Antologia de vidas

Felicidade: aprendizagens

FELICIDADE PARA QUEM?

Dona Antônia, Antonha, vinha fazer faxina na cidade de São Paulo todas as manhãs. Da cidade dormitório onde vivia com marido, filha e netos, calçava botas de sete léguas, aguardava no ponto de ônibus, ainda escuro da madrugada, o lotação que a levaria à estação de trens, depois lá, tomaria outro lotação, caminharia a pé, e só então estaria na casa das patroas. Sempre chegando bem mais cedo que as outras. Era assim.

Dona Antônia não lia nem escrevia, vinda das Alagoas, das fazendas da família mais poderosa por lá, trabalhara desde os 8 anos. Tinha mãos grossas e uma honestidade e um senso de justiça exemplares. Ria de lado, chegando a colocar a mão na boca, como se a ela não fosse permitido sorrir de algo. Era miúda, lépida, afetiva e trabalhadeira. Gostava de cães. E muito.

Certa vez, em 2004, narrou a sua FELICIDADE. Acabara de comprar “uma TV de plasma, dessas bem grandes, sabe, vão entregar hoje. A gente já não tem nada, só a nossa casinha pequena, se não tiver uma TV boa e grande, nem vale a pena.

Abandonando todas as explicações e as teorias acumuladas por leituras, ensaios, reflexões e dialéticas, via-se nos olhos dela, rindo, o que era FELICIDADE.

Quisera eu, Odonir, aprender, assim sinceramente,  a FELICIDADE.

FELICIDADE

Há algo tão maravilhoso

quanto o canto dos pássaros?

Não sei.

Sei que gosto

de ficar entre o verde

ter o cheiro das laranjas

perto de mim.

Sei que gosto

do barulho do vento

das folhas que caem.

Sei que gosto.

Gosto muito de verde,

é a minha cor favorita

há muitos anos,

portanto,

“felicidade é aquilo que a gente encontra em horinhas de descuido”,

não é, velho Guima?

Texto e poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Instituto Piano Brasileiro

Escombros

VAGANTES
Das madrugadas de névoas assombradas
vislumbram-se imagens
ao longe
sempre ao longe
silhuetas que se movem
há corpos de homens
há corpos de mulheres
há silhuetas de crianças.
Ao longe
sempre ao longe.
Há saltos nos ares
almejando entrar no trem
Trem invisível
plataforma invisível
guichês invisíveis.
Escombros de viagens
escombros de partidas
escombros de chegadas.
Seres vagam
por mais de cem anos
como se quisessem completar a viagem
malsucedida
descarrilhada
interrompida…

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos: Canal Odonir Oliveira

A casa da gente

Paisagens internas garimpam paisagens externas

FUGERE URBEM
O rio correndo lento em sol camarada
as pedras roladas emoldurando os beirais
as árvores desfazendo-se de folhas secas
o vento-brisa revolvendo cabelos
um cheiro de amor à vida
na frente
nos lados
atrás
acima
de nós
sem nós
só laços em espaços
tu caminhas distante fotografando a manhã, os longes
eu recostada à figueira centenária fotografo as nuvens
há uma toalha xadrez vermelha sobre a mata rala
há queijo fresco, roscas, bolos, salame, frutas
vinho
há um vivo ar de macelas ao longe
aquecendo aromas
pintando o rio
colorindo os corpos
beijando raízes similares
há uma fuga de Bach interna
há um fogo de peles externas
há você e eu
Imagina …

MARES E MARÉS

Nunca tive intenções de mar.
Mulher de águas salgadas,
nasci e convivi com elas
por sempre.

Nos anos em que ainda me empinava
a cauda e o mastro era grande e rijo,
naveguei por marés e areias
de Rio, Santos, Salvador, Itaparica…
Vivi de mar.
Tive riscas de sal na pele ao fim das tardes
cabelos longos que ventavam meu rosto ressecado
por desejos realizados, paixões de sol.

Nunca tive intenções de mar
Nem tampouco de alto-mar.
No Pacífico, gelado e salgadíssimo,
quase sucumbi em um bote pesqueiro, de domingo sagrado.
Albatrozes chegavam-nos aos braços como peixinhos de aquário
a sugar seus alimentos e nosso sossego.

Nunca tive intenções de mar.
Nunca quis sugar nada de seu.
Nunca sorvi mais do que seu quebrar de ondas nos ouvidos
seu movimento de entrega e recolho
pelas manhãs, às tardes,
sentada nas pedras do Farol de Itapuã,
caminhando pela praia de areias pesadas,
namorando distâncias de horizontes imaginados.

Nunca tive intenções de mar.
Em menina, não quis nadar nunca.
Sequer aprender.

Meu encantamento com o mar
é o de quem sabe o que é o mar
e com ele não tem
sequer uma intenção.

