Virtualmente sempre

Cara & coragem

CARA
Pisar a grama molhada
sentir nos dedos os verdes
encharcados de chuva
manter-se firme
evitando escorregadelas fatais
caminhar vagarosamente
apoiar-se em galhos firmes
sentar-se à sombra
ouvir o vento
sorver perfumes nos ares
deliciar-se com sabores novos
esticar-se na grama molhada
mirar-se no espelho das águas
um rosto,
uma jornada,
um tempo.

CORAGEM
Tomar o timoneiro de si
Ventos a leste
Ventos a oeste
Argonauta madura
Maruja maturada
em tonéis de carvalho
em tonéis de machado
em tonéis de rasera
Oliveira firme,
raízes portentosas,
Ventos ao norte
Ventos ao sul
Sem rumo certo
Velas incertas de ventos muitos.
Espada, escudo, armadura
deitados ao chão.
Peito exposto a tiros de canhão
mares afora
mares a dentro.
Chegadas e partidas
praias desertas
conchas e pedras
luas e estrelas.
Coragem.

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal GREEN VERDE

Leio poetas diariamente

A CORAGEM DE SE DESNUDAR PUBLICAMENTE – Tenho me encantado com poemas de amor de jovens que não se envergonham de expor suas mazelas de amor, suas fraquezas, suas incongruências e se desnudam a cada verso, mostrando cada parte de sua alma, de seu eu – que poderia estar disfarçado, camuflado, envolto e preservado daquelas paixões. Estão ali em versos e estrofes completamente nus. Na metáfora do lirismo, divago e lhes imagino os corpos nus em praça pública, com suas imperfeições, suas marcas e cicatrizes expostas. Estão sem pejo, em pele e pelos, assim se atirando aos despenhadeiros, às críticas, aos menosprezos e desprezos alheios. Quanta coragem! O que se diz entre quatro paredes ao ser amado, o que se confessa de joelhos a este alguém, o que se derrama em noites insones e lágrimas no travesseiro … tudo se apresenta, sem reservas, integralmente aos versos. Quanta coragem! Quem já se viu diminuído, rejeitado, regurgitado, incinerado, com mãos estendidas pingando amor não tem esse desprendimento, essa valentia, esse heroísmo. É preciso ter muita bravura, muita ousadia, muita audácia para se deixar ler em verso e prosa assim. Quanta coragem!

o eunuco, por Luk Ank

há muito que não te vejo
nem silêncio enrustido
nem prévia de beijo
nem tédio entretido
nem roto desejo

queria saber
se mudou
de religião
se viajou
para o inferno
se aprendeu
latim
se esqueceu
de fato
de mim

queria saber
se encontrou
o amor
além
do
cinismo
se descobriu
algo mais
intenso
que o meu
escapismo

por fim
antes
do mar
me levar
para perto
das pedras
pontiagudas
da solidão
só queria
saber
o que
não
se diz

onde
diabos
te perdi
nas marés
de dias
imperfeitos
e-mails
em solilóquio
e pequenos
apelidos
infantis

o vácuo, por Luk Ank

não entendo
como posso
querer
estar
dentro
através
permeado
e
além
da
sua
essência

e não estar
dói
arde
mutila
arranca
risos
nervosos
e
histéricos
da
minha
bochecha
fúnebre

somos
estranhos
que
se
odeiam
por
não
se
completarem

somos
fardos
pesados
passados
e
ressentidos
na leve
inércia
da
incompletude

Poesias: Blog “A ARTE QUE REPELE – LUK ANK.

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Kuarup Produtora

2- Canal Cida Moreira – Tema

Mais um… foto-biografia

CIRANDA, CIRANDINHA
-Venha, lhe dou a mão, venha
-Isso, eu a acompanho, protejo, oriento
-Assim, coragem, vá, faça, siga
-Tente, arrisque, observe, aprenda, ensine
-Agora ou depois, ame, entregue-se ao amor, confie
-Nesse momento, tenha firmeza, força, acolha esses chorinhos
-Encante-se com seu ofício, ensine a ensinar
-Colha flores e frutos, semeie sonhos
-Caiu, coragem, levante, siga.
-De novo, aventure-se, novas rotas, novos rumos, vá
-Ao cair de novo, levante-se, aprume seu olhar, confie
-Eu trouxe você de mãos dadas até aqui
-Agora, voe!

