Cenas familiares de Rita Lee e Roberto de Carvalho, durante décadas, apontam o que é o Amor, que nasce, cresce, resplandece, produz, cria. Ambos se separaram, sim, por uns tempos, creio que no fim dos anos de 1980. Rita se encantou por Guilherme Arantes etc. Todos os períodos em que Roberto sempre cuidou de Rita, a dependência química, a quase perda da voz etc. Isso tudo é Amor. O cuidado amoroso dele é inegável. Rita foi se acalmando, amadurecendo, perdendo aquela ansiedade, que lhe era característica, se dedicando à causa animal, à natureza e ficando cada dia mais caseira, mais mãe, avó e aprendendo a reconhecer a sua felicidade. Já fiz aqui post sobre meu ex-aluno Eduardo Salvitti, que foi baterista dela até os últimos shows. Ele, amigo de Beto Lee, se refere a ela como A Nossa Rainha Rita, inclusive. Viva o Amor verdadeiro porque esse sim é eterno!
Cenas familiares de Rita Lee
AMAR É O QUÊ ?
Ah, meu amor eu não esperava mais amar. Amar é difícil: ficamos frágeis, inseguros, duvidosos. Amar faz-nos ciumentos do que antes não éramos Amar deixa marcas jamais cicatrizáveis Amar faz entregar, aos outros, nossas incapacidades. Amar nos torna compulsórios demais, cotidianos demais, corriqueiros demais. Amar nos faz beber lirismo em um copo em um livro em uma flor em uma risada tola. Amar é um sentimento, é uma parte, é uma fase, é uma tormentosa viagem em um oceano a esmo, é um deleite de senhas descobertas, é um sentar-se ao lado, nos silêncios compartilhados? Amar se parece com o quê ? Com um corpo dentro do outro como encaixe de engrenagens que se integram oferecendo trabalho? Com um tempero harmonioso de manjericão, alecrim e salsa? Com água de cachoeira pesando nos ombros qual chicotadas de ânimo? Com perfume de mãos deslizantes sobre flores delicadas? Amar se parece com o quê? Ah, meu amor eu não esperava mais amar.
Vídeo: Canal Rita Lee (Com a luxuosa presença de meu ex-aluno Eduardo Salvitti na batera)
[Sororidade significa a aliança feminina baseada no apoio mútuo, na solidariedade, empatia e força. A sororidade é importante para o feminismo porque representa a união entre as mulheres em prol da busca pela igualdade de gênero e da conquista do seu espaço na sociedade. A sororidade é importante ainda porque é através do olhar e comportamento amigável e solidário entre as mulheres e da união entre elas que a busca pelos direitos iguais e pelo fim de seu rebaixamento na sociedade ganha grandes proporções e atinge cada vez mais mulheres]
Rita grita Rita ama Rita briga Rita vibra Rita vai, Rita pula, Rita dança Rita brilha Rita lança Rita ama Rita embarriga Rita vai, Rita vem Rita no sim Rita no não Rita embala os dias Rita embala baladas nas noites Rita incendeia as madrugadas Rita, Rita, Rita Rita grita Rita faz careta Rita sapateia nas hipocrisias Rita apita caretices Rita colore vidas Rita, Rita, Rita Rita ali, aqui, em qualquer lugar
VOU
Querer voar o mundo querer conhecer o mundo querer outros mundos
Ir-se. Voar.
Estar, descer, subir, cair, voar. Novidades de véspera. Novidades de hoje. Novidades de amanhãs. Arriscar-se no ar, em terra, em corações.
Voar é preciso. Voar é urgente.
VEREDAS
Meu corpo espera abraçar e ser em ti. Voe que te colho com minhas mãos como colho teus cenários e escrevo-te palavras.
Por quê, homem alado? Porque é de púrpura a cor do meu vestido.
ASAS
Tinha asas internas Ensinava outros a voar Esquadrinhava os céus, calculava imprevistos, equacionava soluções Tinha enorme prazer em vê-los em asas indo, indo, indo …
Tinhas asas internas Aguardava um voo duplo Nunca soube bater asas solitariamente Dizia que era como se o céu estivesse sempre nublado, sem vento, sem cor.
