seguem caminham todas as picadas, pinguelas, estradas seguem no horizonte um ponto no porto um norte no firmamento uma luz fim do túnel começo da vida escola, amigos, professores pertencimentos
PRESENTE FUTURO
5 da tarde caminho de volta barrigas cheias de livros barrigas cheias de esportes barrigas cheias de músicas barrigas cheias de narrativas cansaço no corpo cansaço das travessias corpo reage com esperança corpo reage com energia corpo reage com alegria dormir sonhar presente futuro de seres humanos semeaduras de afeto semeaduras de atenção semeaduras de cuidados
presente germinando amorosidades futuro frutificando estrelas.
BONS FRUTOS
Enem e, nem, também aditivas mas, porém, todavia, contudo adversativas o bem o mal o bom o mau vai, segue, luta, resiste união, agrupamentos, intenções semelhantes meninos e meninas rapazes e moças Enem vai seu rumo promete sua meta na seta reta união, agrupamentos, intenções vai, segue, luta, resiste vai ser técnico pode ser vai ser mestre pode ser vai ser pesquisador pode ser vai ser doutor pode ser
sol a pino solicitando sombra só a sós ao sol à sombra ao tempo ao quando ao sempre ao nunca ao depois ao depois do depois ao sol só a sós solzinho sozinho namoro ao céu namoro ao sol namoro ao sal namoro à brisa namoro às ondas namoro ao mar ao tempo ao quando ao sempre ao nunca ao depois do depois dois namorando o céu namorando as ondas namorando a areia ao mar
PEGADAS
São pegadas essas que deixo aqui São pegadas as que deixas aí São incursões de ti em mim São passos molhados pelas águas pelas lágrimas pela paixão.
Pegadas é só o que se deixa na natureza, então.
NA FRANJA DO MAR
Com as dores todas, beijo a franja do mar miro ao longe quase na curva do horizonte a entrega do que a maré me trouxe toco nela bebo dela sal da minha vida
Expurgo os restos refugos aproveito as ondas enxáguo as feridas, sangrando ainda, regozijo interno, com o que me entrega o mar porque não sou eu, mas ‘quem me navega é o mar.’
NÃO DEVERIA SE CHAMAR AMOR
Um afago, um empurrão Uma lambida, um arranhão Um céu, um inferno Uma entrega, um medo Um doce, um azedo Um risco, um rabisco Um colo, um chute Um rio, um capeta Uma música, um anátema Um riso, um amargor Uma fala, o humor.
VEREDAS
Meu corpo espera abraçar e ser em ti. Voe que te colho com minhas mãos como colho teus cenários e escrevo-te palavras. Por quê, homem alado? Porque é de púrpura a cor do meu vestido.
Olharei em seu olhos e lhe entregarei minha fala em poucas palavras porque já conhece quase todas. Tocarei em seu dorso alisarei seus braços seu rosto e seus ombros e sentirei que é de verdade um homem. Subirei com ele vagarosamente meus degraus, um a um, para que sinta meu andar meu jeito de ser uma mulher. Oferecerei a ele meu vinho, sem mesmo saber se de vinho ele gosta. Sentarei com ele no sofá, colarei meu corpo ao seu, entregarei a ele minha boca porque dela sei que gostará. Quando meu amor vier, poderei dizer a ele, e exclusivamente a ele, – Estou perdidamente apaixonada por você !
lincha, lincha mata, mata pega, pega esfola, esfola deus nos guie deus nos proteja deus nos conduza em nome de deus
julga, julga pune, pune lincha, lincha mata, mata
vendados cheios de ódios pretos não pobres não bichas não lincha, lincha pega, pega segue, segue persegue, persegue mata, mata
cegos em nome de deus emboscadas ciladas pega, pega esfola, esfola lincha, lincha mata, mata
FÉ CEGA
Creio em Deus sigo Jesus o justo o afável o doce e ácido pratico Jesus tenho Deus em mim
Creio em Deus sigo Jesus que aceita a todos como são que protege os de bom coração o Jesus fraterno o Jesus das parábolas e ensinamentos que acolhe os mais necessitados que deseja que todos tenham como viver sigo Jesus contra os vendilhões dos templos caminhando seguro julgado pelos poderosos condenado pelos poderosos
Creio em Deus sigo Jesus diariamente sem peregrinar a templos sem seguir a falsos profetas sem obedecer a seus disfarces muitos Sigo Jesus.
