe de Wilma e depois ao Durval.

Wilma morrera afogada em Florianópolis entre o Natal e o ano novo, havia mais de 7 anos. Ondas muito fortes a recolheram e mais uns amigos estrangeiros, em uma viagem àquela cidade. Morrera jovem, menos de 40 anos. Sem filhos. O marido, muito apaixonado, quase sucumbira também. A mãe daquela filha única … entregue ao medo da cidade grande, da noite… querendo falar mais e mais sobre a filha morta e contar tudo que Cecília não sabia e relembrar as vezes em que estiveram todas juntas. A dor terrível da mãe, a dor terrível do homem amado. A dor tardia da amiga.

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Naquela tarde, Cecília abraçou suas crias como uma leoa. Nunca quisera a coabitação com os pais de seus filhos, mas tinha, ali, seu doce deleite. Eram perenes. Eram reais. Eram sua continuidade. Eram, egocentricamente até, sua perpetuação da espécie.

Valera a pena sim ter conhecido Wilminha, miúda, doce mas brava, dedicada aos estudos sempre. E ao trabalho também. Alérgica, nariz sempre entupido e desentupido por soros. Intimidades, Wilma … apaixonar-se, Wilma… a vida continuou e Cecília não se esqueceu nunca daquela amiga em prosa e verso.

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Texto: Odonir Oliveira

1º Vídeo: Canal Orquestra Ouro Preto

2º Vídeo: Canal  Hully Arar

A outra mãe

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A OUTRA MÃE

Tinham chegado quase juntas ao grande hospital de Salvador, mas isso poderia ter acontecido em qualquer outro. Era o ano de 1979.

A branquinha de olhos castanhos e pele bronzeada trazia nas mãos uma pasta de plástico, fechada por elásticos, onde estavam guardados os documentos pessoais, o cartão do INSS e um bilhete no qual a recomendavam ao Doutor Xis , amigo de outros amigos.

A negra franzina de olhos cor de mel que trazia papeis amarfanhados e meio sujos nas mãos havia esperado alguns meses pela consulta, ainda que estivesse buchuda havia alguns meses também.

Como tivessem chegado juntas e apresentado as credenciais que lhes permitiriam ser atendidas, foram logo diferenciadas em suas pompas e circunstâncias e conduzidas a entrar na sala e serem examinadas pelo Doutor Xis.

Duas cadeiras as acolheram e ali começaram a conversar. A primeira estava grávida há oito meses e viera do sul do país para morar naquela cidade; já a segunda fazia uns quatro meses que estava prenhe, e feliz da vida por isso. Ao preencher a ficha , o médico ia lhes fazendo  perguntas costumeiras nessas situações. O que surpreendeu foi que tinham a mesma idade, 24 anos; teriam o primeiro filho e estavam ali segurando suas crias com as mãos nas barrigas como se quisessem proibir que dali saíssem.

O doutor ginecologista foi requisitado em outro setor e deixou-as, cada uma com suas emoções, seus medos, suas expectativas, suas persistências, suas esperanças.

Um estado de mudez as acometeu então. Olhavam-se apenas, tão diferentes e tão subitamente iguais.

Uma imaginando que a outra sim era feliz, com comida boa, casa bonita com carro estacionado na frente, bercinho enfeitado, enxoval de primeira e pediatra para qualquer presunção de dor. Às vezes um sorrisinho no canto da boca, quase um acordo tácito da materna cumplicidade. Depois um certo olhar vago , para longe, para muito mais longe que a vidraça o pudesse empurrar. Uma mudez meio ressentida e atávica, quase murmúrio de uma dor assentada e legítima.

