Quando eu tiver sessenta e quatro …

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INVERNOS

Quantos invernos cumprirão uma existência?
Quantos dias de chuva e de bonança comporão uma existência?
 
Quantas luas serão suficientes para um grito de êxtase e felicidade?
Quantas raivas, dúvidas, indecisões e tropeços antecederão a um beijo?
 
Quantas falsas interpretações dos sinais emitidos pelos ventos,
quantas incorretas leituras de sinais de fumaça,
quantas incompreensíveis decodificações de letras e números
quantas indecifráveis frases serão culpadas
por improváveis leituras de estrelas?

 

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CHEGANDO AO FIM

Nada importam cascas e capas
Nada importam tecidos e chapéus
Nada importam apupos e rapapés
 
Essencial é a alegria
Essencial é a simplicidade
Essencial é a cumplicidade.
Essencial é a bondade.
 
Os bolsos seguirão sem moedas
As mãos seguirão sem anéis
Os ombros seguirão sem afagos
As pernas seguirão sem apoios.
 
As últimas estações
não podem ser vias sacras.
As últimas estações devem ser leves, francas e ternas.
 
Se a vida é um sopro,
há que se encontrar
quem a assopre com ternura.
 

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Poesias:  Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

1º Vídeo: Canal The Hit Crew – Tema

2º Vídeo: Canal MonaLisa Twins

Doce era o Rio Doce

VERMELHO

é sangue
é sangue de árvore
é sangue de ave
é sangue- veia
é sangue de ovas
é sangue de flor
é sangue torpor
é sangue pavor
é sangue grito- terror
vermelho sangue
doce rio vermelho exangue
em sua dor
em nossa dor.

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LÍRICA

conhece montes
visita ninhos de passarinhos
bebe água de rios com mãos em concha
suspira ao nascer do sol
entontece no vinho do anoitecer
saboreia pingos de chuva no rosto erguido aos céus
entrega corpo e alma às luas cheias
caminha sobre pedras de riachos muitos
vasculha matas fechadas com olhares fascinados
é sol
é estrela
é lua
é rua
é acorde
é vírgula
é reticências
é ritmo
é rima
é dor, flor, cor
amor
também

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CAMINHOS DE PEDRAS

Quem era ela que acreditava nas águas dos rios?
Quem era ela que assobiava com os passarinhos naquelas manhãs?
Quem era ela que costurava panos leves de enfeitar venezianas solares?
Quem era ela que contava janelas coloridas em ruas de inconfidentes?
Quem era ela que pintava cores em telas desbotadas de perfumes?
Quem era ela que dedicava o olhar para uma única paisagem?
Quem era ela que saltitava pedra por pedra na trilha de ser?
Quem era ela, meu Deus?

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A SAGA DOS BARCOS

Não apague as marcas, deixe-as pelas águas, com os remos
abandone-as a esmo
entregue-as ao porvir
dos rios serão as almas dos que chegarem de outras vezes.

Os silêncios e os murmúrios
o que importarão,
se o que sempre valerá serão os sonhos das águas
e seu próprio silêncio.

Que restem as pegadas
as súplicas
os seixos
as ramas
que restem !

UNS BARCOS

Nessas ilhas de águas doces
barcos à deriva
ainda que juntos
esperam
anseiam
dançam

o vento é forte
dançam
o vento é doce
aguardam
o vento é visgo
acolhem

o vento não para de ventar
o vento ajuda a navegar
o vento, ainda que fraco,
segura-os nessas águas
doces
líricas
a não naufragar

doces ventos
ventos doces
águas doces
palavras doces

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O HOMEM CHORA

Esse homem chora de dor pelas águas
chora de dor pelos peixes
chora de dor pelo hoje
que não é mais o ontem
nem será mais o amanhã.
Esse homem chora
porque tem a pele das águas
a alma de lagoa e os olhos de ver.
Tem flores do campo,
orquídeas selvagens no dorso,
conversa com deuses da aquarela.
Esse homem chora
porque é menino que levita.