Preferia ensinar a voar. Aguardava por um voo incomum
NO RISCO DE VOAR
É a alegria que infla sua vela É a alegria que estufa sua expectativa É a alegria que enfuna seu peito. É o deslumbramento de ir, ver, encontrar, voar. É ter força nas pernas, vigor nos braços e movimento de quadril
É tudo que precisará. É tudo que arriscará. É tudo que tentará.
NOVO
Ei, vem aqui perto vem ouve o que quero te segredar vem, ouve É novo de novo
Vem Agora corre comigo agora ri comigo agora pega essa chuva forte comigo
Vem Anda comigo nos trilhos do trem Vem Você prometeu Vem Me faz rir com gracejos, trocadilhos e chistes Vem Faz verso, faz prosa Faz música, faz rio, faz ponte, faz trem Vem Me faz VIVER Vem, por favor, vem.
Vem, meu ano novo Vem, meu novo horizonte Vem, meu belo horizonte.
Eduardo Salvitti na batera, quebrando tudo.
ENSAIANDO O VOO
Tem as cordas nas mãos Tem as imagens no pensamento Tem as palavras no coração Tem a chance do voo na imensidão. Prepara ferramentas, paramentos, coragem. Vai rumo ao prazer. correndo todos os riscos.
VERSEJAR SEM LÁGRIMAS
Capaz de rir capaz de gozar capaz de flutuar capaz de ouvir e ser ouvida capaz de beber vinho e rir muito capaz de ver o mar em noite calma capaz de sentir vento quente nos cabelos capaz de ver a linda lua cheia de inverno capaz de sentir o fascínio do olhar varão capaz de ser feliz.
OUSADIAS
Com os dias passando, assim correndo, há que se correr também, há urgência em tudo. Corro pra visitar aquelas cachoeiras nunca tocadas corro para beber água gelada de serras amanhecidas corro para falar “eu te amos” aos que nunca o ouviram de mim corro para cozinhar delícias e, em comunhão, ofertar aos queridos aliados corro para beber sabores que nunca experimentei por impossibilidades várias corro para escrever letras, sílabas e linhas anoitecidas, enquanto ainda consigo andar ver falar ler respirar me encantar.
BAÚ FLORIDO
Tempos que vão tempos que vêm tempos que se guardam em baús de flores.
Quando as estações são sem flores, abrem-se as histórias, perfuma-se o ar com elas de novo, sorvem-se horas, dias, meses, anos encantados. Depois, fecha-se o baú e segue-se porque aquela bagagem estava repleta de fragrâncias.
Dedicatória: Ao meu ex-aluno Eduardo Salvitti, menino-homem, que cresceu, cresceu e acabou o gigante batera quebrando tudo junto com a Rita. Salve, nunca me esqueço de seu olhar doce e de seus olhinhos claros. Beijo
Poesias: Odonir Oliveira (escritas em 2016)
Fotos de arquivo pessoal – (A última é do Eduardo Salvitti)
Roberto Freire, psiquiatra e criador da Somaterapia, costumava discordar de datas compulsoriamente combinadas para se festejar algum relacionamento, como Dia das Mães, dos Pais e, em especial o Dia dos Namorados. Tudo criado e patrocinado pelo comércio, pelas vendas. E como vende-se amor !
” Quando começo um trabalho terapêutico, vou logo dizendo ao cliente que não entendo absolutamente nada de amor. Com 50 anos de vida e de amor apaixonado, com 25 anos de clínica amorosa e apaixonada, aprendi muita coisa, mesmo, sobre a vida e o ser humano, mas absolutamente nada a respeito do que possa ser o amor e como funciona. […] Então como é que nós, psicólogos e psiquiatras, podemos exercer nosso ofício sem entender a essência e o funcionamento do amor, se é com isso que lidamos efetiva e frequentemente em nossa vida pessoal e na de nossos clientes?