Quando ouvi, dias atrás, essa maravilha do Rafael, logo me atrevi a guardá-la para hoje ouvi-la aqui. Presente, presentes.
Imagem retirada da Internet

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Música de Interior

Louvações a Guimarães Rosa

Chamei os seresteiros, em verso e prosa, para compor o cenário.

Tristão de Athayde escreve sobre João Guimarães Rosa
Manuel Bandeira: ”ROSA DOS SEUS E DOS OUTROS/ ROSA DA GENTE E DO MUNDO,/ ROSA DE INTENSA POESIA/ DE FINO OLOR SEM SEGUNDO;/ ROSA DO RIO E DA RUA,/ ROSA DO SERTÃO PROFUNDO!
Revisão/ edição de G. Rosa em seu texto.
Poema de Drummond: ”UM CHAMADO JOÃO”

Leia também a deliciosa entrevista/ conversa de Guimarães Rosa com Pedro Bloch

http://www.elfikurten.com.br/2011/01/guimaraes-rosa-entrevistado-por-pedro.html?fbclid=IwAR3Z4AU8TrOUmnBYS5obtnFe8OQFfevGo4rtCTtFh4HZOVTmxDbnEKpTwpo

Poesia: Odonir Oliveira (Tiradentes, 2018)

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Discos na Íntegra

“E que teve seu começo numa festa de São João”

AGRO NEGÓCIO DE VERDADE

Na manhã seguinte foi. Parecia querer resolver de uma vez aquilo. Entrou na cozinha da casa grande, mas não queria ninguém ali. Nem era dali. Ela era da senzala. Seu negócio, seu agro negócio era o lavrador de café, suado, vermelho da testa à ponta do queixo. Era ele que ela queria.

Era uma mulher de mais de 30 anos, cheia de graças e segredos. Ninguém ali a tivera nem para aquelas conversinhas de cerca-lourenço tão costumeiras por lá. Tinha a marra característica de quem sabe escolher. Era do campo. Quero isso, quero esse, faça assim, faça aqui, que aqui é bom. Pois é, Vilma era desse jeito.

Saíra da cidadezinha para estudar na universidade federal. Assim quis e continuou estudando … mas aquele gosto de terra e suor não saía de sua boca. Era prazer maiúsculo aquele negócio. Agro negócio – pensava sempre. Vou lá, vou voltar lá. Vai ser lá.

De lembranças da universidade na cidade do interior – nem tão pequena assim – havia uns três caras que lhe amansaram desejos, mas também lhe deixaram carências. Carências de quê? De terra molhada, de sujeira nas unhas, de cheiro de chuva e de pegada. Homem pra ela, que crescera por meio dos matos, tinha de ter pegada. E ela também tinha, que era broto do chão.

Josué fora nascido e criado na vereda, na estrada do sem culpa nenhuma, no ensinamento do sertão, sem conceber nem conceder o pecado original. Bebia pinga e ria. E depois levitava o diabo do homem. Sestroso, manhoso, marrento. Como Vilma.

Naquela noite de cavalgada, eram muitos os peões ali. Paramentados como para um culto cristão, eram poucos os de raiz, flores e frutos. Josué era. Espalhava um perfume de maracujá, ou seria um sabor de jabuticaba? Bom mesmo era ver aquela boca vermelha dele, pendurada no rosto, quase sem sorrir. Vilma tomou as rédeas e seguiu.

Cavalgadas contam sempre com encerramentos religiosos, sagrados. Mas nem sempre. Às vezes, profaníssimos.

Josué rezou suas orações, benzeu-se, beijou a medalhinha e entregou-se à volúpia daquele negócio com Vilma.

Agro negócio de verdade!

(Texto publicado, originalmente, em 2015, na Carta Capital e no GGN)

LÁ PRAS BANDAS DO SERTÃO MINEIRO

O carro de som passou tocando as músicas que viriam com a dupla, naquele show de sábado à noite. O pessoal da cidadezinha mineira agradou daquilo, prestou atenção na hora e se animou a ir. Era festa de São João, quer coisa melhor, sô.

O cavaleiro moreno de pele lisa, sem pelos, apeou do cavalo, pediu a margosa no butiquim e garrou desejo de ir. Deu um vorteio pela praça, reparou numa casa mais antiga, mas fechada. Paixonou com ela, com a casa. Tinha um ímã nela, ficou garrado na casa. Subiu no cavalo, galopou pros altos e ficou de lá, com a garrafa de pinga, o bichão amarrado na árvore e a vontade de ver aquelas janela tudo aberta.

