Violências contra a mulher I

ENSINAMENTOS

“Coloca-te no teu lugar, mulher !
Olha ao redor, o tempo é de imagens, de viço, de gargalhadas.
Coloca-te no teu lugar, mulher !
Aqui só pernas… fininhas
Aqui só seios … durinhos
Aqui só pele clarinha… bronzeada… lustrosa
Coloca-te no teu lugar, mulher !
Aqui só vitrine, só perfume, só novidades …
Coloca-te no teu lugar, mulher !
Briga por teu homem, por teus homens, enfrenta, guerreia !
Enfeita-te, perfuma-te, enfeitiça …
Coloca-te no teu lugar, mulher! “

Setembros,
muitos,
trazem ensinamentos.
Não, não vou por ali.

Minha vereda é de raízes.

Campanha contra as violências contra as mulheres: tomar consciência e não permitir

MAIS UM ANO DE VIDA

Um setembro depois do outro
gargalhadas, risos, sorrisos …

“Acorda, que se foram mais de seis décadas …”
responsabilidade inegável na bagagem
escolhas definitivas na bagagem
ações definitivas na bagagem
Não cabem nela mais arroubos, nem fortuitas ilusões

O tempo urge
A vida urge
A sensibilidade à flor da pele.

Setembros, de décadas em décadas, sempre ofereceram jardins de mudanças.
Florir !

VIOLÊNCIA MORAL
1-”É o capeta”
São 3 da tarde, um carro está estacionado na porta da garagem da casa, obstruindo a saída. Aguarda-se que se retire o automóvel. (Em outras situações semelhantes, a dona da casa, senhora de quase 70 anos, telefona para a autoridade competente, visto que já fazia mais de 24 h que um carro estava ali, como fosse dele a residência e pudesse parar onde quisesse. Sofre represália e ofensas verbais após a chegada do policial de trânsito e a pressão para retirada do carro).
Depois de 3 horas, um homem que parecia ser o dono do auto se aproxima, a senhora pergunta se é dele, responde que é de 1 que está conversando mais para a esquerda, com 2 outros na porta – VAZIA – de 1 deles. A senhora pergunta e pede que retire o carro, que está lá há horas, que da próxima vez que vier fazer uma visita, estacione na frente da casa de quem for visitar. O motorista pede desculpas e sai. O dono da casa, morador, rústico, recalcado por uma fala fanha, e agressivo, diz à senhora. ”ISSO É OU NÃO É O CAPETA? É VELHA, A IDADE FAZ ISSO”, continuando a proferir ofensas morais e psicológicas COVARDES para justificar e acossar quem estava CORRETA. Ela se retira pra evitar o confronto com o machismo explícito. Mora sozinha, sem macho em casa.
2- ”Você tem consciência disso, né?
Namorado acaricia o rosto da namorada jovem e chama a atenção para uma penugem sobre sua boca. Pergunta se ela tem consciência de que ali sua cor de pele é mais escura. Ela responde que é natural ser assim. Ele, insiste, desqualificando-a com aquilo. Mas depois continua usufruindo de seu corpo, normalmente, sem que aquilo fizesse qualquer diferença para ele. (Assim outros o fazem com o peso das suas mulheres, com o formato de seus seios e bunda e muito mais. Valorizam abertamente outras, diminuindo as suas. Contudo, continuam usufruindo de seus corpos). São chamadas de loucas, obsessivas, ciumentas, agressivas … Mulheres de pouca autoestima sofrem, angustiam-se, deprimem-se com muitas dessas atitudes de um machismo estrutural e se submetem a cirurgias estéticas, colorem os cabelos, fazem dietas cruéis … Umas mentem a si mesmas de que o fazem por si mesmas, porque querem, porque se desejam empoderadas etc. no fundo, são produtos do mesmo machismo estrutural que ignoram ou até repudiam.

Violência não é só a física não.

