Saudade

Chuvas

CHUVA ÁCIDA
nem bem havia vencido a fase
já me entortava os braços o medo
já me amarrava as pernas o pavor
já me costurava a garganta a humilhação
nem bem fechara os olhos
já furavam-me as meninas
já me privavam do entardecer
já me armavam de visgo as pálpebras
ódio violência fascismo
sem proteção

CHOVENDO
Primeiro, sons de gotas
Depois, cheiro de água na terra
Agora, na sacada,
vendo a precipitação dos pingos.
entorno meu rosto por eles
para que me lavem dores,
para que me limpem do sangue,
para que me purifiquem com o prazer.
Nesse mesmo céu
há pouco havia estrelas.
Agora, entreguei a ele o meu coração.

BRUMAS
sou passos
esparsos
cambaleio
tropeço
as brumas me envolvem
sou redemoinho de céu
sou névoa de nuvens
a água deságua sobre mim
sou pedra
sou chão
sou pedra
sou terra
sou mina
sou serra Serra de São José
sou milesetecentos
sou mina
sou gruta
sou terra

CANTOS DE ACORDAR
coral de galos confidentes
chamam é dia do batizado
herói alferes sussurra nos ouvidos
palavras de ordem
o tempo já se faz tarde
a hora de novo se apresenta tardia
confabulam-se conselhos
proseio mineiro de raízes libertárias
a Serra de São José acorda o sol
as aves acordam as borboletas
as borboletas bailam para os rios
os rios semeiam as terras
o tempo já se faz tarde
as gentes todas cheiram o café pelas vielas
a cultura do prosaico falador no banco da praça
de que família você é
as linhagens de sangue mineiro
conferidas
antes da confiança maior
montes fazem elevar o sentir
sentidos de prazer
sentidos de fé

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Guilherme Arantes

para que me lavem dores,

para que me limpem do sangue,

para que me purifiquem com o prazer.

Nesse mesmo céu

há pouco havia estrelas.

Agora, entreguei a ele o meu coração.

Roteiro para as cinzas

QUANDO EU MORRER
Tenham em mãos a autorização escrita
Façam com que meu corpo em cinzas se torne
Disponham cada poeirinha de meu cerne em pote de cerâmica mineira
Sigam pela BR 265 até meu rumo ao infinito
Percorram toda a Av. Governador Israel Pinheiro
sosseguem um pouco e repousem meu olhar-pó na Serra de São José
concedam-me o direito de ouvir pássaros e cavalos
encontrem logo na entrada o Rio das Mortes
à esquerda e à direita
passem por ele e sigam até o século XVIII
parem na Praça da Estação
esperem a maria-fumaça vinda de São João Del Rei
deixem que eu-poeira ouça ainda uma vez
o meu trem eterno
vejam meu Ribeiro São José
depois sigam até o Largo das Forras
parem em frente ao muro dos inconfidentes
concordem que eu leve esse portal comigo
agora deixem o perfume das rosas em mim
permitam-se estar frente a frente com Nª Senhora
mãe como eu
Agora que já tenho em mim
a minha confidente fiel
a minha Tiradentes
retornem ao Rio das Mortes
sobre a ponte
espalhem minhas cinzas
do lado direito e do lado esquerdo
Torno à agua
Torno à essência original.

No século XIX, a tuberculose matava a população. Surgiu na literatura brasileira uma geração de poetas ultrarromânticos que cultuaram a morte como companheira, já que esperavam por ela. Aos moldes de Lord Byron, poeta inglês, aqui, Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela também abordaram o tema da morte de maneira semelhante, tendo todos morrido muito jovens. Curiosamente, temos vivido desde 2020 na expectativa da morte, sem sabermos quem seguirá com ela como companheira de viagem.”Para morrer basta estar vivo”- diz o dito popular. Sem morbidez, mas realisticamente, é preciso saber disso.

”A Cidade de Tiradentes foi fundada por volta de 1702, quando os paulistas descobriram ouro nas encostas da Serra de São José, dando origem a um arraial batizado com o nome de Santo Antônio do Rio das Mortes. O arraial posteriormente, passou a ser conhecido como Arraial Velho, para diferenciá-lo do Arraial Novo do Rio das Mortes, a atual São João del Rei. Em 1718 o arraial foi elevado à vila, com o nome de São José, em homenagem ao príncipe D. José, Futuro rei de Portugal, passando em 1860, à categoria de cidade. Durante todo o século XVIII, a Vila de São José viveu da exploração de ouro e foi um dos importantes centros produtores de Minas Gerais.
No fim do século XIX os republicanos redescobrem a esquecida terra de Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”, fazem uma visita cívica à casa do vigário Toledo, onde se tramou a Inconfidência Mineira. Mas foi o inflamado Silva Jardim que, de passagem por São José, sugere em seu discurso que o nome da cidade fosse trocado para o do herói, em lugar de um rei português. Com a proclamação da república, por decreto de número 3 do governo provisório do estado, datado de 06 de dezembro de 1889, recebe a cidade o atual nome “Cidade e Município de Tiradentes“. Após longos anos de esquecimento, o conjunto arquitetônico da cidade foi tombado pelo então Serviço do patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 20 de abril de 1938, tendo sido, por isso, conservado quase intacto.” FONTE: Site Tiradentes.net

Poesia: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal :Minha Tiradentes, MG

Vídeo: Canal Elis Regina – Tema