”Então vai, levanta e anda, vai”

UNS E OUTROS

5 da manhã
café puro
pão velho na chapa
quente

acorda um
acorda o outro
acorda a outra

seguem
caminham todas as picadas, pinguelas, estradas
seguem
no horizonte um ponto
no porto um norte
no firmamento uma luz
fim do túnel
começo da vida
escola, amigos, professores
pertencimentos

PRESENTE FUTURO

5 da tarde
caminho de volta
barrigas cheias de livros
barrigas cheias de esportes
barrigas cheias de músicas
barrigas cheias de narrativas
cansaço no corpo
cansaço das travessias
corpo reage com esperança
corpo reage com energia
corpo reage com alegria
dormir
sonhar
presente futuro de seres humanos
semeaduras de afeto
semeaduras de atenção
semeaduras de cuidados

presente germinando amorosidades
futuro frutificando estrelas.

BONS FRUTOS

Enem
e, nem, também
aditivas
mas, porém, todavia, contudo
adversativas
o bem
o mal
o bom
o mau
vai, segue, luta, resiste
união, agrupamentos, intenções
semelhantes
meninos e meninas
rapazes e moças
Enem
vai
seu rumo promete
sua meta na seta
reta
união, agrupamentos, intenções
vai, segue, luta, resiste
vai ser técnico
pode ser
vai ser mestre
pode ser
vai ser pesquisador
pode ser
vai ser doutor
pode ser

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Emicida

2- Canal Patrícia Porto

Marinhas

SOLANDO

sol a pino
solicitando sombra
só a sós
ao sol
à sombra
ao tempo
ao quando
ao sempre
ao nunca
ao depois
ao depois do depois
ao sol
só a sós
solzinho sozinho
namoro ao céu
namoro ao sol
namoro ao sal
namoro à brisa
namoro às ondas
namoro ao mar
ao tempo
ao quando
ao sempre
ao nunca
ao depois do depois
dois
namorando o céu
namorando as ondas
namorando a areia
ao mar

PEGADAS

São pegadas essas que deixo aqui
São pegadas as que deixas aí
São incursões de ti em mim
São passos molhados
pelas águas
pelas lágrimas
pela paixão.

Pegadas é só o que se deixa
na natureza, então.

NA FRANJA DO MAR

Com as dores todas,
beijo a franja do mar
miro ao longe
quase na curva do horizonte
a entrega
do que a maré me trouxe
toco nela
bebo dela
sal da minha vida

Expurgo os restos refugos
aproveito as ondas
enxáguo as feridas,
sangrando ainda,
regozijo interno,
com o que me entrega o mar
porque não sou eu,
mas ‘quem me navega
é o mar.’

NÃO DEVERIA SE CHAMAR AMOR

Um afago, um empurrão
Uma lambida, um arranhão
Um céu, um inferno
Uma entrega, um medo
Um doce, um azedo
Um risco, um rabisco
Um colo, um chute
Um rio, um capeta
Uma música, um anátema
Um riso, um amargor
Uma fala, o humor.

VEREDAS

Meu corpo espera
abraçar e ser em ti.
Voe que te colho com minhas mãos
como colho teus cenários
e escrevo-te palavras.
Por quê, homem alado?
Porque é de púrpura a cor do meu vestido.

MEU AMOR ÚLTIMO

Último,
desconhece outros.
Estrangeiro,
tropeça em riscos.
Incomum,
inaugura vagões.
Avassalador,
enfrenta labirintos.

QUANDO MEU AMOR VIER

Olharei em seu olhos
e lhe entregarei minha fala
em poucas palavras porque já conhece quase todas.
Tocarei em seu dorso
alisarei seus braços seu rosto e seus ombros
e sentirei que é de verdade um homem.
Subirei com ele
vagarosamente
meus degraus,
um a um,
para que sinta meu andar
meu jeito de ser uma mulher.
Oferecerei a ele meu vinho,
sem mesmo saber se de vinho ele gosta.
Sentarei com ele no sofá,
colarei meu corpo ao seu,
entregarei a ele minha boca
porque dela sei que gostará.
Quando meu amor vier,
poderei dizer a ele,
e exclusivamente a ele,
– Estou perdidamente apaixonada por você !

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal (mar paulista)

Vídeos:

1-2- 4 Canal Julián Mandrino

3- Canal Gustavo B. L.