PRESENTES
Quem me sabe percorre meus gostos e sabores do meu jeito
Quem me sabe me enfeita de gestos singelos, significativos, majestosos
Quem me sabe me recheia de mimos a alma, com fragrâncias insubstituíveis
Quem me sabe me presenteia
diariamente
episodicamente
emergencialmente.
Quem me sabe me leva ao céu com um sinal
Quem me sabe entende meus ritos, meus riscos, meus gritos.
Quem me sabe está.

Leia também: 

”Violências contra a mulher II”

Violências contra a mulher II

”Violências contra a mulher III”

Violências contra a mulher III

Poesias e texto: Odonir Oliveira

Vídeos:

1- Canal GNT

2- Canal Biscoito Fino

Terra, vento, caminho

Deu que já era dia claro, e meu casal musical favorito veio dar uma de galo e acordar meu amanhecer. Não deu outra, subi na charrete e me fui na garupa deles, ouvindo foi é coisa boa na viola.

ROAD MOVIE
Roda olho
Move olho
Para olho
Passa boi passa boiada
Quem moraria naquela casinha
Quem cuidaria daquela vaquinha
Quem levaria as crianças pra escolinha
Passa boi passa boiada
Passa eucalipto ingazeiro indaiá figueira
Roda olho
Move olho
Para olho
Passa boi passa boiada
Quem moraria naquela cabaninha
Quem cuidaria daquela mocinha
Quem revelaria suas dores e seus encantos
Passa pedra pedregulho rocha
Velocidade
a estrada ferve
longa
corre contra o tempo
Roda olho
Move olho
Para olho
Passa boi passa boiada
Quem moraria ali atrás daquela cerca
Quem cuidaria daquele touceiral
Quem levaria a estrada consigo
Para bem mais longe
Bem mais longe
Arlequinal !

HOUVE UM TEMPO

Houve um tempo em que uma imagem
valia mais que mil palavras.
Que tempo era esse?

Troco imagens por palavras,
que as imagino ricas
fortes
doces
repletas de signos
tempos e espaços.

Quem fará a ponte?
Quem levará a atravessar os rios
as correntezas
as cachoeiras
as estradas?

Um ouvido que nina as manhãs
com melodias do hoje
do ontem
do amanhã.

Quem amanhecerá
entardecerá e
anoitecerá
nos caminhos
a recolher flores do campo
versos espalhados pelas ruas
melodias emoldurando paisagens?

Ele fará a ponte.
Ele será a ponte.
Ele encontrará a ponte.

OFERECIMENTO
Ofereço-te a água dessa lagoa
Para beberes tuas imagens
Ofereço-te a luz desse céu
Para tuas telas de muitos tons
Ofereço-te essas areias macias
Para mergulhares teus pés
Ofereço-te um barco quase morto
Para o reavivares e chegares ao infinito
Ofereço-te essa flor
Para encantares sentimentos
Ofereço-te um poema
Para fazeres com ele o que quiseres.

TUDO ALI
Despacho, macumba, ebó,
feitiço, mandinga, mironga,
ziriguidum e catimbó.
Quem teria estado ali
por uma amor perdido,
uma marido evadido,
um caso impedido?
Seria mágoa,
inveja
desengano
traição
ódio?
Quem, ao gargalhar dos espíritos,
confiou tamanha amofinação?
Era dele,
era dela
era deles?
Sagrado
profano
confiança
proteção.
Eia, meu pai!

(O álbum que dá nome ao post)

SOPRO DE MORTE
Morre-se em vida
Vive-se morrendo
O tempo é um vento
O vento é um sopro
A vida é um verso
Mas em que ritmo ?

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Música de Interior

2- Canal Música Boa

O mundo é dos jovens

AVISO AOS NAVEGANTES: Cantores mais velhos entendem o movimento dos barcos e das marés, resgatam canções de grupos mais populares e as recriam. Caetano Veloso fez isso com canções do passado; hoje são eles, os baianos, esses cantores mais velhos que reapresentam de novo o novo (E claro, não só eles.)

