SER ROMÂNTICO É SER DERRAMADO POR DENTRO E POR FORA.
Dores de amores viram escaras e depois feridas. Às vezes, cicatrizam, mas deixam queloides, aquelas que só de se olhar para elas, dói tudo de novo, por dentro.
Eu gosto muito de gente assim, dolorida, retorcida e depois COLORIDA.
De homem assim, então… UMA DELICIOSA DELÍCIA.
‘‘Se eu faço unicamente o meu
E tu o teu
Corremos o risco de perdermos uma ao outro e a nós mesmos
Não estou neste mundo para preencher tuas expectativas
Mas estou no mundo para me confirmar a ti.
Como um ser humano único para ser confirmado por ti.
Somos plenamente nós mesmos somente em relação um ao outro
Eu não te encontro por acaso te encontro mediante uma vida atenta em lugar de permitir que as coisas me aconteçam passivamente
Posso agir intencionalmente para que aconteçam
Devo começar comigo mesmo, verdade, mas não devo terminar aí, a verdade começa a dois.”
Em: AME e dê VEXAME, de Roberto Freire, Ed. Guanabara, 1990, RJ
A ESTRADA
Não havia mais jeito. Fim de linha. Era essa viagem e depois cada um pro seu lado.E isso agora de ter de contar aos pais, tios e avós já era demais.
Casamento acabando, dez anos de alegrias e tropeços, sem filhos. Fim. Nada segurava mais aquilo. Fim do romantismo, fim do erotismo, fim do companheirismo, fim de tudo. Carmem pensava enquanto o marido Raul dirigia por aquela estrada cheia de remendos e de chuva fininha, sabão para acidentes.
Motorista, só sirvo pra isso. Bem que ela podia guiar um pouco, não considera nem minha dor nas costas, não se oferece, nada. Horas nesse volante. Fim de tudo. Acabou esse jogo, fim da parceria, ainda bem que não tem filho no meio. Menos pensão, menos discussão, só separação e pronto.
Silêncio absurdo como o de uma sala de cirurgia delicada. Delicadíssima. Nenhum lamento, nenhum xingamento ou conexão. Mudez recíproca, que cada palavra dita era prenúncio de deboche, desdém, menosprezo. Fim.
Tropeço na estrada. Engasgo do carro. Esforço de alcançarem uma luzinha acesa à frente. Chuva aumentando. Chegaram. Ele saiu. Chuva. Olhou o motor. Nada. Perguntou a alguém no balcão se ainda haveria alguma oficina nas redondezas que pudesse socorrê-lo. Só amanhã– foi a resposta.
Ela no carro. Lembrou do auxílio da seguradora, mas ali o telefone não funcionava. Fora de área.
Sugestão do homem em pé no balcão: Amanhã, amanhã consertam o seu carro.
O do balcão sugeriu que pernoitassem lá. Nos fundos havia uns quartinhos com banheiro, chuveiro.
Essa música é de onde? – quis saber Raul. Do bailinho aqui ao lado. Toda quarta, sexta e sábado tem. Tem? Tem.
Banhos tomados. Roupas trocadas. Lanches quentes na chapa. Raul, uma pinguinha. Uma batida pra ela. Duas batidas, três batidas. Raul mais umas pingas. Perdeu a conta. Foram até o tal lado porque ouviram a primeira, a segunda, a terceira e eram todas músicas com histórico na etiqueta. Tinham viajado com elas por anos de namoro etc. etc. Dançaram. Ficaram mudos e totalmente sozinhos. Ninguém dos outros pares foi sequer notado pelos dois. Colados de rosto e pele, foram ficando mais e mais colados de rosto e pele, por mais de uma hora.
Chega. Cama. Romantismo. Erotismo. Beijos, toques e prazeres.
Na manhã seguinte o carro ficou pronto.Um sorriso de cumplicidade neles.
Estrada.
Texto: Odonir Oliveira (originalmente publicado em janeiro de 2016)
Fotos de arquivo pessoal
Vídeo: Canal Alexandre Alves