A outra pensando se seu homem amado, o que lhe fizera aquele filho, seria um bom pai, se a amaria ainda da mesma forma, agora que seus seios estavam dilatados e com bicos em auréolas róseas quase sem nenhuma atração sensual. Pensava que aquela linda negrinha sim é que parecia ser muito desejada, e era por um amor embrutecido e rude que lhe agarrava pelos ombros, a jogava na cama, impunha-lhe as vontades e, juntos, voavam por nuvens saborosas. Invejou a outra com um olhar de soslaio apenas. Quantas vezes teria sido amada antes de estar daquele jeito buchuda, perguntou-se.Teria sido como ela, logo na segunda vez, meio por desejo e não por anseio de procriação? Parecia que não. Era quase um monumento de reverência à libido: pelo rosto, pelos lábios, pelos cabelos cacheados; tudo recendia a prazer na outra mãe a seu lado. Tornou-se  quase mulher, em vez de mãe, naquele instante. Que pensasse naquela ultrassonografia que iria lhe dizer menino ou menina, que iria como um oráculo anunciar o que deveria ser contado ao pai, distante ainda no sul do país. Era isso apenas o que contava: a realização do amor, a constatação, quase concreta afinal, do filho que ela e seu homem juntos iriam ter.

A negrinha era magrinha, de quadril surpreendentemente estreito, aguardava  sem  talvez nem um pensamento, nada que a mãe branquinha a seu lado suspirasse a desejar. Queria saber como estava o filho que carregava por esses últimos quatro meses. Algum mistério em seu rosto no entanto, como um anátema que lhe aguardasse a seguir, ou a suspeita dele.

Doutor Xis entrou, fechou a porta e pediu que a mulher branca deitasse para começar a ultrassonografia, tendo nas mãos o bilhete com a sua indicação. Mas sem qualquer explicação, talvez pela cumplicidade  adquirida naqueles minutos em que estiveram lado a lado em dor e prazer, cedeu à negra sua vez. O médico disse que então ali se deitasse a outra.

– É seu primeiro filho? -perguntou.

-Não, esse é o terceiro.

– Tem dois filhos, então?- roçando-lhe o ventre com aquele microfone, que se não era microfone parecia ser um. Olhava na tela um retrato em preto e branco disforme e desesperançoso de toda uma vida.

– Não, doutor, eu perdi os outros dois, não cheguei a parir não. Morreram.

– Então são três, porque esse aqui também está morto. Você perdeu.

-Ah, doutor, esse também? Não vai criar, não?!

– Não, vamos marcar a curetagem. Vista-se e espere ali fora que a enfermeira vai conversar com a senhora.

Vinte e quatro anos, três filhos que não vingaram. Um vazio comunicado daquela forma! Que dor! Que incomunicabilidade!

Saiu o Doutor Xis e enquanto orientava, talvez, a enfermeira ou adiantava algum procedimento, a branca, de vinte e quatro anos com bilhete de indicação, se perguntava se deveria deitar naquela maca, se ainda queria saber do seu filho, do sexo do seu filho, dos desejos do pai do filho, dos seus desejos, da vontade de querer ser mãe, do irreconhecível sentimento masculino do gestar, do parir, do amamentar, do proteger, do defender, do guiar, do educar, do ferir alguém que à sua cria ameaçasse ferir. Pensou se ali estava alguém que lhe pudesse responder a todas aquelas questões ou se teria que ir aprendendo sozinha como respondê-las e agir, então.

Já na maca, o médico lhe explicava em detalhes como estava sua filhinha, ou seria filhinho, tratava-se do saquinho escrotal ou não… parecia ser, ficaria devendo a garantia do sexo, portanto. Afirmava que o bebê estava bem encaixado, na posição correta e que era só aguardar. Parto normal à vista como ela desejava. Quadril largo, pouco peso, criança saudável. Tudo correndo bem. Ensinou-lhe exercícios de respiração, mandou que continuasse caminhando na areia molhada da praia todas as manhãs. Se houvesse algum perigo – que o parto seria em casa- a carteirinha do INSS estava pronta, e eles, avisados. Era só comparecer ao hospital.

Descia agora da maca como se descesse de um avião em chamas, como sobrevivente de uma tragédia. Queria ir embora dali urgentemente. Parecia que o filho lhe descia pernas abaixo, como se não fosse conseguir segurá-lo mais, tamanho o choque da dor alheia testemunhada.

