Antologia de vidas

No tempo das reparações IV- A vida e a morte de um poeta da quebrada

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“Você é louca. Sua louca. Louca!!”

Você é louca. Sua louca. Louca!!

por Cristiane Correa de Souza Hillal

  1. Nasce.

Ao longo da história, a tentativa de entender e lidar com a loucura passou por mudanças permeadas de tensões e embates de interesses que custaram vidas.

  1. Tenta aprender a ler.

Há muitas dores por trás da história da luta antimanicomial no Brasil. Mais do que o fechamento de hospitais e leitos psiquiátricos, a luta antimanicomial propõe uma mudança de paradigmas políticos, sociais, culturais, jurídicos e clínicos na forma de enxergar e lidar com a loucura.

  1. Expulsa da escola. Bate em uma amiga.

Para que se lute, eticamente, pela reinserção da pessoa com transtorno mental na família e na comunidade, resgatando sua cidadania e autonomia, é preciso vencer o que teóricos chamam de “desejos de manicômio” consistentes na vontade de dominar, subjugar, classificar, hierarquizar, oprimir e controlar aquele que, em sua subjetividade, revela-se diferente e rebelde à adequação convencional em nossa ordem econômico-social.

  1. Casa-se.

Como já nos ensinou Michel Foucault, o aprisionamento da experiência da loucura e a eliminação da heterogeneidade estão no imaginário de uma sociedade autoritária que vive a ilusão de um mundo uniformizado por homens disciplinados e produtivos, como síntese de virtude.

  1. Apanha do marido alcoólatra.

A lógica da filosofia manicomial/hospitalocêntrica ganhou força com o discurso iluminista do século XVIII e repousa na concepção de um sujeito fundado nos parâmetros da razão universal, sempre capaz de controlar seus atos, sua vida e o mundo que o cerca. É alguém disciplinado que atende às regras, normas e pactos sociais e está apenas comprometido com a manutenção da ordem social.

  1. Apanha mais. E mais… e mais …

A loucura passa a ser vista como falha da razão, um furo no projeto humano.  A cura significava resolver o equívoco que a loucura representa. Sem espaço no universo simbólico, o lugar social reservado para a loucura não poderia ser outro a não ser o da exclusão, do encarceramento e da morte subjetiva. (1)

  1. Três filhas. Primeira internação psiquiátrica.

Em um país como o nosso, estruturado na naturalização da violência e exclusão do negro, esse caldo cultural ganha potência. Não se estranha o desabafo do psiquiatra italiano Franco Basaglia (2), pioneiro na luta antimanicomial na Itália, que, ao vir ao Brasil e visitar o Manicômio de Barbacena em 1979, o chamou de “holocausto brasileiro”. Ele disse: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como essa”.

Sessenta mil mortos foram estimados no Hospital Colônia de Barbacena em Minas Gerais. Despidos de suas roupas, cabelos e identidades, desembarcavam, nos famosos “trens de doidos”, pessoas de todos os cantos do país.

Dentre elas, estima-se que 70% sequer tinham, de fato, transtornos mentais. A maioria estava ali porque eram “pessoas não agradáveis e incômodas”. Opositores políticos, prostitutas, homossexuais, mendigos, pessoas sem documentos, epiléticos, alcoolistas, meninas grávidas e violentadas por seus patrões, esposas adúlteras, amantes indiscretas, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, entre outros grupos marginalizados na sociedade.

“Os pacientes do Colônia morriam de frio, de fome, de doença. Morriam também de choque. Em alguns dias os eletrochoques eram tantos e tão fortes que a sobrecarga derrubava a rede do município. Nos períodos de maior lotação, 16 pessoas morriam a cada dia e ao morrer, davam lucro. Entre 1969 e 1980, mais de 1.800 corpos de pacientes do manicômio foram vendidos para 17 faculdades de medicina do país. Quando houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu, os corpos passaram a ser decompostos em ácido, no pátio da Colônia, na frente dos pacientes ainda vivos, para que as ossadas pudessem ser comercializadas”. (3)

  1. Segunda internação psiquiátrica. Epilepsia. Alucinação.

É nesse contexto genocida que se fortaleceu, no Brasil, o contraponto da reforma psiquiátrica e sanitária na década de 70, momento em que variados movimentos sociais, partidos e sindicatos também se organizavam para resistir à ditadura cívico-militar. É, pois, na carona da mobilização por um país democrático e humanista que o Movimento de Trabalhadores da Saúde Mental se organizou para criticar o aprisionamento da loucura.