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LEGADO

De meu pai mineiro,
nascido em Alto Rio Doce,
recebi um rio.
Guardei de suas palavras
o doce do nome,
a vida das águas,
o sublime barulho de seu correr
em meus ouvidos.
De meu pai mineiro,
herdei suas margens verdes
seus passarinhos cantores
suas pedras limadas nas águas
suas nascentes e foz.
De meu pai mineiro,
aprendi a beber água limpa de mãos em concha
ao dedilhar seu nome, doce rio Doce.
De meu pai mineiro,
guardo um grito
uma revolta
uma revolução.
– Filha, não deixe.
Não aceite.
Lute, busque, altere
Interfira.
Ah, doce rio Doce,
legado de meu pai !

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Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

1º Vídeo: Canal Antonio Bocaiúva

2º Vídeo: Canal Odonir Oliveira

” E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança itabirana”

ITABIARA 1(…) Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

(…) E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

(Resíduo)

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A Máquina do Mundo

E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

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lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

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Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

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Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

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convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

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a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
“O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

ITABIRA 8

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste… vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”

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As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

ITABIRA 28

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

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e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

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tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

ITABIRA 18

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

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ITABIRA 20.jpg

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

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A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.

ITABIRA 9

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade , “Poemas”. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959.

 

Poesias: Carlos Drummond de Andrade

Fotos de arquivo pessoal : Itabira, setembro de 2017

Vídeo: Canal Matheus Reis

Pontes queimadas

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BOTOCUDOS

tribo taba saga
luta tambor cesto cerâmica
índio índia
índio índia
luta terra
luta rio
luta peixes
luta caça
luta  dança
luta guerra
dança guerra
botocudos babilônia
luta branco
francês branco
índio dono
francês dono
luta guerra
luta guerra
luta ponte
queimada ponte
queimada força índia
queimada força branca

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 INDIAZINHA

nunca antes aquele azul nos olhos
nunca antes aquele pelo claro
na boca em cima
na boca embaixo
nunca antes aquela pele clarinha
nunca antes aquele suor
nunca antes aquele respirar outro
nunca antes aquele desejo
feito cachoeira
feito torrente
feito piroga açu
tudo novo
tudo outro
tudo entrega
tudo corpo
tudo lírico
tudo  vez
uma vez
única vez

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HOMEM BRANCO

lagoas cascatas montes
verde azul
verde cor
verde luz
verde e flor
terra vermelha
vermelho flor
vermelho e flor
água pedra rio cor
água vida flor do amor
franjas areias capoeiras chão
luar luar luar
imensidão

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ESPÍRITOS DA FLORESTA

Espíritos domesticam
olhares, sentires e ficares,
pelo cheiro, pelo vento,
pelo sons do mato do sertão.
Espíritos atraem por rochas, por águas, por céus.
Espíritos nas florestas
polinizam almas inquietas
Para sempre.

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Poesias: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal: Parque Estadual do Rio Doce – PERD, MG
1º e 3º Vídeos: Canal Pedro Macêdo
2º Vídeo: Canal CulturaBrasilMusical
4º Vídeo: Canal Hen rique

 

Simplicidades … três mulheres de verdade

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Ave, Maria

Passo por uma casa. É domingo. Encanto-me com o jardim, as flores. O cão late forte abafando minhas palmas insistentes.

Na janela surge a mulher. Espanta-se com as fotografias que tiro fascinada com suas flores. Entro mais. Vou vendo muita beleza. Não sei o que é mais lindo. Conta-me que gosta muito de plantas, como trata delas. Olho que o mais importante ali são as flores, as plantas. O acabamento da casa não tem a mínima relevância. Mas as flores.

Converso muito com ela. Digo-lhe de onde venho, o que estou fazendo ali. Nada pergunto. Olha-me desconfiada, como se não acreditasse em tantos elogios a ela, a seu trabalho. Sorri agradecida e diz Mas esse jardim nem tá bem cuidado nem nada. Discordo, explico por quê. Ela é só atenção.

Saio dali inchada de delicadezas, das delicadezas das flores e daquela mulher.

No dia seguinte, volto, bato palmas. Insisto nas fotos. Ela cede e, por último, me conta. Seu nome é Maria.