Fé cega, Faca amolada

FACA AMOLADA

lincha, lincha
mata, mata
pega, pega
esfola, esfola
deus nos guie
deus nos proteja
deus nos conduza
em nome de deus

julga, julga
pune, pune
lincha, lincha
mata, mata

vendados
cheios de ódios
pretos não
pobres não
bichas não
lincha, lincha
pega, pega
segue, segue
persegue, persegue
mata, mata

cegos
em nome de deus
emboscadas
ciladas
pega, pega
esfola, esfola
lincha, lincha
mata, mata

FÉ CEGA

Creio em Deus
sigo Jesus
o justo
o afável
o doce e ácido
pratico Jesus
tenho Deus em mim

Creio em Deus
sigo Jesus
que aceita a todos como são
que protege os de bom coração
o Jesus fraterno
o Jesus das parábolas e ensinamentos
que acolhe os mais necessitados
que deseja que todos tenham como viver
sigo Jesus
contra os vendilhões dos templos
caminhando seguro
julgado pelos poderosos
condenado pelos poderosos

Creio em Deus
sigo Jesus
diariamente
sem peregrinar a templos
sem seguir a falsos profetas
sem obedecer a seus disfarces muitos
Sigo Jesus.

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal danbednarski

Dores de amores

AMORES

quando o quando agora em mim
é memória cor e calor
quando o quando agora em mim
é cheiro de leite do peito quente
quando o quando agora em mim
é balanço acalanto de colo dormideiro
quando o quando agora em mim
é mãos dadas na pracinha, na escola, nos degraus
quando o quando agora em mim
é termômetro nas febres, das gripes, das tosses
quando o quando agora em mim
é aplauso nas apresentações das escolas
quando o quando agora em mim
é livro, música, cães e gatos
quando o quando agora em mim
é orgulho por seu trabalho e suas ações
quando o quando agora em mim
é reconhecimento de sua trajetória como mulher
sinto que abrir pássaros de gaiolas
soltar as mãos dos filhos
deixá-los ir, uns e outros
é o que de mais saudável e amoroso
podemos fazer a eles

SEMENTE

Amor
Amor
Amor
os seios maiores
na esférica nave-mãe
a semente flutua
a semente levita
a semente brinca
a semente vive
pré-mãe chora a qualquer hora
pré-mãe chora por qualquer motivo
pré-mãe prepara berço, roupinhas, braços
pré-mãe aprendendo a ser mãe
enfeita o colo
perfuma o colo
anseia dar seu colo

PARTO

parto ou fico
busco o homem amado naquele avião
pré-pai vem com asas ansiosas de ser pai
pré-pai traz a máquina que filmará à eternidade
pré-mãe sente contrações a cada meia hora e dirige
dirige a caminho do homem-amado que descerá em seu porto
pré-pai se espanta com pré-mãe e suas contrações
nada a espanta, nada a incomoda
estão juntos, de mãos dadas
a caminho do nascimento da semente do Amor
parto coletivo, Leboyer, em casa, a muitas mãos
carinhos tantos,
Gil, Caetano, Chico, Milton
todos embalando as oito horas de contrações
– Grita, mulher, grita, toda mulher grita – acode o amigo futuro-padrinho
a pré-mãe nua explode o fruto do seu amor
do seu GRANDE AMOR
nua, tem sobre sua pele a fruta, ainda em casca
acaricia, chora, conversa com ela
cansaço
encantamento
pés, mãos, rosto, corpo
tudo ali é perfeição
dedo na boca no bercinho-balanço preso ao teto
a mãe-agora balança o berço e, deitada, descansa
o agradecimento da vida que saiu de si
depois, ainda sente um cotovelinho dentro de si, um pezinho em si
assim o será durante meses.

Assim será por toda a vida …

Parabéns, minha filha querida !

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Bolhas Ilusórias

2- Canal Odonir Oliveira

Terra arrasada

CLICHÊS

‘’Sei como é …’’
‘’Desapega !’’
‘’Aceita que dói menos …’’
‘’Deleta’’
‘’Sai pra outra’’
‘’Para com isso’’
‘’Pra mim é assim, morreu, morreu …’’
‘’Esquece isso. Faz mal pro espírito, hem …’’
‘’Compra outro’’
‘’Arranja outro’’
‘’Se fosse eu …’’
‘’Vira a página’’
‘’Num tou nem aí …’’

DESTRUIÇÃO

Cinco anos de semeadura
sessenta anos recolhendo as sementes
sessenta anos escolhendo as sementes
sessenta anos desenhando
tempos e espaços
cinco anos de semeadura
a folha, a flor, o fruto
as folhas, as flores, os frutos
a rega diária
a poda cíclica
a adubação de imagens
a adubação de versos
as rosas
as primaveras
as flores da laranjeira
o passado no presente
o presente no futuro
uma brisa, uma aura, um halo
o sol, as luas, as estrelas
as montanhas tantas
as mãos de terra
as mãos na terra
a terra presente nas mãos
a terra herança nas mãos
os pés na terra
as unhas de terra
o cheiro da terra
a terra arrasada