O transtorno mental passou a ser visto menos como um problema médico e mais como um fenômeno social.

  1. Ganha jaleco branco e pasta azul. Vira a dona do hospital psiquiátrico Cândido Ferreira.

De 1987 a 1993 consolidou-se o MNLA – Movimento Nacional de Luta Antimanicomial, que contribuiu a construção dos paradigmas do SUS na Constituição Federal. O Hospital Cândido Ferreira, em Campinas/SP, é pioneiro na adesão ao movimento e inicia processo de inclusão social dos internados criando a primeira residência terapêutica, em 1991.

  1. Bastante autônoma. Faz saídas externas. Volta à escola.

É promulgada a Lei 10216, de 06 de abril de 2001, que redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Estava sacramentada, como política pública, a reforma psiquiátrica.

  1. Frequenta lojas e escolhe as próprias roupas. Na residência terapêutica, quer quarto só para ela.

Consolida-se a esperança de que a violência dos manicômios, a mercantilização da loucura, a hegemonia de assistência da rede privada, o “saber” psiquiátrico como hierarquicamente superior, o modelo hospitalocêntrico de tratamento, a visão de que o transtorno mental se reduz à lógica “doença e cura” estavam com os dias contados.

  1. Pede festa de aniversário. Dá e recebe carinho.

No rol dos direitos das pessoas com transtorno mental, no artigo 2º. e seus incisos, destacam-se, expressamente, os direitos de um “ambiente terapêutico menos invasivo possível”. O artigo 3º destaca que a Política Pública, de responsabilidade do Estado, será construída com a participação da sociedade e da família. No artigo 4º, consta de forma categórica que a internação só será indicada quando os recursos extra hospitalares se mostrarem insuficientes.

  1. Aprende a usar chave e cadeado. Cuida dos próprios pertences. Adora bolinho de chuva.

Sem qualquer fundamento científico, começa a fortalecer o discurso no seio social de que a luta antimanicomial foi ineficaz. Aumentam as Comunidades Terapêuticas, entidades privadas, de caráter asilar, normalmente destinadas a dependentes químicos e outros, com viés moralista, disciplinar e religioso, na carona de um ideário de “guerra às drogas”.

Nelas, os usuários voltam à lógica de que precisam ser corrigidos e que devem ser submetidos à vontade dos outros, os quais, para salvá-los, decidem como devem dividir o tempo de seus dias e com quem podem se comunicar e se relacionar. O eixo central do tratamento proposto é a abstinência, o isolamento e a restrição do convívio social, familiar e comunitário, na contramão da Lei 10216/2001.

  1. Vai ver o mar. Não desgruda da enfermeira.

Cárcere privado, tortura, sedação, trabalho escravo. Essa é a realidade das Comunidades Terapêuticas estampada no Relatório Nacional de Inspeção realizado em outubro de 2017, em comunidades de cinco regiões do Brasil, em uma iniciativa da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF) – em conjunto com o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).

  1. Gosta de ouvir música, dançar e comer bala de coco.

A Lei 13840, de 2019 escancara as portas para investimento público em Comunidades Terapêuticas ao mesmo tempo em que crescem denúncias, nas Promotorias de Justiça, de atrocidades praticadas em suas dependências.

A Resolução 03/2020, do CONAD, autoriza a internação de adolescentes em comunidades terapêuticas.