(Recriação de Marília Mendonça)
(Recriação do grupo Psirico)

Vídeos: Canal Biscoito Fino

Eu, leitora

AVISO AOS NAVEGANTES: Quanto mais a gente souber beber de versos alheios, de boas letras, do bom senso e bom gosto, maior será a nossa autoria. Água de boas fontes nos purificam, nos refrescam, nos fazem recriar o já criado – com as nossas cores, as nossas dores e os nossos perfumes. Bebam os versos de outros poetas.

ANEDOTA BÚLGARA
Carlos Drummond de Andrade

Era uma vez um czar naturalista
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também se caçam
[borboletas, e andorinhas,
Ficou muito espantado
e achou uma barbaridade.
( Em Alguma Poesia)

POLÍTICA LITERÁRIA
A Manuel Bandeira

O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.

Enquanto isso o poeta federal.
tira ouro do nariz.

Meninos carvoeiros
Manuel Bandeira

Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
— Eh, carvoero!
E vão tocando os animais com um relho enorme.

Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.
(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe, dobrando-se com um gemido.)

— Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles…
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!
— Eh, carvoero!

Poema só para Jaime Ovalle
Manuel Bandeira

Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei,
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando…
– Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.

DESCOBRIMENTO
Mário de Andrade

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu.

Moda do brigadeiro
Mário de Andrade (1927)

O brigadeiro Jordão
Possuiu êstes latifundios
Dos quais o metro quadrado
Vale hoje uns nove milreis.
Puxa! Que homem felizardo
O brigadeiro Jordão!…
Tinha casa tinha pão,
Roupa lavada e engomada
E terras…Qual terras! mundos
De pastos e pinheirais!
Que troças em perspectiva…
Nem pensava em serrarias
Nem fundava sanatórios
Nem gado apascentaria!
Vendia tudo por oito
E com a bolada no bolso
Ia no largo do Arouche
Comprar aquelas pequenas
Que moram numa pensão!

Mas não são minhas as terras do brigadeiro Jordão…

Não há vagas
Ferreira Gullar

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira.

Poema Brasileiro
Ferreira Gullar – (1962)

No Piauí de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade
No Piauí
de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade
No Piauí
de cada 100 crianças
que nascem
78 morrem
antes
de completar
8 anos de idade
Antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade

Meu povo, meu poema
Ferreira Gullar

Meu povo e meu poema crescem juntos
como cresce no fruto
a árvore nova

No povo meu poema vai nascendo
como no canavial
nasce verde o açúcar

No povo meu poema está maduro
como o sol
na garganta do futuro

Meu povo em meu poema
se reflete
como a espiga se funde em terra fértil

Ao povo seu poema aqui devolvo
menos como quem canta
do que planta

Recado aos amigos distantes
Cecilia Meireles

Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.

Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.

Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.

Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.

Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.

Pus o meu sonho num navio
Cecília Meireles

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
– depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

A formalística
Adélia Prado

O poeta cerebral tomou café sem açúcar
e foi pro gabinete concentrar-se.
Seu lápis é um bisturi
que ele afia na pedra,
na pedra calcinada das palavras,
imagem que elegeu porque ama a dificuldade,
o efeito respeitoso que produz
seu trato com o dicionário.
Faz três horas que já estuma as musas.
O dia arde. Seu prepúcio coça.

Janela
Adélia Prado

Janela, palavra linda.
Janela é o bater das asas da borboleta amarela.
Abre pra fora as duas folhas de madeira à-toa pintada,
janela jeca, de azul.
Eu pulo você pra dentro e pra fora, monto a cavalo em você,
meu pé esbarra no chão. Janela sobre o mundo aberta, por onde vi
o casamento da Anita esperando neném, a mãe
do Pedro Cisterna urinando na chuva, por onde vi
meu bem chegar de bicicleta e dizer a meu pai:
minhas intenções com sua filha são as melhores possíveis.
Ô janela com tramela, brincadeira de ladrão,
claraboia na minha alma,
olho no meu coração.

