Há saídas, há soluções: Uma engenharia verde, contra as soluções de infraestrurura cinza, uma engenharia que compreenda os processos naturais; existe uma forma de lidar com as chuvas que não seja apenas a retificação dos rios, a pavimentação das cidades: os jardins de chuva, as arborizações, os parques lineares, os parques alagáveis, cidades esponja… valorização sim da área não construída, do reflorestamento, da arborização. Isso tem que ser prioridade do poder público.
Meu amigo Luiz de Campos Júnior, ensina como.
“Como todos brasileiros, estamos estarrecidos com a situação de sofrimento que o povo gaúcho está atravessando desde o começo de Maio.
Em nome da equipe Rios e Ruas, não poderíamos deixar de expressar nossa tristeza e solidariedade a todos que perderam entes queridos e tiveram suas vidas e trabalhos destruídos pelo efeito devastador das inundações em centenas de municípios do Rio Grande do Sul.
Que, para além dos esforços para reconstrução das cidades gaúchas, essa tragédia desperte nosso país para uma profunda transformação onde a hipocrisia, a ganância e a ignorância sejam percebidas como doenças sociais e os processos da natureza sejam compreendidos e integrados à saúde dos centros urbanos.”
PAULO LEMINSKI (1944 - 1989) (Poema publicado no livro "caprichos & relaxos" - 1983)
UMA PEDAGOGIA
Minha mãe sempre levantou às seis da manhã, tinha que fazer café, ferver o leite e deixar tudo pronto pra o meu pai que ia entrar na FNM às sete horas. Depois disso, ia cuidar da roupa no tanque, esfregava tudo nas mãos, cinco filhos, um marido, torcia lençóis, toalhas, macacões, uniformes. Dava um intervalo pra molhar os canteiros de antúrios, colher umas bertalhas, umas couves na horta. Depois cuidava das galinhas e dos patinhos. Tivéramos até uma cabra e um cabritinho também.
Saía de casa e, com dinheiro bem curto, cinco filhos, marido, ia ao açougue, à padaria, ao SAPS e ao SESI comprar pouca coisa. Voltava, lavava arroz – que meu pai gostava fresco e até o feijão- no almoço e na janta. Picava couve fininha, temperava os bifes com alho pilado e sal. Nesse intervalo, dava um pulinho no quintal e colhia umas laranjas seleta – suas preferidas- e ia chupando com um cadinho de sal, bem pouquinho, “pra não afinar o sangue”.
–Que horas já são aí, Doni?
-O ponteiro grande tá no 11, mãe, e o pequeno ainda tá no 11 também.
Era assim que me ensinou a ver as horas, creio que desde os 4 anos. Como me ensinou o Pai Nosso, a Ave Maria e a pedir a São Longuinho pra me ajudar a achar as coisinhas que eu perdia, e depois dar os 3 pulinhos prometidos a ele, agradecendo.
O que aprendi com minha mãe foi por observação atenta de seus comportamentos, de suas atividades. O discurso era mais seco, enérgico e moralista do que o de meu pai. Minha mãe colocava seus 5 filhos acima do céu e da terra, fizessem o que fizessem. “Já reparou que dona fulana gosta mais do marido que dos 3 filhos?“ Gostava de copiar modelos das vitrines das grandes lojas do Rio, do Largo da Carioca, das mais afamadas de todas. Levava um caderninho e desenhava o vestido, o casaco, o que quer que lhe parecesse de estilo. Depois comprava retalhos nas bancas de tecidos da Rua do Ouvidor (da Rua da Alfândega não “era tudo muito mixuruca e sem classe“, dizia)- voltava pra casa no Ônibus dos italianos – cedido aos sábados pela FNM para levá-los gratuitamente ao centro de comércio do Rio – e no qual podiam ir também alguns operários e familiares, voltando de lá ao meio-dia . Algumas vezes fui com ela e meu pai.
Costurava só depois de fazer o jantar (muitas vezes, depois de fritar uns pastéis mineiros bem recheados, que meu pai levava numa lata grande de biscoitos, para vender aos operários, quando voltava pra FNM para o serão, até às 10 da noite.) Era a hora em que ela ia costurar. Já nos tempos dos moldes em revistas eu, com mais de 10 anos, copiava pra ela, com papel vegetal sobre eles, os modelos pra que ela cortasse e costurasse nossas roupas novas. Nunca estudou Corte e Costura, aprendeu fazendo. E era muito caprichosa, principalmente nos avessos, nos arremates, um primor mesmo.
Assim como o era ao passar roupas, sem deixar um vinco em mangas de camisas longas masculinas, em nossos uniformes… aprendi cedo a engraxar meus sapatinhos pretos de escola e a deixar meu uniforme já sobre uma poltrona, com as meinhas brancas e a pasta escolar com os livros, tudo para não me atrasar na hora de ir.
Não nos ensinou a cozinhar. O que sei aprendi foi quando passei a morar sozinha em São Paulo, a estudar na USP à noite, dando aulas pelas manhãs.