E a outra mãe? Desejou encontrá-la na saída, dizer-lhe talvez umas palavras, oferecer-lhe seu peito para agasalhar um choro. Ouvir o resto da história. Aprender com ela, aprender com aquilo e depois ensinar a seus filhos, que para isso servem as mães, para adoçar sofrimentos, acalmar desesperos, acarinhar soluços inevitáveis. Nada.

Aprendeu. Mãe deve servir de aconchego e bálsamo para vidas em evolução.

 (maio de 2015)

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Texto: Odonir Oliveira

1º Vídeo: Canal claradobrasil

2º Vídeo: Canal Rodrigo Caldas

LEIA TAMBÉM: http://noticias.terra.com.br/brasil/desigualdade-social-poe-saude-de-maes-em-risco-no-brasil-diz-ong,7c2ee3b8aa761db5928e06b1b685aba6x4mpRCRD.html

Prometeu, Cleópatra, o amor …

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DOCE É O AMOR

O que é isso,
que apelido tem
que codinome tem
que alcunha tem
que diminutivo tem
que sinônimo tem
que antônimo tem
que química tem
que receituário tem
que disfarces tem
que fantasias tem
que lemas tem
que contra-indicações tem
que efeitos colaterais tem
que desenganos tem
que tropeços tem
que feridas tem
que encantos tem
que sedução tem
que encaixes tem
que desassossegos tem ?
Doce é o amor ?

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CLEÓPATRA

1975,
baiana
tem 30 anos, em Salvador,
filha de um graúdo do porto
estudou Letras,
ensina literatura para pagar suas miudezas
conhece Muziris, marinheiro embarcado,
conhecedor do mundo
conhecedor dos mundos
sai com ele
às escondidas dos pais
cai com ele, em leitos,
às escondidas dos pais
Na missa, no Bonfim, veste vestido decotado
acodem mulheres, lhe jogam um bolerinho nos ombros
Cleópatra, a baiana, de quadris largos, de bunda grande
de vontades e sabores dela
de cravo e canela
Muziris  vai
Muziris vem
Muziris viaja por seus mares
Muziris viaja por mares dela.
A rainha do Egito dos mares de Muziris,
mares inesquecíveis,
cantados,
decantados,
mesmo 20 anos depois.

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PROMETEU ACORRENTADO

Sente pena de estarem acorrentados
sente pena de não saberem se desvencilhar
sente pena de tão outra parca narrativa
sente pena do ardor do medo
sente pena das aleivosias intermináveis
sente pena das armadilhas aprisionantes
sente pena dos arrestos de sazonalidades
sente pena das tatuagens polinizadas
sente pena da premência única de feromônios
sente pena das nuances de cores perdidas
sente pena da elipse de angulares vespertinas e plenas
sente pena da reposição do lirismo pelo vácuo e mínimo cotidiano
Sente pena
das noite brancas
das estrelas vagantes
das naus
de …

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Poesias: Odonir Oliveira

Fotografias conceituais de Misha Gordin

http://bsimple.com/home.htm

Vídeos:

1- Canal JB Jazz Blues House The Club

2- Canal  Smoddeka

Filmes eternos: livros e leituras

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TELA GRANDE
encantamento
som luz imagens
duas cores
muitas cores
poltronas
escuro
silêncios
magia
prazer
imaginação
delírio
sonho
ilusão fascinação perpetuação
Ednardo – Dorothy L’amour
Quando nos reunimos presencialmente (ou virtualmente), além de canções -se alguém estiver com um violão- falamos de filmes. Tanto canções quanto filmes têm a propriedade de nos remeter a mundos muito além daquele em que vivemos. Vejo a moçada nas redes sociais hoje se emocionando em amor, raiva, ódio pelas séries americanas, pelos filmes a que assistem na Netflix… Sou do tempo da tela grande, do frenesi das estreias, das filas na porta dos cinemas de rua, dos debates pós-filmes, das resenhas, do café na saída da exibição e ali a conversa por horas sobre aqueles belos filmes a que assistíamos.
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A sequência abaixo foi apresentada num ciclo de debates sobre filmes livros, no Museu da Imagem e do Som, MIS , SP, em 1996, no mesmo período em que se realizava a Bienal do Livro na cidade. O livro era o personagem. Na sequência da exibição, fazíamos uma apresentação/ mediação sobre o filme para o público presente. Depois procedíamos a um debate bastante enriquecedor com a plateia.
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Fahrenheit 451 Trailer

Fahrenheit 451, o quinto longa-metragem de François Truffaut, o primeiro em cores e o único feito em país estrangeiro, a Inglaterra, tem uma das frases mais belas, mais fortes, mais marcantes, mais dramáticas destes cento e dez anos de cinema: – “Do you ever read the books you burn?”