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”Aboio, venham meus poetas, venham”

Aboio: venham meus poetas, venham

Imagens retiradas da Internet

Vídeo: Canal Odonir Oliveira

Itamar, ita mais …

Último álbum lançado em vida por Itamar, Pretobrás saiu em 1998 pelo selo Atração Fonográfica. Planejado como parte de uma trilogia, os dois álbuns seguintes foram lançados postumamente pelo selo Sesc.

Faixas:
01. 00:00 Cultura Lira paulistana
02. 05:36 Abobrinhas não
03. 07:59 Vá cuidar da sua vida
04. 12:04 Pretobrás
05. 16:07 Extraordinário
06. 17:11 Vida de artista
07. 20:52 Dor elegante
08. 24:20 Pöltinglen
09. 27:03 Vou de vai-vai
10. 31:09 Por que eu não pensei nisso antes
11. 36:28 Apaixonite aguda
12. 37:43 Já Que Tem Que
13. 41:03 Outras Capitais
14. 46:14 Ich Iiebe Dich
15. 48:44 Elke Maravilha
16. 50:35 Olho no Olho
17. 54:10 Reengenharia
18. 57:50 Pesadelo
19. 01:01:13 Amigo Arrigo
20. 01:02:18 Deus Te Preteje
21. 01:06:49 Queiram ou Não Queiram

Tua Boca

A tua boca me dá água na boca
Que vontade de grudar uma na outra
E sugar bem devagar
Gota por gota
Beija-flor beijando a flor
Ou borboleta

A tua boca me dá água na boca
Ai que vontade de rasgar a nossa roupa
Vamos pra qualquer lugar
Praquela gruta
Pra qualquer quarto de hotel
Praquela moita

A tua boca me dá água na boca
Ai que vontade de gritar
É uma bomba
Acho que vai rebentar, desgraça pouca
Azar eu vou me matar na tua boca

Azar eu vou me matar na tua boca
Azar eu vou te matar na minha boca
Azar eu vou me matar na tua boca
Azar eu vou te matar na minha boca
Azar eu vou me matar na tua boca
Azar eu vou te matar na minha boca

AVISO AOS NAVEGANTES: Quanto mais a gente souber beber de versos alheios, de boas letras, do bom senso e bom gosto, maior será a nossa autoria. Água de boas fontes nos purificam, nos refrescam, nos fazem recriar o já criado – com as nossas cores, as nossas dores e os nossos perfumes. Bebam os versos de Itamar Assunção, lentamente, saboreando …

Vídeos:

1- Canal janos6675

2- Canal Paola Schroeder

Gerações apaixonadas

1977

NOSSA CONTINUIDADE
Sabes tu de minhas dúvidas
sabes tu de minhas dádivas
sabes tu de minhas dívidas
Conheces minhas restrições?
conheces minhas prescrições?
conheces minhas limitações?
Valorizas o que é de meu?
valorizas a nossa intimidade?
valorizas as nossas identidades?
Sentes o que tenho para te dar?
sentes meus olhos nos teus?
sentes minhas mãos na tua pele?
Reconheces a nossa complexidade?
reconheces os nossos beijos?
reconheces as nossas peles interiores?
Então é porque tu me amas
assim quanto eu te amo.

NOITES DE SOL E MAR

Foi, foram àquela discoteca na Ilha. Dançaram todos os corpos de si. Os Bee Gees embalavam os ritmos externos e internos. Tesão enorme de vida ! Uma vontade de não beber aquele uísque de garrafa com fita métrica mais. Uma vontade de não beber aquela caipirinha geladíssima mais. Dançaram a madrugada inteira. Um corpo, outro corpo, o ritual do viver em si mesmos. Sós. O bar precisava fechar, os garçons precisavam dormir. Eles não.

No domingo, deixou na portaria do prédio dele (o porteiro já era um amigão a essa altura dos dias) uma fita cassete com uma seleção de canções (”matadoras”) de amor, cor e tesão. Não escreveu sequer um cartão, não desenhou sequer um símbolo. Apenas, canções. Haveria de ouvir a caminho do trabalho, na volta na serra, haveria de ouvi-la no seu RoadStar.