Aguardou mais de hora, só dali, bebeno e olhano, bebeno e olhano, assuntano. Aí foi que deu magia, porque alguém abriu as janela tudo uai, mas de súbito. Nem deu pra ver quem era, ou fosse efeito da margosa o encantado daquilo. Vai sabê – ruminou o moreno.

Tomou finura com coragem e foi no cavalo lá pra pertin da casa das janela azul. Fosse ver uma moça bonita, quem sabe – convidava ela pra dançar no coreto, depois do show da noite de sábado. Fosse ver. Foi.

O traçado estava destino – num soslaio refugo do pensamento – olhou na horinha e a moça endereçada surgiu rindo, olhou prazenteira e ele lhe acenou. Falou nada, deixou que ela entendesse.

No sábado se imantaram foi é muito. Depois de tudo acabado, do show, do povo se indo, inda dançou com ela, na friagem do coreto, encharcado de pinga e cerveja. Dançaram no coreto, até não poder mais.

Eita, que aquela casa tinha muita lindeza dentro, sô.

CABEÇA, TRONCO E MEMBROS

Sangrou, chorou, morreu.
Renasceu, sofreu, morreu.
Gozou, sorriu, rezou, morreu.
Pariu, amamentou, morreu.
Criou, sofreu, chorou, morreu.
Dormiu, sonhou, chorou, morreu.
Trabalhou, amargou, acabou, morreu.
Renasceu, coloriu, entregou, morreu.

Escutou, aconselhou, partiu, viveu.

GORJEIO DE BOCA

Pede boca um olhar
Pede boca um aceno
Pede boca um sinal de Fogo.
Pede boca uma aceitação
Pede boca um sorriso, uma gargalhada
Pede boca uma afirmação, uma confirmação.
Pede boca um gorjeio de canarinho da terra.
Pede boca um gorjeio de sabiá.

CHOVENDO

Primeiro, sons de gotas
Depois, cheiro de água na terra
Agora, na sacada,
vendo a precipitação dos pingos.
entorno meu rosto por eles
para que me lavem dores,
para que me limpem do sangue,
para que me purifiquem com o prazer.
Nesse mesmo céu
há pouco havia estrelas.
Agora, entreguei a ele o meu coração.

INVERNOS

Quantos invernos cumprirão uma existência?
Quantos dias de chuva e de bonança comporão uma existência?
Quantas luas serão suficientes para um grito de êxtase e felicidade?
Quantas raivas, dúvidas, indecisões e tropeços antecederão um beijo?
Quantas falsas interpretações dos sinais emitidos pelos ventos,
quantas incorretas leituras de sinais de fumaça,
quantas incompreensíveis decodificações de letras e números
quantas indecifráveis frases serão culpadas
por improváveis leituras de estrelas?

Leia também aqui no blog: ”São João baianohttps://poesiasdemaosquesentem.wordpress.com/2018/06/23/sao-joao-baiano/

Poesias e textos: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Kleiton & Kledir – Tema

2- Canal REDE TRISCHE

2- Canal Oxxxu

A coragem de criar

MEU DESEJO

é prata mas é ouro
é fogo mas é nuvem
é tempero mas é sussurro
é sangue mas é infecção
é fala mas cala
é falo mas é de fato
é sal mas é açúcar
é flor mas quer o beija-flor
é encontro mas quer a busca
é cego mas é sério
é ida mas quer volta
é antes mas quer depois
é hoje mas foi ontem
é hoje mas quer amanhãs
é noite mas quer manhãs
é fogueira
é perfume
é comparação
é metáfora

A estrada de ferro chegou à cidade de Barbacena em 1880 e mudou a economia local, trazendo a modernidade. O vídeo mostra como as estações da cidade estão hoje; conta detalhes da criação de uma estação próxima ao então hospital Colônia, chamada Estação Sanatório; e também traz uma curiosidade sobre o poeta brasileiro Cruz e Souza, que morreu a caminho de Barbacena.

(O vídeo aponta como se pode e se deve RECRIAR aquilo que é MEMÓRIA da coletividade.) Contrariamente a isso, na semana passada, na calada da noite, foi destruída a ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE ANTONIO CARLOS, Sá Fortes, MG. Sem qualquer intervenção federal para sua recuperação, e sem qualquer interesse da empresa que adquiriu a malha ferroviária da EFOM, há anos, apenas para transporte de carga. Terrível constatação, nem foi possível transformá-la em equipamento cultural.

