A linguagem que acaricia o espírito. Gosto de beber regionalismos, frases e expressões antigas, gosto de entender a etimologia dos termos, gosto de quem resgata falas e locuções expressivas. Aqui nas Gerais vivo pedindo traduções, isso quando não alcanço o sentido, dentro do contexto. Mas são falas que me acariciam como seda, veludo, plumas… Gosto de beber entonações diferentes e poder senti-las também.
ELZA E O AMOR ÚLTIMO
Cansada de mesmices, Elza se apaixonou por olhos imaginados, pele imaginada, mãos quase imaginadas. Elza acreditou que aquilo fosse um "tiro ao álvaro" no seu coração. Era tanta letra, tanta melodia, tanta história comum que pensou, e mais do que isso, sentiu que era pra valer aquele Amor. Faltava confirmar se aquilo tudo era aquilo tudo mesmo, tanta picardia, tanta revolta, tanta resposta na lata, tantos desvios e desvãos tais quais os de Elza, ou bastante semelhantes. Precisava estar. Entrou areia no caminho, mas não areia assim de se limpar os pés, tirar os sapatos e se continuar na vereda. Foi areia molhada, pesada, vinda de todos os lados, por ventos, por enxurradas, nas redes, nos barcos, nas praias. Elza cuspiu sangue por tempos enormes; teve pus expelido por orifícios líricos, amargou humilhações familiares, não familiares a ela, mas a uma Elza desconhecida. E morreu.
A Jovem Guarda já fervilhava nas rádios AM da cidade, as gírias, a moda, os modos, tudo influenciava a quem vivia naqueles anos sessenta.Os festivais da canção de São Paulo, os programas de auditório da Excelsior, da Record, da Tupi eram determinantes para que crianças e adolescentes bebessem da cultura estrangeira que galopava. Chegavam os primeiros discos dos Beatles, dos Rolling Stones e de outros conjuntos americanos. Tudo era novidade.
Gina era meninota ainda, não se incomodando, ainda, com assuntos de querer, de namorar, de se enfeitar com a sensualidade já permitida. Gostava de cantar, dançar o twist. As composições entravam-lhe pelos ouvidos e ela passava a repeti-las, mesmo sem compreender seu significado, mas repetia aquilo tudo com enorme prazer. Encantavam-lhe as palavras, a sonoridade das palavras, o ritmo das canções. Não eram invocação para o real vivido, para uma paixãozinha inicial, como para muitas de suas amigas. Quase todas.
Naquele ano de 1964 iniciaram-se as dublagens, as mímicas das canções estrangeiras. As meninas criavam grupos de 4 para dublarem formações americanas. Os meninos imitavam Beatles, Rolling Stones, com guitarras sem fio, numa mise-em-scène adorável.
Gina encantara-se por Rita Pavone, pelo italiano que ela trazia, pela língua, pelas traduções das letras. Acreditava que teria de entender o que iria cantar. Cantar não, dublar. Assim encaminhou-se a estudar por conta própria, a ouvir muitas e muitas canções em italiano. A língua já lhe era até familiar. Pensava em italiano. Vestia-se como Rita Pavone nas apresentações que ela e as amigas faziam no clube nas concorridas domingueiras. Levava até o martelinho.
Assim, iniciou seu interesse por uma língua estrangeira, a primeira pela qual demonstrou atenção. Nem o inglês beatlemaníaco a fascinara tanto quanto o italiano.
Um dos motivos de tamanho interesse também devia-se ao fato de haver engenheiros italianos trabalhando na fábrica da cidade, da observação de sua forma de falar, de se vestir, de se relacionarem com os filhos. Tudo era um mundo novo que se descortinava para a menina.
Conforme Gina ia traduzindo as letras, ia descobrindo naqueles versos um outro mundo, o do amor, da adolescência. Foi assim que Gina abriu-se em flor, através das letras e das canções italianas que ouvia. Com um prazer extasiante foi descobrindo o amor. Um amor que chora, ri, perde e ganha alguém.
“Cuore, cuore, Dio come ti amo!”
Texto: Odonir Oliveira
1º Vídeo: Canal ORIGINALISSIMA
2º Vídeo: Canal Lisa Oi!
3º Vídeo: Canal Marcello Felici
4º Vídeo: Canal LACM2610
5º Vídeo: Canal glivingston73
6º Vídeo: Canal charassita
Imagens retiradas da Internet: telas da pintora surrealista Bridget Bate Tichenor (1917-1990), que viveu em Roma por um período.