INFINITO
VIAGENS
Na plataforma, de partida, Marta esperava em si
Enquanto espera viaja seu mundo em cada dormente, em cada vagão,
em cada trilho.
Suspira.
Enquanto espera toma a decisão.
Tenta voltar atrás, ir ao encontro dos amigos. Quer desistir.
Assim o faz.
Mas no dia seguinte lá estava ela de volta na estação vazia.
E dessa vez não desistiria.
No instante de entregar-se ao vagão, quase um fetiche em si, olha o desembarque e de novo quer fugir, quer deixar de viver o que precisa viver, o que merece viver.
Recua. Espera.
Não ainda.
“Não subo no vagão.
E se não for o vagão que busco”.
Volta bovinamente ao hotel, entrega-se ao quarto vazio e chora.
Chora copiosamente a dor da falta de coragem da entrega, do passo seguinte no estribo do trem, da angústia de não querer-se entregue, abandonada ao ritmo do trem.
Recolhe-se.
Bebe três quatro, cinco caipirinhas de vodca e mergulha seus passos solitários pelas ruas, antes que escureça, antes que anoiteça de novo em si.
É um poço de lágrimas vertido pela auto- estrada, pela ponte, pelos canteiros, pelo gramado.
Atravessa ruas perigosas, que nada há de lhe fazer mais mal do que não ter entrado naquele trem.
Volta ao hotel e sangra.
Sangra sua amargura, suas lembranças de vidas passadas nessa vida mesma.
Sangra setembros e outubros de ontem, hoje e sempre.
Lembra dos versos do amigo ” Amor deixa marcas no pescoço e no travesseiro'”
De álcool e lirismo reconhece-se fraca, vazia e estéril de palavras. Não consegue emitir um som além do apito de um trem. E eles não param de apitar noite e dia em seu sentimento.
Trem imagem recorrente quando acordada, quando dormindo.
Dorme e sonha com um trem. De carga. Um sonho curto. Pobre. Sem visão panorâmica. Um trem pobre. É isso. Pobre.
Esse não pode ser o meu trem. O trem é o meu céu, lembra.
Na tarde seguinte, a plataforma.
Quantas mais teria ela que adentrar, quase consumar a ida e … voltar para trás. Quantas vezes ainda?
Dessa vez iria em frente, fosse o que fosse.
Precisava encontrar-se em seu trem.Não recuaria mais.
Aguardou ali sentada morrendo de medo de o trem dessa vez atrasar, não aparecer, não haver lugar mais para ela, que entendia tantas vezes ter desistido, que talvez não merecesse mais aquele embarque.
Repleta de prazer e gozo … penetrou no trem. E contemplou-o inteiro. Fascinação ao tocar em cada parte dele ali naquela primeira vez.
O êxtase da viagem foi tão incandescente que o trem deixou pela janela, aos poucos , ao longe, aos poucos, ao longe, ao longe, aos poucos outras imagens que iam ficando cada vez mais distantes, distantes, distantes.
Totalmente para trás.
OFERECIMENTO
VERSÕES, TRANSGRESSÕES …
NOITE
Sei que é noite
porque de vento
e de ondas
os coqueiros respondem aos sinais.
Sei que é noite
porque ali
ficamos só nós dois
sem que nos percebessem,
que parecíamos
invisíveis.
Em simbiose de esperas
Em sussurros de combinações
Em movimentos de contemplações.
Sei que é noite
porque em meu corpo
sinto a noite
assim em todos os seus sinais.
VERTIGEM
Odonir Oliveira
Deu que naquela noite o eletricista tocou a campainha às sete.
Esquecera ela que o chamara para uma conserto urgente, logo pela manhã.
Ao abrir a porta, já meio lá meio cá, que bebera uns bons 2 copos de vinho tinto forte, surpreendeu-se: não era o cavaleiro das matas que viera com seu cavalo levá-la embora para aquela nuvem? Estaria bêbada então?
Olhou para o homem decepcionada, abriu a porta e encaminhou-o quase sem palavras ao serviço a executar.
Ele começou.
Enquanto isso, voltou para sua ágora diária a discutir cidadania com cidadãos gregos por uma Paidéia imaginária.
O homem lá, entre fios, chaves de fenda, alicates, desfazendo e refazendo um circuito inteiro.
Em lua sobre lá que signo, a mulher aguardava lá e cá pela finalização do conserto e de um concerto, que ora ouvia também.
Foram assim, um com seus fios reparando a energia, e outra, com outros fios, tecendo as suas energias vitais.
Dado um tempo, encaminhou-se ele a ágora da mulher e reparou no que esta ouvia ali, no que via ali, no que lia ali.
Deslumbrado com aquilo tudo, que era homem simples – rude não – perguntou-lhe “ Quem fez isso que a senhora está vendo e ouvindo aí na tela?” Respondeu do que se tratava, quem fizera, como fizera e quando, explicando-lhe em mínimos detalhes.
– Meu Deus, mas isso é muito lindo. Uma pessoa pra fazer uma coisa bonita dessas tem que ter muito tempo, né. Nem deve precisar trabalhar pra sustentar uma casa. Porque a senhora sabe, a gente acha tudo isso muito bonito, mas não tem tempo de ver nada disso acontecendo. A gente nem sabe que isso existe. A senhora é que é feliz.
“Sou mesmo, seu Inácio” – respondeu ela ao eletricista.
Pagou-lhe o serviço. Ele se foi. Mas pagou bem pouco ! Porque naquela noite, assim tão singelamente, ele havia dado a ela um dos mais belos presentes de sua vida.
Ele lhe entregara de volta a sua FELICIDADE!
AGRADECIMENTO
ODE
Ó céu,
que rebelde,
assumes todas as dores da terra
retorces a auréola da luz primeira
tornando-a última,
como se com isso
punisses todos os homens
por erros culpas desvios.
Ó céu,
que punes a claridade do dia
enrubescendo-a em sua moldura
escancarando-a com carrancas soturnas
para poder dela por fim se livrar.
Ó céu,
que queres,
se quanto mais duro te tornas
mais doce e lírico
te esbanjas
aos que te contemplam?
Que desejas, ó céu,
com fascinante beleza,
que por minutos,
liquida-nos,
arrebata-nos
como num golpe fatal.
SÁBADO É BOM
FRUTO DO MEU VENTRE
Poesias: Odonir Oliveira
Fotos de arquivo pessoal
Vídeos: Canal Odonir Oliveira