Perde bastante na tradução, que pode vir em mais de uma forma: – “Você lê os livros que você queima?” “Você alguma vez leu os livros que queima?” “Você nunca leu os livros que queima?”

A pergunta é feita por uma moça que parece bem jovem, cabelos louros cortados bem curtinhos, faiscantes olhos verdes, lábios carnudos, a um bombeiro, com seu uniforme todo negro. O espectador viu uma ação que demonstra que, naquele futuro descrito ali, os bombeiros não mais apagam incêndios – as casas, os edifícios são à prova de fogo. Sua atividade consiste em queimar livros. A rotina de um destacamento de bombeiros. O destacamento recebe uma denúncia, por um telefonema anônimo, o grupo de bombeiros entra no seu caminhão vermelho, sirene ligada, e segue até o prédio apontado. O ocupante do apartamento em questão havia sido avisado com mínima antecedência , e fugira correndo. Os bombeiros chegam, e procedem a uma rigorosa inspeção de todos os pequenos cantos onde livros podem ter sido escondidos.

Encontram algumas dezenas de livros – o primeiro deles é Dom Quixote, de Cervantes. São todos levados para a frente do prédio, ao ar livre, colocados numa espécie de churrasqueira portátil, e queimados por um lança-chamas poderoso operado por um dos bombeiros, Montag (o papel de Oskar Werner)

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UMA CIDADE SEM PASSADO – 1990

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O filme Uma cidade sem passado, do diretor Michael Verhoven, produzido no ano de 1989, é reproduzido na pequena cidade de Pfilzing na Alemanha, por volta da década de 70, seu pai Paul (Michael Guillaume) um refugiado político que fugindo da guerra da Silésia, foi morar na Alemanha com o seu cunhado o vigário da catedral de Pfilzing o tio Franz, a mãe de Sonia chamava-se Maria (Monika Baumgartner) professora de religião na cidade, tudo começa quando a sua filha Primogênita, uma jovem chamada Sonia Wegmus (Lena Stolze) a qual tem dois irmãos por nome de Robert (Michel Guillaume) e a Nina (Karin Thaler), Sonia era muito querida na sua cidade e resolve participar do concurso de composições de poesias, promovida pelo presidente da Alemanha o Dr. Karl Carstens. Do qual a protagonista, Sonia, é incentivada por sua professora de latim Juckenack (Hans-Reinhard Muller) a participar.

Na sua busca pela verdade Sonia emerge de forma imediata a necessidade da reconstrução do passado, o acesso às informações, as Instituições de Memória, etc. E descobre que estavam ocultando a verdade. Sonia resolve em uma atitude exasperada processar o estado, para que lhe permita o acesso às informações atá então retidas como arquivos confidencias, e a cidade de Pfilzing fica revoltada com sua atitude, sendo Sonia o centro de grandes perseguições. Mas ela não teme, e sem medo resolve desvendar todo o passado da sua cidade. Ela conclui seu trabalho com grande êxito mostrando a todos os verdadeiros fatos ocorridos na sua cidade durante o III Reich, trazendo para todos o passado da sua pequena cidade de Pfilzing.

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NUNCA TE AMEI – 1994

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Andrew Crocker-Harris (Michael Redgrave) 1951, é um professor de grego e latim que é forçado a se retirar do trabalho, após lecionar 18 anos em uma escola preparatória na Inglaterra, Andrew Crocker-Harris (Albert Finney), 1994, um enérgico e pouco amigável professor de latim e grego, é forçado a se aposentar. O pretexto é que sua saúde não está boa, sendo que ele não receberá aposentadoria, devido a problemas de saúde. Na vida particular nada é diferente, pois vive com Millie Crocker-Harris (Jean Kent) um casamento fracassado, onde ela, não satisfeita em traí-lo com Frank Hunter (Nigel Patrick), um outro professor, sente um enorme prazer em magoá-lo. Várias são as obras das literaturas grega e latina citadas, todas com referências claras na narrativa do enredo.