Foi justamente quando perdi minha pretensão de onisciência e onipotência em relação ao amor, que me humanizei como terapeuta, e pude realmente exercer meu ofício. Porque descobri que amar é um mistério que só é bom se continua mistério. Porque percebi que amar é uma coisa que se sente mas não se entende, e que se a gente entende para de sentir. Ou seja, o amor a gente só entende quando ainda não sentiu, só compreende quando deixou de sentir. E a melhor receita para acabar um amor é intelectualizá-lo, explicá-lo de outra maneira que não seja a poética e a musical que, na verdade, não explicam nada, só pulsam, como o próprio amor”
(“Entre o Amor e a neurose eu fico com os dois”, em VIVA EU, VIVA TU, VIVA O RABO DO TATU, Roberto Freire, p. 141, 142, Ed, Símbolo, 3ª edição, SP, 1977)
APENAS UM GAROTO
Tinha medo. Sabia das causas e consequência e tinha medo. Perdera o pai de repente, infarto fulminante aos 40 anos. Agora adolescente, quase no momento do serviço militar, estava apaixonado. Achava que estava.
Se pelo menos o pai ainda estivesse vivo, uma conversa, um aconselhamento, uma advertência. Mas com a mãe e a irmã, ainda mais nova que ele, nada disso poderia ocorrer. Agora teria que resolver tudo sozinho. Quem sabe aquele amigo meio tio pudesse ajudar. Precisava pensar, mas pensar como … só se fosse quando sozinho.
Namorava a amiga da irmã, uma garota 3 anos mais nova que ele. E quando estavam juntos … gaguejava. Na verdade, era gago, por isso aprendeu a ficar mais calado que a falar. Observava, tinha lá suas ideias, mas falava pouco. Gostava da gargalhada dela, de seus planos para o futuro, de suas maluquices juvenis. Gostava. Amava? Nas festas em casa de amigos, era ela a exuberante, dançando samba, cantando, falando alto, gargalhando, contando piadas e casos, era a festa inteira. Ela era uma festa inteira. Ele observava, encantava-se, fascinava-se e falava muito pouco. Quando ela o puxava literalmente para dançarem, era um alívio. Era um alívio porque se dependesse dele … nada. Ficar assim coladinho com ela, com suas pernas grossas, com seus quadris, hum, já era um tormento. Como continuar aquilo, como seguir só com aquilo, como esperar só aquilo ?
Na semana seguinte, sozinhos na cozinha da casa dele, a irmã ouvindo um disco na vitrola na sala, sozinhos na cozinha, ele puxa aqueles quadris pra bem perto, depois pra mais perto ainda, beija-lhe a boca com fome, com fome na cozinha. Ela reage. Bem. Beijam-se sem parar, mãos paradas, pés parados, corpos colados. Beijo de longa duração, longuíssima duração, uma faixa do disco, duas faixas do disco, três talvez. Ele sem gaguejar nada.
Tempos depois, na despedida de um domingo à noite – tinha que ir pra o quartel – sozinhos no escuro, na beira da escada se beijam, se beijam, se beijam, mãos inquietas, pés inquietos, quadris inquietos. Foi embora assim. Como seguir só com aquilo, como esperar só aquilo? Ia conversar seriamente com o sargento amigo, no quartel. Daquela noite não passava.
AMOR É FOGO QUE ARDE
Ela era batista, frequentava cultos aos domingos, carregava a Bíblia e dava mão à irmã mais nova. Nunca namorara, como as amigas da mesma idade. Era mais quieta, quase tímida. A mais nova já iniciava namoros.
Ele, o loiro de olhos azuis, era considerado o encapetado, boca suja, exalando sexo, explicitamente, terror das moças das cercanias. Poucos espaços para entretenimento, poucas oportunidades para se exercer a criatividade, a dança, a música, o esporte, a poesia, o canto… pouco oásis pra muito deserto. Hormônios em explosão, conversas mais produtivas do que ações revelando um rapaz atirado, doido pra realizar tudo aquilo que dizia fazer. Faltava parceira.
