“Viver é muito perigoso”, escreveu Guimarães Rosa.
TEREZA, UMA CABOCLA ROMÂNTICA
Era Tereza a morena cabocla mais feminina da região. Gostava de ouvir as modas nas rodas de noites, sentados irmãos, a parentada e os violeiros rasgando dores e saudades das amadas, das terras distantes, das esperanças perdidas, das traições de amigos, de mulheres … Tereza apreciava cada moda daquelas e era alimento pras suas carências e prazeres.
Deu que ali entre todos os que paravam na venda do seu Neco, agradou em demasia de um quase índio quase negro, meio assim de olhar matreiro e risada alta, voz de cantador. Tocava pouco da viola, menos ainda da rabeca, mas cantava. E inventava. Era bão de invencionices o tal. Pedia acompanhamento, “um dó maior”, “um si menor”, como se de muito entendesse ou tivesse estudado de cancionices. Era matreiro. Matreiro e bonito. Bonito e encantador de olhares também. Agradou de Tereza como nem. Agradou de suas pernas grossas, desde meninota eram assim. Agradou de seus seios fartos e empinados. Agradou de seu cabelo ondulado castanho-escuro e do seu olhar romântico pros versos que cantava nas noites de varanda, lá no seu Neco.
Fez que fez, dedicou que dedicou, com olhares e sorrisos, versos a ela, que Tereza entregou-se. Foi dele e de mais nenhum outro que vinha por aquelas bandas a se entornar viola pra ela. Disse pra cada amiga que tinha dono agora. Ele era seu. Nome não sabia, que todos o chamavam de Goiano apenas. Imaginava que fosse das bandas de Goiás então.
Passou a esperar por ele. Passou a gostar dele num tanto, que quem via achava que já houvera lhe dado os beijos, os abraços, os seios, as coxas e o ventre pra serem degustados a dois. Nonada. A Tereza era de matutar num tanto e esperou que ele se entregasse, falasse cara a cara o que dela queria, como é que seriam, pra onde é que iriam, se tudo ficaria daquele jeito mesmo – que bão era um tanto tamém. Aguardou.
Goiano, sempre pelas currutelas e querências da vida, num vinha nem ia, empacava. Tereza querendo ir e vir, ir e vir, Goiano preferindo as casas de tolerância das vielas de vento forte, se abrigando em bocas alheias, cantando modas e tocando um nada de viola. Ora num cabaré, ora num lupanar, outra hora num bordel mais perfumado, dançando boleros e cochichando safadezas nas orelhas das mulheres amaciadas pelas estradas. Não havia uma zona dos entremeios em que Goiano nunca tivesse deitado em colcha de cetim grená. Era doido por pinga de qualidade, por boleros e permanências curtas. Gostava da alta rotatividade das picadas, das veredas e dos caminhos esquerdos da bandidagem parceira.
De costume assim enfileirado, o homem moreno acaboclado sentia falta por alguma vez de rever Tereza, de dedicar certo olhar religioso a ela, mas nunca deixava claro suas intenções, fossem quais. Não dava torcer nem braço, nem mão, nem boca, nem corpo pra Tereza se afeiçoar. Media distância, como se a moça fosse reservada pra um seiquê qualquer de pouco esclarecimento na sua cachola e no seu apaixonamento insistente.
Foi assim que foi.
Foi que Tereza amava aqueles braços de poesia e invencionices de rir e de chorar também.
Foi mesmo assim que um dia, levou Tereza pra dijunto dele, mas separado, de certeza.
Abandonava Tereza e ficava dias sem aparecer nem pra dar conta de um angu com feijão e couve, nem pra uma noite de suor com ela, nem mais pra uma viola, daquelas que tinham endoidecido Tereza antesmente. Foi ficando Tereza e seus doces olhos castanhos. Restando, restando.
Numa noite, chegou Goiano sem notícia dada antes.
Pegou Tereza e um cavaleiro tocando viola na sala pra ela. Era como se estivessem grudados de imã no olhar.
Matou.
E mais não conto que conheci a cabocla Tereza e sei que sucedeu mesmo assim essa história.
(Escrito em julho de 2017 e publicado nesse blog)
Texto: Odonir Oliveira
Foto de arquivo pessoal
Vídeo: Canal Costa Security
Esta música pra mim, desde criança, quando a ouvi pela 1ª vez, sempre me deixou um ‘não sei quê’ de paradoxal…
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Tudo tem versões. Escrevi a minha, Estevam.
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Enigmaticamente bem escrita.
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