  1. BEATRIZ. Vira estatística. É uma das 162 mil vidas perdidas para a COVID.

“Lembro daquela senhora negra, de cabelos brancos, em uma festa junina tri bonita, muitas barracas, quadrilha e eu de padre. Fizemos um casamento bem animado: era noivo fugindo, noiva chorando, padre rezando…ela estava lá, com sua pasta azul e o jaleco branco. Me disse: – Filhinha padre, que regulamento é esse? – É o regulamento da alegria, disse, e fui levando Beatriz para a roda da dança.”, conta a enfermeira do Cândido Ferreira, Maria Eugenia.

Maria Eugenia também engrossa uma estatística: a dos profissionais de saúde mental desse país que jamais desistirão de lutar pela liberdade dos corpos, contra o medo de enxergar a loucura que nos habita e a morte em vida.

Seguem rigorosamente o regulamento da alegria, ainda que, como ensinou Walter Benjamin, “o passado não cesse de existir”. Estão ali, atentos e fortes, para enxergar, amar e libertar as loucas dos cadeados que ainda não aprenderam a usar.

Haverá sempre alguém, ao lado dos demasiadamente humanos, para a partilha do mar e da chuva em forma de bolinho.

Referências:

[1] SILVA, Maura Lima Bezerra e; CALDAS, Marcus Tulio. Revisitando a técnica de eletroconvulsoterapia no contexto da reforma psiquiátrica brasileira. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 28, n. 2, p., dez. 2008.

2  Franco Basaglia, dentre outras obras, indica-se: BASAGLIA, Franco. A instituição negada. Rio de Janeiro: Graal, 1985. 326 p.

3 BRANCO, Thayara Castelo. O Holocausto manicomial: trechos da história do maior hospício do Brasil!. 2015. Disponível em: <http://www.justificando.com/2015/03/05/o-holocausto-manicomial-trechos-da-historia-do-maior-hospicio-do-brasil/&gt;. Acesso em: 05 mar. 2015.

CRISTIANE CORREA DE SOUZA HILLAL é promotora de Justiça MPSP e integrante do Coletivo Transforma MP.

Leia aqui no blog sobre a ”loucura”

“Eu sou muito louca por pensar assim”

Eu sou muito louca, por pensar assim …

Sanidades e loucuras

Sanidades e loucuras

“Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura” G. Rosa

“Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura” G. Rosa

“Ela é fã da Emilinha, não sai do Cesar de Alencar” I

“Ela é fã da Emilinha, não sai do Cesar de Alencar …” I

“Ela é fã da Emilinha, não sai do Cesar de Alencar” II

“Ela é fã da Emilinha, não sai do Cesar de Alencar” II

Psicopatias

Psicopatias

Fonte: Coletivo Transforma MP

Fotos de arquivo pessoal: Hospital Colônia de Barbacena

Vídeo: Canal TheWickedNorth

Brasil: “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, Lima Barreto

LIMA
fruto da terra
negro
segregado
bêbado-louco
etnólogo
antropólogo
naturalista
linguista
sociólogo
escritor
perseguido
bêbado-louco
anti-racista
gênio criador
amante do Rio
brasileiro eterno
sabedor do Brasil
guerreiro nas trincheiras
soldado na resistência
da cultura
da agricultura
da política
bêbado-louco
gênio criador

Manuscrito de Lima Barreto

O mais ferrenho crítico da Primeira República brasileira, Lima Barreto expunha ao ridículo o ufanismo nacionalista e a falsa renovação da fundação da república que, no entanto, mantinha os privilégios da aristocracia brasileira, a segregação social e o racismo no país.

Testemunha ocular desse período de transformações radicais no Brasil – que inclui a abolição da escravatura e a proclamação da República – Lima foi o crítico perfeito das contradições profundas que então se revelavam e que até hoje nos significam enquanto nação. – ‘‘A dura vida e a obra genial de Lima Barreto, próximo homenageado da Flip’‘, Revista Hypeness

ABOLIÇÃO: “Julgava que podíamos fazer tudo que quiséssemos; que dali em diante não havia mais limitação aos propósitos da nossa fantasia. Parece que essa convicção era geral na meninada, porquanto um colega meu, depois de um castigo, me disse: ‘Vou dizer a papai que não quero voltar mais ao colégio. Não somos todos livres?’ Mas como ainda estamos longe de ser livres! Como ainda nos enleamos nas teias dos preceitos, das regras e das leis!