Duas versões: 1951 e 1994

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A TEMPESTADE – 2010 (há outra versão)

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Filme inspirado na obra de William Shakespeare , A Tempestade (The Tempest no original) é uma peça teatral do dramaturgo inglês William Shakespeare, que acredita-se ter sido escrita entre 1610 e 1611, e tida como muitos críticos como a última peça escrita pelo autor.

A Tempestade é uma história de vingança, é uma história de amor, é uma história de conspirações oportunistas, e é uma história que contrapõe a figura disforme, selvagem, pesada dos instintos animais que habitam o homem à figura etérea, incorpórea, espiritualizada de altas aspirações humanas, como o desejo de liberdade e a lealdade grata e servil. Uma Ilha é habitada por Próspero, Duque de Milão, mago de amplos poderes, e sua filha Miranda, que para lá foram levados à força, num ato de traição política. Próspero tem a seu serviço Caliban, um escravo em terra, homem adulto e disforme, e Ariel, o espírito servil e assexuado que pode se metamorfosear em ar, água ou fogo. Os poderes eruditos e mágicos de Próspero e Ariel combinam-se e, depois de criar um naufrágio, Próspero coloca na Ilha seus desafetos (no intuito de levá-los à insanidade mental) e um príncipe, noivo em potencial para a filha. Se o amor acontece entre os dois jovens, se a vingança de Próspero é bem-sucedida, se Caliban modifica-se quando conhece os poderes inebriantes do vinho numa cena cômica com outros dois bêbados, tudo isso Shakespeare nos revela no enredo desta que por muitos é considerada sua obra-prima – uma história de dor e reconciliação.

A obra de Shakespeare pode ser lida aqui:
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SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS – 1990
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Em 1959 na Welton Academy, uma tradicional escola preparatória, um ex-aluno (Robin Williams) se torna o novo professor de literatura, mas logo seus métodos de incentivar os alunos a pensarem por si mesmos cria um choque com a ortodoxa direção do colégio, principalmente quando ele fala aos seus alunos sobre a “Sociedade dos Poetas Mortos”.
Ensina literatura viva, com declamação de textos, encenação de poemas, o carpe diem, e provoca em cada aluno uma revolução pessoal, através da literatura.
CENA FINAL:
 A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA – 1965 (outra versão de 2012)
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Augusto Matraga (Leonardo Villar) é um fazendeiro violento, que é traído pela esposa, emboscado por seus inimigos, acaba massacrado e é dado como morto. É salvo por um casal de negros e, desde então, volta-se para a religiosidade. Mas quando conhece Joãozinho Bem Bem (Jofre Soares), um jagunço famoso, este percebe nele o homem violento, e o faz viver um conflito interno, instigando os instintos violentos de sua personalidade.. Daí em diante Matraga vive o conflito entre o desejo e a vingança e sua penitência pelos erros cometidos.

É baseado em “A hora e vez de Augusto Matraga”, última novela de Sagarana, obra de
• Direção: Roberto Santos
• Roteiro: Gianfrancesco Guarnieri (escritor), J. Guimarães Rosa (argumento), Roberto Santos (escritor)
• Gênero: Drama
• Origem: Brasil
• Tipo: Longa-metragem

Elenco:

• Leonardo Villar – Augusto Matraga
• Joffre Soares – Joãozinho Bem Bem
• Maria Ribeiro – Dionorá
• Maurício do Valle – Padre
• Flávio Migliaccio – Quim Recadeiro

NUNCA TE VI SEMPRE TE AMEI – 1987
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Nunca te Vi, Sempre te Amei se baseia numa história real. Um dos dois protagonistas da história, Helene Hanff (1916-1997), escreveu um livro de memórias, que deu origem a uma peça de teatro, assinada por James Roose-Evans, a uma adaptação para a TV e, em 1987, a este filme, cujo roteiro foi escrito por Hugh Whitemore. O filme foi dirigido pelo inglês David Jones (1934-2008).