quando o quando agora em mim é memória cor e calor quando o quando agora em mim é cheiro de leite do peito quente quando o quando agora em mim é balanço acalanto de colo dormideiro quando o quando agora em mim é mãos dadas na pracinha, na escola, nos degraus quando o quando agora em mim é termômetro nas febres, das gripes, das tosses quando o quando agora em mim é aplauso nas apresentações das escolas quando o quando agora em mim é livro, música, cães e gatos quando o quando agora em mim é orgulho por seu trabalho e suas ações quando o quando agora em mim é reconhecimento de sua trajetória como mulher sinto que abrir pássaros de gaiolas soltar as mãos dos filhos deixá-los ir, uns e outros é o que de mais saudável e amoroso podemos fazer a eles
SEMENTE
Amor Amor Amor os seios maiores na esférica nave-mãe a semente flutua a semente levita a semente brinca a semente vive pré-mãe chora a qualquer hora pré-mãe chora por qualquer motivo pré-mãe prepara berço, roupinhas, braços pré-mãe aprendendo a ser mãe enfeita o colo perfuma o colo anseia dar seu colo
PARTO
parto ou fico busco o homem amado naquele avião pré-pai vem com asas ansiosas de ser pai pré-pai traz a máquina que filmará à eternidade pré-mãe sente contrações a cada meia hora e dirige dirige a caminho do homem-amado que descerá em seu porto pré-pai se espanta com pré-mãe e suas contrações nada a espanta, nada a incomoda estão juntos, de mãos dadas a caminho do nascimento da semente do Amor parto coletivo, Leboyer, em casa, a muitas mãos carinhos tantos, Gil, Caetano, Chico, Milton todos embalando as oito horas de contrações – Grita, mulher, grita, toda mulher grita – acode o amigo futuro-padrinho a pré-mãe nua explode o fruto do seu amor do seu GRANDE AMOR nua, tem sobre sua pele a fruta, ainda em casca acaricia, chora, conversa com ela cansaço encantamento pés, mãos, rosto, corpo tudo ali é perfeição dedo na boca no bercinho-balanço preso ao teto a mãe-agora balança o berço e, deitada, descansa o agradecimento da vida que saiu de si depois, ainda sente um cotovelinho dentro de si, um pezinho em si assim o será durante meses.
‘’Sei como é …’’ ‘’Desapega !’’ ‘’Aceita que dói menos …’’ ‘’Deleta’’ ‘’Sai pra outra’’ ‘’Para com isso’’ ‘’Pra mim é assim, morreu, morreu …’’ ‘’Esquece isso. Faz mal pro espírito, hem …’’ ‘’Compra outro’’ ‘’Arranja outro’’ ‘’Se fosse eu …’’ ‘’Vira a página’’ ‘’Num tou nem aí …’’
DESTRUIÇÃO
Cinco anos de semeadura sessenta anos recolhendo as sementes sessenta anos escolhendo as sementes sessenta anos desenhando tempos e espaços cinco anos de semeadura a folha, a flor, o fruto as folhas, as flores, os frutos a rega diária a poda cíclica a adubação de imagens a adubação de versos as rosas as primaveras as flores da laranjeira o passado no presente o presente no futuro uma brisa, uma aura, um halo o sol, as luas, as estrelas as montanhas tantas as mãos de terra as mãos na terra a terra presente nas mãos a terra herança nas mãos os pés na terra as unhas de terra o cheiro da terra a terra arrasada
VISITAÇÃO
foi andou percorreu buscou lutou sem desistência foi andou percorreu buscou lutou com insistência foi andou percorreu buscou lutou com resistência fugiu escapou rejeitou preteriu não degustou não sentiu a flor não saboreou o fruto não guardou as sementes com veemência desprezou a terra vilipendiou o corpo cuspiu no túmulo chutou a sepultura rasgou a imagem escarrou na campa foi andou percorreu
OBSERVAÇÃO: Estou escrevendo um romance, portanto, fico de tempos em tempos sem postagens. Mas continuo escrevendo. Quando ele estiver concluído, postarei os 10 capítulos aqui, e somente aqui. Por enquanto tem como título ROMANCE, MARCO ZERO.