LITERATURA: Eu não sou literato, detesto com toda paixão essa espécie de animal

REPÚBLICA: “Não será, pensei de mim para mim, que a República é o regime da fachada, da ostentação, do falso brilho e luxo de parvenu, tendo como repoussoir a miséria geral?

BRASIL: “Os preponderantes e influentes têm todo o interesse em não fazer subir os inteligentes, os ilustrados, os que entendem de qualquer cousa; e tratam logo de colocar em destaque um medíocre razoável que tenham mais ambição de subsídios do que mesmo a vaidade do poder”

Clara dos Anjos” é meu romance preferido de Lima Barreto, por sua temática: abordagem social e crítica ao casamento arranjado, papel das mulheres na sociedade, racismo, preconceitos de classes, hipocrisias sociais, homens cafajestes, relações de interesse e muito mais. Foi concluído em 1922, ano de sua morte, e publicado postumamente.

” Temos que ler Lima Barreto porque não somos um país livre, não somos integralmente livres, temos que ler Lima Barreto porque somos um país socialmente injusto, somos um país onde os pobres continuam pobres e as elites continuam no lugar delas . Não é pra aprender português que se lê Lima Barreto. Lê-se Lima Barreto para aprender a ser brasileiro” – Antonio Arnoni Prado – ensaísta e professor da Unicamp

Poesia: Odonir Oliveira

Fontes: Obras de Lima Barreto: romances e crônicas, Revista Hypeness

Vídeos:

1- Canal Blog A Daga Sem Fio

2- Canal Juliano Marinho

Loucura

ULISSES

O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). – 25.

Psiquiatra do Hospital das Clínicas, em SP, interpreta o “Hospício Brasil”

[…]

A coluna buscou o auxílio de um psiquiatra do Hospital das Clínicas, doutor Paulo Sallet, para ajudar na interpretação do “Hospício Brasil”. Sallet, 55, tem doutorado em “psicose” e trabalha há 26 anos na área. Abaixo, o resumo da conversa com ele:

Síndrome de Hubris:

“Hubris é uma expressão tomada de obras dos pensadores gregos Sócrates e Platão, que designa um tipo de alteração comportamental que pode levar personagens investidas de poder à insanidade. “A especulação a respeito da conduta desses personagens virou tema de interesse acadêmico a partir de um artigo intitulado ‘Síndrome de Hubris: um transtorno de personalidade adquirido? Um estudo de presidentes norte-americanos e primeiro-ministros britânicos nos últimos 100 anos’ (David Owen* & Jonathan Davidson/2009), publicado no jornal científico inglês “Brain2009).

“Basicamente, o conceito se aplica a pessoas com traços narcisistas acentuados que, na vivência do poder, tendem a intensificar esse comportamento ou a reeditá-lo de uma maneira ainda mais expressiva. “Esses traços podem se manifestar na forma de arrogância, onipotência, menosprezo, preocupação excessiva consigo e falta de empatia. “Na Grécia antiga, a Hubris está representada no mito de Ajax. Sujeito forte e poderoso, o herói dispensou a proteção que a deusa Athenas prometeu a ele nas guerras. Ainda sugeriu a ela que fosse cuidar de outros guerreiros. “Indignada, Athenas infligiu nele uma espécie de loucura que o levou a identificar seus amigos como inimigos. Obnubilou a consciência de Ajax que, confundindo seus aliados com um rebanho de ovelhas, trucidou os animais convencido de se tratar do exército inimigo.

Perto de Deus

“A obsessão em estar sempre com a razão e com a verdade leva o sujeito investido da Hubris a instilar o ódio em todos que não reconhecem seu estatuto divino, e a se tornar sectário, desagregador, provocador, enfim, tudo o que um líder não deve ser.

“Tomando-se por um messias, esse ser acredita estar acima da opinião de técnicos, da experiência e do conhecimento.