2020

NA REDE, NAS REDES

Na rede da varanda do apartamento em São Sebastião, Carol tuíta umas palavras. No Insta posta umas canções e umas fotos da praia. Será que o Mau vai ver, será que vai ler … não sabe. Não quer mandar zap nenhum, quer trombar com ele no show da praia à noite e aí … Mas e se não encontrar. Sabe que está por ali, talvez em Ubatuba, Ilha Bela, talvez tenha ido pra Cananeia.

Posta mais uma música no Insta, mais umas fotos, deixa pistas, fala do show da noite, cita a galera que vai estar com ela. Deixa senhas e espera. Fala que está alegre, esperando por uma noite phoda, conta que o esquenta já deixou todo mundo mais que loko.

Escreve de forma abreviada, mais que aquela normal, ninguém entende nada. Perguntam o que é aquilo. Não responde. Crê que o Mau tenha lido, tenha entendido, tenha atendido. Espera trombar com ele.

Poesia e texto: Odonir Oliveira

Imagens da Internet

Foto de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Du Rango

2- Canal Zeca Baleiro

3- Canal Céu (Oficial)

4- 5 e 6: Canal Mariana Aydar

Parcerias nascidas … de diversas maneiras

Os poemas
Mário Quintana

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…

Mario Quintana, Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar. 2005. p. 469.

PARCERIAS E CUMPLICIDADES

1.

Era o ano de 1999, quando fui convidada por um jovem professor de ensino fundamental, egresso da faculdade, a ir conhecer um grupo de amigos dele que haviam saído de cursos da USP e da PUC, em São Paulo, e que não queriam se separar mais, acontecesse o que acontecesse. Quis saber no que aquilo tinha a ver comigo e por que deveria ir até a zona leste, mesmo sem saber direito como chegar lá, e conhecer aqueles amigos dele. Garantiu-me que me ensinaria os caminhos e que tinha certeza de que eu gostaria. Adiantou-me apenas tratar-se de algo ligado à escrita, à literatura. O combinado era levar algum prato salgado ou doce, uma bebida e participar. Fui e levei meu filho de 10 anos conosco.

Chegando lá, me senti com vinte e poucos anos. Era uma gente alegre, uns 20 talvez. Era sempre o mesmo grupo, vez ou outra um convidado. Parecia tratar-se de uma sessão de mesa branca, espírita, uma corrente de oração, uma novena, não sei. Mas era de letras que falavam, era de letras que se embebiam. Escreviam durante o período anterior, enviavam por e-mail para os outros os seus escritos e ali faziam uma verdadeira tertúlia. Ocorre que uns liam os poemas, as crônicas escritas pelos outros, nunca as suas mesmas. QUE LINDO ! Era troca completa, era fruição de escrita e leitura na veia. AMEI AQUILO TUDO. Eu era a professora de língua e literatura quase aos 50, aprendendo com gente do BEM. Depois discutiam os escritos, faziam críticas, avaliavam-se em seus avanços, riam, cantavam, dançavam. Meu filhote adorou aquilo. Quando tudo acabou, quase à meia-noite, fomos embora, deixamos meu jovem amigo em sua casa e não parávamos de comentar sobre aquilo de que havíamos participado. Tinha sido LINDO mesmo.

2.

Nos anos de 2004 a 2007, ministrei cursos de atualização gramatical em empresas que me contratavam para tal. Estava aposentada das salas de aula e fazia esse trabalho. Geralmente eram engenheiros, advogados, economistas, administradores e até jornalistas os alunos. De pronto, os jornalistas eram os que mais faltavam às aulas no Estadão, por exemplo. Surgia-lhes uma pauta de emergência, ou era um fechamento urgente e aí …