1ª viagem da EFOM (Estrada de Ferro Oeste de Minas), 30 de setembro de 1880
(Sem crédito)

TREM DE CARGA

Nos dormentes,
vagões vazios
dormem
solitários
de vozes
risos abraços beijos.
Despedidas ausentes
chegadas ausentes
encontros e reencontros
ausentes.

Carga pesada
fantasma
que apita
chegadas
partidas
sem paradas
sem estações sentimentais
sem coloridos de saias e calças roçantes nos corpos
sem cheiro de corpos roçando os sentidos
sem massa de almas
desejos súplicas.
Vagões de carga apenas
suportando o peso das remessas diárias,
eternamente. 

Tela do pintor e arquiteto maranhense Ricardo Martins – 1985
Tela de artesão, Embu das Artes, SP – 1974
Tela de artesão, Pelourinho, Salvador, 2003

DIA DA CRIAÇÃO

O chão a terra o céu
elementos primeiros
elementos sólidos
alimentos físicos.
A palavra a voz a vez
elementos seguintes
elementos consoantes
alimentos constantes.
A luz a cor a pele
do gosto do molho do dorso
encantamentos de elementos
encantamentos em tempos
encantamentos em espaços.
Passos
vozes internas em cores
vozes internas em versos

Leitura em 1982

PROMETEU E A CRIAÇÃO

criar
cri-ar
no ar
ser e estar
revolver o caos
re-criar o ser
revolver os caos
re-criar o estar
garimpar os espaços vãos
peneirar as camadas diárias
re-constituir as vísceras
re-elaborar os rumos
re-viver no húmus
seme-ar o broto
cuidar do novo
re-criar Prometeu
ter coragem de criar-se
ter audácia para recriar-se
ser e estar
revolver monturos
adubar conceitos e cores
flores e perfumes
criar
re-criar
no ar

Leitura em 1978
”Nós” não existe, mas é composto de ”Eu” e ”Tu”; é uma fronteira sempre móvel onde duas pessoas se encontram. E quando há encontro, então eu me transformo e você também se transforma” (Perls, SP, inverno de 1978)

PERTINÊNCIA: Durante décadas trabalhei a criatividade com alunos, com amigos em geral. Sinto pena daqueles que só copiam e colam o que já vem pronto, tornam-se meros copistas de obras alheias, não se arriscam a CRIAR e, muitas vezes, por vaidade, arrogância, sem suportarem a exposição e as críticas alheias. Assim, tornam-se improdutivos, para não correrem riscos. Isso se dá nas artes, na criação literária, na arquitetura e, principalmente, nas relações cotidianas. São da turma que copia e cola apenas. Lutei durante toda a minha vida para estimular as pessoas a não serem assim. Que sociedade resultará da falta de CRIATIVIDADE? Que soluções serão propostas? Triste situação.

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

1ª foto: Facebook BarbarasCenas

Vídeos:

1- Canal Rede Minas

2- Canal Odonir Oliveira

Abismos

PRECIPÍCIO

o céu limpo
o alvorecer claro
a estrada desenvolta da neblina
corre o tempo
segue a roda
gira a vida

o cavalo trotado
o carro de bois gemido
a aurora à bico de pena
o desenho na tela sem moldura

o sino das seis horas
declara a fé do entorno
o perfume do sol atrai
a cor do café coado ensina

as gentes rumam
o róseo ir e vir marcha
o peito cheio aspira brisa
as pernas ardem em murmúrios

falam com os céus
contam aos céus
rogam aos céus
amor por seus semelhantes

RIBANCEIRA

o pó da covardia empalidece a história
no limiar da ação o medo ancestral
na esteira da glória a fraqueza do caráter
os compadrios coloniais
a hipocrisia social contumaz
o acordo dos cavalheiros semelhantes
tudo repete o teatro dos costumes
chicote nas mãos do capataz
vilões mascarados de mocinhos
sinhozinhos em gritos estridentes
sangue correndo pernas abaixo
dores em chagas sociais
jogos de poder desenhando hipocrisias eternas
falta coragem de formar fileiras
falta coragem de traçar rumos
falta coragem de tomar as rédeas
a ribanceira espia os declínios
a ribanceira não expia as culpas