Ave, Maria !

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Marilene, a Dica

Ri, ri muito, ri de tudo.

Ensina que se as folhinhas da arruda caem é porque tem muita inveja ao redor, e as folhas estão como escudo de proteção. E fala da vida, do filho, das mulheres, da força das mulheres e ri, ri muito. Aprendo tanto que fico sem saber se digo que sou professora. Digo e conto que aprendi muito ali. Vou até os canteiros das verduras, fotografo a beleza delas verdinhas e vistosas. Conta-me o que tem que ser feito. Olha só, você não tem que dar muita confiança pra planta, não. Quanto mais você quer que ela fique bonita, mais ela desobedece. Esquece dela, não liga. Você vai ver, logo logo ela vai desabrochar. É como mulher que quer muito ter filho e não engravida. Tem que esquecer. Esquecendo dá certo.

Vou com seu sorriso e sua habilidade faceira de falar e de cortar couve nos dedos. E olha que a faca não pode estar muito afiada não – declara – porque senão corta os dedos.

Caminho pelas ruas no dia seguinte. Lá vem Dica lá longe. Quer saber se já fui aqui, ali, acolá. Ficamos cúmplices de ensinamentos.

Segue ela pra cuidar do filho adolescente indo pra escola.

Dica é demais !

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Salve, salve, Maristana

Conheci essa mulher bem antes, mas só agora pude sentar com ela e ouvir sua história.

Trabalha desde os nove anos. Veio da roça trabalhar com Sá Donana. Morou a vida toda com ela, até que falecesse. Trabalhava para pagar a pensão …  de Sá Donana.

Tem 82 anos e sabe da história muito. Sabe da cultura mineira, sabe que foi a diretora do grupo escolar a primeira a ter uma TV na cidade, sabe das verduras que planta, colhe e cozinha do quintal-horta direto pra cozinha. Cada um que pegue seu prato e venha se servir diretinho no fogão à lenha. Comida leve, fresca, barata, como gosto.

Primeiro, meio desconfiada, mineiramente desconfiada, me conta que vai fazer frango com quiabo e angu amarelo. Gosta? Gosto. Muito. Volto em seguida, depois de deixar minha Luna sossegada e poder me entregar à  conversa com ela. Envergonha-se, diz que não sabe se explicar direito … tem apenas uma ajudante durante a semana e uma para sábados e domingos. Sempre foi só.

Aos poucos me conta tanto, como se me conhecesse de há muito. É um poço de afetividades. Vou. Ela corre até o carro a se despedir de mim e me contar mais na janela do automóvel. Diz que noutro dia tirará uma foto, mas que estava pouco arrumada agora.

Fui embora pensando nela. No outro dia voltei, e no outro …  há dias.

Mulher forte assim a gente não desperdiça nem um pouquinho, bebe até o último gole. E sai cheia de energia, de coragem, de esperança. E de força.

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Texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal PianOrquestra Dez Mãos e Um Piano

Plataformas

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NÃO HÁ MAIOR COVARDIA DO QUE ENCORAJAR ALGUÉM SEM AMAR

Fabrício Carpinejar

O amor do outro pode ser perigosa vaidade. Não há nada mais sádico do que encorajar a paixão de alguém quando você não sente o mesmo. Deseja apenas ver até onde vai. Brinca com a seriedade das intenções alheias. Percebe as cantadas e não corta na raiz, pois pretende embelezar o quarto com as rosas. Faz com que a pessoa entenda errada a mensagem intencionalmente. Não quer, não ama, não é o seu tipo, porém curte o prazer da bajulação. Gaba-se da perseguição apaixonada, das mensagens exageradas.

Poderia avisar que não está a fim e liberar a alma antes que seja tarde, antes de um envolvimento comprometedor. Só que exercita a megalomania, não renuncia a distração, aproveita-se da carência e da disponibilidade da companhia. Transforma o pretendente num estagiário de seus caprichos, um office-boy de suas ilusões, pedindo favores inúteis, sem lógica e sem emoção.

