Carta ao pai, poético

Cidadezinha qualquer

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar… as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

 (Drummond em Alguma poesia -1930)

Uma correspondência ao meu pai poético, em contraposição ao seu poema CIDADEZINHA QUALQUER, de 1930.

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Odonir Oliveira

Escombros

VAGANTES
Das madrugadas de névoas assombradas
vislumbram-se imagens
ao longe
sempre ao longe
silhuetas que se movem
há corpos de homens
há corpos de mulheres
há silhuetas de crianças.
Ao longe
sempre ao longe.
Há saltos nos ares
almejando entrar no trem
Trem invisível
plataforma invisível
guichês invisíveis.
Escombros de viagens
escombros de partidas
escombros de chegadas.
Seres vagam
por mais de cem anos
como se quisessem completar a viagem
malsucedida
descarrilhada
interrompida…

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos: Canal Odonir Oliveira

Verde

CORRIGINDO RUMOS
São 8 h da manhã de um sábado de temperatura amena, depois de chuvas na madrugada, quando chego ao local da Reserva Ambiental de Barbacena, sob responsabilidade do grupo de teatro Ponto de Partida.
Vou conversando pela caminhada com aqueles bandeirantes às avessas que visam não à exploração, à espoliação das terras mineiras mas, ao contrário, reflorestar, cuidar, fortalecer a terra mãe, os futuros.
Há uma leva de estudantes de Engenharia Civil que, incentivados por sua professora com formação holística, os conduziu à ação. Bom começo, gente jovem, com gás em si, cheia de tesão. Falamos sobre se estudar mais do que Cálculo 1 e Cálculo 2, Resistência dos materiais etc. e eu os assopro como brasas a se avermelharem na luta pela ecologia, pela arte, falo do grupo de teatro – até porque são estudantes universitários, antes não moradores na cidade.
Ando mais, pois o trecho da Reserva a ser preservado agora é outro, mais acima, antes área invadida irregularmente por pastagem de gado – sempre vi, fotografei o rebanho, sem saber tratar-se de uma invasão de território. Agora retomado, será área de preservação da nascente do rio ali em cima, nascente linda, bebezinho de rio, que necessita ser protegida, tratada, alimentada. Seremos nós os seus pais, portanto.
São mais de 1500 mudas, já subdivididas por áreas, sob a orientação de biólogos. Os atores e funcionários do Ponto de Partida, durante semanas fizeram as covas. Agora cabia a nós, os voluntários, preenchê-las com a vida em nossas mãos.
Atores cantaram o Cio da terra, antes de iniciarmos aquela ação civilizatória, estávamos chamando os deuses com nossos aplausos, para nos ajudarem na preservação da nossa casa, da terra, da nascente, dos verdes.
Emocionada com avós e avôs, netinhos, filhos, todos empenhados em 4 horas de trabalho. Quem podia subir mais foi plantar lá em cima, quem podia menos ficou embaixo. Todos com nossas pazinhas e as garrafinhas de água para fazermos uma cidade melhor.
Na última ação em 2019, estava com 5 costelas partidas e não pude voar. Dessa vez, não. Fiz questão de plantar minhas 2 mudas, fotografar onde ficam – como salientou a diretora do grupo Ponto de Partida, “Plantar é fácil, manter é que é difícil” – irei vê-las crescer, cuidando delas, e bebendo a poesia que há em plantar árvores, fazer filhos, criar versos.

