Louvações a Guimarães Rosa

Chamei os seresteiros, em verso e prosa, para compor o cenário.

Tristão de Athayde escreve sobre João Guimarães Rosa
Manuel Bandeira: ”ROSA DOS SEUS E DOS OUTROS/ ROSA DA GENTE E DO MUNDO,/ ROSA DE INTENSA POESIA/ DE FINO OLOR SEM SEGUNDO;/ ROSA DO RIO E DA RUA,/ ROSA DO SERTÃO PROFUNDO!
Revisão/ edição de G. Rosa em seu texto.
Poema de Drummond: ”UM CHAMADO JOÃO”

Leia também a deliciosa entrevista/ conversa de Guimarães Rosa com Pedro Bloch

http://www.elfikurten.com.br/2011/01/guimaraes-rosa-entrevistado-por-pedro.html?fbclid=IwAR3Z4AU8TrOUmnBYS5obtnFe8OQFfevGo4rtCTtFh4HZOVTmxDbnEKpTwpo

Poesia: Odonir Oliveira (Tiradentes, 2018)

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Discos na Íntegra

Viagens na bagagem VI

VAGÕES

Há como um compasso aberto
no traçado de certas rotas.
Toca-se ao extremo a superfície
apoia-se a ponta seca nos dormentes
eriçam-se os cordeiros
empina-se a fornalha
queima-se um fogo eterno
por bancos, poltronas , estribos, trilhos.

Vagões vagueiam por espaços etéreos
de estradas verticais qual pássaros audazes.
Há como uma geometria desconexa de espelho,
imagens se opõem ainda que as mesmas.

Há um mistério no sussurro lamento
do apito de um trem.

DAVID E O TREM

Nascera na Pensilvânia. Pai, engenheiro da área de extração. Mãe, de origem britânica, religiosa. Mudaram-se com o menino pequeno para São João Del-Rei, MG, com grandes perspectivas de enriquecimento.

David cresceu por aquelas regiões do entorno da ferrovia, sentindo o cheiro da fuligem nos ares. Sempre em devaneios, voejava com a fumaça dos trens, várias vezes aos dias. Caminhava solitário sobre os trilhos, sabia das horas em que viriam, namorava seus apitos anunciadores, e vez ou outra ia até a estação. Encantava-lhe o engenho da rotunda, a inversão de direção, as idas e vindas. Cresceu artista, talvez poeta, músico, pintor. Cresceu artista. Os pais nem se preocupavam com aquilo, acreditavam que mais cedo ou mais tarde regressariam definitivamente para os EUA.

O menino virou rapaz e, sempre com a perspectiva – como um anátema sobre a cabeça – de que retornariam ao solo americano, jamais se fixou em nada, em ninguém. Estava sempre de passagem, ficaria por um tempo apenas, depois partiria. Para onde? De onde? De quê? De tudo, de todos, de sempre. Criou-se nômade, cigano, sem raízes emocionais ou fixas, criou raízes em nuvens, que vagueiam por todos os ares, sob várias formas, dependendo de onde se olhe, do que se queira ver.

Assim, tornou-se cineasta. Naqueles tempos, homem idoso já, mais de 60 anos, voltou a São João Del-Rei a visitar seus caminhos. O eterno retorno. O perfume do chão, o colorido dos ares, a maciez dos trilhos, o soar das memórias nos apitos dos trens imaginários. Tudo ali.

Vídeo: ”Na segunda metade da década de 1970, o norte-americano David Corbitt passou pelo Brasil e registrou algumas ferrovias. Entre elas está a antiga “bitolinha”, remanescente da E. F. Oeste de Minas, mostrada como sobrevivente de uma era passada, ainda com uma tecnologia considerada arcaica. O registro, realizado em filme Super 8, mostra trechos de uma viagem entre São João del-Rei e Antônio Carlos (100km) e alguns takes da estação e pátio de São João, inclusive flagra a rotunda (demolida em 1973) e o depósito de locomotivas. Autor: David Corbitt (Sunday River Productions)”

UM  SÁBADO E UM RIO

Clareia a manhã, é o dia marcado na margem do rio. Um trem ruma ao largo do rio. Um céu se abre em plumas e faíscas ao curso do rio. Umas ilhas de areia no curso, uma ponte, uma estação, outra estação. O sol se abre maior, a tepidez das águas de longe escorre pelos vidros do vagão. Imagens conhecidas desconhecidas congeladas nas telas das retinas eclipsadas por marchas de trilhos. O rio gêmeo ao trem segue em pedras, seixos, plumas e, no céu, nuvens quentes perseguem os vagões, qual anjos de guarda a encaminhar fadas e tapetes voadores em naus de velas e ventos eclipsados de dor. Que cheguem rios, lagos, lagoas perpassando ramais secos e caminhos férteis por águas mínimas de flores campestres e árvores nativas. Não há tempos tardios, sempre é cedo que o dia começa e estará ao meio. Nenhum traço de chuva, tempestade, raio, trovão. O rio corre. O trem corre. A manhã corre. O dia ao meio chegando. A hora seguinte no rumo, no sumo, no prumo, na água corrente, na vida corrente, no cavalo encilhado, galopando serras de viúvas, de moças solteiras, de virgens em transe. O rio costeiro, a tralha na garupa do cavalo baio acompanhando o tropeiro de olhar incomum serranamente contemplativo. Rio que vive, que segue, que escorre, rio que vai, rio que encontra o mar ainda que tarde.

A série Viagens na bagagem nasceu de uma demanda de grupos do Facebook para compartilharmos fotos de viagens – visto que em tempos de pandemia estas se tornaram impossíveis. Como sempre conecto o que escrevo a uma imagem, a uma canção, resolvi dar voz e vez ao que vi e vivenciei – em viagens – nas minhas criações, e com tudo isso, portanto.

Poesia e narrativas: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal: São João Del-Rei e Tiradentes

Vídeos:

1 e 3 – Canal erasmocarlosbr

2 – Canal Welber Santos