Esquizotipia

“Nos últimos 50 anos, a psicologia tem chamado de ‘esquiva ao dano’ (harm avoidance) a forma como cada um de nós fica mais ou menos temeroso diante de riscos. Essa maneira de responder ao perigo iminente varia de acordo com características culturais e genéticas herdadas

“Como seres humanos, desenvolvemos traços adaptativos à evolução da espécie, como agressividade e a desconfiança. “Em certos indivíduos, porém, a expressão desses traços pode chegar a um nível de estruturação perturbador ou mesmo francamente psicótico. “Socialmente, é intolerável que uma pessoa promova ataques a outras por motivos que só ela enxerga, ou sem um ‘inimigo’ que justifique aquela ação.

“Entre as características da esquizotipia, está uma tendência à persecutoriedade.

Paranoia

“É um pensamento recorrente que se alimenta das supostas más intenções dos outros. O combustível da paranoia é a desconfiança, que leva à agressão. “Apesar de a desconfiança ser considerada um traço evolutivo do ser humano, ela pode se transformar em um transtorno mental, uma paranoia, caso ultrapasse determinado ponto. O alarme é a irracionalidade. O mais grave é não enxergá-la. Exemplo prático: Há uma escalada nos números de casos e óbitos em uma pandemia, e o governante sugere que se invadam hospitais para checar se de fato a ocupação dos leitos está no limite. “A verdade do paranoide não vai além de seus desejos pessoais, é aquela que contempla seu egocentrismo.

Apoio ao mito

“Muitas histórias observadas por ocasião dos movimentos nazistas e fascistas na Europa apresentavam personalidades apagadas, que não viam sentido na própria existência. Não estudavam, não produziam, não se consideravam relevantes. Até que apareceu um personagem que lhes deu um uniforme, uma insígnia, pôs uma arma em sua mão e lhes disse: “Você é o cara”. “Natural que esse ‘cara’ se aferre à imagem de quem lhe deu vida. Seu maior medo é voltar à insignificância. Exemplo prático: a moça com traços sociopáticos que lidera um movimento de agressão ao STF e se reinventa como “presa política”. Pessoalmente, ela pode até não querer matar ninguém. Porém, em uma atitude típica, manda recados como “vou ter esmurrar”; “eu sei onde você mora”; “vou pegar sua filha na porta da escola”. De alguma forma, ela se sente autorizada a postar essas mensagens nas redes sociais. Alguma autoridade deu abertura para isso.

Os auxiliares

“O fenômeno se repete com auxiliares que servem à divindade. Muito leais, eles se ocupam basicamente de prestar devoção a ela, não importando o nível de constrangimento público a que venham se submeter. A responsabilidade do cargo e a alegada técnica para exercê-lo são relegadas a segundo plano. “Acometido da síndrome de Hubris, o governante pode, a qualquer momento, confundir esses auxiliares com o exército inimigo e descartá-los, atacá-los e até mesmo aniquilá-los.

Direita e esquerda

“Política (com p minúsculo) é um vasto campo para o exercício da paranoia. Em um universo caracterizado pela hostilidade, a competição e a intriga, tudo cheira a desconfiança. “O surgimento eventual de lideranças radicais pode levar o eleitor a cair na armadilha da polarização, que leva a insensatez. Exemplo prático: se alguém sugere a flexibilidade paulatina da quarentena, é fascista. Se alerta para os riscos de escalada da pandemia, é comunista. “Um grita daqui, outro de lá, promovem-se ruidosos panelaços, para nada. No centro de tudo, impera a paranoia de um personagem narcisista, temeroso da segurança de seu clã, que só ouve o que lhe interessa e não percebe a aproximação da ruína.

Nêmesis

“Nas tragédias gregas, os deuses afrontados pelo sujeito investido da Hibris o obrigam a pagar o preço da prepotência. É a Nêmesis. Representa a volta do herói invencível aos limites transgredidos. Esse retorno, no caso de Ajax, causou tanta humilhação que o levou a se matar. Isso corresponderia, na transposição para a nossa realidade, ao suicídio político da figura mitificada.