VISITAÇÃO

foi
andou
percorreu
buscou
lutou
sem desistência
foi
andou
percorreu
buscou
lutou
com insistência
foi
andou
percorreu
buscou
lutou
com resistência
fugiu
escapou
rejeitou
preteriu
não degustou
não sentiu a flor
não saboreou o fruto
não guardou as sementes
com veemência
desprezou a terra
vilipendiou o corpo
cuspiu no túmulo
chutou a sepultura
rasgou a imagem
escarrou na campa
foi
andou
percorreu

OBSERVAÇÃO: Estou escrevendo um romance, portanto, fico de tempos em tempos sem postagens. Mas continuo escrevendo. Quando ele estiver concluído, postarei os 10 capítulos aqui, e somente aqui. Por enquanto tem como título ROMANCE, MARCO ZERO.

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Paul Hardwick

”Porque poeta não cala”

POETAS

Poetas são entes que assumem riscos
que se esfolam nas alegrias,
como um simples botão de romã,
que acham bonito um sorriso do cão vadio que os segue.
Vadias ideias rendem versos toscos,
sem polimento,
apenas versos.

A uns serão potes repletos de significados
ocultos
transfeitos
transversos
A outros serão mensagens concretas de tapas e socos
porque a crueza dos dias assim os fez.

Nada pode incomodar tanto quanto versos.
E aliviar também.
Principalmente a quem os escreve
a quem os regurgita,
a quem os devolve como lírica,
sem nada pedir.
Plumas a quem os ler.
E, eventualmente, a quem os possuir como seus.

Brilhante espetáculo no Itaú Cultural, maio de 2019

Assisti ao primeiro espetáculo de Antonio Nóbrega em 1996, no Brincante, hoje sua casa e escola de música e dança, em São Paulo. Era o Na Pancada do Ganza, recolho de nossa tradição musical, de Mário de Andrade, de frevos e muito mais. Dança, dança, dança, canto, canto, canto. Fui com meus alunos do Colégio Galileu Galilei e com professores amigos, após termos desenvolvido o Projeto sobre a Semana de Arte Moderna. Demos a Nóbrega, num álbum, o registro de fotos e poemas escritos por nossos meninos. Ficou encantado.

Disse ao Antonio Nóbrega, ao fim do último espetáculo Rima, que ele ali estava GREGÓRIO DE MATOS em corpo e versos.

(Acesse o Facebook de Antonio Nóbrega para assistir aos vídeos do espetáculo. Uma ode à RIMA. Maravilhoso. Nessa apresentação, em vez da dança, enaltece o ritmo dos poemas, das canções – privilegiando a palavra, portanto)

Aqui alguns deles.

Sobre o trabalho com os alunos, leia no link à direita: Trabalhos realizados com alunos

Outra Semana de Arte Moderna, 1996

Outra Semana de Arte Moderna, 1996

E salve CHICO BUARQUE DE HOLLANDA, o meu Camões.

Sobre Chico Buarque leia :

Chico Buarque, muito obrigada

Chico Buarque, muito obrigada

Chico, 73 anos:

Chico, 73 anos

Chico Buarque, as mulheres de si:

Chico Buarque, as mulheres de si

Poesia: Odonir Oliveira

Vídeos: Facebook de Antonio Nóbrega

Memórias, sabores e cores

R. Treze de Maio, Bixiga, SP

GIULIA

cabeça pensante
coração pulsante
passos traços braços
corpo errante
barco navegante
sexo fervente

cabeça pulsante
coração pensante
passos traços braços
corpo fervente
barco errante
sexo navegante

passos traços braços
barco fervente
corpo navegante
sexo errante
passos traços braços
cabeça
coração

R. Treze de Maio, Bixiga, SP
R. Treze de Maio, Bixiga, SP

MANHÃS DE DOMINGO

Em conversas com meu amigo Luiz Jacob, caminhando comigo pela praia, ele ressalta a importância de se ter memórias. Muitos de nós já estão indo e quanto é importante guardarmos – na memória – o que vivemos, rimos e nos divertimos uns com os outros.