Ação na reserva ambiental de Barbacena. Foram plantadas mais de 1500 mudas em uma nova área já preparada anteriormente. Cada um levou sua pazinha e água para plantar e se responsabilizar por suas mudas depois. Aconteceu no sábado 26/11/2022, no Ponto de Partida, Barbacena, MG

Texto e poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Leila Pinheiro

2- Canal Odonir Oliveira

Árvores genealógicas

Ação na reserva ambiental de Barbacena. Foram plantadas mais de 1500 mudas em uma nova área já preparada anteriormente. Cada um levou sua pazinha e água para plantar e se responsabilizar por suas mudas depois. Aconteceu no sábado 26/11/2022, no Ponto de Partida, Barbacena, MG

QUAL GALHO DA ÁRVORE É O SEU?
Nasci e vivi apartada do clã mineiro, terra vermelha de minhas raízes. Vivendo no Rio de Janeiro, na FNM, não usufruímos daqueles afetos de raízes idênticas nas veias, sem avós, tios e primos por lá. A preocupação de meus pais era enorme em relação a isso. Eram cartas e esperas de cartas que nos traziam nossos parentes em envelopes aguardados. Adorávamos as cartas da tia Ziza, única irmã de minha mãe e da tia Maria, única irmã de meu pai. Os outros tios eram todos homens, e homens não sabiam, nem queriam talvez, escrever cartas. Às vezes um envelope deles continha uma foto, com uma dedicatória ao irmão e à cunhada que viviam na Capital do país.
De forma tal que meu pai não abria mão das férias coletivas da Fábrica Nacional de Motores, em janeiro, serem passadas integralmente em sua cidade mineira. Nós nos dividíamos, uns ficavam com meu pai em casa dos pais dele; outros, em casa de meus avós maternos com minha mãe.
Faz dias que você chegou, Doni, ainda não foi lá em casa – isso dito no terreiro de um terreno enorme, onde as casas dos filhos foram sendo construídas e ali foram vivendo com suas famílias também.
Eram poucos os 30 dias para fazermos tudo que precisávamos fazer, desfrutar, aproveitar de nossas raízes. A felicidade de meus pais então, nossa, mudavam o jeito de falar, surgia um enfileirado de atualizações dos fatos e feitos de familiares, de conhecidos… e eu só absorvendo aquelas mineiridades todas. Não eram muito de abraçar, de beijar, como talvez aconteceria em gerações futuras, mas acarinhavam com palavras, com doces e quitandas. Os tios tinham a mania de nos dar dinheiro, achavam bonitinho nosso jeitinho carioca ao falar etc.
Voltei sempre para as Gerais, parece que encontro meus pais em cada rua onde vivo. Não tenho vivos mais nem um tio, tia ou avós. Mas suas raízes estão por galhos, espalhados por todos os lados. De vez em quando alguém me reconhece e me diz “sou neto de fulano“, “sou cunhada de sicrana“. Olho os corpos de meus primos, de seus filhos e netos, reconheço neles nosso DNA nas doenças crônicas, nas psicológicas. São galhos, somos galhos, temos raízes de Inconfidentes.

ÁRVORES NO CAMINHO
Amanhecer gente,
amanhecendo árvore
de raízes firmes, tronco envelhecido
sem flores
sem frutos
sem sementes.
Pouso de maritacas
pernoite de canarinhos amarelos
cenário-porto de borboletas.
Amanhecer gente,
amanhecendo céu azul
sol ardente
vento sonoro.
Amanhecer árvore.

Poesia e texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal: Bairro do Carmo, Barbacena, MG

Vídeos:

1- Canal Odonir Oliveira

2-Canal Milton Nascimento

Foi assim…

BOCA VERMELHA

Resolvi pintar minha boca de vermelho
porque tenho cabelos despenteados
olhos tristes
sorrisos recolhidos
letras de frases benditas
letras de frases mal ditas
letras de frases escondidas

Resolvi pintar minha boca de vermelho
porque sou frágil como aquele tom
porque sou débil como aquele som
porque sou frasco vazio de aromas uns

Resolvi pintar minha boca de vermelho
porque sou uma e outra
encontro e perco
olho e não vejo
vejo sem olhar

Então, resolvi pintar minha boca de vermelho.