* David Owen escreveu uma série de livros tratando do assunto e capitaneou um comitê de investigação com o intuito de incluir a síndrome como diagnóstico oficial nas classificações internacionais de doenças – a CID 11 e o DSM 5 (Diagnostic and Statistical Mental Disorder)

FONTE: https://noticias.uol.com.br/colunas/paulo-sampaio/2020/06/24/psiquiatra-do-hospital-das-clinicas-em-sp-interpreta-o-hospicio-brasil.htm

Vídeo: Canal Renato Teixeira

As tardes

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NA TARDE

beira ao desconhecido a sombra
beira ao lume a faísca, o fogo
beira ao toque o real, a carne-músculo
beira à labareda o incêndio, a chama
beira à loucura a picada riscada
beira ao ancoradouro o barco de flores do campo

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ARDE A TARDE

esteve sempre ali
esteve sempre silente
com mãos vivas e pele quente
esteve sempre ali
esteve sempre no verde
com pernas maduras e pés ardentes
esteve sempre ali
com grutas incandescentes e acalentadoras
esteve sempre ali
esteve sempre no verde
nunca musa, esfinge, vestal
esteve sempre ali

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A TARDE É REAL

gosta de um corpo
gosta de um rosto
gosta de um sorriso
gosta de uma pele
gosta de um lastro
gosta da história
gosta das raízes
gosta da árvore-mãe
gosta dos galhos-irmãos
gosta das sementes-frutos
gosta do percurso
gosta das veredas
gosta da tarde às tardes
todas as tardes

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Poemas: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

Vídeo: Canal Qiyu Liu

Obs: Carpe diem,  fugere urbem, locus amoenus, inutilia truncat.

 

 

“Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura” G. Rosa

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Rios, Riobaldo

Ela não é ela
ela é uma
ela não tem corpo
só palavras em voz outra
só companhia quimera ilusão
ela não é ela
ela é uma
sem possuí-la
sem senti-la
sem vê-la
ela não é ela
ela é uma
ela é minha refém no escuro das noites
ela é minha cúmplice na clareza dos dias
ela não é ela
ela é uma.

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Dias, Diadorim

Ele é ele
ele não é um
cavalga trota campeia
silencia esvoaça some
Ele é ele
ele não é um
No corpo-sonho
na garupa-nuvem
no dia -Diadorim
Ele é ele
ele não é um
Acorrentada em asas de destino
percebe Diadorim a vereda
segue persegue sua natureza
porque sabe
Ele é ele
ele não é um.

Poesias: Odonir Oliveira

Fotos de arquivo pessoal

1º Vídeo: Canal mariocalarcon

2º Vídeo: Canal Odilon Esteves

(compacto do docudrama “Sertão:Veredas”
produzido pela Bossa Nova Films
direção: Willy Biondani
com: Odilon Esteves, Sílvia Lourenço, Marco Cesana, Laís Corrêa)

“De perto ninguém é normal”

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BARBACENA DOS LOUCOS

Estação dos insanos,
parada nacional de estranhos
chegadas de décadas
depósitos
homens sem esquadro,
mães solteiras,
mulheres histéricas,
seres dissociados do sistema
do círculo fechado
do aceito, do tolerável.
ferros choques dores feridas
lobotomia de luas estrelas porvir.
Parada obrigatória da alienação nacional.
Colônia dos angustiados aflitos.
Colônia dos mortos, vivos.

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Sanatório de assistência aos alienados, Barbacena, MG

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LOUCURA

casamento entre primos
mineiras chagas,
sífilis nas veias
mineiras chagas,
virgens eternas
mineiras chagas,
sacrílegos ditos
mineiras chagas,
ditados persecutórios,
mineiras chagas
janeiros dezembros
castigos pagãos,
mineiras chagas.
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ENLOUQUECENDO

braços estendidos
mãos abertas
artérias perfuradas
rodopio de imagens
tontura vertigem entrega
pernas retesadas
dedos escorregadios
músculos latejantes
tontura vertigem entrega
seios aquecidos
pés frágeis
nervos de manteiga
tontura vertigem entrega
ventre faiscante
joelhos tontos
ossos de areia
tontura vertigem entrega.