DESPENHADEIRO

vulgaridades expelidas como ar
atrocidades cometidas como rotineiras ações
mentiras
aos bocadinhos
costumeiramente
diariamente
cruelmente

passos sempre na direção da farsa
desfiles de risos burlescos
imagens que não correspondem à realidade
discursos sem lugar de fala
vende-se aquilo que não se tem para vender
promessas falsas de homens
vendidos
temerosos
covardes

rostos atrás de cortinas de fumaça
falta peito
falta hombridade
falta veracidade
falta humanidade

você calado ficará?
você camuflado continuará?
não é com você que estão falando?
não é de você que estão falando?
não é você o atingido?

omissão é covardia
silêncio é medo
abstenção é cumplicidade

você tem medo de ser história
você já é história
triste retrato dessa história

”O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo o mundo… Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.”

Uma coisa é por ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias… Tanta gente – dá susto de saber – nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza…”

“Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.”

“Mire veja: o que é ruim, dentro da gente, a gente perverte sempre por arredar mais de si. Para isso é que o muito se fala?”

Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas”

“As pessoas, e as coisas, não são de verdade! E de que é que, a miúde, a gente adverte incertas saudades? Será que, nós todos, as nossas almas já vendemos?”

“A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.”

Todo caminho da gente é resvaloso.
Mas também, cair não prejudica demais – a gente levanta, a gente sobe, a gente volta!…
O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem. Ser capaz de ficar alegre e mais alegre no meio da alegria, e ainda mais alegre no meio da tristeza…”

Guimarães Rosa, em Grande Sertão Veredas e mais.

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal erman7878

Amor de mulher IV

CAMINHOS DE SOL

Separaram-se amando-se perdidamente. Perdidamente … já não se sabe. Só quem sabe de dois são os dois mesmo.

Filomena, a Filô, era apaixonada pelos diferenciais de Ricardo, o homem amado. Ele, envolto em um Édipo sem fim, de cuidados e superproteção materna, não se fixava em mulher alguma. Mas costumava deixá-las dependuradas nele eternamente – típico exemplo de gestalt interrompida. Seguiria assim, o perfeito amigo, posterior aos namoros e apaixonamentos.

Filô era corpo e pele, caixa amplificadora dos sons do amor. Alto- falantes à mostra, aos ouvidos. Viveram juntos por dois anos, tiveram um filho. Entretanto, o interesse de Ricardo por ela ia diminuindo. Logo depois do filho, ao se aninharem na cama, carinhosamente, aos beijos, abraços e prelúdio, perguntou-lhe se já poderiam ser um. Ao que ela não respondeu com palavras. Ele era assim. Depois foi vendo-a como a santa mãe de seu filho, quase num procedimento semelhante ao dos poetas românticos do século XIX. Isso incomodava demais Filô. Ora, ora, santa é a mãe !

Quando ele viajava a trabalho, junto com sua equipe, ela costumava ouvir das esposas dos outros ”Dou graças a Deus quando o zé viaja, me sinto livre, vou ao shopping, ao cinema, ao cabeleireiro, passeio, sem preocupação nenhuma. Podia ter uma viagem dessas por mês, né”. Filô era só ouvidos, porque, diferentemente, morria de saudades da voz de Ricardo, de sua pele aninhada à dela, de sua voz doce, de suas conversas com ele e de serem um.

Após tentativas de reaproximá-lo em corpo e alma, Filô, agora mãe, resolvera e dissera a ele. ”Quando você voltar dessa viagem a Salvador, vamos conversar sobre nós”. Ele concordou.

Antes disso, já havia conversado com a mãe de Ricardo sobre o assunto. Sentiu-se mexida em brios, como um filho seu, tão jovem, apresentaria tal comportamento. Pediu que marcasse uma consulta com aquele psiquiatra famoso da televisão para Ricardo. Ela pagaria. Foi. O psiquiatra disse – segundo ele – que todos os grandes personagens da literatura, por exemplo, tinham amor por suas musas e não tesão físico. Isso seria de menor importância, citando diversos exemplos. Isso serviu de álibi amoroso para o Ricardo de Filô. Era o vamos deixar como está pra ver como é que fica.

Filomena encheu-se de coragem e pediu que ele fosse embora. Sentia-se muito mal, humilhada mesmo, com seu desinteresse. Antes, batalhara tanto para tê-la, e ela resistira em nome de uma continuidade, eram tão amigos, tinham tantas identidades descobertas … depois de tudo aquilo, agora o desinteresse. Não. Inaceitável. Separaram-se.