Poetas são entes que assumem riscos que se esfolam nas alegrias, como um simples botão de romã, que acham bonito um sorriso do cão vadio que os segue. Vadias ideias rendem versos toscos, sem polimento, apenas versos.
A uns serão potes repletos de significados ocultos transfeitos transversos A outros serão mensagens concretas de tapas e socos porque a crueza dos dias assim os fez.
Nada pode incomodar tanto quanto versos. E aliviar também. Principalmente a quem os escreve a quem os regurgita, a quem os devolve como lírica, sem nada pedir. Plumas a quem os ler. E, eventualmente, a quem os possuir como seus.
Assisti ao primeiro espetáculo de Antonio Nóbrega em 1996, no Brincante, hoje sua casa e escola de música e dança, em São Paulo. Era o NaPancada do Ganza, recolho de nossa tradição musical, de Mário de Andrade, de frevos e muito mais. Dança, dança, dança, canto, canto, canto. Fui com meus alunos do Colégio Galileu Galilei e com professores amigos, após termos desenvolvido o Projeto sobre a Semana de Arte Moderna. Demos a Nóbrega, num álbum, o registro de fotos e poemas escritos por nossos meninos. Ficou encantado.
Disse ao Antonio Nóbrega, ao fim do último espetáculo Rima, que ele ali estava GREGÓRIO DE MATOS em corpo e versos.
(Acesse o Facebook de Antonio Nóbrega para assistir aos vídeos do espetáculo. Uma ode à RIMA. Maravilhoso. Nessa apresentação, em vez da dança, enaltece o ritmo dos poemas, das canções – privilegiando a palavra, portanto)
Aqui alguns deles.
Sobre o trabalho com os alunos, leia no link à direita: Trabalhos realizados com alunos
cabeça pensante coração pulsante passos traços braços corpo errante barco navegante sexo fervente
cabeça pulsante coração pensante passos traços braços corpo fervente barco errante sexo navegante
passos traços braços barco fervente corpo navegante sexo errante passos traços braços cabeça coração
MANHÃS DE DOMINGO
Em conversas com meu amigo Luiz Jacob, caminhando comigo pela praia, ele ressalta a importância de se ter memórias. Muitos de nós já estão indo e quanto é importante guardarmos – na memória – o que vivemos, rimos e nos divertimos uns com os outros.
Sempre valorizei demais as relações familiares entre pais, filhos, primos, avós, sobrinhos, aquelas festas italianas em que todos falam ao mesmo tempo, repõem mais comida nos pratos alheios, reforçando que daquela delícia ali você ainda não provou. Acho tudo isso muito divertido e fui sendo”adotada” por famílias inteiras de amigos em São Paulo, quando cheguei do Rio e lá fui viver. Festas de casamentos, batizados, aniversários, chás de cozinha, formaturas, a tudo comparecia, como fosse da família também. Depois, assumi o italiano paulistano com facilidade, visto que já o adorava desde a infância, pela convivência com filhas de italianos na FNM.
As cantinas italianas aos domingos, sempre lotadas. Necessário fazer reserva. As pizzarias nas noites, com músicos indo de mesa em mesa. Nossa, tantas novidades, tanta sabedoria, tantos sabores, tantas cores …
O Bixiga, a Bela Vista, reduto italiano, como outros da cidade, era um paraíso em tudo isso. Foi lá que conheci os diversos tipos de massas de pizza, a fina, a grossa, a integral. Imagine que havia lá uma delas que oferecia 103 tipos de pizza, nos anos 70. Isso para uma carioca … era muita novidade mesmo. Além disso, os tipos de macarrão. Em minha casa conhecíamos o espaguete e o talharim apenas. Em São Paulo … nossa ! E os diversos tipos de molhos à nossa escolha ! Comer é mesmo com italianos. Porções fartas, sabores sensualíssimos de encher olhos, lábios, estômago. “Mangia che te fa bene”, todas aquelas bracholas, o pão italiano, o vinho da casa, as berinjelas, as sardelas, as fogazzas, os canolis … um encantar-se com os paladares.