–Plácido, vem ver a pilha de roupa que a Doni passou nesse tempinho que você foi ver o mar lá embaixo – disse ela ao meu pai, naquela manhã de 1977, em Santos, quando haviam ido me visitar – ainda ouço sua voz e vejo sua expressão ao dizer isso.
Bendita seja sempre, minha pedagoga essencial!
Certa vez mandei de SP um poema de Drummond sobre mães para minha mãe, acompanhado de um buquê de flores. No ano seguinte, entreguei a ela um poema que eu lhe havia escrito - que não tenho mais - ela nada falou, só riu de canto de boca. Perguntei-lhe se havia gostado do poema que havia escrito pra ela. Olhou pra mim e disse "Pensei que fosse do Drummond também, como o do ano passado" Foi o MELHOR ELOGIO CRÍTICO que eu recebi em toda a minha vida.
PONTO ALINHAVO
Minha mãe costurava todas as nossas roupas desde os vestidos, às camisas, aos biquínis copiava com lápis, num caderno, modelos das vitrines chiques do Rio, comprava tecidos, muitas vezes em bancas de retalhos, saldos, costurava Tirava moldes de revistas de costura, em papel pardo, alinhavava, costurava. Minha mãe costurou nossas infâncias e adolescências com linhas MUITO COLORIDAS mesmo.
Minha melhor amiga Marta, de 87 anos, acaba de falecer em São Paulo. Conforme combinamos, quem fosse primeiro mandaria notícias de como é o outro lado. Marta é kardecista e praticou a fraternidade a vida inteira. Há cerca de 30 dias, chegou a me atender ao telefone e suas últimas palavras foram “Sabe o que é Odonir, é que a gente não vai poder mais ter aquelas nossas conversas longas”. Acalmei seu espírito e disse que orava por ela, que ficasse em paz. Hoje fez a passagem. E eu jamais a esquecerei.
2019, SP
ONTEM MORRI MAIS UMA VEZ
Cada vez que morre uma parte de mim em alguém vai com ele o sangue que corria em minhas veias o compêndio de histórias nossas os diálogos que tivemos as expressões de seu rosto o tom de sua voz particular seus gostos e desejos.
Cada vez que morre uma parte de mim em alguém, leva embora consigo o comigo com ele aquela sua vontade realizada aquela sua vontade não realizada o que guardamos de nós os mistérios revelados os mistérios pouco revelados os mistérios nunca revelados.
Cada vez que morre uma parte de mim em alguém, olhando-o assim morto, exangue, não acredito que esteja morto, consigo ainda vê-lo respirar, o tronco inspira e expira com ele uma indefinição, levemente me entrego a pensar levemente me entrego a não pensar Sinto.
De que valeriam todas as suas ações anteriores se morreria assim, como agora. De que valeriam todas aquelas histórias, ideias, escritos, orações se morreria assim, como agora. De que valeriam todas as suas interpretações do mundo interno e externo se morreria assim, como agora. Sinto.
Cada vez que morre uma parte de mim em alguém, Fico com isso sem entendimento. Meu ilimitado poder de reflexão limita-se, não é capaz de compreender por que alguém morre. Por que alguém morre ?!
Se ando e enxergo, maravilho-me Se paro e contemplo, pulso Se ardo em sensações, vivo. Se estou numa fala num gesto num sorriso, continuo. Se toco a dor humana, emano Se acarinho a terra vermelha, sou. Se tenho compaixão, ajo. Se tenho ainda a emoção, levito. Se ando e enxergo, maravilho-me
Sempre anotou fatos que julgava marcantes na História do país, na história de nossas vidas, seu Plácido José de Oliveira era engajado política e socialmente, e anotava. Fazia cálculos e conferia bases dos cálculos governamentais divulgados. Anotava e ruminava em silêncio suas mineirices na ponta dos dedos. Era com os dados registrados que fazia bonito, enviando cartas aos políticos estaduais e federais - tinha para isso um bloco de cartas e uma quantidade de selos e de envelopes numa caixa de sapatos. (Adivinha se minha mãe não o criticava .... achava ela que eram só gastos com selos e envelopes, e que até queimavam o que ele lhes escrevia). Eu achava lindo. E com a idade, achava mais lindo ainda. Fazia apontamentos também de obituários de seus ídolos do futebol, da História ... Hoje, me parece que sempre teve medo de repentinamente não se lembrar mais, por isso anotava. Além disso, registrava as visitas dos filhos, sempre moradores de outros estados etc. E eu achava lindo. Quando adoeceu demais, o enfisema pulmonar lhe tirando as forças, no primeiro semestre de 1993, sua grafia foi ficando tremida, muito diferente daquela com que sempre escrevera aos políticos etc. Ô, pai, meu metalúrgico, humanista de carteirinha e tudo, ando olhando pro céu dessa cidade, passando na frente de sua, sempre sua, Escola Agrícola e não o encontro. Mentira, viu. Hoje separando uns documentos, você se fez presente com sua carteirinha. Aí juntei a ela mais uns objetos que me deu. 7 de maio é seu aniversário e o senhor está bem aqui sobre a minha cabeça e no meu coração, meu adorado pai.