Ricardo mudou-se para um prédio na mesma rua, dois quarteirões acima, no mesmo lado. Afirmava que com menino pequeno era bom ficarem próximos. Um novo terapeuta lhe teria dito ‘‘Pra que tantos gastos, entra um pela sala; outro, pela cozinha e estamos conversados” – ironizando a escolha de endereço de Ricardo. Pois é.

A cada fim de semana uma namorada nova, linda, mais jovem que Filô, o esperava no carro, enquanto ele subia para buscar o menino. Ela olhava da janela o carro sumindo, sumindo, levando sua cria e a namorada da vez. Assim seria ainda por alguns anos.

Agora, aquele bilhete, aqueles versos, aquele poema, deixado na portaria do prédio, em envelope aberto, no qual se lia apenas o número de seu apartamento. Pareciam letras femininas.

Perdi

” Perdi as folhas e os escritos, perdi o poema que escrevi à pouco, perdi a vontade de rescrever, perdi as nuvens que não chegaram e os sonhos que ainda não sonhei, perdi o sono que não encontrei e perdi a certeza de que sonhei. De entre todas as loucuras do mundo apenas a minha é sã, nesta liberdade condicional que me atribuíram sem julgamento, julgo escrever sem fundamento o que a alma vomita, porque sentir eu sinto, e viver nisso minto, não sei se vivo ou se morto, sei que eu sou, mesmo que não esteja, embriaga-me seriamente saber que me amas, ainda que eu te ame sem reciprocidade, amamo-nos, ainda sem nos somarmos, antes de nos dividirmos, na impossibilidade física de nos multiplicarmos… 
Que venha o sono, ou a loucura de o dormir!”

Ah, o amor, esse carrasco que fazia Filô chorar todas as noites, imaginando os beijos, os abraços e o sexo que Ricardo tinha com todas aquelas namoradas de ocasião.

Certa vez perguntou a ele se fazia AMOR com elas naquele colchão grandão, sob medida, que ambos haviam mandado fazer pra eles (Ricardo era muito alto), e se ele as chamava de ”marida” também. Ele riu, a abraçou, aconchegou-lhe a cabeça no peito e completou ”Cada relacionamento tem suas coisas particulares. Esqueça isso”.

Filomena, a muito amada, já diziam gregos e troianos.

CORPOS

nus
eram uns
nus
eram outros
sem nomes
sem restos
sem rostos
sem máscaras
sem mitos
sem metas
sem mesmos

tronco membros cabeça
membros tronco cabeça

tronco e membros
membros e tronco

sinfonias

GESTOS

de espasmos
de espaços
de espécie
de epicentros
de ex-pontes
de ex-pulsos
de ex-braços
de ex-ventre
de espasmos
de expulsos

DAS DORES

Das Dores
pinga dores lágrimas e lamentos.
Das Dores
verte sangue pus fedores.
Das Dores
amarga manhãs tardes noites
na clausura de subidas e descidas
em companhia solene de anjos, serafins e querubins.
Das Dores
entrega sua lira aos deuses
na esperança de que pousem em sua janela,
devolvendo-lhe luz, cor e o perfume dos dias.

MARIA

Bebe veneno no frio
come veneno no calor
cheira veneno no quintal
olha a lua
fala com as estrelas.
Chora com as ondas
soluça com as serras
engasga com o sol.
descama com a fumaça.
Sofre com incertezas
emagrece com torpezas
engorda com durezas
desfaz-se em friezas.
Maria
faz travessias na garupa do cavalo torpe
que lhe encilha a alma.

O texto do bilhete é do poeta português Alberto Cuddel 

Poesias e textos: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Francisco Roberto Bertrão

2- Canal Biscoito Fino

Rita ali, aqui, em qualquer lugar

RITA EM MIM

Rita grita
Rita ama
Rita briga
Rita vibra
Rita vai,
Rita pula,
Rita dança
Rita brilha
Rita lança
Rita ama
Rita embarriga
Rita vai, Rita vem
Rita no sim
Rita no não
Rita embala os dias
Rita embala baladas nas noites
Rita incendeia as madrugadas
Rita, Rita, Rita
Rita grita
Rita faz careta
Rita sapateia nas hipocrisias
Rita apita caretices
Rita colore vidas
Rita, Rita, Rita
Rita ali, aqui, em qualquer lugar

VOU

Querer voar o mundo
querer conhecer o mundo
querer outros mundos

Ir-se.
Voar.