Não aceita apenas o flerte, os agrados e as juras, mas dá corda. Perversamente agradece o elogio fingindo não deduzir o interesse por detrás.

Gosta dos paparicos, é um passatempo ajudar na construção de uma idealização e depois destruí-la com um sopro

Desperta, impulsiona, sustenta a relação platônica com frases ambíguas, mesmo longe de qualquer frenesi.

Enquanto testemunha o circo de presentes e mimos, zomba do candidato com os amigos e amigas pelas costas. Faz com que seja um príncipe na privacidade e um bobo da corte publicamente. Age com duas caras: uma visível para manter a sedução (involuntária) e uma oculta (consciente) para troçar das investidas.

Você coloca uma venda na vítima para ela cair no precipício. É muita maldade a ausência de sinceridade desde o início, com o claro objetivo de gerar enganos e frustrações. Quem faz isso está prostituindo o amor, quem faz isso está se vingando de decepções antigas, quem faz isso possui um corredor vazio de museu na aorta.

O final previsível acentua o desastre. Quando ele ou ela se declarar, falar o “eu te amo” com os olhos ajoelhados, quando não restar mais chances de fingir, usará a frieza mais mórbida e dirá que é um engano, que houve o entendimento errado da aproximação e que gostaria que continuassem amigos.

Causar a dor de modo desnecessário é papel de covardes.

 14/8/2017

https://fabriciocarpinejar.blogosfera.uol.com.br/2017/08/14/nao-ha-maior-covardia-do-que-encorajar-alguem-sem-amar/

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DRUMI, NEGRINHO!

Odonir Oliveira

Saiu correndo do trabalho que aquilo era assédio da chefia.

“Onde já se viu uma oferta daquelas? Que que ele tava pensando”.

Não sabia bem ela se achava o chefe bonito apenas, ou gostoso, como se diz por aí. Sabia que fraco não era. Tinha pegada. Falava com aquele jeito cafajeste que a mulherada adora ouvir em certas horas e em horas certas. Estava, então, sem identificar se eram aquelas as horas certas ou as certas horas.

Mas tinha que manter a pose ali.

Um olho no doce outro no gato.

Explicando e desenhando: ao mesmo tempo que não gostava de conversa de sacanagem, nem de piadas escrotas – segundo ela – adorava um toquezinho leve de braços, que nem Machado de Assis os descreveria melhor. Aceitava uns olhares, umas brincadeiras assim levinhas, né, mas aceitava e dava uma corda… ou melhor, botava pilha, como se diz hoje também.

Agora, aquele assédio ali… não mesmo!

Ainda se fosse na salinha reservada do café onde suas pernas já haviam roçado as dele por baixo da mesa e, quando ficaram sozinhos, até uma ligeiríssima bolinação ocorrera… se fosse daquele jeito da outra vez até dava. Mas assim, de chofre?! Que safado!

Safada ela era também, que safadeza é de Deus, uma prima muito religiosa lhe ensinara meses antes. 

Pensou, pensou. E voltou lá depois das seis, quando só a chefia costumava ficar. Havia, entretanto, um copeiro, que guardava as últimas xícaras do dia.No que viu que a moça voltara, fez o sinal da cruz e caiu fora.

Assediando-se inteiros, incendiando-se inteiros …

– É, drumi neguinho, que já tá quase quase na hora da gente vortá pra trabaiá amanhã.

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1º Vídeo: Canal  Clara Capelo

2º Vídeo: Canal Maria Bethânia – Tema

3º Vídeo: Canal BATIKILIN BRASIL

Poeira vermelha e águas doces

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AVARANDADO

A taça de Dioniso me impele.
Não estou aqui.
Vou. Vou. Vou.
Olho, olho, olho.
Sinto, sinto, sinto.
Não tiro poesias das coisas.
Amo as coisas e elas tornam-se poesia.
Amo formigas e formigueiros, imagine.
Amo casas e telhados coloniais.
Amo cães e flores de todas as variedades.
Amo cachoeiras, rios, cascatas e chuva.
Amo sol, lua e estrelas.
Amo trens e estações vazias.
Amo música sem palavras e silêncio.
Amo risos de crianças e perfumes de amor.
Talvez por isso seja tão confessional e comum o que escrevo
porque as coisas sobre as quais versejo
estão prosaicamente aqui, ali, em qualquer lugar.
Não tiro poesia das coisas.
Amo as coisas e elas tornam-se poesia.
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CHÃO DE BARRO

