INVERNOS
CHEGANDO AO FIM
Poesias: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
1º Vídeo: Canal The Hit Crew – Tema
2º Vídeo: Canal MonaLisa Twins
INVERNOS
CHEGANDO AO FIM
Poesias: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
1º Vídeo: Canal The Hit Crew – Tema
2º Vídeo: Canal MonaLisa Twins
VERMELHO
é sangue
é sangue de árvore
é sangue de ave
é sangue- veia
é sangue de ovas
é sangue de flor
é sangue torpor
é sangue pavor
é sangue grito- terror
vermelho sangue
doce rio vermelho exangue
em sua dor
em nossa dor.
LÍRICA
CAMINHOS DE PEDRAS
A SAGA DOS BARCOS
Não apague as marcas, deixe-as pelas águas, com os remos
abandone-as a esmo
entregue-as ao porvir
dos rios serão as almas dos que chegarem de outras vezes.
Os silêncios e os murmúrios
o que importarão,
se o que sempre valerá serão os sonhos das águas
e seu próprio silêncio.
Que restem as pegadas
as súplicas
os seixos
as ramas
que restem !
UNS BARCOS
Nessas ilhas de águas doces
barcos à deriva
ainda que juntos
esperam
anseiam
dançam
o vento é forte
dançam
o vento é doce
aguardam
o vento é visgo
acolhem
o vento não para de ventar
o vento ajuda a navegar
o vento, ainda que fraco,
segura-os nessas águas
doces
líricas
a não naufragar
doces ventos
ventos doces
águas doces
palavras doces
O HOMEM CHORA
LEGADO
Poesias: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
1º Vídeo: Canal Antonio Bocaiúva
2º Vídeo: Canal Odonir Oliveira
(…) Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.
Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.
(…) E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.
(Resíduo)
A Máquina do Mundo
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,
a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
“O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste… vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”
As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge
distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;
como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face
que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,
passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes
em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.
Memória
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Poesias: Carlos Drummond de Andrade
Fotos de arquivo pessoal : Itabira, setembro de 2017
Vídeo: Canal Matheus Reis
BOTOCUDOS
INDIAZINHA
HOMEM BRANCO
ESPÍRITOS DA FLORESTA
Ave, Maria
Passo por uma casa. É domingo. Encanto-me com o jardim, as flores. O cão late forte abafando minhas palmas insistentes.
Na janela surge a mulher. Espanta-se com as fotografias que tiro fascinada com suas flores. Entro mais. Vou vendo muita beleza. Não sei o que é mais lindo. Conta-me que gosta muito de plantas, como trata delas. Olho que o mais importante ali são as flores, as plantas. O acabamento da casa não tem a mínima relevância. Mas as flores.
Converso muito com ela. Digo-lhe de onde venho, o que estou fazendo ali. Nada pergunto. Olha-me desconfiada, como se não acreditasse em tantos elogios a ela, a seu trabalho. Sorri agradecida e diz Mas esse jardim nem tá bem cuidado nem nada. Discordo, explico por quê. Ela é só atenção.
Saio dali inchada de delicadezas, das delicadezas das flores e daquela mulher.
No dia seguinte, volto, bato palmas. Insisto nas fotos. Ela cede e, por último, me conta. Seu nome é Maria.
Ave, Maria !
Marilene, a Dica
Ri, ri muito, ri de tudo.
Ensina que se as folhinhas da arruda caem é porque tem muita inveja ao redor, e as folhas estão como escudo de proteção. E fala da vida, do filho, das mulheres, da força das mulheres e ri, ri muito. Aprendo tanto que fico sem saber se digo que sou professora. Digo e conto que aprendi muito ali. Vou até os canteiros das verduras, fotografo a beleza delas verdinhas e vistosas. Conta-me o que tem que ser feito. Olha só, você não tem que dar muita confiança pra planta, não. Quanto mais você quer que ela fique bonita, mais ela desobedece. Esquece dela, não liga. Você vai ver, logo logo ela vai desabrochar. É como mulher que quer muito ter filho e não engravida. Tem que esquecer. Esquecendo dá certo.