Sempre valorizei demais as relações familiares entre pais, filhos, primos, avós, sobrinhos, aquelas festas italianas em que todos falam ao mesmo tempo, repõem mais comida nos pratos alheios, reforçando que daquela delícia ali você ainda não provou. Acho tudo isso muito divertido e fui sendo”adotada” por famílias inteiras de amigos em São Paulo, quando cheguei do Rio e lá fui viver. Festas de casamentos, batizados, aniversários, chás de cozinha, formaturas, a tudo comparecia, como fosse da família também. Depois, assumi o italiano paulistano com facilidade, visto que já o adorava desde a infância, pela convivência com filhas de italianos na FNM.

As cantinas italianas aos domingos, sempre lotadas. Necessário fazer reserva. As pizzarias nas noites, com músicos indo de mesa em mesa. Nossa, tantas novidades, tanta sabedoria, tantos sabores, tantas cores …

O Bixiga, a Bela Vista, reduto italiano, como outros da cidade, era um paraíso em tudo isso. Foi lá que conheci os diversos tipos de massas de pizza, a fina, a grossa, a integral. Imagine que havia lá uma delas que oferecia 103 tipos de pizza, nos anos 70. Isso para uma carioca … era muita novidade mesmo. Além disso, os tipos de macarrão. Em minha casa conhecíamos o espaguete e o talharim apenas. Em São Paulo … nossa ! E os diversos tipos de molhos à nossa escolha ! Comer é mesmo com italianos. Porções fartas, sabores sensualíssimos de encher olhos, lábios, estômago. “Mangia che te fa bene”, todas aquelas bracholas, o pão italiano, o vinho da casa, as berinjelas, as sardelas, as fogazzas, os canolis … um encantar-se com os paladares.

Cantina Roperto

Na caminhada com meu filho, após o almoço do domingo, paro e ouço o pianista cantando ”Roberta”. Peço-lhe que continue. Faz melhor, decide cantar pra mim, com o restaurante cheio em que ele estava, ”Io Che Non Vivo Senza Te”.

R. Treze de Maio, Bixiga, SP

ENRICO

sono solo
voglio essere solo
stai da solo
lo sono
il mio mondo
ho bisogno di stare da solo
il mio paradiso
i miei fiume
il mio mondo
sono solo
auguro al mare
prigioniero della terra
sono solo
il mio mondo

R. Treze de Maio, Bixiga, SP
R. Treze de Maio, Bixiga, SP

VIAJANTES

uma taça cheia
de vinho
tinto
goles lentos
goles gentis
goles parceiros
uma taça de vinho
vazia
uma taça de vinho
cheia
goles uns
goles outros
Dioniso, braços abertos
Διόνυσος,
Baco presente
presente do inconsciente
pensamento ausente
sonho sonho sonho
percurso de lua e estrelas
caminhos estreitos
Dioniso de braços abertos
Διόνυσος,
lua farol
estrelas estrelas estrelas
entrega.

R. Treze de Maio, Bixiga, SP
No Bixiga

Texto e poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

1º Vídeo: Canal SandroTorricelli

2º Vídeo: Canal danielbarbozinha

Livros, companheiros fiéis

A importância de quem lê é incontestável. Prefiro quem lê. Geralmente quem lê tem mais o que pensar, é menos vazio, oco, repetidor de clichês, sabe articular pensamentos, sem repeti-los meramente. Nem sempre quem é um bom leitor torna-se um escritor, sabe-se. Mas, seguramente, quem não lê só copia citações e resumos não apresenta estofo, bagagem, possui apenas verniz. A Internet ampliou muito isso. Se antes havia aquelas lindas estantes de livros em salas de estudo nas casas de classe média alta, com volumes encadernados, quase como enfeites, bibelôs, lembranças de viagens, hoje a Internet cuida de reproduzir isso também. Citações, recortes, repetições e repetições também enfeitam as salas, sejam como murais e postagens nas redes sociais ou em rodas de conversas, quando se exibe ”erudição”. Experimente, pergunte, questione, queira saber mais e verá que a interlocução não caminha.

Em conversas, perguntam-me o que estou lendo. Confesso, leio alguma obra ou outra no KINDLE, mas meu gozo está no papel, sentada, ao lado de um bom vinho, de uma música de fundo. Parando, refletindo, namorando a leitura. Em contato com a natureza também é bom, entretanto me distraio muito com ela. Deitada, leio se for prosa, se me interessar muito a continuidade, caso contrário me vem o sono e acho um desrespeito com o livro. Assim, prefiro em outras posições.

Aqui, o que tenho lido, o que revisito sempre e até obras raras que comprei e enviei de presente, via correios, mas foram devolvidas com a inscrição ”REMETENTE RECUSADO”. Creio que quem recebeu não valorizava a leitura, devo ter me enganado de endereço – fato raro em mim. Quando, por intuição, sinto que alguém dá o devido valor ao que lê, dificilmente me engano. Não foi o caso. Erro de pessoa, erro de interpretação. Acontece.