Pisando barro
marca o ritmo
bate os pés
engrossa a voz como num lamento
arrasta botas na poeira
É sulco, é seiva, é semente.
Conhece as luas, as horas, os ventos, a semeadura
Como ninguém.
Sertão dentro e fora
Sertão por todos os lados.
Sertão genuíno.
Sertão dolorido.
Sertão empedernido.
Sertão brasileiro !
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AS GAIVOTAS

Vejo gaivotas
Trombeteando sementes de flores do campo
Aspergindo perfumes de estrelas cintilantes.
Mas como, se não estamos no mar?
No meu mar
Há rios lagos lagoas
E gaivotas
Livres

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EM CASCATA

Que água é essa
que escorre,
atropela,
carrega,
dissolve
dilui
molha e
suaviza?
Que água é essa
que ensurdece a razão
lubrifica o espírito
entontece o corpo e
asperge a devoção?
Que água é essa
que sonoriza histórias
colore cenas
entorpece sentidos e
emoldura beirais?
Que água é essa
que devassa as palavras
desmata as distâncias
deflora as margens e
irrompe em murmúrios?
Que água é essa?
exibida
exuberante
medonha
terrível
quedando
pelos caminhos?
Que água é essa?!

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POENTE II

Todos correm
Apressados
A dança se inicia
Onde estaria meu par?
Passos apressados
Ritmo acelerado
Que desse lado já dançam !
São muitos os pares.
Ajeito a boca
Com batom vermelho da cor do poente
Arrumo os cabelos curtos
Mas embaralhados
Por aquelas emoções.
Procuro
Procuro
Onde estaria meu par?
Apresso a coreografia
Antes que ele se perca de mim.
Apresso
Apresso
Vislumbro-o ao longe, que longe!
Do outro lado do lago.
De lá, comigo não poderá dançar.
Aceno
Aceno
Ele me entende
e atravessa,
também ele,
coreografando passos,
o lago.
Agora sim ,
aqui perto,
corpo a corpo,
pele a pele,
nos engatamos no ritmo
também.

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NA PELE DAS ÁGUAS

Uivo para a rua
Uivo para  montanhas lagos lagoas.
Na percussão do meu pensamento
A batera do meu sentimento.
Namoro a ponte
Namoro na ponte.

Empino o sax
Desejo a tarde
Cobiço a noite
Cobiço-a à noite

O cheiro é um
O gosto é outro
Na pele das águas.

No  nervo da luz
No  músculo retesado do braço
Da perna firme em marcha
Marcha  calma,  trôpega, insinuante, feroz,
que enlevada pela luz bruxuleante do dia
logo  vai se  encontrar com a noite
A um idílio completo.

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OLHOS DE VER

Ainda não
Agora sim ?
Ainda não.
Pés na água
Pés na terra
Pés no chão
Passos.
Agora  sim ?
Ainda não.
Aguardo o instante
Aguardo a luz certa
O brilho certo
Aquela nuvem
Aquele movimento
Aquele tom
Giro o olho
Paro o olho
Encaro
Emolduro
Agora sim
Ainda, sim !

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BICHO D’ÁGUA

Espreita
Aproxima
Mergulha
Quase noite ou quase dia ?
Chega
Submerge
Espreita
Quase noite ou quase dia?
Esconde
Mexe
Cutuca, futuca
Quase noite ou quase dia?
Mergulha
Quase noite ou quase dia?
Sufoca, respira
Sufoca , respira
Sombra … reflexo?
Quase noite ou quase dia?
Confunde a luz

Provoca as ondas,
suaves ondas,
em águas de narciso.
Quase noite
Quase um dia.

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Poesias: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
1º Vídeo: Canal Tiago Santos
2º Vídeo: Canal Raph Schouten