Vou com seu sorriso e sua habilidade faceira de falar e de cortar couve nos dedos. E olha que a faca não pode estar muito afiada não – declara – porque senão corta os dedos.
Caminho pelas ruas no dia seguinte. Lá vem Dica lá longe. Quer saber se já fui aqui, ali, acolá. Ficamos cúmplices de ensinamentos.
Segue ela pra cuidar do filho adolescente indo pra escola.
Dica é demais !
Salve, salve, Maristana
Conheci essa mulher bem antes, mas só agora pude sentar com ela e ouvir sua história.
Trabalha desde os nove anos. Veio da roça trabalhar com Sá Donana. Morou a vida toda com ela, até que falecesse. Trabalhava para pagar a pensão … de Sá Donana.
Tem 82 anos e sabe da história muito. Sabe da cultura mineira, sabe que foi a diretora do grupo escolar a primeira a ter uma TV na cidade, sabe das verduras que planta, colhe e cozinha do quintal-horta direto pra cozinha. Cada um que pegue seu prato e venha se servir diretinho no fogão à lenha. Comida leve, fresca, barata, como gosto.
Primeiro, meio desconfiada, mineiramente desconfiada, me conta que vai fazer frango com quiabo e angu amarelo. Gosta? Gosto. Muito. Volto em seguida, depois de deixar minha Luna sossegada e poder me entregar à conversa com ela. Envergonha-se, diz que não sabe se explicar direito … tem apenas uma ajudante durante a semana e uma para sábados e domingos. Sempre foi só.
Aos poucos me conta tanto, como se me conhecesse de há muito. É um poço de afetividades. Vou. Ela corre até o carro a se despedir de mim e me contar mais na janela do automóvel. Diz que noutro dia tirará uma foto, mas que estava pouco arrumada agora.
Fui embora pensando nela. No outro dia voltei, e no outro … há dias.
Mulher forte assim a gente não desperdiça nem um pouquinho, bebe até o último gole. E sai cheia de energia, de coragem, de esperança. E de força.
Texto: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
Vídeo: Canal PianOrquestra Dez Mãos e Um Piano
NÃO HÁ MAIOR COVARDIA DO QUE ENCORAJAR ALGUÉM SEM AMAR
Fabrício Carpinejar
O amor do outro pode ser perigosa vaidade. Não há nada mais sádico do que encorajar a paixão de alguém quando você não sente o mesmo. Deseja apenas ver até onde vai. Brinca com a seriedade das intenções alheias. Percebe as cantadas e não corta na raiz, pois pretende embelezar o quarto com as rosas. Faz com que a pessoa entenda errada a mensagem intencionalmente. Não quer, não ama, não é o seu tipo, porém curte o prazer da bajulação. Gaba-se da perseguição apaixonada, das mensagens exageradas.
Poderia avisar que não está a fim e liberar a alma antes que seja tarde, antes de um envolvimento comprometedor. Só que exercita a megalomania, não renuncia a distração, aproveita-se da carência e da disponibilidade da companhia. Transforma o pretendente num estagiário de seus caprichos, um office-boy de suas ilusões, pedindo favores inúteis, sem lógica e sem emoção.
Não aceita apenas o flerte, os agrados e as juras, mas dá corda. Perversamente agradece o elogio fingindo não deduzir o interesse por detrás.
Gosta dos paparicos, é um passatempo ajudar na construção de uma idealização e depois destruí-la com um sopro
Desperta, impulsiona, sustenta a relação platônica com frases ambíguas, mesmo longe de qualquer frenesi.
Enquanto testemunha o circo de presentes e mimos, zomba do candidato com os amigos e amigas pelas costas. Faz com que seja um príncipe na privacidade e um bobo da corte publicamente. Age com duas caras: uma visível para manter a sedução (involuntária) e uma oculta (consciente) para troçar das investidas.