Fui contratada pela Abiquim para ministrar essas aulas e lá permaneci por 3 anos. Em princípio seriam apenas por 6 meses, mas aí … as aulas aconteciam em horário de almoço, semanalmente. Os engenheiros químicos, economistas, administradores cediam uma hora de seu almoço e a Abiquim mais uma hora, 2 horas de aulas semanalmente, portanto. Decidi que as aulas NÃO poderiam ser ”gramatiqueiras” apenas, partiriam de textos, de canções, de poemas, tornando a gramática elemento da língua, logo, viva, eficiente e prazerosa. Eles adoravam. (A Direção, algumas vezes me questionava ”Vamos ensinar gramática, Odonir. Eles precisam disso”. Eu argumentava, explicitava e sobretudo comprovava a aceitação das aulas com a assiduidade, as avaliações das aulas etc. Acabavam acatando). Fato é que tudo isso escorreu para fora da Abiquim.

Um aluno, químico, que depois vim saber era genro de Marilena Chauí, passou a escrever muito. Meses mais tarde encontrei-o em um lançamento do livro de sua esposa, psicóloga, fui apresentada então à Marilena, que me agradeceu muito dizendo-me ”Você não tem ideia do bem que suas aulas fizeram ao Clóvis. Muito obrigada”. Ficamos todos amigos. Fui à festa de 50 anos dele com meu filho (nas nuvens, por estar sendo servido pela autora dos livros de filosofia que lia).

Outro aluno, economista, me procurou pois havia sido convidado a fazer parte de um grupo de 6 novos escritores em um site ou blog (não me recordo), chamado ”Sete Graus de Separação” e estava em dúvida, pois não se achava muito capaz de dar conta daquilo. Cada um deles escreveria em um dia da semana. Estimulei-o a criar, fosse que gênero fosse: uma receita, um texto epistolar, um ensaio, uma crítica a um filme assistido, escrevesse sobre o real vivido. Foi, aceitou, criou. Durante meses os acompanhei pela Internet. Lindezas, grama a grama.

3.

Antes de criar esse blog POESIAS DE MÃOS QUE SENTEM, (em dezembro de 2015), tive um blog no GGN. Lá pude estabelecer uma parceria com um canal do Youtube, hoje já inexistente, mas que me forneceu muita emoção estética. Muitos dos poemas que se leem aqui nasceram de pequenos vídeos sobre rios, lagos, lagoas, árvores, aos quais eu assistia naquele referido canal. Aqui:

Ainda hoje, canais como Chico Abelha, Música de Interior e outros que retratam as verdadeiras raízes dos homens e mulheres da roça me ”provocam” escrever.

Sobre o tema: SEIS GRAUS DE SEPARAÇÃO

teoria dos seis graus de separação originou-se a partir de um estudo científico desenvolvido pelo psicólogo Stanley Milgram, que criou a teoria de que, no mundo, são necessários no máximo seis laços de amizade para que duas pessoas quaisquer estejam ligadas. No estudo, feito nos Estados Unidos, buscou-se, através do envio de cartas, identificar o números de laços de conhecimento pessoal existente entre duas pessoas quaisquer. Cada pessoa recebia uma carta identificando a pessoa alvo e deveria enviar uma nova carta para a pessoa identificada, caso a conhecesse, ou para uma pessoa qualquer de suas relações que tivesse maior chance de conhecer a pessoa alvo. A pessoa alvo, ao receber a carta, deveria enviar uma carta para os responsáveis pelo estudo.

A popularidade da crença no fato de que o número máximo de passos entre duas pessoas é 6 (seis) gerou, em 1990, uma peça de nome Six Degrees of Separation, de John Guare . (Fonte: Wikipédia)

EDUCAR É SEMEAR.

Leia também:

DEDICATÓRIA: No ano de 2007, morreram no terrível desastre aéreo da TAM, Guilherme Moraes, vice-presidente da Abiquim e Marta Almeida, Farmacêutica e Diretora-adjunta para Assuntos Regulatórios da Associação Brasileira da Indústria Química Abiquim, retornando de uma reunião em Porto Alegre. Marta era mineira, estava se aposentando e me contara, ao final de uma aula, meses antes, que queria ir viver em Minas, de maneira bastante simples.