Democratizar a arte, o acesso e formação de público. Com enorme alegria vejo meu rincão de origem ter possibilidade de fazer, estudar e consumir arte, cinema.
Cine FNM, anos de 1960
MATINÊS DE DOMINGO Era assim, o menino que havia em mim. Era assim, a matinê de domingo, a torcida pelo mocinho, a alegria de ver o bem vencer. Era assim, sempre um sim. Era assim
“O 1º Festival de Cinema de Xerém, de 8 a 11 de maio, leva, pela primeira vez, as cores, vozes e histórias do cinema brasileiro à telona de Xerém. Com uma programação gratuita e diversificada para toda a família, serão exibidos filmes de cineastas novos e estabelecidos que entretêm e promovem reflexões. O festival será uma janela para mundos diversos e inspiradores, uma oportunidade única para celebrar e descobrir o nosso cinema.”
DE 8 A 11 DE MAIO Centro de Convenções John Wesley Xerém — Duque de Caxias (RJ)
TELA GRANDE encantamento som luz imagens duas cores muitas cores poltronas escuro silêncios magia prazer imaginação delírio sonho ilusão fascinação perpetuação
O antigo Cine FNM, dos anos de 1960, hoje é a Biblioteca Pública Ferreira Gullar
Curta: FNM – A VILA DE OPERÁRIOS Documentário | 15’20 | Cor | 2022 | Brasil Direção: Maria Carolina Gomes Roteiro: Maria Carolina Gomes Elenco: Josafá Gonçalves de Carvalho, Elenirce Melo Cardoso, Eurilena Foster, Jonas Pedroza, Maria Cristina Selonke, Afonso Alberto da silva Ribeiro, Dalvo Rodrigues Lemos, Maria Aparecida da silva Cunha, Haroldo Júnior. Em uma Vila com vestígios históricos, na baixada do Rio de Janeiro, uma jovem resolve reunir pessoas que vivenciaram aquela época, embarcando em uma jornada pelas suas histórias e lembranças.
Ao trotar por aquelas veredas topei com um camarote à disposição. De princípio, com olhos de estrangeiro, quis desdenhar do estofado, pus menosprezo na poltrona, achei a cor de pouco valor. Quem teria abandonado ali aquele refugo de descanso, aquele aconchego de pouca monta? Fui logo filosofando, com meus sábios gregos, da validade daquele entulho, do estorvo daquele bagulho ali posicionado. Apeei do que me conduzia. Tive uma atração inesperada por nele sentar, e ter a mesma sensação de quem o fizera ou o faria algum dia. Ora, se não me sentei lá. Descobri a razão daquele sentador assim posicionado. Pude enxergar outro horizonte. E imaginar que fora ele, um roto sofá abandonado, o provocador, o desafiante filosófico, enviado, com certeza, por meus velhos e tão estimados gregos. A poesia está em todos os lugares.
Viver tudo ao mesmo tempo Ele querendo corpo, pulso, pescoço, orelhas, carne e ossos Ela querendo corpo, pulso, pescoço, orelhas, carne, ossos e suspiros e palavras.
Encaixe de desejos e sabores Perfumes de enamoramentos
Sabes tu de minhas dúvidas sabes tu de minhas dádivas sabes tu de minhas dívidas Conheces minhas restrições? conheces minhas prescrições? conheces minhas limitações? Valorizas o que é de meu? valorizas a nossa intimidade? valorizas as nossas identidades? Sentes o que tenho para te dar? sentes meus olhos nos teus? sentes minhas mãos na tua pele? Reconheces a nossa complexidade? reconheces os nossos beijos? reconheces as nossas peles interiores? Então é porque tu me amas assim quanto eu te amo.
Poesias: Odonir Oliveira
Charge: Brasil 247
Foto de arquivo pessoal: minhas flores de maio de 2024
Como se criam e se descobrem as habilidades em cada um de nós no caminho das escolhas profissionais. Como trabalhar e, com dignidade, se sentir construindo algo. Ivan Lins sempre fez isso. E teve que escolher entre ser engenheiro químico e compor e cantar. A decisão aconteceu em Barbacena, MG, quando nos anos de 1970, já depois de ter ganho o Festival da Canção com “O amor é meu país” e tido “Madalena“, gravada por Elis Regina, o jovem com pós-graduação e estudos aplicados ao cimento, desistiu de tudo, na Cimentos Barroso, para onde seria contratado e teria uma carreira em ascensão na engenharia, cita isso em 34′ nesse vídeo, que é excelente, pois explicita a política dos direitos autorais, por que artistas ainda precisam fazer inúmeros shows, mesmo aposentados etc. Ivan Lins é um homem ultra sensível, que se mostra frágil, inseguro e se expõe em sua maturidade. INESQUECÍVEL mesmo!