Na caminhada com meu filho, após o almoço do domingo, paro e ouço o pianista cantando ”Roberta”. Peço-lhe que continue. Faz melhor, decide cantar pra mim, com o restaurante cheio em que ele estava, ”Io Che Non Vivo Senza Te”.
ENRICO
sono solo voglio essere solo stai da solo lo sono il mio mondo ho bisogno di stare da solo il mio paradiso i miei fiume il mio mondo sono solo auguro al mare prigioniero della terra sono solo il mio mondo
VIAJANTES
uma taça cheia de vinho tinto goles lentos goles gentis goles parceiros uma taça de vinho vazia uma taça de vinho cheia goles uns goles outros Dioniso, braços abertos Διόνυσος, Baco presente presente do inconsciente pensamento ausente sonho sonho sonho percurso de lua e estrelas caminhos estreitos Dioniso de braços abertos Διόνυσος, lua farol estrelas estrelas estrelas entrega.
A importância de quem lê é incontestável. Prefiro quem lê. Geralmente quem lê tem mais o que pensar, é menos vazio, oco, repetidor de clichês, sabe articular pensamentos, sem repeti-los meramente. Nem sempre quem é um bom leitor torna-se um escritor, sabe-se. Mas, seguramente, quem não lê só copia citações e resumos não apresenta estofo, bagagem, possui apenas verniz. A Internet ampliou muito isso. Se antes havia aquelas lindas estantes de livros em salas de estudo nas casas de classe média alta, com volumes encadernados, quase como enfeites, bibelôs, lembranças de viagens, hoje a Internet cuida de reproduzir isso também. Citações, recortes, repetições e repetições também enfeitam as salas, sejam como murais e postagens nas redes sociais ou em rodas de conversas, quando se exibe ”erudição”. Experimente, pergunte, questione, queira saber mais e verá que a interlocução não caminha.
Em conversas, perguntam-me o que estou lendo. Confesso, leio alguma obra ou outra no KINDLE, mas meu gozo está no papel, sentada, ao lado de um bom vinho, de uma música de fundo. Parando, refletindo, namorando a leitura. Em contato com a natureza também é bom, entretanto me distraio muito com ela. Deitada, leio se for prosa, se me interessar muito a continuidade, caso contrário me vem o sono e acho um desrespeito com o livro. Assim, prefiro em outras posições.
Aqui, o que tenho lido, o que revisito sempre e até obras raras que comprei e enviei de presente, via correios, mas foram devolvidas com a inscrição ”REMETENTE RECUSADO”. Creio que quem recebeu não valorizava a leitura, devo ter me enganado de endereço – fato raro em mim. Quando, por intuição, sinto que alguém dá o devido valor ao que lê, dificilmente me engano. Não foi o caso. Erro de pessoa, erro de interpretação. Acontece.
LEITURAS
Paulo Freire, homem dos saberes, ensinou depois da descoberta depois de se pular os muros nada aprisiona mais.
Ler poesia no papel sensualidade, gozo, orgasmo Ler prosa no papel prelúdio, viagem, fantasia, orgasmo Ler sabenças no papel desafios, encontros, enriquecimento
Minha vida é feita de páginas. Sem ler não concretizo voos Sem ler não amanheço nem anoiteço, e se entardeço é porque sou em mim mesma um feixe de páginas qual bambu em touceiras de difícil esfacelamento, destruição ou perda .
Quando de palavras me guarneço, é com elas que me acasamato do mundo, me resguardo das dores simples, me afogo nas mais complexas, irremediáveis e etéreas.