LEITURAS

Paulo Freire,
homem dos saberes, ensinou
depois da descoberta
depois de se pular os muros
nada aprisiona mais.

Ler poesia no papel
sensualidade, gozo, orgasmo
Ler prosa no papel
prelúdio, viagem, fantasia, orgasmo
Ler sabenças no papel
desafios, encontros, enriquecimento

Ler, ler, ler
romper porões
explodir cárceres
acalentar horizontes
Ler, ler, ler

GRANDE SERTÃO VEREDAS, em quadrinhos (edição numerada e rara – devolvido)
MEMÓRIAS INVENTADAS, de Manoel de Barros (edição limitada, com aquarelas da filha, Martha Barros – devolvido)

PALAVRAS DE TUDO

Minha vida é feita de páginas.
Sem ler não concretizo voos
Sem ler não amanheço nem anoiteço,
e se entardeço
é porque sou em mim mesma um feixe de páginas
qual bambu
em touceiras
de difícil esfacelamento, destruição ou perda .

Quando de palavras me guarneço,
é com elas que me acasamato do mundo,
me resguardo das dores simples,
me afogo nas mais complexas,
irremediáveis e etéreas.

Palavras alimentam meu corpo,
atiçam meus desejos mais incompreensíveis,
sensorializam meu cotidiano mínimo,
transformando-o em rasantes sobre oceanos

LER O MUNDO

bebo palavras
lambo ilustrações
sorvo metáforas, alegorias, hipérboles
de mim
de nós
de todos.

mastigo estrofes
degluto versos
sugo frases
chupo páginas

amo capas lombadas
devoro prefácios, sumários, epígrafes

Sou uma devoradora de livros
quase autofagia de meus mitos gregos
quase antropofagia de meus mestres poetas
quase dependência física de papéis escritos.

Essa sou eu.
Sei que é você.
Também.

Texto e poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Alfredo Pessoa

Cães e Gatos: afeto e companhia

” … assim como a poesia está para a prosa, e quem há de negar que esta lhe é superior” (Língua, Caetano Veloso)

LUNA

ENTRE HOMENS E BICHOS

a fieldade primitiva
a quem os alimenta
a quem os acarinha
a quem lhes cuida
a quem os afaga
a quem os ama
verdadeiramente
na companhia
doa-se
entrega-se
carece deles
aprende com eles,
com os bichos,
a ser humano

TERRA

A FILHA ‘’ECOLÓGICA’’

Nos anos 80, minha filha Carla, sempre apaixonada por animais, especialmente por cães, recebia de presente cãezinhos de todos os tipos, de pelúcia, de louça, de enfeites em geral. Não se contentava. Queria um de verdade. Com 4 anos e vivendo em apartamento, cheguei a levar pra casa 2 pintinhos, desses de feiras de animais que acontecem em shoppings e na saída se recebe de presente. Cresceram, viraram galinhos e pude mostrar a ela como se dava o processo de crescimento de um ser vivo, de um animalzinho, de suas necessidades, de espaço etc. Acabei doando-os para um amigo que tinha uma chácara, contou-me que mais tarde viraram almoço.
Lembro-me do cãozinho danado de levado que acabamos adotando, filhotinho, e que foi crescendo, crescendo, destruindo pés de mesa, sofás etc. tivemos que doá-lo a quem tivesse espaço para criá-lo e bem. Nesse episódio, teve febres altíssimas, sem resfriado ou qualquer mal. Ao analisarmos a situação com o homeopata, diagnosticou a paixão, eminência de perda do ser amado. Adoecera. Remédio de fundo, tratamento. Sugestão de um aquário.
Depois, então, tivemos aquário com diversos tipos de peixinhos. Fui pesquisar aqueles que não deveriam viver com outros no mesmo aquário etc. e pude ensinar a ela que há determinados seres vivos predadores que, naturalmente, devoram outros.
Mudamo-nos para uma casa na Granja Viana. Carla estudaria numa escola chácara, seria alfabetizada pelo método Paulo Freire, teria aulas de teatro, marcenaria, natação, culinária, horta, enfim com 6 anos viveria de outra forma. Eu vivi em cima de árvores, no meio de galinhas, patas, cabra e cabritinho, cães e gatos. Fui lecionar na mesma escola.
Ganhamos um cãozinho que contraiu cinomose em seguida. Não era vacinado, embora afirmassem que sim. Sofreu bastante, por duas semanas, aplicava nele o soro e aprendi tudo e muito mais sobre cães, graças a um veterinário amigo. Morreu. Era um cocker pretinho. Enterrei-o. Aguardei a quarentena, tratando o local, esterilizando-o etc. porque minha filha queria outro.
Assim tivemos a TERRA. E depois a BRUNA, doberman da cor de uma raposa, alaranjada. Seus donos haviam voltado para seu país de origem e a doaram adulta a nós. Com a recomendação de que costumava matar seus filhotes, comia-os. Tínhamos 2 cadelas então. BRUNA amansou-se em casa. Vivia em quintal grande, corria, fazia buracos na terra e TERRA convivia bem com ela. Certa manhã, ao voltar das aulas, encontrei a gatinha PUDIM que minha filha também adotara, toda branquinha com uma orelhinha cinza apenas, dentro da casinha da temível doberman, mamando em suas tetas. Pude ensinar mais isso à minha filha. Concluam o quê.
Minha filha desejou que elas tivessem filhotes e assim fizemos. Casamento inter-racial – condenado por 10 entre 10 pessoas. BRUNA teve seus 5 filhotes e não comeu nenhum. 4 machos e 1 fêmea. TERRA teve 6, mas BRUNA comeu 1 deles, o primeiro. Antes que tivesse o restante, levei-a para meu quarto, acarpetado, no andar de cima. Teve todos e limpou tudo, como fosse um aspirador de pó. Orientada, separei-as por locais diferentes da casa; BRUNA permanecera no canil com os seus e TERRA seguira para o jardim numa casinha, e separadas por portão de ferro. Foram dias e noites de muito frio, em que eu acordava de madrugada para catar os filhotinhos de TERRA que caíam da casinha, cercá-los e permitir que a mãe pudesse ir fazer suas necessidades e voltar. Minha filha acompanhou tudo e me ajudava quando eu pedia. Muitos morreram.

