Histórias de certo realismo fantástico: Umas gaivotas

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Há esconderijos tantos, quanto a quantidade de estrelas nos céus.

É noite ali. Duas grandes aves fazem galhardos voos por sobre a imensidão do mar. Gostam de mar. E rodopiam e se inclinam e se abaixam e se tocam e decolam e vão e vêm. Primo de Fernão Capelo, Gusmão aprendeu muito sobre ele, mesmo sem tê-lo conhecido. Aprendeu. Era de garbo inconfundível, diziam que herdara tal brilho e lepidez da linhagem Fernão Capelo. Fato é que, com lindas penas negras, era cobiçado por aves de portes outros, de timbres e sagas menores. Despertava inveja.

Dormia nas areias, mas tinha predileção por altos picos e até por cordilheiras. Era assim Gusmão.

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Já Filomena era de porte menor, mais alvissareira, acostumada aos mesmos ninhos, aos arredores. Gostava de pesca, mas também de frutas. Saboreava o vento, mas admirava o calor do sol. Era de pouca linhagem, plebeia no reino das aves, talvez. Voava. Voava muito, durante muitas horas. Mirava os de terra de maneira desconfiada. Estava com seu ângulo de pássaro sempre mais aberto.

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Quando geminada a Gusmão, precisava ter fôlego maior porque seus planos de voo eram sempre muito mais arrojados e ambiciosos. Seguia em bando, muitas vezes a seu lado, outras vezes na segunda ou na terceira fila. Seguia.

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Naquela manhã uma graúna já havia elaborado a estratégia a executar. Outros, como dois albatrozes, um carcará e até umas jandaias, saíram dos cantos mais recônditos e seguiram as cartas de voo anunciadas.

Começaram por atacar Filomena que, de morfologia e etimologia idênticas, não entendera todos aqueles ataques orquestrados, vindos dos quatro pontos cardeais e de várias tonalidades. Não conseguiu detectar o perigo a tempo. Aturdida, foi bicada muitas e muitas vezes até cair nas pedras do penhasco, à beira-mar. Ferida, muito ferida. Ferida de morte.

Gusmão nem percebera os ataques sofridos por Filomena, distraído que era, e encantado com seus grandes voos. Quando deu por si, já era tarde. Ficou sem entender e sem encontrar Filomena mais.

Certa tarde, o sol declinava no horizonte, quando a gaivota Gusmão avistou uma mancha nos rochedos. Teve vontade de ir ver o que era, mas seu último voo estava atrasado e precisava proceder a seu desfile vespertino.

No dia seguinte, na alvorada, Gusmão sobrevoou os rochedos e nada viu. Deu em seu próprio corpo várias voltas, mergulhou fundo como se fosse no mar, nada encontrando ali.

Na areia,  de asas partidas, sangrava uma mulher.

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Texto: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Imagens retiradas da Internet
1º Vídeo: Canal Zedupoca
2º Vídeo: Canal honorioppf