Natal sincero

CEIA DE NATAL

Odonir Oliveira

A semana inteira havia sido de atropelos. O cunhado com um câncer que voltara. O filho do amigo que sumira sem deixar rumo. A família da família do ex- marido pressionando para que os filhos dela fossem para ceia de Natal lá. O jantar que preparava para o namorado estava quase ficando para o dia 27 ou 29 ou até mais pra frente, que tudo se encaminhava para um terremoto ou um maremoto, dependendo de onde saísse o tal jantar.

Verônica era um vulcão de atividades pré- natalinas. Gostava de reunião, mas sem confusão entre familiares. Gostava do pernil assado um pouco apimentado, que a ex-segunda–sogra é que sabia fazer. Entretanto a ex-primeira-sogra se gabava da bacalhoada portuguesa legítima e inteiramente aprovada por convivas até de além-mar. Isso estava ficando muito difícil. Conciliações de novas configurações familiares eram quase impossíveis. A não ser que a hipocrisia fantasiada de espírito natalino ousasse fazer pouso ali, e tudo estaria resolvido. Mas hipocrisias, mesmo com maçã na boca do porquinho à pururuca, não faziam seu gênero.

Sem festa então. Mas e os filhos? Ensinaram-lhe que precisavam conviver com tios, primos, avôs, avós, padrinhos, madrinhas e dar os ossinhos para os cães ao final. Aprendera assim. Como responder a tantas expectativas agora? O cenário era o mesmo, porém convivas já não o eram mais. Que fazer para obter aplausos ao final? Rir o sorriso de véspera, cheio de sacolas de presentes, às vezes equivocados… “meu ex-primeiro-sogro sempre gostou de livros de arte”… “Ih, Verônica, mais um, ele não tem olhado nem os antigos… é só pra juntar poeira”- lembrava-se do último Natal. A ex-segunda-sogra, só delicadezas aparentes, dera-lhe dois beijinhos no ano anterior e reclamara que o presente tinha a cor que ela menos gostava. Terríveis lembranças. Agradar a quem… por quê?

Quase hora da ceia de 2015, as casas das redondezas sempre cheias de parentes e de sons característicos de Natal anunciavam um rito de alegria, assada de véspera, com vozes alteradas de álcool e doses de talentosos e portentosos olhares de estamos aqui outra vez, que bom ainda estarmos vivos, que bom que você veio, trouxe o que te pedi, ponha os presentinhos na árvore, o amigo-secreto já, já começa.  No elevador do prédio gestos mais amáveis entre os moradores, olhares de enlevo datados, toques de mãos e braços datados … Roupas novas, sapatos e sandálias novas, atitudes novas.

Pelas ruas, andando-se a pé, o mesmo do mesmo. O espírito natalino acompanhava Verônica. Pensou que tudo isso era muito bom. Gostava. Mas e depois? No dia 26 tudo voltaria ao mesmo. Tudo voltaria ao espírito não natalino. Um mar de hipocrisias borrifado por almas e mentes. Quisera fosse diferente.

Voltou a casa. Telefonou para os pais de seus filhos.

Aguardou que chegassem. Cumprimentou-os pelo Natal, colocou nas mãos de cada um as sacolas de presentes. Beijou Marcos e Eliana, já pré-adolescentes e se despediu.

Voltou ao jardim e de lá telefonou para o namorado.

Ceia de Natal, então.

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