ORÁCULO
Sabes que te espero nas pedras
Adormeço no teu caminhar
Durmo com teu murmúrio solenemente fértil
Ah fosse eu pedra limada
De verdes musgos vestida
De sedutoras águas umedecida
Ah fosse eu pedra tua
Meu rio de fundo de quintal
Oráculo de minhas angústias
Cala-me que te ouço
Cala-me e aconselha-me
Sou pedra verde
Estou aqui
Sou tua.

NO MUNDO DA LUA
O balé de lua e nuvens,
em coreografia lírica
ao som da sinfonia
do trem nos trilhos,
dos galos nos ares
na madrugada
de pura sintonia
de pura poesia.

“Não há segurança climática para o mundo sem uma Amazônia protegida”.[…] ”Temos 30 milhões de hectares de terras degradadas. Temos conhecimento tecnológico para torná-las agricultáveis. Não precisamos desmatar sequer um metro de floresta para continuarmos a ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo.– Presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva, COP-27, novembro de 2022.

Poesias: Odonir Oliveira

Vídeos: Canal Odonir Oliveira

Um trem ao longe

UM TREM AO LONGE
Faz séculos que me encontro nesse refúgio
há nele sons e imagens
ponho-me a ouvir o atrito do trem
na minha pele
no meu devaneio
no meu delírio
faz séculos que me encontro nesse refúgio
entorno meu olhar por trilhos
absorvo seu perfume de vento
na minha pele
no meu devaneio
no meu delírio
faz séculos que me encontro nesse refúgio
identifico suas idas e vindas etéreas
na minha pele
no meu devaneio
no meu delírio
Faz séculos que me encontro nesse refúgio.

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Odonir Oliveira

As Minas Gerais

CORDAS DE VIOLAS
Aqui no meu peito
dormem meu avô Zé e minha vó Natália
nos verdes dos meus anos
descansam meu vô Juquinha e minha vó Jovem
trazem raízes nas mãos e nos pés
envoltas na terra vermelha dos caminhos
pelo túnel da Oeste seguem o rumo dos inconfidentes
janelas olham dos sobrados de Drummond
há pedras no meio dos caminhos
há serras de pedras no meio dos caminhos
o jovem pai vai estudar na Escola Agrotécnica
a mãe entrega o pão da vida aos cotidianos
há sempre um trem sobre nossas cabeças
há um hospício holocausto nos trilhos do trem
coretos ensinam alegrias nos domingos libertários
cemitérios guardam nossos mortos
aqui no meu peito guardo um bater circunspecto
no chão que piso tem sangue de todos os meus
por Minas Gerais sobrevoam pássaros eternos
vêm dos céus
aparo cada um
acolho cada um
guardo cada um
aqui no meu peito

TERRA DE MINAS

Que bondade tem o garoto mineiro que ajuda a carregar embrulhos, mesmo sem precisão…
Que prosaico é aquele “cê bobo” ao final das frases coloquiais …
Que vontade é essa de ficar sentado na praça a tocar causos e prosas até o entardecer…
Que permissivo é esse tom de confidência de quem jamais nos viu antes …
Que adocicado é esse olhar de matutagem espalhado pelas calçadas …
Que coisa caseira é essa que me enternece de água os olhos …
Talvez seja encontro de sangue mineiro com sangue mineiro.
Talvez seja um ponto de vista repleto de montanhas .
Talvez seja essa vontade de encontrar o que uma vez se perdeu em mim.

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1-Canal Edgard Bortoti

2- Canal Música de Interior

”Quem anda no trilho é trem de ferro”

CENÁRIOS
o céu azul
limpo
o som nos trilhos
limpo
as trovas e as trevas
companheiras
o sol no céu azul
arco-íris
os trilhos que correm
água entre as pedras
o portão aberto
a ponte acima
o trem nos trilhos
o flamboyant na primavera
que bonito que ele era
seus galhos no céu azul
a curva dos trilhos
a caminhada por eles
o signo travessia
o girassol amarelo
o calor e o estio
o maravilhamento cotidiano
os trilhos que correm
a água que corre
travesseiro dos meus braços

Leia aqui no blog muitas histórias e poesias na categoria “Trens”- https://poesiasdemaosquesentem.wordpress.com/category/trens/

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeos:

1- Canal Renato Braz – Tema

2- Canal NALDO RODRIGUES

Só viver no afeto

VEREDAS, PICADAS, PINGUELAS
a seta encimada guia
ruma ao rumo
por perfumes
por fluidos anúncios
por cores diáfanas de luz
por doces sabores de ideias
ruma ao rumo
aquieta o peito
sonha com afetos quentes
abraça desejos amplos
ruma ao rumo
repousa corpo e espírito
no banco da vereda
ergue o olhar às nuvens
desenhos de algodão-doce
ouve bem-te-vis
ouve canários-da-terra
ouve aves canoras de roberto
ruma ao rumo
segue a picada
costeando o apito do trem
descansa os pés no banco
cruza a pinguela
a seta encimada indica
pousa ali
repousa ali
sonha ali
revive ali

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal: recantos de Minas Gerais

Vídeo: Canal Lenine Oficial