Estar, descer, subir, cair, voar.
Novidades de véspera.
Novidades de hoje.
Novidades de amanhãs.
Arriscar-se no ar, em terra, em corações.

Voar é preciso.
Voar é urgente.

VEREDAS

Meu corpo espera
abraçar e ser em ti.
Voe que te colho com minhas mãos
como colho teus cenários
e escrevo-te palavras.

Por quê, homem alado?
Porque é de púrpura a cor do meu vestido.

ASAS

Tinha asas internas
Ensinava outros a voar
Esquadrinhava os céus, calculava imprevistos, equacionava soluções
Tinha enorme prazer em vê-los em asas
indo, indo, indo …

Tinhas asas internas
Aguardava um voo duplo
Nunca soube bater asas solitariamente
Dizia que era como se o céu estivesse sempre nublado, sem vento, sem cor.

Preferia ensinar a voar.
Aguardava por um voo incomum

NO RISCO DE VOAR

É a alegria que infla sua vela
É a alegria que estufa sua expectativa
É a alegria que enfuna seu peito.
É o deslumbramento de ir, ver, encontrar, voar.
É ter força nas pernas, vigor nos braços e movimento de quadril

É tudo que precisará.
É tudo que arriscará.
É tudo que tentará.

NOVO

Ei, vem aqui perto
vem
ouve o que quero te segredar
vem, ouve
É novo
de novo

Vem
Agora corre comigo
agora ri comigo
agora pega essa chuva forte comigo

Vem
Anda comigo nos trilhos do trem
Vem
Você prometeu
Vem
Me faz rir com gracejos, trocadilhos e chistes
Vem
Faz verso, faz prosa
Faz música, faz rio, faz ponte, faz trem
Vem
Me faz VIVER
Vem, por favor, vem.

Vem, meu ano novo
Vem, meu novo horizonte
Vem, meu belo horizonte.

Eduardo Salvitti na batera, quebrando tudo.

ENSAIANDO O VOO

Tem as cordas nas mãos
Tem as imagens no pensamento
Tem as palavras no coração
Tem a chance do voo na imensidão.
Prepara ferramentas, paramentos, coragem.
Vai rumo ao prazer.
correndo todos os riscos.



VERSEJAR SEM LÁGRIMAS

Capaz de rir
capaz de gozar
capaz de flutuar
capaz de ouvir e ser ouvida
capaz de beber vinho e rir muito
capaz de ver o mar em noite calma
capaz de sentir vento quente nos cabelos
capaz de ver a linda lua cheia de inverno
capaz de sentir o fascínio do olhar varão
capaz de ser feliz.

OUSADIAS

Com os dias passando, assim correndo,
há que se correr também,
há urgência em tudo.
Corro pra visitar aquelas cachoeiras nunca tocadas
corro para beber água gelada de serras amanhecidas
corro para falar “eu te amos” aos que nunca o ouviram de mim
corro para cozinhar delícias e, em comunhão, ofertar aos queridos aliados
corro para beber sabores que nunca experimentei por impossibilidades várias
corro para escrever letras, sílabas e linhas anoitecidas,
enquanto ainda consigo
andar
ver
falar
ler
respirar
me encantar.

BAÚ FLORIDO

Tempos que vão
tempos que vêm
tempos que se guardam em baús de flores.

Quando as estações são sem flores,
abrem-se as histórias, perfuma-se o ar com elas de novo,
sorvem-se horas, dias, meses, anos encantados.
Depois, fecha-se o baú e segue-se
porque aquela bagagem estava repleta de fragrâncias.

Dedicatória: Ao meu ex-aluno Eduardo Salvitti, menino-homem, que cresceu, cresceu e acabou o gigante batera quebrando tudo junto com a Rita. Salve, nunca me esqueço de seu olhar doce e de seus olhinhos claros. Beijo

Poesias: Odonir Oliveira (escritas em 2016)

Fotos de arquivo pessoal – (A última é do Eduardo Salvitti)

Vídeos:

1- Canal Nadine Carine

2- Canal Universal Music Brasil

3- Canal François FUNK

4- Canal Rita Lee – Tema

5- Canal marcosxs

6- Canal Fernando A. Soares

7- Canal Rita Lee

8- Canal Deckdisc