BRUNA mordeu minha filha meses depois, tivemos que lhe fazer uma cirurgia plástica na perna, aos 8 anos. Guarda de seu amor extremado pela cadela uma cicatriz. O pai exigiu que a doássemos em seguida. E ela foi. De táxi, com um taxista que cuidava de outros da mesma raça. Choramos muito eu e minha filha ao vê-la indo embora, no banco do passageiro.
Mudamos de volta para São Paulo com a TERRA, a ESTRELA (única fêmea da cadela BRUNA) e a PUDIM prenhe. E eu estava grávida do meu filho Pedro. Carla já tinha 9 anos. PUDIM, a gatinha, esperou eu retornar do hospital para, sentindo-se segura, ter também a sua ninhada. Éramos mães de novo, ela e eu.

Amigos do pai da Carla diziam ”Essa sua filha ecológica, viu’‘.

ESTRELA

UMA HISTÓRIA DE AMOR: ESTRELA E CHICO

Em 1990, minha cadela pastora ESTRELA morava na garagem, na frente da minha casa em São Paulo. O portão de ferro era relativamente baixo. Pusemos nele uma tela de galinheiro por razões de amor. Isso mesmo.

É. Acontece que por ela, no cio, se apaixonara um vira-latinha fofo, a quem dei o nome de CHICO. Mancava de uma das perninhas traseiras, sem colocá-la no chão, talvez por consequência de um atropelamento. Ficava na calçada do outro lado da rua, sob uma marquise a observá-la, e de noite uivava serenatas de amor por ela. Chegava a se esgueirar no portão por ESTRELA. Não conseguindo, caía. Ah, esse amor do cão !

Minha mãe, em visita, chegou a pilheriar que logo-logo teríamos filhotinhos de 3 patas, tamanha a urgência amorosa notada ali.

Amor assim, sabe como é, cativa ATÉ OS HUMANOS. Passei a cuidar dele e foi, talvez por isso, a partir dali meu fiel escudeiro.

De rua, aprisioná-lo, nem pensar. Mas me acompanhava pelo bairro, aguardava para atravessar a rua na faixa comigo e até nos semáforos. Não entrava em padaria, açougue. Aguardava. Certa vez seguiu-me e entrou na escola em que eu lecionava. Entrou na sala de aula até. Nem com reza o tiramos de lá. Ficou até o fim do período e seguiu a pé comigo pela rua. Quem via, achava curioso um cão pernetinha seguindo sua dona, queriam saber o que lhe acontecera e eu explicava que não era meu, que apenas cuidava dele e ele havia se tornado meu cão de guarda.
CHICO foi meu fiel escudeiro, para além, muito além do cio da ESTRELA.