Palavras alimentam meu corpo, atiçam meus desejos mais incompreensíveis, sensorializam meu cotidiano mínimo, transformando-o em rasantes sobre oceanos
LER O MUNDO
bebo palavras lambo ilustrações sorvo metáforas, alegorias, hipérboles de mim de nós de todos.
amo capas lombadas devoro prefácios, sumários, epígrafes
Sou uma devoradora de livros quase autofagia de meus mitos gregos quase antropofagia de meus mestres poetas quase dependência física de papéis escritos.
” … assim como a poesia está para a prosa, e quem há de negar que esta lhe é superior” (Língua, Caetano Veloso)
ENTRE HOMENS E BICHOS
a fieldade primitiva a quem os alimenta a quem os acarinha a quem lhes cuida a quem os afaga a quem os ama verdadeiramente na companhia doa-se entrega-se carece deles aprende com eles, com os bichos, a ser humano
A FILHA ‘’ECOLÓGICA’’
Nos anos 80, minha filha Carla, sempre apaixonada por animais, especialmente por cães, recebia de presente cãezinhos de todos os tipos, de pelúcia, de louça, de enfeites em geral. Não se contentava. Queria um de verdade. Com 4 anos e vivendo em apartamento, cheguei a levar pra casa 2 pintinhos, desses de feiras de animais que acontecem em shoppings e na saída se recebe de presente. Cresceram, viraram galinhos e pude mostrar a ela como se dava o processo de crescimento de um ser vivo, de um animalzinho, de suas necessidades, de espaço etc. Acabei doando-os para um amigo que tinha uma chácara, contou-me que mais tarde viraram almoço. Lembro-me do cãozinho danado de levado que acabamos adotando, filhotinho, e que foi crescendo, crescendo, destruindo pés de mesa, sofás etc. tivemos que doá-lo a quem tivesse espaço para criá-lo e bem. Nesse episódio, teve febres altíssimas, sem resfriado ou qualquer mal. Ao analisarmos a situação com o homeopata, diagnosticou a paixão, eminência de perda do ser amado. Adoecera. Remédio de fundo, tratamento. Sugestão de um aquário. Depois, então, tivemos aquário com diversos tipos de peixinhos. Fui pesquisar aqueles que não deveriam viver com outros no mesmo aquário etc. e pude ensinar a ela que há determinados seres vivos predadores que, naturalmente, devoram outros. Mudamo-nos para uma casa na Granja Viana. Carla estudaria numa escola chácara, seria alfabetizada pelo método Paulo Freire, teria aulas de teatro, marcenaria, natação, culinária, horta, enfim com 6 anos viveria de outra forma. Eu vivi em cima de árvores, no meio de galinhas, patas, cabra e cabritinho, cães e gatos. Fui lecionar na mesma escola. Ganhamos um cãozinho que contraiu cinomose em seguida. Não era vacinado, embora afirmassem que sim. Sofreu bastante, por duas semanas, aplicava nele o soro e aprendi tudo e muito mais sobre cães, graças a um veterinário amigo. Morreu. Era um cocker pretinho. Enterrei-o. Aguardei a quarentena, tratando o local, esterilizando-o etc. porque minha filha queria outro. Assim tivemos a TERRA. E depois a BRUNA, doberman da cor de uma raposa, alaranjada. Seus donos haviam voltado para seu país de origem e a doaram adulta a nós. Com a recomendação de que costumava matar seus filhotes, comia-os. Tínhamos 2 cadelas então. BRUNA amansou-se em casa. Vivia em quintal grande, corria, fazia buracos na terra e TERRA convivia bem com ela. Certa manhã, ao voltar das aulas, encontrei a gatinha PUDIM que minha filha também adotara, toda branquinha com uma orelhinha cinza apenas, dentro da casinha da temível doberman, mamando em suas tetas. Pude ensinar mais isso à minha filha. Concluam o quê. Minha filha desejou que elas tivessem filhotes e assim fizemos. Casamento inter-racial – condenado por 10 entre 10 pessoas. BRUNA teve seus 5 filhotes e não comeu nenhum. 4 machos e 1 fêmea. TERRA teve 6, mas BRUNA comeu 1 deles, o primeiro. Antes que tivesse o restante, levei-a para meu quarto, acarpetado, no andar de cima. Teve todos e limpou tudo, como fosse um aspirador de pó. Orientada, separei-as por locais diferentes da casa; BRUNA permanecera no canil com os seus e TERRA seguira para o jardim numa casinha, e separadas por portão de ferro. Foram dias e noites de muito frio, em que eu acordava de madrugada para catar os filhotinhos de TERRA que caíam da casinha, cercá-los e permitir que a mãe pudesse ir fazer suas necessidades e voltar. Minha filha acompanhou tudo e me ajudava quando eu pedia. Muitos morreram.