A história real relatada por Helene Hanff não tem, a rigor, nada, nada de especial. Uma jovem escritora de Nova York apaixonada por livros e por literatura inglesa descobre que uma livraria de Londres tem as obras que procura, e passa a se corresponder com um dos funcionários.

Nenhum mistério, nenhum crime a ser desvendado. A rigor, nem sequer há um caso de paixão; não há traição, triângulo amoroso.

Sexo, então, zero. Não há sexo, mistério, rock’n’roll, drogas, traição, violência, traumas de infância, traumas de qualquer espécie. Não há tragédia, catástrofe, pânico, pathos. Não há absolutamente nada extraordinário. Nada, nada, nada.

Há apenas a relação entre uma impetuosa, independente, batalhadora jovem nova-iorquina que se esforça para ganhar a vida primeiro como leitora de roteiros e depois como escritora para a TV, e um sereno, tranquilo, cinzento senhor londrino que trabalha numa livraria especializada em edições raras de velhos livros.

Ela escreve de Nova York excitadamente,  eloquentemente, ele responde de Londres profissionalmente,  calmamente.

Não há nada de extraordinário na história da correspondência entre Helen Hanff, de Nova York, e Frank Doel, de Londres – e, no entanto, a história foi sucesso como livro, como peça em Nova York e Londres, e como filme.

Não há como não se apaixonar pelos personagens feitos por esses atores.

Bacana mesmo é ler as obras citadas nos filmes, de literatura nacional e internacional. Depois comparar as linguagens; é claro que o cinema recorre a muitos expedientes aos quais a literatura não tem acesso, entretanto ler é MUITO MAIS MÁGICO, penso eu.

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Com informações de:

http://www.adorocinema.com

http://50anosdefilmes.com.br

https://filmow.com

Vídeos de canais diversos do Youtube.

 Leia também sobre o mesmo tema: Filmes eternos: iniciações 
OBSERVAÇÃO: O wordpress NÃO está permitindo adicionar diversos vídeos aqui, mesmo substituindo-os por outros. Apenas adicionei os links a quem desejar completar minhas indicações. Assista-os no Youtube, portanto.

Clubinho da leitura … versos em cena

O QUE CONCORRE PARA SE FAZER UMA BOA LEITURA ?

Comecei a me encantar com a leitura para não iniciados quando assisti, há umas 3 décadas, a uma reportagem na TV, na qual uma jovem recém-formada em Letras, na cidade de Santos, havia começado um trabalho com leitura de poesias com estivadores, no cais do porto da cidade . Muitos deles eram analfabetos, outros não liam fluentemente, não conheciam sequer uma página da literatura, quanto mais poesias. Acreditava-se que, embotados em sua sensibilidade, dureza pela sobrevivência árdua, machismo … jamais poderiam se deixar encantar pelo trabalho no qual a mocinha se empenhava. O resultado foi maravilhoso. Sempre feito no horário do almoço dos estivadores, inclusive. Chegaram a escrever poemas. E lindos, porque repletos do real vivido, sofrido, dolorido e exposto sem receios mais.

Teóricos afirmam que pelo menos 3 ingredientes são importantes para essa receita: conhecimento da linguagem, da língua; conhecimento do gênero textual a ser lido: seu formato, seus componentes e leitura de mundo: experiências de vida etc.

Assim, acredito na necessidade de MEDIAÇÃO DA LEITURA. Só quem saboreia ler pode encantar outros com a literatura. Falecido recentemente, meu professor da USP, Antonio Cândido, grande mestre, afirmava a importância de se poder oferecer democraticamente LITERATURA A TODOS. É um direito de todo mundo.