Salve São Cosme e São Damião !

Texto: Odonir Oliveira

Vídeo: Facebook

Flores de Florbela Espanca

BAÚ FLORIDO
Tempos que vão
tempos que vêm
tempos que se guardam em baús de flores.
Quando as estações são sem flores,
abrem-se as histórias, perfuma-se o ar com elas de novo,
sorvem-se horas, dias, meses, anos encantados.
Depois, fecha-se o baú e segue-se
porque aquela bagagem estava repleta de fragrâncias.

Leia aqui no blog:

”Flor bela, Florbela”

Flor bela, Florbela

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos: Canal Mundo Dos Poemas

Canal Odonir Oliveira

”Socorro, me ajudem!”

VIRTUDES
Pode o homem ser bom?
Pode o homem ser virtuoso
sem ser plausível de risos e deboches?
Pode o homem transitar pelo bem
com a sua essência natural
sem necessidade de escamoteações?
Pode o homem seguir seu instinto natural
sendo solidário, amistoso, digno?
Pode o homem afirmar seu âmago
repleto de compaixão e amorosidade?
Pode o homem distinguir-se por ser íntegro e incomum?

Recebo notícia de mais uma morte de jovem – 22 anos – não suportou o mal que o cercava, diariamente. Outro, 8 anos atrás, neto de um primo, 14 anos, enforcou-se no quarto com a faixa do judô, no interior de SP.

Composição Fotográfica Com Formas Geométricas em P&B – © Alan Schaller

Durante anos em salas de aulas, em reuniões com pais de alunos, coordenadores, depois ainda ministrando cursos para professores por vários estados do país, pude ter uma fotografia do ato de EDUCAR. É claro, que já faz mais de 17 anos que abdiquei de ensinar, de educar de maneira formal. Desisti disso. Hoje, ainda, quando me solicitam a fazer palestras aqui em MG, em SP, declino. Não acredito mais nesse tipo de educaçãozinha apostilada, esquematizada, pasteurizada que atende a interesses comerciais. Portanto, me excluam disso tudo.

Convivi por anos com pais que, solicitados a agir, a interferir na EDUCAÇÃO de seus filhos, os justificavam afirmando ”Também fui terrível, roubei a bandeira do Brasil do mastro da escola, matei muita aula, fumei no banheiro da escola, coloquei bomba na secretaria da escola, sei o que é isso; essa juventude, sabe como é, né”. Quando se chamava a mãe, psicóloga, por exemplo, ouvia-se ‘‘Ah, mas ela está na idade de só querer pensar em namorar mesmo; eu era assim, minhas amigas também; é difícil reprimir isso, né. Natural da idade”. Quando o tema eram as bebidas e a maconha, ouvia-se ”Não, ele nem tem dinheiro pra comprar drogas, é um rapaz doce, afetivo com todos, isso não pode ser verdade”,”Ah, mas quem nunca caiu de bêbado por aí, vomitou até a alma na ressaca; eu era assim como ele, vivia bêbado, já contei a ele”. Ou ainda ”Bebeu na viagem da escola? Vou falar com ele. Mas sabe, isso é normal, né”.

Em escolas públicas, constatei relatos de crianças e adolescentes, alunos de colegas, que não tinham podido entrar em casa, tomar banho, jantar, trocar de roupa, fazer as lições porque a mãe estava recebendo ”clientes” ali. Outros, sofriam os mesmos dramáticos problemas por terem que carregar, pelos braços, pais alcoólicos pelas ruas, cuidar deles em casa e ainda os verem espancando suas mães, seus irmãos.

Não se faz apologia de bebidas alcoólicas impunemente. Quando mais tarde … lembrem-se de suas posturas anteriores, de seus exemplos aos filhos. É óbvio que isso não será regra, mas apenas lembrem-se antes.