Você coloca uma venda na vítima para ela cair no precipício. É muita maldade a ausência de sinceridade desde o início, com o claro objetivo de gerar enganos e frustrações. Quem faz isso está prostituindo o amor, quem faz isso está se vingando de decepções antigas, quem faz isso possui um corredor vazio de museu na aorta.
O final previsível acentua o desastre. Quando ele ou ela se declarar, falar o “eu te amo” com os olhos ajoelhados, quando não restar mais chances de fingir, usará a frieza mais mórbida e dirá que é um engano, que houve o entendimento errado da aproximação e que gostaria que continuassem amigos.
Causar a dor de modo desnecessário é papel de covardes.
14/8/2017
DRUMI, NEGRINHO!
Odonir Oliveira
Saiu correndo do trabalho que aquilo era assédio da chefia.
“Onde já se viu uma oferta daquelas? Que que ele tava pensando”.
Não sabia bem ela se achava o chefe bonito apenas, ou gostoso, como se diz por aí. Sabia que fraco não era. Tinha pegada. Falava com aquele jeito cafajeste que a mulherada adora ouvir em certas horas e em horas certas. Estava, então, sem identificar se eram aquelas as horas certas ou as certas horas.
Mas tinha que manter a pose ali.
Um olho no doce outro no gato.
Explicando e desenhando: ao mesmo tempo que não gostava de conversa de sacanagem, nem de piadas escrotas – segundo ela – adorava um toquezinho leve de braços, que nem Machado de Assis os descreveria melhor. Aceitava uns olhares, umas brincadeiras assim levinhas, né, mas aceitava e dava uma corda… ou melhor, botava pilha, como se diz hoje também.
Agora, aquele assédio ali… não mesmo!
Ainda se fosse na salinha reservada do café onde suas pernas já haviam roçado as dele por baixo da mesa e, quando ficaram sozinhos, até uma ligeiríssima bolinação ocorrera… se fosse daquele jeito da outra vez até dava. Mas assim, de chofre?! Que safado!
Safada ela era também, que safadeza é de Deus, uma prima muito religiosa lhe ensinara meses antes.
Pensou, pensou. E voltou lá depois das seis, quando só a chefia costumava ficar. Havia, entretanto, um copeiro, que guardava as últimas xícaras do dia.No que viu que a moça voltara, fez o sinal da cruz e caiu fora.
Assediando-se inteiros, incendiando-se inteiros …
– É, drumi neguinho, que já tá quase quase na hora da gente vortá pra trabaiá amanhã.
1º Vídeo: Canal Clara Capelo
2º Vídeo: Canal Maria Bethânia – Tema
3º Vídeo: Canal BATIKILIN BRASIL
AVARANDADO
CHÃO DE BARRO
AS GAIVOTAS
EM CASCATA
POENTE II
NA PELE DAS ÁGUAS
Uivo para a rua
Uivo para montanhas lagos lagoas.
Na percussão do meu pensamento
A batera do meu sentimento.
Namoro a ponte
Namoro na ponte.
Empino o sax
Desejo a tarde
Cobiço a noite
Cobiço-a à noite
O cheiro é um
O gosto é outro
Na pele das águas.
No nervo da luz
No músculo retesado do braço
Da perna firme em marcha
Marcha calma, trôpega, insinuante, feroz,
que enlevada pela luz bruxuleante do dia
logo vai se encontrar com a noite
A um idílio completo.
OLHOS DE VER
BICHO D’ÁGUA
Espreita
Aproxima
Mergulha
Quase noite ou quase dia ?
Chega
Submerge
Espreita
Quase noite ou quase dia?
Esconde
Mexe
Cutuca, futuca
Quase noite ou quase dia?
Mergulha
Quase noite ou quase dia?
Sufoca, respira
Sufoca , respira
Sombra … reflexo?
Quase noite ou quase dia?
Confunde a luz
Provoca as ondas,
suaves ondas,
em águas de narciso.
Quase noite
Quase um dia.