1952

1967

1977

1ª gravação: 1984

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1-Canal É Arquivo é Canal 8

2-Canal Wanderléa – Tema

3- Canal Fafá de Belém

4- Canal Leila Pinheiro

Poetas e musas

Te deixo as minhas manhãs
por Romério Rômulo

Te deixo as minhas manhãs
como fossem ventanias.
Minhas noites eu entrego
no colo das tuas mãos.

Quando a vida nem pulsar
no meu corpo já dormido
tua carne terá toda
os cadernos do meu tempo

Poemas tão abstratos
vidas perdidas concretas
que o meu amor imenso
será para sempre teu.

Minha alforria será
te ver nos cabos de mim.

Romério Rômulo (poeta prosador) nasceu em Felixlândia, Minas Gerais, e mora em Ouro Preto, onde é professor de Economia Política da UFOP e um dos fundadores do Instituto Cultural Carlos Scliar – Rio de Janeiro RJ.- https://jornalggn.com.br/cultura/poesia/te-deixo-as-minhas-manhas-por-romerio-romulo/?fbclid=IwAR2mwT-tdQmTIh1cZHD3b-2J0A9Q1GG0ROPKi2SiwDcTbZ3rIItmVNgiba8

TESÃO: “Sem tesão não há solução”, Roberto Freire (em sua obra título, de 1984). Ter tesão pela vida – além daquele que é apenas fazer sexo – tesão em se encantar, em descobrir, em se aventurar por novos desafios; a idade cronológica não nos torna apenas avôs e avós, sob pena de não estarmos sãos até para essa função. Eu, por exemplo, passei a tarde de ontem montando minha árvore de Natal na sacada, ajustando minhas coleções de luzinhas coloridas de LED e observando a beijocação do beija-flor em minhas lavandas; depois ainda fotografei as rosas que estão se abrindo e desfrutei de um lindo pôr do sol. Um TESÃO!

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos: Canal Odonir Oliveira

Motriz

MÃE, EU SOU VOCÊ ?

“Quem quer ser outra deixa de ser uma, mãe?”

“Quem quer ser outra é sempre outra e uma, filha.”

Aquela mulher era uma onça.

Parindo cinco filhotes de parto natural

Amamentando-lhes bocas por toda sua vida

Lavando, passando, cozinhando, costurando

Mãe mais que mulher?

Mulher bem maior que apenas mãe.

Dos ditos, sempre bem ditos, a sabedoria herdada do pai-avô por ventos mineiros.

Com olhar arqueólogo de almas, um chiste, uma picardia.

Ferro nos braços, nas pernas, no peito.

Coração de manteiga derretida e esconderijo de sentimentos.

Onça, minha onça mineira, eu também sou você, mãe?

Sou?

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Maria Bethania

Da minha natureza

DA MINHA NATUREZA
É da minha natureza acordar bem cedo e, com a ausência de humanos, percorrer sozinha espaços e tempos. Ouço silêncios – externos e internos – revejo cenas, refotografo instantes, entrego-me ao SER. Nada destoa.
Quando o sol começa a se mostrar, os caminhos, antes de mato e rio, começam a ser percorridos por gente. Andam, correm, sempre com fones de ouvidos e, quase sempre, olham nas telas de seus minúsculos celulares. Nada ali, mato, verdes, terra vermelha, rio, cantos de diferentes pássaros os afasta das telas, nem dos fones de ouvidos. Paro e os observo. Tenho muita pena deles. O escândalo da natureza lhes oferecendo cor, luz, som e as telas os castigando daquela forma.
Sigo. Vejo um homem que caminha, talvez tendo saído de casa para algum dos afazeres cotidianos. Passo por ele, peço para lhe falar e o elogio, sem fone de ouvidos, sem celular nas mãos. Agradece e diz que ver e ouvir a natureza é melhor que tudo aquilo.
Sigo, paro, contemplo, ouço…

Texto e poesias: Odonir Oliveira

Vídeos: Canal Odonir Oliveira