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O Clubinho da leitura, trabalho voluntário, projeto que criei, coordeno e me delicio em fazer, propicia ouvir meus meninos – que são tão pouco ouvidos em classes muito numerosas em suas escolas, sem poderem dizer o que têm a dizer. Aqui pretendo que interajam e integrem outras atividades artísticas à literatura, assim quando mais tarde lhes procure a vida, saberão dizer da beleza, da estética, da sensibilidade que tiveram e, seguramente, viverão mais suavemente.

Gostam muito de desenhar, pintar, ilustrar textos, poemas e, sobretudo, de representá-los, de encená-los. Gostam de desempenhar os diversos papeis, inclusive o de diretor. Os mais velhos vão “distribuindo” o que já sabem aos menores. Eu interfiro eficazmente apenas, quando vejo necessidade. Aprecio muito vê-los evoluindo, crescendo em idade     ( há alguns que estão aqui faz 3 anos) e em maturidade para a leitura e até no proceder. Por exemplo, quando vem uma criança pela primeira vez, em geral, fica reservada, gosta, mas observa, pouco fala, pouco responde (os já “iniciados” sabem que é preciso ACOLHER, DEIXAR O OUTRO BEM e favorecem a integração). É como se estivessem no quintal de casa, entre irmãos de idades diferentes. E é isso que acrescenta, faz evoluir. Crianças aprendem muito mais umas com as outras, sabe-se, do que com adultos, a hierarquia etária, vocabular etc. tendem a não ajudar. Aprende-se melhor com seus iguais.

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LEITURA DE POEMAS E ENCENAÇÃO

Vai ter “roupas”- figurinos? Vai
Vai ter música: flauta, tambor, percussão? Vai
Posso ser o diretor? Explica pra eles o que faz um diretor, então.
Pode ser no clubinho de campo? Pode.

 

Então vamos saborear a leitura, levantar ideias, separar personagens, há rimas ou não, quantos versos, que sentimentos vieram a vocês, como são e quem são os personagens no poema… ah, tantas coisas que descobrem ali, que só vendo e ouvindo mesmo. Interessante é que alguns ainda não sabem ler… palavras, né, porque o resto eles já sabem sim. Muitos adultos que transitam por perto param para assistir. E aprender também, por que não?

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ESPANTALHO

Olá, espantalho!
que fazes aí?
 
Espanto os pardais
daqui e dali.
 
Não te sentes triste
no mesmo lugar?
 
É o meu destino,
não posso mudar.
 
Espantalho, espantalho,
não fales assim,
 
Deixas-me tão triste
por ti e por mim…
 
Maria Cândida Mendonça

 

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A MAMÃE

não me bota mais no colo,
não bota mais,
não me embala mais o sono,
não embala mais,
não canta pra eu dormir…
não canta mais…
não bota mais,
não embala mais,
não canta mais…
Eu bem sei que já faz tempo
que ela ainda me embalava,
mas me lembro muito bem,
era assim que ela cantava:
 
“Dorme, dorme, filhinho,
meu anjinho inocente,
dorme, meu queridinho,
que a mamãe está contente…”
 
Mas o tempo passou,
passou, passou,
e a cantiga calou,
calou, calou…
e o menino foi crescendo,
crescendo, cresceu, cresceu,
mas aquela voz ficou.
ficou, ficou…
 
Eu agora já sou grande,
tenho quase a altura dela.
Vai chegar a minha vez
de poder cantar para ela…

 

Pedro Bandeira

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Com o coração na mão. Nele o poema (que de tanto encenarem, já o sabiam quase de cor) a ser lido para as mamães. 

 

Texto: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
 
1 º Vídeo: Facebook- Ciência USP
2º Vídeo: Canal Amanda Ag
3º Vídeo: Canal MurielBaby

Tenho em mim o sentimento do mundo

PRA QUÊ ?

Pra que escrever, se tantos são felizes sem fazê-lo…
Pra que escrever, se meu país esfacelou-se e tantos são felizes apesar disso …
Pra que escrever, se o homem que amei perdeu-se entre lua e estrelas para sempre …
Pra que escrever, se ouvidos estão surdos para os sons do amor …
Pra que escrever, se olhos se negam a ver o que está tão nítido …
Pra que escrever se um niilismo recorrente escureceu manhãs, presentes, passados e futuros …
Pra que escrever, se isso é tão pouco pra mudar um mundo …
Pra que escrever ?
Quero plantar e colher com a mão
pra isso fiz escolhas
abri mão de luzes, faróis, refletores, rapapés
 
Eu quero uma casa no campo
como sempre quis.
Apenas isso.
Só isso.
 