BRUNA mordeu minha filha meses depois, tivemos que lhe fazer uma cirurgia plástica na perna, aos 8 anos. Guarda de seu amor extremado pela cadela uma cicatriz. O pai exigiu que a doássemos em seguida. E ela foi. De táxi, com um taxista que cuidava de outros da mesma raça. Choramos muito eu e minha filha ao vê-la indo embora, no banco do passageiro. Mudamos de volta para São Paulo com a TERRA, a ESTRELA (única fêmea da cadela BRUNA) e a PUDIM prenhe. E eu estava grávida do meu filho Pedro. Carla já tinha 9 anos. PUDIM, a gatinha, esperou eu retornar do hospital para, sentindo-se segura, ter também a sua ninhada. Éramos mães de novo, ela e eu.
Amigos do pai da Carla diziam ”Essa sua filha ecológica, viu’‘.
UMA HISTÓRIA DE AMOR: ESTRELA E CHICO
Em 1990, minha cadela pastora ESTRELA morava na garagem, na frente da minha casa em São Paulo. O portão de ferro era relativamente baixo. Pusemos nele uma tela de galinheiro por razões de amor. Isso mesmo.
É. Acontece que por ela, no cio, se apaixonara um vira-latinha fofo, a quem dei o nome de CHICO. Mancava de uma das perninhas traseiras, sem colocá-la no chão, talvez por consequência de um atropelamento. Ficava na calçada do outro lado da rua, sob uma marquise a observá-la, e de noite uivava serenatas de amor por ela. Chegava a se esgueirar no portão por ESTRELA. Não conseguindo, caía. Ah, esse amor do cão !
Minha mãe, em visita, chegou a pilheriar que logo-logo teríamos filhotinhos de 3 patas, tamanha a urgência amorosa notada ali.
Amor assim, sabe como é, cativa ATÉ OS HUMANOS. Passei a cuidar dele e foi, talvez por isso, a partir dali meu fiel escudeiro.
De rua, aprisioná-lo, nem pensar. Mas me acompanhava pelo bairro, aguardava para atravessar a rua na faixa comigo e até nos semáforos. Não entrava em padaria, açougue. Aguardava. Certa vez seguiu-me e entrou na escola em que eu lecionava. Entrou na sala de aula até. Nem com reza o tiramos de lá. Ficou até o fim do período e seguiu a pé comigo pela rua. Quem via, achava curioso um cão pernetinha seguindo sua dona, queriam saber o que lhe acontecera e eu explicava que não era meu, que apenas cuidava dele e ele havia se tornado meu cão de guarda. CHICO foi meu fiel escudeiro, para além, muito além do cio da ESTRELA.
Tempos depois sumiu. Soube mais tarde que fora atropelado mais uma vez e já não conseguindo mais se manter de pé. Uma moradora da mesma rua o levara para seu sítio, onde ficou até seus últimos dias. E todos continuaram o chamando de CHICO, como eu o batizara.
FOG, O MACHO
Em minha casa sempre preferimos fêmeas, o que muitos rejeitam pelo cio, gestação, castração etc. Nunca castramos animais, nem lhes cortamos rabos, nada. Tudo ao natural. (Como os meus cabelos que vão embranquecendo, meu corpo físico que vai envelhecendo e adquirindo as características do de minha mãe. Mexo em nada. Nem reposição hormonal jamais fiz. Tudo como tinha que ser. Partos normais etc.)