Tempos depois sumiu. Soube mais tarde que fora atropelado mais uma vez e já não conseguindo mais se manter de pé. Uma moradora da mesma rua o levara para seu sítio, onde ficou até seus últimos dias. E todos continuaram o chamando de CHICO, como eu o batizara.

FOG
FOG

FOG, O MACHO

Em minha casa sempre preferimos fêmeas, o que muitos rejeitam pelo cio, gestação, castração etc. Nunca castramos animais, nem lhes cortamos rabos, nada. Tudo ao natural. (Como os meus cabelos que vão embranquecendo, meu corpo físico que vai envelhecendo e adquirindo as características do de minha mãe. Mexo em nada. Nem reposição hormonal jamais fiz. Tudo como tinha que ser. Partos normais etc.)

Em uma viagem a Minas, no início da década de 90, conhecemos um labrador. Macho. Minha filha se encantou com ele. Estávamos indo de carro, como eu gostava, sem oras e horas, a Congonhas do Campo, Mariana, Ouro Preto. Era julho. Levamos minha tia, já octogenária, no carro, e o cãozinho. Agora, já nosso. Depois voltaria pra São Paulo conosco: Pedro, Carla, FOG e eu.

Cresceu. E fazia xixi como a TERRA, agachando-se. Copiou tudo dela. Quando desejou cruzar, não sabia, se atrapalhava. Minha filha e meu filho aprenderam a influência da convivência entre os pares.

ESTRELA ficava na garagem, na frente da casa, separada deles. Como pastora era diligente e tomava conta de tudo. Certa noite fria de sábado, latiu, latiu muito, cheguei a ir à janela repreendê-la. Calou-se. Mais tarde, tocam a campainha os donos de um Fusca perguntando-me se não havia visto quem roubara o motor do carro deles. Logo desconfiei que ESTRELA havia me avisado do que via, e eu não lhe dera crédito. Fez seu papel, portanto. Morreu, anos mais tarde por problemas nos rins. Carreguei-a ao Instituto de Zoonoses no carro e deixei lá com ela uma parte da minha história.

FOG manteve relações físicas com TERRA, já nem tão novinha, por 2 vezes. Nascendo deles filhotinhos lindos. Na segunda gestação tive que ser parteira e massageá-la, ajudando um dos filhotes a nascer; estava meio corpo fora meio corpo dentro. Nasceu. Doamos todos os filhotes e o pai, o FOG. Era impossível continuar a consentir em outras gestações da TERRA.

Ficamos com uma de suas fêmeas, contudo, a MENINA. Conviveram muito bem mãe e filha. Até que TERRA teve um câncer, gemeu, gemeu, não conseguindo aguardar a morfina que eu estava indo buscar, tendo em mãos a receita da veterinária. Minha mãe, em casa, se compadeceu muito e sentiu em si mesma, o que poderiam ser as dores daquela doença.

BOLI

BOLI, O NETINHO

Minha filha, já adulta, tornou-se mãe do BOLI. Levava-o a todos os seus passeios. E quando viajava para o exterior ou até mesmo a trabalho pelo Brasil, deixava-o comigo ou em casa de seu pai.

Boli demandava um diferencial. Era um mini poodle e vivia dentro de casa. Assim, quando estava conosco era dentro de casa que ficava. Minhas cadelas não aceitavam muito aquilo, embora fossem totalmente dóceis. Era privilégio demais. Nunca criei cachorros dentro de casa. E sim, livres no quintal.

Boli sentia muito a falta de minha filha, uivava nas  portas, chorava, queria sua mãe. Morreu muitos anos depois, quando minha filha estava fora do país, e ele com o pai dela. Quando Carla retornou, ele já na UTI, pode apenas acarinhá-lo e dizer que estava ali . Em seguida, suspirou e se foi. Grande tristeza para ela. Sugeri outro. Ao que ela respondeu ‘’Se um filho seu morresse, você adotaria outro pra por no lugar, mãe?’’. Entendi seu luto.

Hoje ela vive no hemisfério norte e levou com ela no avião, e no colo, seu whippet. Volta e meia fotografa e filma raposa, esquilos e coelhos no quintal de sua casa. A filha ecológica cresceu amando os animais. Isso é inalterável e incondicional.

Carla fará aniversário essa semana. Salve, salve, minha filha querida, de quem muito me orgulho.

MENINA

UMA MENINA

A última das cadelas que tivemos em São Paulo era muito graciosa. Filha da TERRA, MENINA era um charme. Sentiu bastante a perda da mãe, voltava aos lugares, cheirava, procurava pela mãe.

Durante um tempo, ficamos com a ESTRELA na garagem e com a MENINA no quintal. Depois da morte da ESTRELA. MENINA reinou soberana.