Educar é DAR BONS EXEMPLOS. Não que pais e professores tenham que ser perfeitos, mas devem se preocupar com sua função de EDUCAR. Cuidar de seu papel natural ou profissional de educadores. Afinal, os ADULTOS são eles e não seus filhos ou seus alunos. Limites são parâmetros para qualquer ser vivo. Dar limites, se importar com eles é prova de AMOR. Só se liberta aquele que teve limites antes.

Depois, no coletivo, há os que só conseguem se importar consigo mesmos. Por extensão, com seus familiares, assim, quando algo inesperado acontece, pensam somente em como serão atingidos por aquela mudança, o quanto aquilo os afetará em suas vidas. Caso contrário, estando resguardados, protegidos em alguma bolha, em alguma redoma, em algum abrigo antiaéreo, não são capazes de enxergar o mecanismo de comutação que fatalmente ocorrerá. “Na falta de farinha, meu pirão primeiro”. ”Vou puxar a brasa pra minha sardinha” . E isso acontece, de forma tão profundamente arraigada, que parece ser até inconsciente. No máximo, ouve-se um discurso de solidariedade, mas é só. E bom será se a fome estiver acontecendo bem distante, se o policial pisar na garganta de um negro nos EUA, se a guerra eclodir bem longe … nada que obrigue a refletir, a tocar com as mãos o problema.

Sempre me incomodou muito qualquer injustiça, as diferenças sociais sempre me tocaram muito. Na minha área de atuação profissional e pessoal acolhi dores e misérias. Aprendi com outros que me ensinaram a ser assim. E fui eu a beneficiária desse bem, muito mais do que aqueles a quem acudi.

Mas a vida precisa ser vivida. De verdade. Não apenas no discurso.

COMUNHÃO
bebe verso
come letra
sorve número
mastiga a história
namora a ciência
acorda com a geografia
aprecia a letra e a música
desenha a geometria dos sons e dos signos
encanta-te com as descobertas todas os dias
porque todo dia tem um futuro novo pra você.

Leia aqui no blog:

”Virtualmente”

Virtualmente

Texto e poesias: Odonir Oliveira

Imagens retiradas da Internet

Vídeo: Canal Legião Urbana

África, me perdoe !

LUGAR NA FALA
venho requerer lugar
busco gritar e revelar
quero minha fala no lugar
não calo a crueldades
históricas
servis
cruéis
não calo a dominações
selvagens
feitoras
senhoris
não aceito discriminações
no espaço
no tempo
nas cores
rebelo-me em luta
contra as finezas hipócritas
contra os discursos de salas de estar
contra as garras encolhidas nas patas
de vilões senhores
de vilões feitores
de vilões capitães do mato
estruturalmente
camufladamente
eternamente

LIÇÕES DIÁRIAS
pele nariz aroma
pelos poucos
voz sublime
vez sublime
sublime tom
sublime tato
sublime fato
boca forte
lábios fortes
voz forte
traços tantos
marcos tantos
marcas tantas
força braços
força laços
força espaços
força lança
força trança
força corrente
saga luta
corpo em luta
segue

REPARAÇÃO DE DANOS
sou eu que lhe ofereço
o que lhe é de direito
sua chance de trabalho
sua vaga de emprego
seu estudo e leitura
sua colocação
sou eu que lhe devolvo
as suas idas e vindas naturais
os seus percursos nas vias
as suas estradas a seguir
sou eu que lhe entrego
as cotas de espaços
as cotas de tempos
as cotas de rumos
sou eu que lhe peço
perdão pela história
perdão pelas marcas na pele
perdão pela carne tatuada
por todo o sempre
faço isso por mim
faço isso por todos

Reivindico meu lugar de fala, aprendendo mais sobre todas as questões que dizem respeito aos pretos – como preferem ser chamados – sendo ciente de tudo que ocorreu e continua ocorrendo com eles. Quero ter fala também.

Leia também aqui:

”Nós, todos negros brasileiros”

Nós, todos negros brasileiros…

”Eunice, a rosa negra”

Eunice, rosa negra

Poesias: Odonir Oliveira

Vídeos:

1- Canal francisco

2- Canal Milton Nascimento