Em uma viagem a Minas, no início da década de 90, conhecemos um labrador. Macho. Minha filha se encantou com ele. Estávamos indo de carro, como eu gostava, sem oras e horas, a Congonhas do Campo, Mariana, Ouro Preto. Era julho. Levamos minha tia, já octogenária, no carro, e o cãozinho. Agora, já nosso. Depois voltaria pra São Paulo conosco: Pedro, Carla, FOG e eu.
Cresceu. E fazia xixi como a TERRA, agachando-se. Copiou tudo dela. Quando desejou cruzar, não sabia, se atrapalhava. Minha filha e meu filho aprenderam a influência da convivência entre os pares.
ESTRELA ficava na garagem, na frente da casa, separada deles. Como pastora era diligente e tomava conta de tudo. Certa noite fria de sábado, latiu, latiu muito, cheguei a ir à janela repreendê-la. Calou-se. Mais tarde, tocam a campainha os donos de um Fusca perguntando-me se não havia visto quem roubara o motor do carro deles. Logo desconfiei que ESTRELA havia me avisado do que via, e eu não lhe dera crédito. Fez seu papel, portanto. Morreu, anos mais tarde por problemas nos rins. Carreguei-a ao Instituto de Zoonoses no carro e deixei lá com ela uma parte da minha história.
FOG manteve relações físicas com TERRA, já nem tão novinha, por 2 vezes. Nascendo deles filhotinhos lindos. Na segunda gestação tive que ser parteira e massageá-la, ajudando um dos filhotes a nascer; estava meio corpo fora meio corpo dentro. Nasceu. Doamos todos os filhotes e o pai, o FOG. Era impossível continuar a consentir em outras gestações da TERRA.
Ficamos com uma de suas fêmeas, contudo, a MENINA. Conviveram muito bem mãe e filha. Até que TERRA teve um câncer, gemeu, gemeu, não conseguindo aguardar a morfina que eu estava indo buscar, tendo em mãos a receita da veterinária. Minha mãe, em casa, se compadeceu muito e sentiu em si mesma, o que poderiam ser as dores daquela doença.
BOLI, O NETINHO
Minha filha, já adulta, tornou-se mãe do BOLI. Levava-o a
todos os seus passeios. E quando viajava para o exterior ou até mesmo a
trabalho pelo Brasil, deixava-o comigo ou em casa de seu pai.
Boli demandava um diferencial. Era um mini poodle e vivia dentro de casa. Assim, quando estava conosco era dentro de casa que ficava. Minhas cadelas não aceitavam muito aquilo, embora fossem totalmente dóceis. Era privilégio demais. Nunca criei cachorros dentro de casa. E sim, livres no quintal.
Boli sentia muito a falta de minha filha, uivava nas portas, chorava, queria sua mãe. Morreu muitos anos depois, quando minha filha estava fora do país, e ele com o pai dela. Quando Carla retornou, ele já na UTI, pode apenas acarinhá-lo e dizer que estava ali . Em seguida, suspirou e se foi. Grande tristeza para ela. Sugeri outro. Ao que ela respondeu ‘’Se um filho seu morresse, você adotaria outro pra por no lugar, mãe?’’. Entendi seu luto.
Hoje ela vive no hemisfério norte e levou com ela no avião, e no colo, seu whippet. Volta e meia fotografa e filma raposa, esquilos e coelhos no quintal de sua casa. A filha ecológica cresceu amando os animais. Isso é inalterável e incondicional.
Carla fará aniversário essa semana. Salve, salve, minha filha querida, de quem muito me orgulho.
UMA MENINA
A última das cadelas que tivemos em São Paulo era muito
graciosa. Filha da TERRA, MENINA era um charme. Sentiu bastante a perda da mãe,
voltava aos lugares, cheirava, procurava pela mãe.
Durante um tempo, ficamos com a ESTRELA na garagem e com a
MENINA no quintal. Depois da morte da ESTRELA. MENINA reinou soberana.