Mas … chegou LUNA. Filhotinho, abandonada com seus outros irmãos numa caixa na estrada. Na veterinária, todos os machos haviam sido adotados. Restaram LUNA e sua irmã apenas. Tinham problemas de pele, sem pelos nas patas, no rabinho e totalmente negras. Encantamo-nos eu e meu irmão que, de férias, me visitava em São Paulo. Vacinei as duas, vermifuguei, cuidamos da pele, fizemos tudo o que foi recomendado pela veterinária. Tinham uns 3 meses e ainda tomavam leite no pires, sujando tudo, jogando tudo pra fora, umas gracinhas. Meu irmão levou a dele para o Rio e nós fizemos com que MENINA aceitasse, aos poucos, a serelepe LUNA. Conviveram bem.

MENINA, certo tempo depois contraiu sarna negra, demandando tratamento na Faculdade de Veterinária da USP, onde eu a levava semanalmente, fazendo coleta de pele, observando, redimensionando o tratamento oral, tópico, com banhos especiais etc. Foi enfraquecendo, enfraquecendo e morreu.

LUNA sentiu muito sua falta. Mudei de casa 3 vezes em 5 anos, por motivos vários. Depois vim para Minas. Luna já vai fazer 17 anos. Envelheceu, está cega, quase surda, tem pouco olfato e nos últimos dias não consegue fazer suas patinhas traseiras a manterem de pé, arrasta-se. Come, bebe, faz suas necessidades em tapetinho higiênico, deitada.

Vou observar seu estado de saúde por mais um tempo. Talvez tenha que sacrificá-la. Pela primeira vez e pela última vez, uma cadela deixará de viver comigo.

Como tudo na vida. Vamos nos encaminhando para o fim, eu e ela.

Um amigo, recentemente, proferiu o clichê ‘’Tanta criança passando dificuldades pra viver, pelas ruas, e vocês fazendo tudo isso por um cão, como outros, no meu prédio o fazem também’’.  Disse a ele que geralmente quem afirma isso também nada faz por aquelas crianças. Animais são seres vivos. Amar um animal e tratá-lo bem (e, sobretudo, como um animal), faz bem a quem cuida dele, muito mais que ao animal até.

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‘Posso dar carinho?”

“Posso dar carinho?”

Poema e crônicas: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal TheWickedNorth

O que é que há

LUNA

fraca
frágil
não enxerga
não anda
não late
olha docemente
reage docemente
acarinha o espírito
depende da água que lhe dou
depende da insulina que lhe dou
depende da ração-energia que lhe dou
depende dos movimentos que lhe dou
depende do meu olhar
depende do meu sentir
depende do meu gostar
minhas ausências por ramais e caminhos
enfraquecem seu respirar
enfraquecem seu olhar
enfraquecem seu viver

Luna, até quando?
Luna, até sempre.
Se Luna se for, guardarei seu olhar.

VIVENDA DOS OLIVEIRA

no início era o verbo
depois, da ideia à ação
promessas aos pais
promessas de novos tempos
promessas de novos espaços
promessas de recomeços

a delimitação
a semeadura
a conquista de cores e flores
aprender com as mãos
cheirar a terra
sorver o vento na serra
a luz, as luas
cheias
as estrelas de céu límpido
os passarinhos, as maritacas, as cigarras

as bananeiras, seus frutos
os abacateiros, seus frutos
as roseiras, suas flores

aprender com as mãos
mãos que sentem

entregar o terreno
passá-lo em frente
enfrente, novamente
sem os vinte anos mais
enfrente, novamente
ser suco, sumo, bagaço de ideais e de tempos
ser corpo disforme, envelhecido, cansado
em frente, novamente

TRILHAS, RAMAIS, CAMINHOS

uma mulher
como muitas
companheiros de estradas
reconhecem seu valor
querem estar com ela
rasgam vias, rodovias, trilhas, picadas
querem estar com ela
vão ao mar
vão ao bar
vão às serras, aos montes, às pedras
companheiros de estradas
testemunharam o garimpo das pedras
a construção dos castelos-choupanas
repletos de sonhos de ir
repletos de falas e de ações
no caminho de ser e de encontrar

o país no despenhadeiro

uma mulher
como tantas
nas escolhas, nos declínios, nos exílios
uma mulher como tantas
não-caçadora
não-belicosa
não-arrivista
não-insidiosa
não-física apenas
afeto, companhia, compreensão
alegrias, sorrisos, gargalhadas
amor pra encharcar
seres especiais

o país no despenhadeiro

Poesias; Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Biscoito Fino