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LOBOTOMIAS COTIDIANAS

Para com isso, sua louca
acalma
obedece
não se altera
abaixa a cabeça
obedece
não se revolta
cala
aceita
obedece
aquiesce adoça entontece
sangra
esfola-se
maltrata-se
obedece
acata
embobece
Assim.

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ESPECTRO SOCIAL

São loucos os que querem igualdade
São loucos os que pedem justiça
São loucos os que exigem direitos cristalizados
São loucos os que empunham votos expostos
São loucos os que abrem as janelas do novo
São loucos os que espalham contradições
São loucos os que gritam nas ruas
São loucos os que seduzem olhares, sentires
São loucos os que habitam praças declamando sonhos
São loucos os que assumem vergonhas próprias alhures
São loucos os que percorrem entranhas estranhas e vis
São loucos os que acreditam no todo social justo
São loucos os que expõem suas mazelas em nuvens
São loucos os que sustentam suas teses de paz
São loucos os que recusam moedas e guardam prazeres …

 

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FILME: EM NOME DA RAZÃO

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PARA QUE A HISTÓRIA SEJA OUTRA
o avô paterno lavra à força
o consciente inconsciente de todos
o avô paterno pressagia
“Este não dará nada por conta”
O anátema sobre a cabeça
o avô paterno lavra na contenção
o avô paterno e a repressão
o avô paterno e a repreensão
o avô paterno e a opressão
ao consciente inconsciente de todos
o riso congelado de todos
as carnes nuas de todos
as almas sangrando nas grades
os corpos voando pelas grades
Avôs e avós paternos e maternos de todos
De todos eles
em nós todos.
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ESSA BARBACENA

Barba
-acena
Sobe
Desce
Venta
Queima sol
Olha as rosas
Olha a Rua Quinze
Olha a Escola de Cadetes
Olha a Cabana da Mantiqueira.
Olha as pedras
Tropeça
Levanta
Cai
Levanta
Olha mais
Olha isso-aquilo, olha.
Que Visconde de Barbacena que nada.
Que cidade de loucos que nada
Que gente boa de tudo!
Ah, Barbacena!
Acena
traz teus filhos todos de volta
Que a gente muda esse negócio de política
leite com leite
Vota de novo
Muito bem
E reconstrói esse país.
Eh, Minas,
Eh, Minas !
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ATUALMENTE
ARTE TERAPIA
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ABANDONO

 

Há um risco de nuvem, como facho, no céu azul,
parece de avião, em espaço nunca visto por aviões.
Há uma tempestade ameaçando desmoronar
Só Helena sente.
Só Helena adivinha.
Só Helena aguarda.
O moreno da viola nunca mais voltou.
O moreno da viola é uma novena.
O moreno da viola é o canto dos bem-te-vis pelas manhãs,
a ave-maria da igreja às tardes.
Helena bebe café, lentamente, na janela.
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ANORMAIS

 Norma
Para acordar
Norma para dormir
Norma para falar
Norma para lembrar
Norma para esquecer
Norma
Régua compasso transferidor
De cima pra baixo
De baixo pra cima
Da esquerda pra direita
Da direta pra esquerda
Norma para chegar
Norma para conhecer
Norma para falar
Norma para tocar
Norma para beijar
Norma para estar em
Norma para sair de
Norma para busca
Norma para entrega
Norma para ler
Norma para ouvir
Norma para comer
Norma para degustar
Norma para olhar a estrada
O  lago
A  mata
A  lua
A vida anormal.

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Poesias: Odonir Oliveira

Imagens do Museu da Loucura (Barbacena , MG, dez. 2016)

1º Vídeo: Canal: TheWickedNorth
2º Vídeo: Canal Odonir Oliveira

PARA SABER MAIS: 

http://www.fhemig.mg.gov.br/banco-de-noticias/235-complexo-de-saude-mental/1815-museu-da-loucura-15-anos-coragem-para-contar-uma-historia

http://www.brasilpost.com.br/2016/11/09/holocausto-brasileiro-silencio_n_12882906.html

“Holocausto brasileiro”, de Daniela Arbex ( em PDF)

 Holocausto brasileiro