Mas … chegou LUNA. Filhotinho, abandonada com seus outros irmãos numa caixa na estrada. Na veterinária, todos os machos haviam sido adotados. Restaram LUNA e sua irmã apenas. Tinham problemas de pele, sem pelos nas patas, no rabinho e totalmente negras. Encantamo-nos eu e meu irmão que, de férias, me visitava em São Paulo. Vacinei as duas, vermifuguei, cuidamos da pele, fizemos tudo o que foi recomendado pela veterinária. Tinham uns 3 meses e ainda tomavam leite no pires, sujando tudo, jogando tudo pra fora, umas gracinhas. Meu irmão levou a dele para o Rio e nós fizemos com que MENINA aceitasse, aos poucos, a serelepe LUNA. Conviveram bem.
MENINA, certo tempo depois contraiu sarna negra, demandando
tratamento na Faculdade de Veterinária da USP, onde eu a levava semanalmente,
fazendo coleta de pele, observando, redimensionando o tratamento oral, tópico,
com banhos especiais etc. Foi enfraquecendo, enfraquecendo e morreu.
LUNA sentiu muito sua falta. Mudei de casa 3 vezes em 5
anos, por motivos vários. Depois vim para Minas. Luna já vai fazer 17 anos.
Envelheceu, está cega, quase surda, tem pouco olfato e nos últimos dias não
consegue fazer suas patinhas traseiras a manterem de pé, arrasta-se. Come,
bebe, faz suas necessidades em tapetinho higiênico, deitada.
Vou observar seu estado de saúde por mais um tempo. Talvez
tenha que sacrificá-la. Pela primeira vez e pela última vez, uma cadela deixará
de viver comigo.
Como tudo na vida. Vamos nos encaminhando para o fim, eu e
ela.
Um amigo, recentemente, proferiu o clichê ‘’Tanta criança passando dificuldades pra viver, pelas ruas, e vocês fazendo tudo isso por um cão, como outros, no meu prédio o fazem também’’. Disse a ele que geralmente quem afirma isso também nada faz por aquelas crianças. Animais são seres vivos. Amar um animal e tratá-lo bem (e, sobretudo, como um animal), faz bem a quem cuida dele, muito mais que ao animal até.
fraca frágil não enxerga não anda não late olha docemente reage docemente acarinha o espírito depende da água que lhe dou depende da insulina que lhe dou depende da ração-energia que lhe dou depende dos movimentos que lhe dou depende do meu olhar depende do meu sentir depende do meu gostar minhas ausências por ramais e caminhos enfraquecem seu respirar enfraquecem seu olhar enfraquecem seu viver
Luna, até quando? Luna, até sempre. Se Luna se for, guardarei seu olhar.
VIVENDA DOS OLIVEIRA
no início era o verbo depois, da ideia à ação promessas aos pais promessas de novos tempos promessas de novos espaços promessas de recomeços
a delimitação a semeadura a conquista de cores e flores aprender com as mãos cheirar a terra sorver o vento na serra a luz, as luas cheias as estrelas de céu límpido os passarinhos, as maritacas, as cigarras
as bananeiras, seus frutos os abacateiros, seus frutos as roseiras, suas flores
aprender com as mãos mãos que sentem
entregar o terreno passá-lo em frente enfrente, novamente sem os vinte anos mais enfrente, novamente ser suco, sumo, bagaço de ideais e de tempos ser corpo disforme, envelhecido, cansado em frente, novamente
TRILHAS, RAMAIS, CAMINHOS
uma mulher como muitas companheiros de estradas reconhecem seu valor querem estar com ela rasgam vias, rodovias, trilhas, picadas querem estar com ela vão ao mar vão ao bar vão às serras, aos montes, às pedras companheiros de estradas testemunharam o garimpo das pedras a construção dos castelos-choupanas repletos de sonhos de ir repletos de falas e de ações no caminho de ser e de encontrar
o país no despenhadeiro
uma mulher como tantas nas escolhas, nos declínios, nos exílios uma mulher como tantas não-caçadora não-belicosa não-arrivista não-insidiosa não-física apenas afeto, companhia, compreensão alegrias, sorrisos, gargalhadas amor pra encharcar seres especiais