Certa vez passou a mão em meia dúzia de amigos e foi pra Andrelândia, em Minas. Lá viviam uns parentes, tinha muita mulher bonita e todos poderiam namorar à vontade. Depois, amor não sobe a serra, dizia, amou lá deixou lá. Aprontou com aquela meia dúzia mais que uma dúzia de tramas, chegando a fugir da espingarda de um pai fera sabe, toda donzela tem um pai que é uma fera, resumia. E essa viagem rendeu dezenas de semanas de exageros naquele discurso fanfarrão.
O ciúme nas garotas estava semeado. E agora a calada menina batista reagiria. Começaram a namorar escondido. Mas tão escondido, que quando se soube já estava esperando criança. Casaram. Tiveram o filho. Viveram juntos uns poucos anos. Separaram-se. Mas ele sempre lhe disse “Eu te amo” .
A semana inteira havia sido de atropelos. O cunhado com um câncer que voltara. O filho do amigo que sumira sem deixar rumo. A família da família do ex- marido pressionando para que os filhos dela fossem para ceia de Natal lá. O jantar que preparava para o namorado estava quase ficando para o dia 27 ou 29 ou até mais pra frente, que tudo se encaminhava para um terremoto ou um maremoto, dependendo de onde saísse o tal jantar.
Verônica era um vulcão de atividades pré- natalinas. Gostava de reunião, mas sem confusão entre familiares. Gostava do pernil assado um pouco apimentado, que a ex-segunda–sogra é que sabia fazer. Entretanto a ex-primeira-sogra se gabava da bacalhoada portuguesa legítima e inteiramente aprovada por convivas até de além-mar. Isso estava ficando muito difícil. Conciliações de novas configurações familiares eram quase impossíveis. A não ser que a hipocrisia fantasiada de espírito natalino ousasse fazer pouso ali, e tudo estaria resolvido. Mas hipocrisias, mesmo com maçã na boca do porquinho à pururuca, não faziam seu gênero.
Sem festa então. Mas e os filhos? Ensinaram-lhe que precisavam conviver com tios, primos, avôs, avós, padrinhos, madrinhas e dar os ossinhos para os cães ao final. Aprendera assim. Como responder a tantas expectativas agora? O cenário era o mesmo, porém convivas já não o eram mais. Que fazer para obter aplausos ao final? Rir o sorriso de véspera, cheio de sacolas de presentes, às vezes equivocados… “meu ex-primeiro-sogro sempre gostou de livros de arte”… “Ih, Verônica, mais um, ele não tem olhado nem os antigos… é só pra juntar poeira”- lembrava-se do último Natal. A ex-segunda-sogra, só delicadezas aparentes, dera-lhe dois beijinhos no ano anterior e reclamara que o presente tinha a cor que ela menos gostava. Terríveis lembranças. Agradar a quem… por quê?
Quase hora da ceia de 2015, as casas das redondezas sempre cheias de parentes e de sons característicos de Natal anunciavam um rito de alegria, assada de véspera, com vozes alteradas de álcool e doses de talentosos e portentosos olhares de estamos aqui outra vez, que bom ainda estarmos vivos, que bom que você veio, trouxe o que te pedi, ponha os presentinhos na árvore, o amigo-secreto já, já começa. No elevador do prédio gestos mais amáveis entre os moradores, olhares de enlevo datados, toques de mãos e braços datados … Roupas novas, sapatos e sandálias novas, atitudes novas.
Pelas ruas, andando-se a pé, o mesmo do mesmo. O espírito natalino acompanhava Verônica. Pensou que tudo isso era muito bom. Gostava. Mas e depois? No dia 26 tudo voltaria ao mesmo. Tudo voltaria ao espírito não natalino. Um mar de hipocrisias borrifado por almas e mentes. Quisera fosse diferente.
Voltou a casa. Telefonou para os pais de seus filhos.
Aguardou que chegassem. Cumprimentou-os pelo Natal, colocou nas mãos de cada um as sacolas de presentes. Beijou Marcos e Eliana, já pré-adolescentes e se despediu.
Voltou ao jardim e de lá telefonou para o namorado.