Felicidade?
Não sei o que seria mais, senão isso.

 

CRÔNICA DOS DOMINGOS DE MIM

Arrisco dizer que cavalgo por estradas próximas, com fiel escudeira, bebemos céu e ar, flores, riozinhos, córregos, picadas e canteiros.

Gosto da comida caipira mineira, a que aprendi a comer desde menina. Gosto de angu molinho de fubá branco, de galinha ao molho pardo, taioba, mandioca cozida molinha, frita tinindo nos dentes. Gosto de feijões de muitas espécies, de couve manteiga ou tronchuda rasgada, picada ou no caldo verde. Gosto de caldo de cana, que aprendi a fazer com meu pai, em pequetita ainda: ele fez a moenda, fresador ferramenteiro que era. Colhíamos a cana da horta- e que horta enorme tínhamos nós. Gosto de macarrão espaguete grosso, de domingo, com pouco molho vermelho com pedaços de galinha enfeitando a massa. Gosto de quiabo com baba e sem baba, gosto de jiló refogadinho na cebola picadinha e no alho pilado. Gosto de carne de porco sequinha cozida e depois refogada, de linguiça caseira, de milho, milho, milho. Gosto de doce de cidra, de laranja, de mamão, de abóbora, doce de leite claro e escuro, de arroz-doce com raspinhas de laranja e canela. Gosto de doce de figos, de goiabas, em compotas: das famosas quitandas.

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Domingo é dia de comida caipira.

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Seu Teco me leva pela mão a conhecer suas preciosidades da horta. Surpreende-me ser como o meu velho pai, que se vivo estivesse completaria, nesse mesmo 7 de maio, os seus 99 anos. Seu Teco é um Plácido pai revivido então. Vê que me encanto fotografando seus caquizeiros repletos de frutos e me carrega pela mão. Vai narrando seu prazer quando sai do restaurante e vai pro fundo, pra horta, ficar com suas plantações. Diz que volta outro. Vai falando aquela poesia lírica toda nos meus ouvidos, como fosse um personagem roseano caído de uma página de um Sagarana ou de um Grande Sertão daqueles. Ficamos ali por muito. Gostou de me ouvir contar onde eu vivia antes e por que estava agora por aqui, fez perguntas, elogiou minhas escolhas e me encheu de presentes: muitas mexericas, que fomos eu e ele pegando nos pés repletos, chuchus de 3 qualidades diferentes, cebolinhas, goiabas grandonas, maracujás, e, disfarçando um instante, me trouxe uma bela abóbora – sequinha, viu- que de tão pesada carregou-a para mim o tempo inteiro.

Seu Teco deve ter descido de uma estrela de noite e ficado ali me esperando, só pode ter sido assim. Quase desisto de ir embora, de tão carregada da energia telúrica com a qual me abastecera.

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A refeição de comida caipira, à vontade, feita no fogão à lenha, custava apenas vinte reais, era saborosa e fresca – como gosto. Muitos turistas no caminho entre BH e o Rio param por ali só pra levar, em si, os céus em caldos e caldas da dona Aparecida e do seu Teco.

Continuamos nossa prosa, fotografei mais, muito mais e segui pela estrada.

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SALVE, SALVE !
O Brasil ainda tem MUITA GENTE do jeitinho da dona Aparecida e do seu Teco.

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MEU SEMEAR E MEU COLHER

Também eu semeio e colho mamões, mexericas, goiabas, ameixas, limões cravo, espinafre, manjericão.

Também colho, mesmo sem recolher, amores-perfeitos, rosas, antúrios, orquídeas, lavanda, azaleias e primaveras.

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Poema e crônica: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

1º Vídeo: Canal Fernando Graça

2º Vídeo: Canal luciano hortencio